É prêmio Nobel de Literatura. Escreve quinzenalmente.

Opinião|Mario Vargas Llosa: qual a possibilidade de negociações de paz na Ucrânia?


Presidente ucraniano fala em negociações, mas elas dependem apenas de Putin, que não dá sinais de que cederá

Por Mario Vargas Llosa

Apesar da libertação de Kherson e de boa parte dos territórios conquistados anteriormente pela Rússia de Vladimir Putin, dos quais as tropas russas foram expulsas pela coragem dos ucranianos, volta-se a falar de “paz” no mais grave conflito que se produziu desde a 2.ª Guerra.

A explosão de mísseis na Polônia, com a morte de dois poloneses, lançados pela Ucrânia ou pela Rússia, ainda de responsabilidade duvidosa, agrava a tensão nessa fronteira, enquanto o presidente Volodmir Zelenski, que compareceu diante da imprensa na semana passada, pediu que se abram o quanto antes “as conversas de paz” entre Rússia e Ucrânia, exigindo, isso sim, que a Rússia devolva todos os enclaves ucranianos que ocupou, algo que o chanceler russo qualificou de “pretensões exageradas”.

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Não será fácil que se inaugurem essas “conversas de paz” nestes momentos. Ainda que, acredito, haja uma hostilidade majoritária do povo russo à guerra, a verdade é que esse povo sente, em sua grande maioria, que a Ucrânia segue sendo parte da Rússia, pelo vínculo histórico que existe entre ambos os países – os reis da Rússia teriam sido antes ucranianos que russos – e as múltiplas conexões entre ambos os Estados, que, não esqueçamos, tanto Stalin quanto Kruchev os governaram como se fossem um só. Este último chegou, até mesmo, a reorganizar o território da Ucrânia para que servisse melhor aos interesses da URSS do que à própria sociedade ucraniana.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, discursa em sessão plenária por videoconferência durante a Cúpula dos Líderes do G20 em Bali, Indonésia  Foto: Willy Kurniawan/EPA/EFE

Tradições

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São muito interessantes, a este respeito, as declarações recentes de uma novelista ucraniana recentemente traduzida na Espanha, que relata o estreito vínculo que existia entre Rússia e Ucrânia no passado – a maior parte dos ucranianos fala russo, idioma no qual foram educados – e sustenta que agora, em razão do conflito com o país vizinho, os ucranianos estão se apartando desse legado tradicional e impulsionam a língua ucraniana nos colégios, assim como em seus jornais e escritores. É mais uma razão para estabelecer que a guerra empreendida por Putin afastará um país que se dizia muito próximo à Rússia havia muitos anos. Não esteve entre os cálculos de Putin, ao declarar esta guerra e acusar o novo governo ucraniano de “nazismo”, que semelhantes acusações romperiam os estreitos laços que tinham unido ambos os povos no passado?

Naturalmente, países mudam suas relações com vizinhos, e o século 20 viu como se alteram alianças e como antigos aliados se afastam às vezes por considerações políticas destes vizinhos – talvez seja o caso de chamar de “cúmplices” países que tenham mantido, ao longo de muitos anos, essa boa vizinhança, ao ponto de esses aliados serem considerados por parte dos países do restante do mundo um só país.

Não há dúvida que esta guerra rompe esse estreito vínculo histórico, ao ponto de assegurar a absoluta independência da Ucrânia em relação à Rússia, e, com seus muitos mortos, essa ruptura será confirmada. É uma das consequências deste conflito que será um de seus piores saldos; a responsabilidade será, sobretudo, de Vladimir Putin.

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Dificuldades

Em todo caso, as dificuldades para a Rússia estão crescendo, e isto certamente é um obstáculo para as negociações de paz, que deveriam ter sido abertas há algum tempo, já que o impedimento maior é a própria guerra entre ambos os países. A dificuldade que se abre para que essas negociações comecem é, sem dúvida, o empenho de Putin em levar adiante a humilhação da Ucrânia, o que, com as perspectivas dessa guerra e suas consequências no mundo, é difícil imaginar.

Em todo caso, a dificuldade maior é a razão manejada pelo próprio Putin, que acusou a Ucrânia, como motivo para invadi-la, de ter cedido o poder a um punhado de servos do nazismo.

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Consoantes a essas acusações, os ucranianos deveriam ter recebido as tropas invasoras como a verdadeiros libertadores, e é óbvio que não foi assim. Pelo contrário, tem-se a impressão de que o Exército russo estava muito mal preparado para essas ações e a reação ucraniana foi muito eficiente e teve como surpreendente consequência deter a invasão russa e até fazê-la retroceder. O espetáculo do Exército russo, desconectado entre si, evitando ações militares, fugindo da ação, deve ter surpreendido o próprio Putin, que, é óbvio, não tinha nem sequer uma concepção exata de seu Exército.

Um retrato do presidente russo Vladimir Putin é visto em um centro de detenção preliminar que os ucranianos dizem ter sido usado por militares russos para prender e torturar pessoas antes de se retirarem, em Kherson, Ucrânia Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters

Deve estar se lamentando, em privado, de ter conhecimentos tão escassos das condições em que se encontravam suas forças militares. Assim como sobre o apoio que os ucranianos receberam de toda a aliança atlântica e, em especial, dos Estados Unidos, que certamente têm financiado em boa parte a resistência da Ucrânia ao ataque dos russos.

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Contenção

A situação, nestes momentos, é tal que dificilmente existe um ambiente propício à abertura das negociações de paz. A não ser que na própria Rússia se opere uma mudança de situação em que a ação de Putin seja freada, ou cortada pela raiz, por seus colaboradores mais imediatos. Não dá impressão de que a situação das forças militares russas seja tão deplorável que tenha chegado o momento de limitar ou cancelar a influência de Putin nas ações militares da Rússia.

Se a guerra continua, há um novo conflito em perspectiva. A Ucrânia, assoberbada por suas vitórias militares, pode exigir que as negociações de paz se estabeleçam de maneira que resultem inaceitáveis pela Rússia. E, então, o conflito se estenderá até que a ameaça de usar projéteis atômicos por parte da Rússia tenha lampejos de realidade. E, nesse caso, abre-se a perspectiva de um conflito nuclear entre as grandes potências do qual sobrará apenas um décimo do mundo vivente, ou que acabará com tudo.

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A única possibilidade de que negociações de paz sejam abertas no mais sério conflito que atravessa o mundo é o controle que Putin exerce sobre os assuntos russos se ver reduzido ou compartilhado com os chefes militares ou políticos, que sem dúvida veem com perspectivas sombrias o que se avizinha. Mas não parece que as coisas tenham chegado a esses extremos. Pelo menos ainda não, mesmo que, sem dúvida, caminhem para essa direção.

Devolução

Parece mentira: o capricho de um chefe de Estado nos levou a essa situação tão gravemente comprometida, de depender exclusivamente da Rússia que se abram negociações de paz justas, ou seja, que garantam a independência da Ucrânia. Isso não é possível se a Rússia não estiver disposta a devolver todos os territórios que conquistou desse país vizinho. E a Ucrânia não se submeterá a mais uma humilhação, com todos esses mortos que tem e o heroísmo que comprovou, nessa guerra injusta que um gigante capenga levou a seu território.

A possibilidade de que se abram negociações de paz depende de os hierarcas da Rússia (ninguém sabe quem são ainda) reduzirem ou cancelarem o poder que Putin vem exercendo. Mas ainda é cedo demais para que isso ocorra. Enquanto isso, essa guerra continuará enchendo os campos da Europa de vítimas inocentes. Até quando?/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Apesar da libertação de Kherson e de boa parte dos territórios conquistados anteriormente pela Rússia de Vladimir Putin, dos quais as tropas russas foram expulsas pela coragem dos ucranianos, volta-se a falar de “paz” no mais grave conflito que se produziu desde a 2.ª Guerra.

A explosão de mísseis na Polônia, com a morte de dois poloneses, lançados pela Ucrânia ou pela Rússia, ainda de responsabilidade duvidosa, agrava a tensão nessa fronteira, enquanto o presidente Volodmir Zelenski, que compareceu diante da imprensa na semana passada, pediu que se abram o quanto antes “as conversas de paz” entre Rússia e Ucrânia, exigindo, isso sim, que a Rússia devolva todos os enclaves ucranianos que ocupou, algo que o chanceler russo qualificou de “pretensões exageradas”.

Não será fácil que se inaugurem essas “conversas de paz” nestes momentos. Ainda que, acredito, haja uma hostilidade majoritária do povo russo à guerra, a verdade é que esse povo sente, em sua grande maioria, que a Ucrânia segue sendo parte da Rússia, pelo vínculo histórico que existe entre ambos os países – os reis da Rússia teriam sido antes ucranianos que russos – e as múltiplas conexões entre ambos os Estados, que, não esqueçamos, tanto Stalin quanto Kruchev os governaram como se fossem um só. Este último chegou, até mesmo, a reorganizar o território da Ucrânia para que servisse melhor aos interesses da URSS do que à própria sociedade ucraniana.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, discursa em sessão plenária por videoconferência durante a Cúpula dos Líderes do G20 em Bali, Indonésia  Foto: Willy Kurniawan/EPA/EFE

Tradições

São muito interessantes, a este respeito, as declarações recentes de uma novelista ucraniana recentemente traduzida na Espanha, que relata o estreito vínculo que existia entre Rússia e Ucrânia no passado – a maior parte dos ucranianos fala russo, idioma no qual foram educados – e sustenta que agora, em razão do conflito com o país vizinho, os ucranianos estão se apartando desse legado tradicional e impulsionam a língua ucraniana nos colégios, assim como em seus jornais e escritores. É mais uma razão para estabelecer que a guerra empreendida por Putin afastará um país que se dizia muito próximo à Rússia havia muitos anos. Não esteve entre os cálculos de Putin, ao declarar esta guerra e acusar o novo governo ucraniano de “nazismo”, que semelhantes acusações romperiam os estreitos laços que tinham unido ambos os povos no passado?

Naturalmente, países mudam suas relações com vizinhos, e o século 20 viu como se alteram alianças e como antigos aliados se afastam às vezes por considerações políticas destes vizinhos – talvez seja o caso de chamar de “cúmplices” países que tenham mantido, ao longo de muitos anos, essa boa vizinhança, ao ponto de esses aliados serem considerados por parte dos países do restante do mundo um só país.

Não há dúvida que esta guerra rompe esse estreito vínculo histórico, ao ponto de assegurar a absoluta independência da Ucrânia em relação à Rússia, e, com seus muitos mortos, essa ruptura será confirmada. É uma das consequências deste conflito que será um de seus piores saldos; a responsabilidade será, sobretudo, de Vladimir Putin.

Dificuldades

Em todo caso, as dificuldades para a Rússia estão crescendo, e isto certamente é um obstáculo para as negociações de paz, que deveriam ter sido abertas há algum tempo, já que o impedimento maior é a própria guerra entre ambos os países. A dificuldade que se abre para que essas negociações comecem é, sem dúvida, o empenho de Putin em levar adiante a humilhação da Ucrânia, o que, com as perspectivas dessa guerra e suas consequências no mundo, é difícil imaginar.

Em todo caso, a dificuldade maior é a razão manejada pelo próprio Putin, que acusou a Ucrânia, como motivo para invadi-la, de ter cedido o poder a um punhado de servos do nazismo.

Consoantes a essas acusações, os ucranianos deveriam ter recebido as tropas invasoras como a verdadeiros libertadores, e é óbvio que não foi assim. Pelo contrário, tem-se a impressão de que o Exército russo estava muito mal preparado para essas ações e a reação ucraniana foi muito eficiente e teve como surpreendente consequência deter a invasão russa e até fazê-la retroceder. O espetáculo do Exército russo, desconectado entre si, evitando ações militares, fugindo da ação, deve ter surpreendido o próprio Putin, que, é óbvio, não tinha nem sequer uma concepção exata de seu Exército.

Um retrato do presidente russo Vladimir Putin é visto em um centro de detenção preliminar que os ucranianos dizem ter sido usado por militares russos para prender e torturar pessoas antes de se retirarem, em Kherson, Ucrânia Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters

Deve estar se lamentando, em privado, de ter conhecimentos tão escassos das condições em que se encontravam suas forças militares. Assim como sobre o apoio que os ucranianos receberam de toda a aliança atlântica e, em especial, dos Estados Unidos, que certamente têm financiado em boa parte a resistência da Ucrânia ao ataque dos russos.

Contenção

A situação, nestes momentos, é tal que dificilmente existe um ambiente propício à abertura das negociações de paz. A não ser que na própria Rússia se opere uma mudança de situação em que a ação de Putin seja freada, ou cortada pela raiz, por seus colaboradores mais imediatos. Não dá impressão de que a situação das forças militares russas seja tão deplorável que tenha chegado o momento de limitar ou cancelar a influência de Putin nas ações militares da Rússia.

Se a guerra continua, há um novo conflito em perspectiva. A Ucrânia, assoberbada por suas vitórias militares, pode exigir que as negociações de paz se estabeleçam de maneira que resultem inaceitáveis pela Rússia. E, então, o conflito se estenderá até que a ameaça de usar projéteis atômicos por parte da Rússia tenha lampejos de realidade. E, nesse caso, abre-se a perspectiva de um conflito nuclear entre as grandes potências do qual sobrará apenas um décimo do mundo vivente, ou que acabará com tudo.

A única possibilidade de que negociações de paz sejam abertas no mais sério conflito que atravessa o mundo é o controle que Putin exerce sobre os assuntos russos se ver reduzido ou compartilhado com os chefes militares ou políticos, que sem dúvida veem com perspectivas sombrias o que se avizinha. Mas não parece que as coisas tenham chegado a esses extremos. Pelo menos ainda não, mesmo que, sem dúvida, caminhem para essa direção.

Devolução

Parece mentira: o capricho de um chefe de Estado nos levou a essa situação tão gravemente comprometida, de depender exclusivamente da Rússia que se abram negociações de paz justas, ou seja, que garantam a independência da Ucrânia. Isso não é possível se a Rússia não estiver disposta a devolver todos os territórios que conquistou desse país vizinho. E a Ucrânia não se submeterá a mais uma humilhação, com todos esses mortos que tem e o heroísmo que comprovou, nessa guerra injusta que um gigante capenga levou a seu território.

A possibilidade de que se abram negociações de paz depende de os hierarcas da Rússia (ninguém sabe quem são ainda) reduzirem ou cancelarem o poder que Putin vem exercendo. Mas ainda é cedo demais para que isso ocorra. Enquanto isso, essa guerra continuará enchendo os campos da Europa de vítimas inocentes. Até quando?/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Apesar da libertação de Kherson e de boa parte dos territórios conquistados anteriormente pela Rússia de Vladimir Putin, dos quais as tropas russas foram expulsas pela coragem dos ucranianos, volta-se a falar de “paz” no mais grave conflito que se produziu desde a 2.ª Guerra.

A explosão de mísseis na Polônia, com a morte de dois poloneses, lançados pela Ucrânia ou pela Rússia, ainda de responsabilidade duvidosa, agrava a tensão nessa fronteira, enquanto o presidente Volodmir Zelenski, que compareceu diante da imprensa na semana passada, pediu que se abram o quanto antes “as conversas de paz” entre Rússia e Ucrânia, exigindo, isso sim, que a Rússia devolva todos os enclaves ucranianos que ocupou, algo que o chanceler russo qualificou de “pretensões exageradas”.

Não será fácil que se inaugurem essas “conversas de paz” nestes momentos. Ainda que, acredito, haja uma hostilidade majoritária do povo russo à guerra, a verdade é que esse povo sente, em sua grande maioria, que a Ucrânia segue sendo parte da Rússia, pelo vínculo histórico que existe entre ambos os países – os reis da Rússia teriam sido antes ucranianos que russos – e as múltiplas conexões entre ambos os Estados, que, não esqueçamos, tanto Stalin quanto Kruchev os governaram como se fossem um só. Este último chegou, até mesmo, a reorganizar o território da Ucrânia para que servisse melhor aos interesses da URSS do que à própria sociedade ucraniana.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, discursa em sessão plenária por videoconferência durante a Cúpula dos Líderes do G20 em Bali, Indonésia  Foto: Willy Kurniawan/EPA/EFE

Tradições

São muito interessantes, a este respeito, as declarações recentes de uma novelista ucraniana recentemente traduzida na Espanha, que relata o estreito vínculo que existia entre Rússia e Ucrânia no passado – a maior parte dos ucranianos fala russo, idioma no qual foram educados – e sustenta que agora, em razão do conflito com o país vizinho, os ucranianos estão se apartando desse legado tradicional e impulsionam a língua ucraniana nos colégios, assim como em seus jornais e escritores. É mais uma razão para estabelecer que a guerra empreendida por Putin afastará um país que se dizia muito próximo à Rússia havia muitos anos. Não esteve entre os cálculos de Putin, ao declarar esta guerra e acusar o novo governo ucraniano de “nazismo”, que semelhantes acusações romperiam os estreitos laços que tinham unido ambos os povos no passado?

Naturalmente, países mudam suas relações com vizinhos, e o século 20 viu como se alteram alianças e como antigos aliados se afastam às vezes por considerações políticas destes vizinhos – talvez seja o caso de chamar de “cúmplices” países que tenham mantido, ao longo de muitos anos, essa boa vizinhança, ao ponto de esses aliados serem considerados por parte dos países do restante do mundo um só país.

Não há dúvida que esta guerra rompe esse estreito vínculo histórico, ao ponto de assegurar a absoluta independência da Ucrânia em relação à Rússia, e, com seus muitos mortos, essa ruptura será confirmada. É uma das consequências deste conflito que será um de seus piores saldos; a responsabilidade será, sobretudo, de Vladimir Putin.

Dificuldades

Em todo caso, as dificuldades para a Rússia estão crescendo, e isto certamente é um obstáculo para as negociações de paz, que deveriam ter sido abertas há algum tempo, já que o impedimento maior é a própria guerra entre ambos os países. A dificuldade que se abre para que essas negociações comecem é, sem dúvida, o empenho de Putin em levar adiante a humilhação da Ucrânia, o que, com as perspectivas dessa guerra e suas consequências no mundo, é difícil imaginar.

Em todo caso, a dificuldade maior é a razão manejada pelo próprio Putin, que acusou a Ucrânia, como motivo para invadi-la, de ter cedido o poder a um punhado de servos do nazismo.

Consoantes a essas acusações, os ucranianos deveriam ter recebido as tropas invasoras como a verdadeiros libertadores, e é óbvio que não foi assim. Pelo contrário, tem-se a impressão de que o Exército russo estava muito mal preparado para essas ações e a reação ucraniana foi muito eficiente e teve como surpreendente consequência deter a invasão russa e até fazê-la retroceder. O espetáculo do Exército russo, desconectado entre si, evitando ações militares, fugindo da ação, deve ter surpreendido o próprio Putin, que, é óbvio, não tinha nem sequer uma concepção exata de seu Exército.

Um retrato do presidente russo Vladimir Putin é visto em um centro de detenção preliminar que os ucranianos dizem ter sido usado por militares russos para prender e torturar pessoas antes de se retirarem, em Kherson, Ucrânia Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters

Deve estar se lamentando, em privado, de ter conhecimentos tão escassos das condições em que se encontravam suas forças militares. Assim como sobre o apoio que os ucranianos receberam de toda a aliança atlântica e, em especial, dos Estados Unidos, que certamente têm financiado em boa parte a resistência da Ucrânia ao ataque dos russos.

Contenção

A situação, nestes momentos, é tal que dificilmente existe um ambiente propício à abertura das negociações de paz. A não ser que na própria Rússia se opere uma mudança de situação em que a ação de Putin seja freada, ou cortada pela raiz, por seus colaboradores mais imediatos. Não dá impressão de que a situação das forças militares russas seja tão deplorável que tenha chegado o momento de limitar ou cancelar a influência de Putin nas ações militares da Rússia.

Se a guerra continua, há um novo conflito em perspectiva. A Ucrânia, assoberbada por suas vitórias militares, pode exigir que as negociações de paz se estabeleçam de maneira que resultem inaceitáveis pela Rússia. E, então, o conflito se estenderá até que a ameaça de usar projéteis atômicos por parte da Rússia tenha lampejos de realidade. E, nesse caso, abre-se a perspectiva de um conflito nuclear entre as grandes potências do qual sobrará apenas um décimo do mundo vivente, ou que acabará com tudo.

A única possibilidade de que negociações de paz sejam abertas no mais sério conflito que atravessa o mundo é o controle que Putin exerce sobre os assuntos russos se ver reduzido ou compartilhado com os chefes militares ou políticos, que sem dúvida veem com perspectivas sombrias o que se avizinha. Mas não parece que as coisas tenham chegado a esses extremos. Pelo menos ainda não, mesmo que, sem dúvida, caminhem para essa direção.

Devolução

Parece mentira: o capricho de um chefe de Estado nos levou a essa situação tão gravemente comprometida, de depender exclusivamente da Rússia que se abram negociações de paz justas, ou seja, que garantam a independência da Ucrânia. Isso não é possível se a Rússia não estiver disposta a devolver todos os territórios que conquistou desse país vizinho. E a Ucrânia não se submeterá a mais uma humilhação, com todos esses mortos que tem e o heroísmo que comprovou, nessa guerra injusta que um gigante capenga levou a seu território.

A possibilidade de que se abram negociações de paz depende de os hierarcas da Rússia (ninguém sabe quem são ainda) reduzirem ou cancelarem o poder que Putin vem exercendo. Mas ainda é cedo demais para que isso ocorra. Enquanto isso, essa guerra continuará enchendo os campos da Europa de vítimas inocentes. Até quando?/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Apesar da libertação de Kherson e de boa parte dos territórios conquistados anteriormente pela Rússia de Vladimir Putin, dos quais as tropas russas foram expulsas pela coragem dos ucranianos, volta-se a falar de “paz” no mais grave conflito que se produziu desde a 2.ª Guerra.

A explosão de mísseis na Polônia, com a morte de dois poloneses, lançados pela Ucrânia ou pela Rússia, ainda de responsabilidade duvidosa, agrava a tensão nessa fronteira, enquanto o presidente Volodmir Zelenski, que compareceu diante da imprensa na semana passada, pediu que se abram o quanto antes “as conversas de paz” entre Rússia e Ucrânia, exigindo, isso sim, que a Rússia devolva todos os enclaves ucranianos que ocupou, algo que o chanceler russo qualificou de “pretensões exageradas”.

Não será fácil que se inaugurem essas “conversas de paz” nestes momentos. Ainda que, acredito, haja uma hostilidade majoritária do povo russo à guerra, a verdade é que esse povo sente, em sua grande maioria, que a Ucrânia segue sendo parte da Rússia, pelo vínculo histórico que existe entre ambos os países – os reis da Rússia teriam sido antes ucranianos que russos – e as múltiplas conexões entre ambos os Estados, que, não esqueçamos, tanto Stalin quanto Kruchev os governaram como se fossem um só. Este último chegou, até mesmo, a reorganizar o território da Ucrânia para que servisse melhor aos interesses da URSS do que à própria sociedade ucraniana.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, discursa em sessão plenária por videoconferência durante a Cúpula dos Líderes do G20 em Bali, Indonésia  Foto: Willy Kurniawan/EPA/EFE

Tradições

São muito interessantes, a este respeito, as declarações recentes de uma novelista ucraniana recentemente traduzida na Espanha, que relata o estreito vínculo que existia entre Rússia e Ucrânia no passado – a maior parte dos ucranianos fala russo, idioma no qual foram educados – e sustenta que agora, em razão do conflito com o país vizinho, os ucranianos estão se apartando desse legado tradicional e impulsionam a língua ucraniana nos colégios, assim como em seus jornais e escritores. É mais uma razão para estabelecer que a guerra empreendida por Putin afastará um país que se dizia muito próximo à Rússia havia muitos anos. Não esteve entre os cálculos de Putin, ao declarar esta guerra e acusar o novo governo ucraniano de “nazismo”, que semelhantes acusações romperiam os estreitos laços que tinham unido ambos os povos no passado?

Naturalmente, países mudam suas relações com vizinhos, e o século 20 viu como se alteram alianças e como antigos aliados se afastam às vezes por considerações políticas destes vizinhos – talvez seja o caso de chamar de “cúmplices” países que tenham mantido, ao longo de muitos anos, essa boa vizinhança, ao ponto de esses aliados serem considerados por parte dos países do restante do mundo um só país.

Não há dúvida que esta guerra rompe esse estreito vínculo histórico, ao ponto de assegurar a absoluta independência da Ucrânia em relação à Rússia, e, com seus muitos mortos, essa ruptura será confirmada. É uma das consequências deste conflito que será um de seus piores saldos; a responsabilidade será, sobretudo, de Vladimir Putin.

Dificuldades

Em todo caso, as dificuldades para a Rússia estão crescendo, e isto certamente é um obstáculo para as negociações de paz, que deveriam ter sido abertas há algum tempo, já que o impedimento maior é a própria guerra entre ambos os países. A dificuldade que se abre para que essas negociações comecem é, sem dúvida, o empenho de Putin em levar adiante a humilhação da Ucrânia, o que, com as perspectivas dessa guerra e suas consequências no mundo, é difícil imaginar.

Em todo caso, a dificuldade maior é a razão manejada pelo próprio Putin, que acusou a Ucrânia, como motivo para invadi-la, de ter cedido o poder a um punhado de servos do nazismo.

Consoantes a essas acusações, os ucranianos deveriam ter recebido as tropas invasoras como a verdadeiros libertadores, e é óbvio que não foi assim. Pelo contrário, tem-se a impressão de que o Exército russo estava muito mal preparado para essas ações e a reação ucraniana foi muito eficiente e teve como surpreendente consequência deter a invasão russa e até fazê-la retroceder. O espetáculo do Exército russo, desconectado entre si, evitando ações militares, fugindo da ação, deve ter surpreendido o próprio Putin, que, é óbvio, não tinha nem sequer uma concepção exata de seu Exército.

Um retrato do presidente russo Vladimir Putin é visto em um centro de detenção preliminar que os ucranianos dizem ter sido usado por militares russos para prender e torturar pessoas antes de se retirarem, em Kherson, Ucrânia Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters

Deve estar se lamentando, em privado, de ter conhecimentos tão escassos das condições em que se encontravam suas forças militares. Assim como sobre o apoio que os ucranianos receberam de toda a aliança atlântica e, em especial, dos Estados Unidos, que certamente têm financiado em boa parte a resistência da Ucrânia ao ataque dos russos.

Contenção

A situação, nestes momentos, é tal que dificilmente existe um ambiente propício à abertura das negociações de paz. A não ser que na própria Rússia se opere uma mudança de situação em que a ação de Putin seja freada, ou cortada pela raiz, por seus colaboradores mais imediatos. Não dá impressão de que a situação das forças militares russas seja tão deplorável que tenha chegado o momento de limitar ou cancelar a influência de Putin nas ações militares da Rússia.

Se a guerra continua, há um novo conflito em perspectiva. A Ucrânia, assoberbada por suas vitórias militares, pode exigir que as negociações de paz se estabeleçam de maneira que resultem inaceitáveis pela Rússia. E, então, o conflito se estenderá até que a ameaça de usar projéteis atômicos por parte da Rússia tenha lampejos de realidade. E, nesse caso, abre-se a perspectiva de um conflito nuclear entre as grandes potências do qual sobrará apenas um décimo do mundo vivente, ou que acabará com tudo.

A única possibilidade de que negociações de paz sejam abertas no mais sério conflito que atravessa o mundo é o controle que Putin exerce sobre os assuntos russos se ver reduzido ou compartilhado com os chefes militares ou políticos, que sem dúvida veem com perspectivas sombrias o que se avizinha. Mas não parece que as coisas tenham chegado a esses extremos. Pelo menos ainda não, mesmo que, sem dúvida, caminhem para essa direção.

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Parece mentira: o capricho de um chefe de Estado nos levou a essa situação tão gravemente comprometida, de depender exclusivamente da Rússia que se abram negociações de paz justas, ou seja, que garantam a independência da Ucrânia. Isso não é possível se a Rússia não estiver disposta a devolver todos os territórios que conquistou desse país vizinho. E a Ucrânia não se submeterá a mais uma humilhação, com todos esses mortos que tem e o heroísmo que comprovou, nessa guerra injusta que um gigante capenga levou a seu território.

A possibilidade de que se abram negociações de paz depende de os hierarcas da Rússia (ninguém sabe quem são ainda) reduzirem ou cancelarem o poder que Putin vem exercendo. Mas ainda é cedo demais para que isso ocorra. Enquanto isso, essa guerra continuará enchendo os campos da Europa de vítimas inocentes. Até quando?/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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