Medidas de Milei estão longe de ser um plano para estabilizar a crise argentina, diz economista


Presidente divulgou dez medidas que visam promover um grande ajuste fiscal, mas falta de plano para lidar com explosão da inflação preocupa, afirma professor da UBA

Por Carolina Marins
Atualização:
Foto: Fabio Rodriguez / Reprodução / Twitter
Entrevista comFabio RodriguezEconomista pela Universidade de Buenos Aires (UBA)

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - O governo de Javier Milei divulgou nesta terça-feira, 12, uma lista de dez medidas que devem nortear a sua política de “choque” econômico para estabilizar a crise econômica da Argentina. As medidas, porém, anunciadas em meio a atrasos e regravações do ministro Luis Caputo, são vistas como insuficientes e trazem mais dúvidas do que respostas sobre o futuro do país.

Segundo o economista da Universidade de Buenos Aires (UBA), Fabio Rodriguez, os dez pontos apresentados por Caputo finalmente dão corpo às promessas de Milei de ajuste fiscal, mas trazem um diagnóstico incompleto da situação econômica argentina e de como resolver os problemas sociais que tais medidas de choquem podem trazer.

A gigante desvalorização da moeda, que praticamente dobrou o preço do peso frente ao dólar (que saiu de mais de 400 pesos para 800 esta noite) promete fazer explodir a inflação que já está em 142% na taxa interanual. Porém, não houve definições de como lidar com este aumento expressivo nos preços, apenas falas de justificativas como “vamos ficar alguns meses piores do que antes”.

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O ministro da Economia, Luis Caputo, após a primeira reunião ministerial com Javier Milei Foto: Agustin Marcarian/Reuters

Veja trechos da entrevista:

A desvalorização era uma medida prevista, porém foi muito maior do que a aventada. Como interpretar esta decisão?

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Minha primeira impressão é que ele começou a dar cara e nome ao ajuste fiscal. Não me parece que isso não seja um plano de estabilização. Fica muito aquém de um plano de estabilização. É um ajuste fiscal para eliminar o déficit, que foi apresentado no início como a raiz de todos os problemas da Argentina. Me parece um diagnóstico bastante incompleto e, portanto, é uma proposta que não chamo de programa nem plano. Fala muito em fechar o déficit e equilibrar as contas públicas, mas falta um plano para lidar com o componente inflacionário.

Quando você corrige em 100% a taxa de câmbio oficial, você faz uma jogada muito arriscada pelo componente inflacionário que vai desencadear. Duas ou três das medidas anunciadas têm um componente fortemente inflacionário, como a eliminação de subsídios. O presidente anunciou que estão chegando os três e quatro meses que serão os piores que já tivemos, e há muito perigo nisso porque não há nenhuma medida que ataca justamente o que vai ser uma explosão desse índice. Não tem nenhum componente nesse sentido e não tem um componente forte para o que é a compensação social, que é o que tem que fazer para que isto não tenha um crescimento explosivo do conflito social e do risco de perder governabilidade.

Tem apenas duas medidas específicas de aumento em apenas dois programas (AUH e cartão alimentação), mas, por exemplo, não tem uma palavra sobre o que vai acontecer com os aposentados, de como os salários serão atualizados.

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Sim, o ministro anunciou não só que vai manter o programas sociais como a ‘Asignación Universal por Hijo’ e o cartão alimentação, mas vai aumentá-los. Porém, diz que ‘não há dinheiro’. Como fará para mantê-los?

Isso era algo que ela já dizia que ia manter, que o único caixa aberto seria do ministério de Capital Humano, que herdou toda a parte dessas medidas sociais. Há dois programas muito pontuais: o AUH é um, que duplica o valor, e o cartão alimentação é outro, que vai ter um aumento de 50%. Aí o que é importante entender é que existem duas vias da assistência social: uma é direta, que recebe diretamente a pessoa em seu cartão ou poupança, e são essas que tem aumento. E se congela outro programa que chama Potenciar. Nesse plano há intermediação de grupos sociais. A mensagem aí é: ‘vamos eliminar a intermediação’, por isso esse plano vai ficar congelado, porque esse não chega diretamente ao beneficiário, mas sim através de cooperativas e organizações sociais que distribuem esse dinheiro.

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E quanto aos vários tipos de câmbio que há na Argentina. Milei havia dito que ia unificá-los, mas não vimos isso nas medidas. O que acontece?

Faltam muitas definições e essa é uma delas. Em termos de mercado cambial, as explicações ficaram muito aquém porque nem foram estabelecidas quantas serão as taxas de câmbio. Porque ele disse que quem vai pagar é o exportador, que vai cobrar 800 pesos, mas vai ter que pagar retenções que não foram informadas quanto, e um importador vai pagar 800, mas vai pagar um imposto adicional que não foi informado quanto. Então parece para mim que amanhã a abertura dos mercados vai ser bastante incerta, porque em última análise não está estabelecida, qual é a ordem especificamente para o mercado de câmbio.

Preço da carne em um açougue em Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP
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Também foram anunciadas reduções nas transferências do governo nacional para as províncias, como isso deve impactar as províncias?

Na verdade é um golpe de duas formas: porque reduz o dinheiro que é enviado diretamente e paralisa as obras públicas. Esse dinheiro enviado em geral as províncias utilizam para apoiar projetos das províncias que precisa de mais financiamento. Ou vai para a saúde ou vai para a educação, para construir escolas, jardins de infância, etc., então me parece que isso é um golpe. E além disso tem a questão da retenção de exportações, que tornam os produtos regionais menos competitivos.

Além dessas medidas que afetam diretamente as províncias, ele também tratou da redução de subsídios e da propaganda oficial, temas que são bastante impopulares. Isso pode afetar sua popularidade?

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Parece-me que ele está jogando no limite para ver qual é a tolerância ao ajuste. Depois de ter tido amplo apoio social eleitoral, em que 55% da população votou nele no segundo turno, me parece que ele tenta aproveitar o momento inicial, porque sabemos que se os governos não fazem isso no momento inicial, então eles perdem o momento, a tolerância diminui rapidamente. Então ele está dizendo: ‘testarei rapidamente a tolerância com medidas muito duras para descobrir se a sociedade está realmente disposta.

Eles o votaram, mas quer saber se fundamentalmente entendem e toleram o ‘vai piorar para depois melhorar’. Isso pode ter muito voluntarismo em uma sociedade como a argentina que quando começa a ver que os preços estão obviamente tendo comportamento de aumentos bizarros e a renda não acompanha, pode fazer com que o apoio e a tolerância caiam rapidamente. Quando isso começa a se conhecer no concreto que é ver no supermercado, ver nos serviços, na luz, no transporte... O transporte na Argentina é sempre muito sensível porque é usado pelas classes mais baixas e aqueles que socialmente são mais afetados. Nisso há uma grande interrogação.

Por fim, Milei ao conduzir essa política de choque no ajuste fiscal, busca conquistar confiança de investidores para atrair os dólares que a Argentina não tem. Essas medidas cumprem esse objetivo?

Não. Minha resposta é não. Porque não vejo o mínimo. Um primeiro passo seria explicar como ele vai evitar o déficit. Isso é uma etapa ou parte de um processo que tem que ser muito mais amplo do que um programa que diga como vamos estabilizar a inflação e isso tem outros componentes que não são só fiscais, são monetários, são cambiais e são de renda, então nessas três últimas partes não houve anúncio e não houve explicação. Não é programa para gerar confiança e que consigamos estabilizar a economia.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - O governo de Javier Milei divulgou nesta terça-feira, 12, uma lista de dez medidas que devem nortear a sua política de “choque” econômico para estabilizar a crise econômica da Argentina. As medidas, porém, anunciadas em meio a atrasos e regravações do ministro Luis Caputo, são vistas como insuficientes e trazem mais dúvidas do que respostas sobre o futuro do país.

Segundo o economista da Universidade de Buenos Aires (UBA), Fabio Rodriguez, os dez pontos apresentados por Caputo finalmente dão corpo às promessas de Milei de ajuste fiscal, mas trazem um diagnóstico incompleto da situação econômica argentina e de como resolver os problemas sociais que tais medidas de choquem podem trazer.

A gigante desvalorização da moeda, que praticamente dobrou o preço do peso frente ao dólar (que saiu de mais de 400 pesos para 800 esta noite) promete fazer explodir a inflação que já está em 142% na taxa interanual. Porém, não houve definições de como lidar com este aumento expressivo nos preços, apenas falas de justificativas como “vamos ficar alguns meses piores do que antes”.

O ministro da Economia, Luis Caputo, após a primeira reunião ministerial com Javier Milei Foto: Agustin Marcarian/Reuters

Veja trechos da entrevista:

A desvalorização era uma medida prevista, porém foi muito maior do que a aventada. Como interpretar esta decisão?

Minha primeira impressão é que ele começou a dar cara e nome ao ajuste fiscal. Não me parece que isso não seja um plano de estabilização. Fica muito aquém de um plano de estabilização. É um ajuste fiscal para eliminar o déficit, que foi apresentado no início como a raiz de todos os problemas da Argentina. Me parece um diagnóstico bastante incompleto e, portanto, é uma proposta que não chamo de programa nem plano. Fala muito em fechar o déficit e equilibrar as contas públicas, mas falta um plano para lidar com o componente inflacionário.

Quando você corrige em 100% a taxa de câmbio oficial, você faz uma jogada muito arriscada pelo componente inflacionário que vai desencadear. Duas ou três das medidas anunciadas têm um componente fortemente inflacionário, como a eliminação de subsídios. O presidente anunciou que estão chegando os três e quatro meses que serão os piores que já tivemos, e há muito perigo nisso porque não há nenhuma medida que ataca justamente o que vai ser uma explosão desse índice. Não tem nenhum componente nesse sentido e não tem um componente forte para o que é a compensação social, que é o que tem que fazer para que isto não tenha um crescimento explosivo do conflito social e do risco de perder governabilidade.

Tem apenas duas medidas específicas de aumento em apenas dois programas (AUH e cartão alimentação), mas, por exemplo, não tem uma palavra sobre o que vai acontecer com os aposentados, de como os salários serão atualizados.

Sim, o ministro anunciou não só que vai manter o programas sociais como a ‘Asignación Universal por Hijo’ e o cartão alimentação, mas vai aumentá-los. Porém, diz que ‘não há dinheiro’. Como fará para mantê-los?

Isso era algo que ela já dizia que ia manter, que o único caixa aberto seria do ministério de Capital Humano, que herdou toda a parte dessas medidas sociais. Há dois programas muito pontuais: o AUH é um, que duplica o valor, e o cartão alimentação é outro, que vai ter um aumento de 50%. Aí o que é importante entender é que existem duas vias da assistência social: uma é direta, que recebe diretamente a pessoa em seu cartão ou poupança, e são essas que tem aumento. E se congela outro programa que chama Potenciar. Nesse plano há intermediação de grupos sociais. A mensagem aí é: ‘vamos eliminar a intermediação’, por isso esse plano vai ficar congelado, porque esse não chega diretamente ao beneficiário, mas sim através de cooperativas e organizações sociais que distribuem esse dinheiro.

E quanto aos vários tipos de câmbio que há na Argentina. Milei havia dito que ia unificá-los, mas não vimos isso nas medidas. O que acontece?

Faltam muitas definições e essa é uma delas. Em termos de mercado cambial, as explicações ficaram muito aquém porque nem foram estabelecidas quantas serão as taxas de câmbio. Porque ele disse que quem vai pagar é o exportador, que vai cobrar 800 pesos, mas vai ter que pagar retenções que não foram informadas quanto, e um importador vai pagar 800, mas vai pagar um imposto adicional que não foi informado quanto. Então parece para mim que amanhã a abertura dos mercados vai ser bastante incerta, porque em última análise não está estabelecida, qual é a ordem especificamente para o mercado de câmbio.

Preço da carne em um açougue em Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Também foram anunciadas reduções nas transferências do governo nacional para as províncias, como isso deve impactar as províncias?

Na verdade é um golpe de duas formas: porque reduz o dinheiro que é enviado diretamente e paralisa as obras públicas. Esse dinheiro enviado em geral as províncias utilizam para apoiar projetos das províncias que precisa de mais financiamento. Ou vai para a saúde ou vai para a educação, para construir escolas, jardins de infância, etc., então me parece que isso é um golpe. E além disso tem a questão da retenção de exportações, que tornam os produtos regionais menos competitivos.

Além dessas medidas que afetam diretamente as províncias, ele também tratou da redução de subsídios e da propaganda oficial, temas que são bastante impopulares. Isso pode afetar sua popularidade?

Parece-me que ele está jogando no limite para ver qual é a tolerância ao ajuste. Depois de ter tido amplo apoio social eleitoral, em que 55% da população votou nele no segundo turno, me parece que ele tenta aproveitar o momento inicial, porque sabemos que se os governos não fazem isso no momento inicial, então eles perdem o momento, a tolerância diminui rapidamente. Então ele está dizendo: ‘testarei rapidamente a tolerância com medidas muito duras para descobrir se a sociedade está realmente disposta.

Eles o votaram, mas quer saber se fundamentalmente entendem e toleram o ‘vai piorar para depois melhorar’. Isso pode ter muito voluntarismo em uma sociedade como a argentina que quando começa a ver que os preços estão obviamente tendo comportamento de aumentos bizarros e a renda não acompanha, pode fazer com que o apoio e a tolerância caiam rapidamente. Quando isso começa a se conhecer no concreto que é ver no supermercado, ver nos serviços, na luz, no transporte... O transporte na Argentina é sempre muito sensível porque é usado pelas classes mais baixas e aqueles que socialmente são mais afetados. Nisso há uma grande interrogação.

Por fim, Milei ao conduzir essa política de choque no ajuste fiscal, busca conquistar confiança de investidores para atrair os dólares que a Argentina não tem. Essas medidas cumprem esse objetivo?

Não. Minha resposta é não. Porque não vejo o mínimo. Um primeiro passo seria explicar como ele vai evitar o déficit. Isso é uma etapa ou parte de um processo que tem que ser muito mais amplo do que um programa que diga como vamos estabilizar a inflação e isso tem outros componentes que não são só fiscais, são monetários, são cambiais e são de renda, então nessas três últimas partes não houve anúncio e não houve explicação. Não é programa para gerar confiança e que consigamos estabilizar a economia.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - O governo de Javier Milei divulgou nesta terça-feira, 12, uma lista de dez medidas que devem nortear a sua política de “choque” econômico para estabilizar a crise econômica da Argentina. As medidas, porém, anunciadas em meio a atrasos e regravações do ministro Luis Caputo, são vistas como insuficientes e trazem mais dúvidas do que respostas sobre o futuro do país.

Segundo o economista da Universidade de Buenos Aires (UBA), Fabio Rodriguez, os dez pontos apresentados por Caputo finalmente dão corpo às promessas de Milei de ajuste fiscal, mas trazem um diagnóstico incompleto da situação econômica argentina e de como resolver os problemas sociais que tais medidas de choquem podem trazer.

A gigante desvalorização da moeda, que praticamente dobrou o preço do peso frente ao dólar (que saiu de mais de 400 pesos para 800 esta noite) promete fazer explodir a inflação que já está em 142% na taxa interanual. Porém, não houve definições de como lidar com este aumento expressivo nos preços, apenas falas de justificativas como “vamos ficar alguns meses piores do que antes”.

O ministro da Economia, Luis Caputo, após a primeira reunião ministerial com Javier Milei Foto: Agustin Marcarian/Reuters

Veja trechos da entrevista:

A desvalorização era uma medida prevista, porém foi muito maior do que a aventada. Como interpretar esta decisão?

Minha primeira impressão é que ele começou a dar cara e nome ao ajuste fiscal. Não me parece que isso não seja um plano de estabilização. Fica muito aquém de um plano de estabilização. É um ajuste fiscal para eliminar o déficit, que foi apresentado no início como a raiz de todos os problemas da Argentina. Me parece um diagnóstico bastante incompleto e, portanto, é uma proposta que não chamo de programa nem plano. Fala muito em fechar o déficit e equilibrar as contas públicas, mas falta um plano para lidar com o componente inflacionário.

Quando você corrige em 100% a taxa de câmbio oficial, você faz uma jogada muito arriscada pelo componente inflacionário que vai desencadear. Duas ou três das medidas anunciadas têm um componente fortemente inflacionário, como a eliminação de subsídios. O presidente anunciou que estão chegando os três e quatro meses que serão os piores que já tivemos, e há muito perigo nisso porque não há nenhuma medida que ataca justamente o que vai ser uma explosão desse índice. Não tem nenhum componente nesse sentido e não tem um componente forte para o que é a compensação social, que é o que tem que fazer para que isto não tenha um crescimento explosivo do conflito social e do risco de perder governabilidade.

Tem apenas duas medidas específicas de aumento em apenas dois programas (AUH e cartão alimentação), mas, por exemplo, não tem uma palavra sobre o que vai acontecer com os aposentados, de como os salários serão atualizados.

Sim, o ministro anunciou não só que vai manter o programas sociais como a ‘Asignación Universal por Hijo’ e o cartão alimentação, mas vai aumentá-los. Porém, diz que ‘não há dinheiro’. Como fará para mantê-los?

Isso era algo que ela já dizia que ia manter, que o único caixa aberto seria do ministério de Capital Humano, que herdou toda a parte dessas medidas sociais. Há dois programas muito pontuais: o AUH é um, que duplica o valor, e o cartão alimentação é outro, que vai ter um aumento de 50%. Aí o que é importante entender é que existem duas vias da assistência social: uma é direta, que recebe diretamente a pessoa em seu cartão ou poupança, e são essas que tem aumento. E se congela outro programa que chama Potenciar. Nesse plano há intermediação de grupos sociais. A mensagem aí é: ‘vamos eliminar a intermediação’, por isso esse plano vai ficar congelado, porque esse não chega diretamente ao beneficiário, mas sim através de cooperativas e organizações sociais que distribuem esse dinheiro.

E quanto aos vários tipos de câmbio que há na Argentina. Milei havia dito que ia unificá-los, mas não vimos isso nas medidas. O que acontece?

Faltam muitas definições e essa é uma delas. Em termos de mercado cambial, as explicações ficaram muito aquém porque nem foram estabelecidas quantas serão as taxas de câmbio. Porque ele disse que quem vai pagar é o exportador, que vai cobrar 800 pesos, mas vai ter que pagar retenções que não foram informadas quanto, e um importador vai pagar 800, mas vai pagar um imposto adicional que não foi informado quanto. Então parece para mim que amanhã a abertura dos mercados vai ser bastante incerta, porque em última análise não está estabelecida, qual é a ordem especificamente para o mercado de câmbio.

Preço da carne em um açougue em Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Também foram anunciadas reduções nas transferências do governo nacional para as províncias, como isso deve impactar as províncias?

Na verdade é um golpe de duas formas: porque reduz o dinheiro que é enviado diretamente e paralisa as obras públicas. Esse dinheiro enviado em geral as províncias utilizam para apoiar projetos das províncias que precisa de mais financiamento. Ou vai para a saúde ou vai para a educação, para construir escolas, jardins de infância, etc., então me parece que isso é um golpe. E além disso tem a questão da retenção de exportações, que tornam os produtos regionais menos competitivos.

Além dessas medidas que afetam diretamente as províncias, ele também tratou da redução de subsídios e da propaganda oficial, temas que são bastante impopulares. Isso pode afetar sua popularidade?

Parece-me que ele está jogando no limite para ver qual é a tolerância ao ajuste. Depois de ter tido amplo apoio social eleitoral, em que 55% da população votou nele no segundo turno, me parece que ele tenta aproveitar o momento inicial, porque sabemos que se os governos não fazem isso no momento inicial, então eles perdem o momento, a tolerância diminui rapidamente. Então ele está dizendo: ‘testarei rapidamente a tolerância com medidas muito duras para descobrir se a sociedade está realmente disposta.

Eles o votaram, mas quer saber se fundamentalmente entendem e toleram o ‘vai piorar para depois melhorar’. Isso pode ter muito voluntarismo em uma sociedade como a argentina que quando começa a ver que os preços estão obviamente tendo comportamento de aumentos bizarros e a renda não acompanha, pode fazer com que o apoio e a tolerância caiam rapidamente. Quando isso começa a se conhecer no concreto que é ver no supermercado, ver nos serviços, na luz, no transporte... O transporte na Argentina é sempre muito sensível porque é usado pelas classes mais baixas e aqueles que socialmente são mais afetados. Nisso há uma grande interrogação.

Por fim, Milei ao conduzir essa política de choque no ajuste fiscal, busca conquistar confiança de investidores para atrair os dólares que a Argentina não tem. Essas medidas cumprem esse objetivo?

Não. Minha resposta é não. Porque não vejo o mínimo. Um primeiro passo seria explicar como ele vai evitar o déficit. Isso é uma etapa ou parte de um processo que tem que ser muito mais amplo do que um programa que diga como vamos estabilizar a inflação e isso tem outros componentes que não são só fiscais, são monetários, são cambiais e são de renda, então nessas três últimas partes não houve anúncio e não houve explicação. Não é programa para gerar confiança e que consigamos estabilizar a economia.

Entrevista por Carolina Marins

Jornalista formada pela ECA-USP. Repórter da editoria de Internacional, com interesse em América Latina. Já fiz coberturas in loco na Argentina, em Israel e na Ucrânia

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