‘Mengele odiou viver no Brasil, um país multicultural’, afirma jornalista


Gerald Posner, que escreveu um livro sobre o "Anjo da Morte" e os filhos de nazistas, conta que o alemão reclamava o tempo todo no fim da vida, nos subúrbios de São Paulo

Por Fernanda Simas

Situação econômica ruim, sociedade vivendo com medo e ódio disseminado. Esses foram alguns dos elementos, segundo o jornalista e autor do livro Os filhos de Hitler, Gerald Posner, que levaram ao surgimento e fortalecimento do nazismo. Após conversar com filhos de nazistas do alto escalão ou que atuaram em campos de concentração, Posner encontrou histórias de pessoas que tentam compensar os crimes cometidos pelos pais, mas também se surpreendeu ao ver que muitos ainda defendem as atitudes dos pais. Um de seus objetos de estudo foi Josef Mengele, que viveu no Brasil e, segundo Posner, não gostou.

Fotógrafos e cinegrafistas no interior doEdifício Wilton Paes de Almeida em 7 de junho de 1985, quando a Polícia Federal divulgava informações sobre a presença do médico nazistaJoseph Mengele no Brasil. O fotógrafo Antonio Lucio aproveitou para tirar uma foto do Largo do Paissandu. Foto: Antônio Lucio/Estadão

Qual a importância do seu livro atualmente (lançado este ano no Brasil pela editora Cultrix), já que foi escrito em 1991?

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Não há novidades nessas histórias, mas a importância das lições delas continua. Muitos entrevistados defendem o que os pais fizeram. Eles ainda acreditam que os pais estavam trabalhando por algo bom e necessário, é surpreendente.

Por que escrever o ponto de vista dos filhos de nazistas?

Mais do que falar da perspectiva dos nazistas e questionar “como você justifica o que fez”, eu estava interessado em mostrar que essas pessoas podiam ser monstros no que faziam e, ao mesmo tempo, pais afetuosos. Como jornalista eu achava muito simples dizer que eles eram apenas monstros, queria entender o que leva essas pessoas a fazerem isso. E ter essa análise nos faz perceber o quão complexo é entender o que leva essas pessoas a fazerem o mal, às vezes até mesmo suas famílias não entendem.

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Qual foi a reação desses filhos após a publicação do livro?

Alguns deles ficaram felizes porque era a primeira vez que falavam publicamente sobre o assunto e sentiram alívio. Quando estava preparando o livro eu não contei aos entrevistados quem mais estaria na relação dos filhos. Quando o livro foi publicado, Wolf Hess (filho de Rudolf Hess) ficou chateado de estar no mesmo livro de filhos de nazistas de baixo escalão. Mesmo depois da guerra, ainda há reações de que aqueles nazistas estavam lutando por um ideal, que não têm sangue nas mãos.

Você acredita que alguns deles apoiaria um regime nazista hoje?

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Para alguns deles, como o filho de (Josef) Mengele, Rolf, há uma questão muito forte de responsabilidade social. Sei que ele foi favorável a abrir as portas da Alemanha para quantos imigrantes pudessem entrar no começo da guerra síria. Ele sempre dizia “meu pai cometeu esses crimes e eu não posso estar ao lado das pessoas que dizem não entrem nesse país”. Mas sei que outros, como Wolf Hess, que está morto agora, estariam na linha de frente contra a entrada de muçulmanos no país. Eu não ficaria surpreso se alguns adotassem medidas de extrema direita sobre imigração.

Por que mostrar os generais nazistas em situações comuns e não durante atos criminosos?

Acredito que é muito importante entender o contexto, o que motivou os atos. Você não precisa concordar com um posicionamento para tentar entendê-lo. Se você entender, pode combater melhor. Há anos, quando eu trabalhava na biografia de Mengele, muitos me disseram ‘ele era um monstro, um sádico’. Mas não é tão simples. Se não tivesse ocorrido a 2.ª Guerra, muitos daqueles pais não teriam necessariamente se tornado serial killers, poderiam ter uma vida normal, Mengele por exemplo poderia ter vivido em uma pequena vila alemã. Não sabemos a capacidade de cada um de cruzar a linha e cometer o mal. Nos EUA, com a quantidade de ataques a escolas por exemplo, 9 em cada 10 casos os vizinhos do atirador diziam “ele parecia tão normal, amável”. Quando falamos do nazismo, os crimes cometidos são tão horríveis que pensamos que os autores eram pessoas horríveis o tempo todo. Mas muitos nazistas voltavam para casa no fim do dia e se sentavam com a família como se não tivessem comandado um massacre pela manhã. É assustador.

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Como foi investigar a passagem de Mengele pelo Brasil?

Comecei meu trabalho em 1981 e pensava que Mengele estava vivo em algum lugar. E todos pensavam que ele estava no Paraguai por causa do (ditador Alfredo) Stroessner. Mas agora sabemos que Mengele se mudou para o Brasil com a ajuda de austríacos e húngaros. Ele passou o restante da vida no Brasil e morreu aí em 1979, mas tudo veio à tona em 1985. E algo super interessante dessa história, e fiquei sabendo por meio do filho dele, que ele escreveu nas cartas para a família que odiava viver no Brasil. Odiava viver em uma sociedade multicultural, odiava o fato de a família ter voltado para a Alemanha enquanto ele tinha que fugir. No fim da vida, nos subúrbios de São Paulo, ele reclamava o tempo todo. Eu fiquei feliz de saber disso porque ele não passou um dia na cadeia, mas foi uma punição para ele viver numa sociedade multicultural, o que ele tanto combateu.

Como você vê o aumento do extremismo?

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Sem dúvida a gente vê um aumento do extremismo de direita e de esquerda na Europa e nos EUA também. Isso mostra que os sentimentos antigos de ódio, as teorias da conspiração, isso vive. O extremismo cresce com base no medo, em antigos estereótipos. Quando as coisas estão financeiramente ruins, como vimos em 2008 e 2009, por exemplo, as pessoas procuravam bodes expiatórios. E acredito que o mesmo esteja acontecendo agora, com a pandemia da covid-19. Como resultado vemos o crescimento do ódio.

A pandemia e as fake news podem piorar o extremismo?

Sim. É incrível no que as pessoas são capazes de acreditar mesmo sem nenhuma informação fidedigna ou originária de algum lugar de confiança. Vemos um monte de teoria sobre a pandemia ser disseminada e assimilada como verdade.

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É possível impedir isso?

A menos que um asteroide mude o curso do planeta, acho que não. A internet torna o acesso à informação fácil para o bem ou para o mal. E as pessoas que usam a internet para disseminar informações falsas são muito boas nisso, não colocam a informação em um e-mail, elas constroem um texto, com dados e entrevistas, que não são reais, mas parecem.

É possível voltar a haver um período nazista?

Pessoas dizem que não seria possível existir um regime nazista no Brasil, EUA ou outro país da Europa. Mas não estamos falando de uma réplica do que aconteceu nos anos 1930 em tempos atuais. Estamos falando do tipo de situação em que as pessoas estão numa situação de desespero tão grande que depositam suas esperanças e apoio em um governo que parece forte e as tire daquela situação. O exemplo é a Alemanha no fim da 1.ª Guerra, quando assina um acordo que é uma punição dos vencedores e, como resultado, as pessoas na Alemanha vivem em uma situação econômica ruim enquanto o resto da Europa está melhor. A raiva surge e as pessoas buscam bodes expiatórios. Então surge Hitler dizendo: “Não é sua culpa, vocês não foram responsáveis pela derrota na 1.ª Guerra. Vocês deveriam ser o grande povo alemão, na realidade, vocês são uma raça superior, são melhores do que qualquer um e ninguém lhes disse isso”. Deve ter sido reconfortante escutar isso após a guerra. E se você abre mão de seus valores e esquece dos princípios que são importantes, você segue a multidão. Sempre me preocupo com a combinação governos autoritários, mesmo em democracias, e população em desespero que está disposta a abrir mão de seus direitos e valores.

Situação econômica ruim, sociedade vivendo com medo e ódio disseminado. Esses foram alguns dos elementos, segundo o jornalista e autor do livro Os filhos de Hitler, Gerald Posner, que levaram ao surgimento e fortalecimento do nazismo. Após conversar com filhos de nazistas do alto escalão ou que atuaram em campos de concentração, Posner encontrou histórias de pessoas que tentam compensar os crimes cometidos pelos pais, mas também se surpreendeu ao ver que muitos ainda defendem as atitudes dos pais. Um de seus objetos de estudo foi Josef Mengele, que viveu no Brasil e, segundo Posner, não gostou.

Fotógrafos e cinegrafistas no interior doEdifício Wilton Paes de Almeida em 7 de junho de 1985, quando a Polícia Federal divulgava informações sobre a presença do médico nazistaJoseph Mengele no Brasil. O fotógrafo Antonio Lucio aproveitou para tirar uma foto do Largo do Paissandu. Foto: Antônio Lucio/Estadão

Qual a importância do seu livro atualmente (lançado este ano no Brasil pela editora Cultrix), já que foi escrito em 1991?

Não há novidades nessas histórias, mas a importância das lições delas continua. Muitos entrevistados defendem o que os pais fizeram. Eles ainda acreditam que os pais estavam trabalhando por algo bom e necessário, é surpreendente.

Por que escrever o ponto de vista dos filhos de nazistas?

Mais do que falar da perspectiva dos nazistas e questionar “como você justifica o que fez”, eu estava interessado em mostrar que essas pessoas podiam ser monstros no que faziam e, ao mesmo tempo, pais afetuosos. Como jornalista eu achava muito simples dizer que eles eram apenas monstros, queria entender o que leva essas pessoas a fazerem isso. E ter essa análise nos faz perceber o quão complexo é entender o que leva essas pessoas a fazerem o mal, às vezes até mesmo suas famílias não entendem.

Qual foi a reação desses filhos após a publicação do livro?

Alguns deles ficaram felizes porque era a primeira vez que falavam publicamente sobre o assunto e sentiram alívio. Quando estava preparando o livro eu não contei aos entrevistados quem mais estaria na relação dos filhos. Quando o livro foi publicado, Wolf Hess (filho de Rudolf Hess) ficou chateado de estar no mesmo livro de filhos de nazistas de baixo escalão. Mesmo depois da guerra, ainda há reações de que aqueles nazistas estavam lutando por um ideal, que não têm sangue nas mãos.

Você acredita que alguns deles apoiaria um regime nazista hoje?

Para alguns deles, como o filho de (Josef) Mengele, Rolf, há uma questão muito forte de responsabilidade social. Sei que ele foi favorável a abrir as portas da Alemanha para quantos imigrantes pudessem entrar no começo da guerra síria. Ele sempre dizia “meu pai cometeu esses crimes e eu não posso estar ao lado das pessoas que dizem não entrem nesse país”. Mas sei que outros, como Wolf Hess, que está morto agora, estariam na linha de frente contra a entrada de muçulmanos no país. Eu não ficaria surpreso se alguns adotassem medidas de extrema direita sobre imigração.

Por que mostrar os generais nazistas em situações comuns e não durante atos criminosos?

Acredito que é muito importante entender o contexto, o que motivou os atos. Você não precisa concordar com um posicionamento para tentar entendê-lo. Se você entender, pode combater melhor. Há anos, quando eu trabalhava na biografia de Mengele, muitos me disseram ‘ele era um monstro, um sádico’. Mas não é tão simples. Se não tivesse ocorrido a 2.ª Guerra, muitos daqueles pais não teriam necessariamente se tornado serial killers, poderiam ter uma vida normal, Mengele por exemplo poderia ter vivido em uma pequena vila alemã. Não sabemos a capacidade de cada um de cruzar a linha e cometer o mal. Nos EUA, com a quantidade de ataques a escolas por exemplo, 9 em cada 10 casos os vizinhos do atirador diziam “ele parecia tão normal, amável”. Quando falamos do nazismo, os crimes cometidos são tão horríveis que pensamos que os autores eram pessoas horríveis o tempo todo. Mas muitos nazistas voltavam para casa no fim do dia e se sentavam com a família como se não tivessem comandado um massacre pela manhã. É assustador.

Como foi investigar a passagem de Mengele pelo Brasil?

Comecei meu trabalho em 1981 e pensava que Mengele estava vivo em algum lugar. E todos pensavam que ele estava no Paraguai por causa do (ditador Alfredo) Stroessner. Mas agora sabemos que Mengele se mudou para o Brasil com a ajuda de austríacos e húngaros. Ele passou o restante da vida no Brasil e morreu aí em 1979, mas tudo veio à tona em 1985. E algo super interessante dessa história, e fiquei sabendo por meio do filho dele, que ele escreveu nas cartas para a família que odiava viver no Brasil. Odiava viver em uma sociedade multicultural, odiava o fato de a família ter voltado para a Alemanha enquanto ele tinha que fugir. No fim da vida, nos subúrbios de São Paulo, ele reclamava o tempo todo. Eu fiquei feliz de saber disso porque ele não passou um dia na cadeia, mas foi uma punição para ele viver numa sociedade multicultural, o que ele tanto combateu.

Como você vê o aumento do extremismo?

Sem dúvida a gente vê um aumento do extremismo de direita e de esquerda na Europa e nos EUA também. Isso mostra que os sentimentos antigos de ódio, as teorias da conspiração, isso vive. O extremismo cresce com base no medo, em antigos estereótipos. Quando as coisas estão financeiramente ruins, como vimos em 2008 e 2009, por exemplo, as pessoas procuravam bodes expiatórios. E acredito que o mesmo esteja acontecendo agora, com a pandemia da covid-19. Como resultado vemos o crescimento do ódio.

A pandemia e as fake news podem piorar o extremismo?

Sim. É incrível no que as pessoas são capazes de acreditar mesmo sem nenhuma informação fidedigna ou originária de algum lugar de confiança. Vemos um monte de teoria sobre a pandemia ser disseminada e assimilada como verdade.

É possível impedir isso?

A menos que um asteroide mude o curso do planeta, acho que não. A internet torna o acesso à informação fácil para o bem ou para o mal. E as pessoas que usam a internet para disseminar informações falsas são muito boas nisso, não colocam a informação em um e-mail, elas constroem um texto, com dados e entrevistas, que não são reais, mas parecem.

É possível voltar a haver um período nazista?

Pessoas dizem que não seria possível existir um regime nazista no Brasil, EUA ou outro país da Europa. Mas não estamos falando de uma réplica do que aconteceu nos anos 1930 em tempos atuais. Estamos falando do tipo de situação em que as pessoas estão numa situação de desespero tão grande que depositam suas esperanças e apoio em um governo que parece forte e as tire daquela situação. O exemplo é a Alemanha no fim da 1.ª Guerra, quando assina um acordo que é uma punição dos vencedores e, como resultado, as pessoas na Alemanha vivem em uma situação econômica ruim enquanto o resto da Europa está melhor. A raiva surge e as pessoas buscam bodes expiatórios. Então surge Hitler dizendo: “Não é sua culpa, vocês não foram responsáveis pela derrota na 1.ª Guerra. Vocês deveriam ser o grande povo alemão, na realidade, vocês são uma raça superior, são melhores do que qualquer um e ninguém lhes disse isso”. Deve ter sido reconfortante escutar isso após a guerra. E se você abre mão de seus valores e esquece dos princípios que são importantes, você segue a multidão. Sempre me preocupo com a combinação governos autoritários, mesmo em democracias, e população em desespero que está disposta a abrir mão de seus direitos e valores.

Situação econômica ruim, sociedade vivendo com medo e ódio disseminado. Esses foram alguns dos elementos, segundo o jornalista e autor do livro Os filhos de Hitler, Gerald Posner, que levaram ao surgimento e fortalecimento do nazismo. Após conversar com filhos de nazistas do alto escalão ou que atuaram em campos de concentração, Posner encontrou histórias de pessoas que tentam compensar os crimes cometidos pelos pais, mas também se surpreendeu ao ver que muitos ainda defendem as atitudes dos pais. Um de seus objetos de estudo foi Josef Mengele, que viveu no Brasil e, segundo Posner, não gostou.

Fotógrafos e cinegrafistas no interior doEdifício Wilton Paes de Almeida em 7 de junho de 1985, quando a Polícia Federal divulgava informações sobre a presença do médico nazistaJoseph Mengele no Brasil. O fotógrafo Antonio Lucio aproveitou para tirar uma foto do Largo do Paissandu. Foto: Antônio Lucio/Estadão

Qual a importância do seu livro atualmente (lançado este ano no Brasil pela editora Cultrix), já que foi escrito em 1991?

Não há novidades nessas histórias, mas a importância das lições delas continua. Muitos entrevistados defendem o que os pais fizeram. Eles ainda acreditam que os pais estavam trabalhando por algo bom e necessário, é surpreendente.

Por que escrever o ponto de vista dos filhos de nazistas?

Mais do que falar da perspectiva dos nazistas e questionar “como você justifica o que fez”, eu estava interessado em mostrar que essas pessoas podiam ser monstros no que faziam e, ao mesmo tempo, pais afetuosos. Como jornalista eu achava muito simples dizer que eles eram apenas monstros, queria entender o que leva essas pessoas a fazerem isso. E ter essa análise nos faz perceber o quão complexo é entender o que leva essas pessoas a fazerem o mal, às vezes até mesmo suas famílias não entendem.

Qual foi a reação desses filhos após a publicação do livro?

Alguns deles ficaram felizes porque era a primeira vez que falavam publicamente sobre o assunto e sentiram alívio. Quando estava preparando o livro eu não contei aos entrevistados quem mais estaria na relação dos filhos. Quando o livro foi publicado, Wolf Hess (filho de Rudolf Hess) ficou chateado de estar no mesmo livro de filhos de nazistas de baixo escalão. Mesmo depois da guerra, ainda há reações de que aqueles nazistas estavam lutando por um ideal, que não têm sangue nas mãos.

Você acredita que alguns deles apoiaria um regime nazista hoje?

Para alguns deles, como o filho de (Josef) Mengele, Rolf, há uma questão muito forte de responsabilidade social. Sei que ele foi favorável a abrir as portas da Alemanha para quantos imigrantes pudessem entrar no começo da guerra síria. Ele sempre dizia “meu pai cometeu esses crimes e eu não posso estar ao lado das pessoas que dizem não entrem nesse país”. Mas sei que outros, como Wolf Hess, que está morto agora, estariam na linha de frente contra a entrada de muçulmanos no país. Eu não ficaria surpreso se alguns adotassem medidas de extrema direita sobre imigração.

Por que mostrar os generais nazistas em situações comuns e não durante atos criminosos?

Acredito que é muito importante entender o contexto, o que motivou os atos. Você não precisa concordar com um posicionamento para tentar entendê-lo. Se você entender, pode combater melhor. Há anos, quando eu trabalhava na biografia de Mengele, muitos me disseram ‘ele era um monstro, um sádico’. Mas não é tão simples. Se não tivesse ocorrido a 2.ª Guerra, muitos daqueles pais não teriam necessariamente se tornado serial killers, poderiam ter uma vida normal, Mengele por exemplo poderia ter vivido em uma pequena vila alemã. Não sabemos a capacidade de cada um de cruzar a linha e cometer o mal. Nos EUA, com a quantidade de ataques a escolas por exemplo, 9 em cada 10 casos os vizinhos do atirador diziam “ele parecia tão normal, amável”. Quando falamos do nazismo, os crimes cometidos são tão horríveis que pensamos que os autores eram pessoas horríveis o tempo todo. Mas muitos nazistas voltavam para casa no fim do dia e se sentavam com a família como se não tivessem comandado um massacre pela manhã. É assustador.

Como foi investigar a passagem de Mengele pelo Brasil?

Comecei meu trabalho em 1981 e pensava que Mengele estava vivo em algum lugar. E todos pensavam que ele estava no Paraguai por causa do (ditador Alfredo) Stroessner. Mas agora sabemos que Mengele se mudou para o Brasil com a ajuda de austríacos e húngaros. Ele passou o restante da vida no Brasil e morreu aí em 1979, mas tudo veio à tona em 1985. E algo super interessante dessa história, e fiquei sabendo por meio do filho dele, que ele escreveu nas cartas para a família que odiava viver no Brasil. Odiava viver em uma sociedade multicultural, odiava o fato de a família ter voltado para a Alemanha enquanto ele tinha que fugir. No fim da vida, nos subúrbios de São Paulo, ele reclamava o tempo todo. Eu fiquei feliz de saber disso porque ele não passou um dia na cadeia, mas foi uma punição para ele viver numa sociedade multicultural, o que ele tanto combateu.

Como você vê o aumento do extremismo?

Sem dúvida a gente vê um aumento do extremismo de direita e de esquerda na Europa e nos EUA também. Isso mostra que os sentimentos antigos de ódio, as teorias da conspiração, isso vive. O extremismo cresce com base no medo, em antigos estereótipos. Quando as coisas estão financeiramente ruins, como vimos em 2008 e 2009, por exemplo, as pessoas procuravam bodes expiatórios. E acredito que o mesmo esteja acontecendo agora, com a pandemia da covid-19. Como resultado vemos o crescimento do ódio.

A pandemia e as fake news podem piorar o extremismo?

Sim. É incrível no que as pessoas são capazes de acreditar mesmo sem nenhuma informação fidedigna ou originária de algum lugar de confiança. Vemos um monte de teoria sobre a pandemia ser disseminada e assimilada como verdade.

É possível impedir isso?

A menos que um asteroide mude o curso do planeta, acho que não. A internet torna o acesso à informação fácil para o bem ou para o mal. E as pessoas que usam a internet para disseminar informações falsas são muito boas nisso, não colocam a informação em um e-mail, elas constroem um texto, com dados e entrevistas, que não são reais, mas parecem.

É possível voltar a haver um período nazista?

Pessoas dizem que não seria possível existir um regime nazista no Brasil, EUA ou outro país da Europa. Mas não estamos falando de uma réplica do que aconteceu nos anos 1930 em tempos atuais. Estamos falando do tipo de situação em que as pessoas estão numa situação de desespero tão grande que depositam suas esperanças e apoio em um governo que parece forte e as tire daquela situação. O exemplo é a Alemanha no fim da 1.ª Guerra, quando assina um acordo que é uma punição dos vencedores e, como resultado, as pessoas na Alemanha vivem em uma situação econômica ruim enquanto o resto da Europa está melhor. A raiva surge e as pessoas buscam bodes expiatórios. Então surge Hitler dizendo: “Não é sua culpa, vocês não foram responsáveis pela derrota na 1.ª Guerra. Vocês deveriam ser o grande povo alemão, na realidade, vocês são uma raça superior, são melhores do que qualquer um e ninguém lhes disse isso”. Deve ter sido reconfortante escutar isso após a guerra. E se você abre mão de seus valores e esquece dos princípios que são importantes, você segue a multidão. Sempre me preocupo com a combinação governos autoritários, mesmo em democracias, e população em desespero que está disposta a abrir mão de seus direitos e valores.

Situação econômica ruim, sociedade vivendo com medo e ódio disseminado. Esses foram alguns dos elementos, segundo o jornalista e autor do livro Os filhos de Hitler, Gerald Posner, que levaram ao surgimento e fortalecimento do nazismo. Após conversar com filhos de nazistas do alto escalão ou que atuaram em campos de concentração, Posner encontrou histórias de pessoas que tentam compensar os crimes cometidos pelos pais, mas também se surpreendeu ao ver que muitos ainda defendem as atitudes dos pais. Um de seus objetos de estudo foi Josef Mengele, que viveu no Brasil e, segundo Posner, não gostou.

Fotógrafos e cinegrafistas no interior doEdifício Wilton Paes de Almeida em 7 de junho de 1985, quando a Polícia Federal divulgava informações sobre a presença do médico nazistaJoseph Mengele no Brasil. O fotógrafo Antonio Lucio aproveitou para tirar uma foto do Largo do Paissandu. Foto: Antônio Lucio/Estadão

Qual a importância do seu livro atualmente (lançado este ano no Brasil pela editora Cultrix), já que foi escrito em 1991?

Não há novidades nessas histórias, mas a importância das lições delas continua. Muitos entrevistados defendem o que os pais fizeram. Eles ainda acreditam que os pais estavam trabalhando por algo bom e necessário, é surpreendente.

Por que escrever o ponto de vista dos filhos de nazistas?

Mais do que falar da perspectiva dos nazistas e questionar “como você justifica o que fez”, eu estava interessado em mostrar que essas pessoas podiam ser monstros no que faziam e, ao mesmo tempo, pais afetuosos. Como jornalista eu achava muito simples dizer que eles eram apenas monstros, queria entender o que leva essas pessoas a fazerem isso. E ter essa análise nos faz perceber o quão complexo é entender o que leva essas pessoas a fazerem o mal, às vezes até mesmo suas famílias não entendem.

Qual foi a reação desses filhos após a publicação do livro?

Alguns deles ficaram felizes porque era a primeira vez que falavam publicamente sobre o assunto e sentiram alívio. Quando estava preparando o livro eu não contei aos entrevistados quem mais estaria na relação dos filhos. Quando o livro foi publicado, Wolf Hess (filho de Rudolf Hess) ficou chateado de estar no mesmo livro de filhos de nazistas de baixo escalão. Mesmo depois da guerra, ainda há reações de que aqueles nazistas estavam lutando por um ideal, que não têm sangue nas mãos.

Você acredita que alguns deles apoiaria um regime nazista hoje?

Para alguns deles, como o filho de (Josef) Mengele, Rolf, há uma questão muito forte de responsabilidade social. Sei que ele foi favorável a abrir as portas da Alemanha para quantos imigrantes pudessem entrar no começo da guerra síria. Ele sempre dizia “meu pai cometeu esses crimes e eu não posso estar ao lado das pessoas que dizem não entrem nesse país”. Mas sei que outros, como Wolf Hess, que está morto agora, estariam na linha de frente contra a entrada de muçulmanos no país. Eu não ficaria surpreso se alguns adotassem medidas de extrema direita sobre imigração.

Por que mostrar os generais nazistas em situações comuns e não durante atos criminosos?

Acredito que é muito importante entender o contexto, o que motivou os atos. Você não precisa concordar com um posicionamento para tentar entendê-lo. Se você entender, pode combater melhor. Há anos, quando eu trabalhava na biografia de Mengele, muitos me disseram ‘ele era um monstro, um sádico’. Mas não é tão simples. Se não tivesse ocorrido a 2.ª Guerra, muitos daqueles pais não teriam necessariamente se tornado serial killers, poderiam ter uma vida normal, Mengele por exemplo poderia ter vivido em uma pequena vila alemã. Não sabemos a capacidade de cada um de cruzar a linha e cometer o mal. Nos EUA, com a quantidade de ataques a escolas por exemplo, 9 em cada 10 casos os vizinhos do atirador diziam “ele parecia tão normal, amável”. Quando falamos do nazismo, os crimes cometidos são tão horríveis que pensamos que os autores eram pessoas horríveis o tempo todo. Mas muitos nazistas voltavam para casa no fim do dia e se sentavam com a família como se não tivessem comandado um massacre pela manhã. É assustador.

Como foi investigar a passagem de Mengele pelo Brasil?

Comecei meu trabalho em 1981 e pensava que Mengele estava vivo em algum lugar. E todos pensavam que ele estava no Paraguai por causa do (ditador Alfredo) Stroessner. Mas agora sabemos que Mengele se mudou para o Brasil com a ajuda de austríacos e húngaros. Ele passou o restante da vida no Brasil e morreu aí em 1979, mas tudo veio à tona em 1985. E algo super interessante dessa história, e fiquei sabendo por meio do filho dele, que ele escreveu nas cartas para a família que odiava viver no Brasil. Odiava viver em uma sociedade multicultural, odiava o fato de a família ter voltado para a Alemanha enquanto ele tinha que fugir. No fim da vida, nos subúrbios de São Paulo, ele reclamava o tempo todo. Eu fiquei feliz de saber disso porque ele não passou um dia na cadeia, mas foi uma punição para ele viver numa sociedade multicultural, o que ele tanto combateu.

Como você vê o aumento do extremismo?

Sem dúvida a gente vê um aumento do extremismo de direita e de esquerda na Europa e nos EUA também. Isso mostra que os sentimentos antigos de ódio, as teorias da conspiração, isso vive. O extremismo cresce com base no medo, em antigos estereótipos. Quando as coisas estão financeiramente ruins, como vimos em 2008 e 2009, por exemplo, as pessoas procuravam bodes expiatórios. E acredito que o mesmo esteja acontecendo agora, com a pandemia da covid-19. Como resultado vemos o crescimento do ódio.

A pandemia e as fake news podem piorar o extremismo?

Sim. É incrível no que as pessoas são capazes de acreditar mesmo sem nenhuma informação fidedigna ou originária de algum lugar de confiança. Vemos um monte de teoria sobre a pandemia ser disseminada e assimilada como verdade.

É possível impedir isso?

A menos que um asteroide mude o curso do planeta, acho que não. A internet torna o acesso à informação fácil para o bem ou para o mal. E as pessoas que usam a internet para disseminar informações falsas são muito boas nisso, não colocam a informação em um e-mail, elas constroem um texto, com dados e entrevistas, que não são reais, mas parecem.

É possível voltar a haver um período nazista?

Pessoas dizem que não seria possível existir um regime nazista no Brasil, EUA ou outro país da Europa. Mas não estamos falando de uma réplica do que aconteceu nos anos 1930 em tempos atuais. Estamos falando do tipo de situação em que as pessoas estão numa situação de desespero tão grande que depositam suas esperanças e apoio em um governo que parece forte e as tire daquela situação. O exemplo é a Alemanha no fim da 1.ª Guerra, quando assina um acordo que é uma punição dos vencedores e, como resultado, as pessoas na Alemanha vivem em uma situação econômica ruim enquanto o resto da Europa está melhor. A raiva surge e as pessoas buscam bodes expiatórios. Então surge Hitler dizendo: “Não é sua culpa, vocês não foram responsáveis pela derrota na 1.ª Guerra. Vocês deveriam ser o grande povo alemão, na realidade, vocês são uma raça superior, são melhores do que qualquer um e ninguém lhes disse isso”. Deve ter sido reconfortante escutar isso após a guerra. E se você abre mão de seus valores e esquece dos princípios que são importantes, você segue a multidão. Sempre me preocupo com a combinação governos autoritários, mesmo em democracias, e população em desespero que está disposta a abrir mão de seus direitos e valores.

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