ENVIADA ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO - O Mercosul aprovou uma declaração crítica, que condena a tensão entre Venezuela e Guiana e alerta que “ações unilaterais devem ser evitadas”. O apelo assinado durante a Cúpula no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira, 7, teve adesão também de Estados associados ao bloco sul-americano. Oito dos doze países do continente assinaram.
A nota destaca a tradição de diálogo da América Latina e afirma que a região deve ser um território de paz. “Nesse contexto, (os países) alertam sobre ações unilaterais que devem ser evitadas, pois adicionam tensão, e instam ambas as partes ao diálogo e à busca de uma solução pacífica da controvérsia”, diz o texto. Além de Brasil, Argentina, Uruguai, e Paraguai, a declaração foi apoiada por Chile, Colômbia, Equador e Peru. A Bolívia, que está ao mesmo tempo no processo de adesão ao Mercosul e de retomada das relações com a Venezuela, ficou de fora.
Fontes do governo confirmaram que o documento não estava inicialmente na pauta do encontro e foi discutido no Rio de Janeiro no momento em que a disputa territorial pelo Essequibo ganha novos contornos. Na terça-feira, o ditador Nicolás Maduro ordenou a criação do Estado chamado Guiana Essequiba, nomeou o general Alexis Rodríguez Cabello como interventor e anunciou um plano para exploração de petróleo no território da Guiana.
Foi diante dessa notícia que o Mercosul chegou para o encontro no Museu do Amanhã, zona portuária do Rio de Janeiro. E a Cúpula que dava sinais de esvaziamento pelo fracasso do acordo com a União Europeia se dividiu entre na pauta econômica e a crise na fronteira norte do Brasil.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o anfitrião da Cúpula, aproveitou o discurso de abertura para sugerir aos pares que adotassem a declaração. O petista disse que acompanha a situação do Essequibo com “preocupação” e que o Mercosul não pode ficar “alheio” à crise entre Venezuela e Guiana.
Lula sugeriu que a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) - grupo voltado à integração regional e discussão de problemas comuns - deve dialogar com os dois lados do conflito. E se colocou à disposição para sediar reuniões em Brasília, como já aconteceu no mês passado, quando ministros das Relações Exteriores dos 12 países da América do Sul, inclusive Guiana e Venezuela, discutiram a crise.
Naquele momento, Caracas estava prestes a realizar o referendo que decidiu pela criação da Guiana Essequiba. Esse Estado que os venezuelanos reivindicam seria criado na região limitada pelo rio Essequibo - uma área de 160 mil quilômetros quadrados que corresponde a 75% do território do país vizinho. A disputa é secular e se intensificou a partir de 2015, com a descoberta de petróleo na Guiana, que passou a ser um dos países com crescimento econômico mais rápido do mundo. Agora, pelo decreto de Maduro, a estatal venezuelana PDVSA é que deve distribuir as licenças de exploração por lá.
Nas palavras do presidente Lula, a crise deve ser acompanhada com atenção. “Tudo o que não queremos na América do Sul é guerra, não precisamos de conflito, precisamos construir a paz”, disse durante a Cúpula.
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Na mesma linha, o ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira defendeu a solução pelo diálogo ao falar com a imprensa na saída da Cúpula e detalhou as ações do Itamaraty nesse sentido. O chanceler lembrou que o assessor especial da presidência para assuntos internacionais e ex-ministro Celso Amorim esteve na Venezuela. O próprio Mauro Vieira conversou com o presidente da Guiana, Irfaan Ali, que procurou o presidente Lula quando ele estava voltando da Alemanha, relatou o chanceler.
Horas antes da declaração conjunta do Mercosul ser aprovada, as Forças Militares dos Estados Unidos anunciaram exercícios militares conjuntos com as Forças de Defesa da Guiana (GDF, na sigla em inglês) no Essequibo. Segundo comunicado da embaixada americana em Georgetown, essa seria uma “operação de rotina” com o objetivo de “fortalecer a cooperação regional”. Mas analistas afirmam que o anúncio não é rotineiro e estão em linha com as declarações da Guiana, que diz estar em contato com aliados para se defender se preciso for.