Mérito de Biden é lidar de modo eficaz com problemas reais dos EUA; leia análise de Paul Krugman


Há um cheiro estranho no ar de Washington nos últimos dias, um odor que remete a competência

Por Paul Krugman

Sério, tem sido impressionante assistir a mudança na narrativa dos meios de comunicação sobre o governo Joe Biden. Poucas semanas atrás, o presidente era retratado como um sujeito desafortunado, à beira de presidir uma presidência fracassada. E então vieram a Lei de Redução da Inflação, os ótimos resultados em relação ao emprego e algumas boas notícias sobre a inflação – e subitamente passamos a ouvir bastante a respeito das realizações de Biden.

Mas ainda não acho que a narrativa da mídia está acertando. Biden realmente realizou muita coisa – de certas maneiras mais do que ele recebe crédito por ter feito, mesmo agora. Por outro lado, os Estados Unidos são uma nação enorme, com uma economia enorme, e as políticas do presidente não parecem tão impressionantes em comparação à escala dos problemas do país.

Além disso, Biden, pode-se argumentar, beneficia-se da branda intransigência das baixas expectativas. Suas realizações em termos de políticas são grandes segundo os padrões modernos, mas não teriam impressionado em uma era anterior – a era anterior à radicalização do Partido Republicano tornou quase impossível perseguir soluções reais para problemas reais.

continua após a publicidade

Então, o que Biden realizou?

Presidente Joe Biden faz primeira aparição pública, na Casa Branca, após testar negativo para covid-19, em 27 de julho  Foto: Cheriss May/NYT

Conforme observo, ele chegou à função com três metas principais de políticas: investir na desgastada infraestrutura dos EUA, empreender uma ação firme contra as mudanças climáticas e expandir a rede de seguridade social, especialmente para famílias com crianças. Ele cumpriu quase totalmente as duas primeiras metas e parte da terceira.

continua após a publicidade

O pacote de infraestrutura do ano passado obtém marcadamente pouca atenção dos meios de comunicação; apenas cerca de um quarto dos eleitores sabe que a legislação foi aprovada. Mas devemos nos lembrar que Barack Obama quis investir em infraestrutura, mas não conseguiu; Donald Trump prometeu fazê-lo, mas não fez (a frase “é a semana da infraestrutura” virou piada corrente); e então Biden foi lá e fez.

Em contraste, a Lei de Redução da Inflação, que é principalmente uma legislação ambiental, recebeu bastante atenção – e merecidamente. Os EUA finalmente estão tomando providências contra a maior ameaça à existência de nossos tempos. Especialistas em energia acreditam que a nova lei surtirá efeitos diretos no sentido da redução das emissões de gases-estufa.

continua após a publicidade

São realizações significativas. E um grande contraste em relação ao governo anterior, cuja única grande mudança de política doméstica foi um corte de impostos que não surtiu quase nenhum efeito positivo perceptível.

Nada massivo

Mas quando vejo reportagens descrevendo essas novas leis como “massivas” ou imensas, pergunto-me como esses repórteres fazem sua conta. A lei de infraestrutura adicionará aproximadamente US$ 500 bilhões ao gasto público ao longo de uma década. A Lei de Redução da Inflação também elevará o gasto em cerca de meio trilhão. Uma lei que promove a produção de semicondutores nos EUA adicionará outros US$ 50 bilhões. Em geral, então, estamos falando de pouco mais de US$ 1 trilhão em investimentos públicos ao longo de dez anos.

continua após a publicidade

Para colocar isso em perspectiva, o Escritório do Congresso para Orçamento prevê um produto interno bruto cumulativo de mais de US$ 300 trilhões ao longo da próxima década. Então veja: a agenda de Biden corresponderá a cerca de um terço de 1% do PIB acumulado, o que não é nada massivo.

É verdade que parte do que Biden realizou poderá surtir efeitos muito maiores do que os montantes em dólares podem sugerir. Há motivo para acreditar que a lei ambiental surtirá um certo efeito catalisador na promoção da transição para a energia limpa. E alguns economistas acreditam que impulsionar o orçamento da Receita Federal, exaurida em recursos, reduzirá enormemente a evasão fiscal e, portanto, aumentará a receita.

Celeiro com o nome do presidente dos EUA, Joe Biden, que passa férias nas proximidades de Rehoboth, é visto em Milford, Delaware    Foto: REUTERS/Kevin Lamarque - 19/08/2022
continua após a publicidade

E podemos falar um pouco de política externa? Biden foi criticado imensamente em razão de o Taleban ter tomado o Afeganistão, apesar de os críticos terem oferecido poucas sugestões sobre como ele deveria ter agido em relação à questão. Mas a narrativa sobre política externa também mudou. Não sou nenhum especialista, mas me parece que o governo Biden fez um trabalho excelente ao reunir e manter unida uma coalizão para ajudar a Ucrânia a resistir à agressão russa.

OK, já consigo escutar pessoas vociferando contra qualquer menção sobre as realizações de Biden: “Mas e a inflação?”. É verdade que o governo Biden não levou em conta os riscos de um aumento na inflação. Mas assim fizeram muitas outras instâncias, incluindo o Federal Reserve (banco central americano) e este que vos fala. E parece válido apontar que outros países – notavelmente o Reino Unido – também estão sofrendo com inflação alta, apesar de não terem seguido nada parecido com as políticas de Biden. Na realidade, o problema da inflação no Reino Unido parece pior que o nosso em múltiplas dimensões.

Controle

continua após a publicidade

E tanto o público quanto os mercados financeiros preveem que a inflação será controlada. Desta forma, não parece que esse admissivelmente grande tropeço surtirá algum dano duradouro.

Repito: não quero soar trumpiano e proclamar que Biden está fazendo um trabalho excepcional, cumpre um mandato perfeito e é o melhor presidente que já existiu. O que ele tem feito – e já estava fazendo antes da mudança na narrativa da mídia – é lidar razoavelmente de modo eficaz com os problemas reais que os EUA enfrentam.

A verdade é que estamos obtendo de Biden o que deveria ser rotineiro em uma nação rica e sofisticada; o que realmente era rotina antes de o Partido Republicano se voltar para a extrema direita. No atual momento, contudo, um governo competente e realista é algo que choca as pessoas. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*É COLUNISTA, ESCRITOR E ECONOMISTA

Sério, tem sido impressionante assistir a mudança na narrativa dos meios de comunicação sobre o governo Joe Biden. Poucas semanas atrás, o presidente era retratado como um sujeito desafortunado, à beira de presidir uma presidência fracassada. E então vieram a Lei de Redução da Inflação, os ótimos resultados em relação ao emprego e algumas boas notícias sobre a inflação – e subitamente passamos a ouvir bastante a respeito das realizações de Biden.

Mas ainda não acho que a narrativa da mídia está acertando. Biden realmente realizou muita coisa – de certas maneiras mais do que ele recebe crédito por ter feito, mesmo agora. Por outro lado, os Estados Unidos são uma nação enorme, com uma economia enorme, e as políticas do presidente não parecem tão impressionantes em comparação à escala dos problemas do país.

Além disso, Biden, pode-se argumentar, beneficia-se da branda intransigência das baixas expectativas. Suas realizações em termos de políticas são grandes segundo os padrões modernos, mas não teriam impressionado em uma era anterior – a era anterior à radicalização do Partido Republicano tornou quase impossível perseguir soluções reais para problemas reais.

Então, o que Biden realizou?

Presidente Joe Biden faz primeira aparição pública, na Casa Branca, após testar negativo para covid-19, em 27 de julho  Foto: Cheriss May/NYT

Conforme observo, ele chegou à função com três metas principais de políticas: investir na desgastada infraestrutura dos EUA, empreender uma ação firme contra as mudanças climáticas e expandir a rede de seguridade social, especialmente para famílias com crianças. Ele cumpriu quase totalmente as duas primeiras metas e parte da terceira.

O pacote de infraestrutura do ano passado obtém marcadamente pouca atenção dos meios de comunicação; apenas cerca de um quarto dos eleitores sabe que a legislação foi aprovada. Mas devemos nos lembrar que Barack Obama quis investir em infraestrutura, mas não conseguiu; Donald Trump prometeu fazê-lo, mas não fez (a frase “é a semana da infraestrutura” virou piada corrente); e então Biden foi lá e fez.

Em contraste, a Lei de Redução da Inflação, que é principalmente uma legislação ambiental, recebeu bastante atenção – e merecidamente. Os EUA finalmente estão tomando providências contra a maior ameaça à existência de nossos tempos. Especialistas em energia acreditam que a nova lei surtirá efeitos diretos no sentido da redução das emissões de gases-estufa.

São realizações significativas. E um grande contraste em relação ao governo anterior, cuja única grande mudança de política doméstica foi um corte de impostos que não surtiu quase nenhum efeito positivo perceptível.

Nada massivo

Mas quando vejo reportagens descrevendo essas novas leis como “massivas” ou imensas, pergunto-me como esses repórteres fazem sua conta. A lei de infraestrutura adicionará aproximadamente US$ 500 bilhões ao gasto público ao longo de uma década. A Lei de Redução da Inflação também elevará o gasto em cerca de meio trilhão. Uma lei que promove a produção de semicondutores nos EUA adicionará outros US$ 50 bilhões. Em geral, então, estamos falando de pouco mais de US$ 1 trilhão em investimentos públicos ao longo de dez anos.

Para colocar isso em perspectiva, o Escritório do Congresso para Orçamento prevê um produto interno bruto cumulativo de mais de US$ 300 trilhões ao longo da próxima década. Então veja: a agenda de Biden corresponderá a cerca de um terço de 1% do PIB acumulado, o que não é nada massivo.

É verdade que parte do que Biden realizou poderá surtir efeitos muito maiores do que os montantes em dólares podem sugerir. Há motivo para acreditar que a lei ambiental surtirá um certo efeito catalisador na promoção da transição para a energia limpa. E alguns economistas acreditam que impulsionar o orçamento da Receita Federal, exaurida em recursos, reduzirá enormemente a evasão fiscal e, portanto, aumentará a receita.

Celeiro com o nome do presidente dos EUA, Joe Biden, que passa férias nas proximidades de Rehoboth, é visto em Milford, Delaware    Foto: REUTERS/Kevin Lamarque - 19/08/2022

E podemos falar um pouco de política externa? Biden foi criticado imensamente em razão de o Taleban ter tomado o Afeganistão, apesar de os críticos terem oferecido poucas sugestões sobre como ele deveria ter agido em relação à questão. Mas a narrativa sobre política externa também mudou. Não sou nenhum especialista, mas me parece que o governo Biden fez um trabalho excelente ao reunir e manter unida uma coalizão para ajudar a Ucrânia a resistir à agressão russa.

OK, já consigo escutar pessoas vociferando contra qualquer menção sobre as realizações de Biden: “Mas e a inflação?”. É verdade que o governo Biden não levou em conta os riscos de um aumento na inflação. Mas assim fizeram muitas outras instâncias, incluindo o Federal Reserve (banco central americano) e este que vos fala. E parece válido apontar que outros países – notavelmente o Reino Unido – também estão sofrendo com inflação alta, apesar de não terem seguido nada parecido com as políticas de Biden. Na realidade, o problema da inflação no Reino Unido parece pior que o nosso em múltiplas dimensões.

Controle

E tanto o público quanto os mercados financeiros preveem que a inflação será controlada. Desta forma, não parece que esse admissivelmente grande tropeço surtirá algum dano duradouro.

Repito: não quero soar trumpiano e proclamar que Biden está fazendo um trabalho excepcional, cumpre um mandato perfeito e é o melhor presidente que já existiu. O que ele tem feito – e já estava fazendo antes da mudança na narrativa da mídia – é lidar razoavelmente de modo eficaz com os problemas reais que os EUA enfrentam.

A verdade é que estamos obtendo de Biden o que deveria ser rotineiro em uma nação rica e sofisticada; o que realmente era rotina antes de o Partido Republicano se voltar para a extrema direita. No atual momento, contudo, um governo competente e realista é algo que choca as pessoas. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*É COLUNISTA, ESCRITOR E ECONOMISTA

Sério, tem sido impressionante assistir a mudança na narrativa dos meios de comunicação sobre o governo Joe Biden. Poucas semanas atrás, o presidente era retratado como um sujeito desafortunado, à beira de presidir uma presidência fracassada. E então vieram a Lei de Redução da Inflação, os ótimos resultados em relação ao emprego e algumas boas notícias sobre a inflação – e subitamente passamos a ouvir bastante a respeito das realizações de Biden.

Mas ainda não acho que a narrativa da mídia está acertando. Biden realmente realizou muita coisa – de certas maneiras mais do que ele recebe crédito por ter feito, mesmo agora. Por outro lado, os Estados Unidos são uma nação enorme, com uma economia enorme, e as políticas do presidente não parecem tão impressionantes em comparação à escala dos problemas do país.

Além disso, Biden, pode-se argumentar, beneficia-se da branda intransigência das baixas expectativas. Suas realizações em termos de políticas são grandes segundo os padrões modernos, mas não teriam impressionado em uma era anterior – a era anterior à radicalização do Partido Republicano tornou quase impossível perseguir soluções reais para problemas reais.

Então, o que Biden realizou?

Presidente Joe Biden faz primeira aparição pública, na Casa Branca, após testar negativo para covid-19, em 27 de julho  Foto: Cheriss May/NYT

Conforme observo, ele chegou à função com três metas principais de políticas: investir na desgastada infraestrutura dos EUA, empreender uma ação firme contra as mudanças climáticas e expandir a rede de seguridade social, especialmente para famílias com crianças. Ele cumpriu quase totalmente as duas primeiras metas e parte da terceira.

O pacote de infraestrutura do ano passado obtém marcadamente pouca atenção dos meios de comunicação; apenas cerca de um quarto dos eleitores sabe que a legislação foi aprovada. Mas devemos nos lembrar que Barack Obama quis investir em infraestrutura, mas não conseguiu; Donald Trump prometeu fazê-lo, mas não fez (a frase “é a semana da infraestrutura” virou piada corrente); e então Biden foi lá e fez.

Em contraste, a Lei de Redução da Inflação, que é principalmente uma legislação ambiental, recebeu bastante atenção – e merecidamente. Os EUA finalmente estão tomando providências contra a maior ameaça à existência de nossos tempos. Especialistas em energia acreditam que a nova lei surtirá efeitos diretos no sentido da redução das emissões de gases-estufa.

São realizações significativas. E um grande contraste em relação ao governo anterior, cuja única grande mudança de política doméstica foi um corte de impostos que não surtiu quase nenhum efeito positivo perceptível.

Nada massivo

Mas quando vejo reportagens descrevendo essas novas leis como “massivas” ou imensas, pergunto-me como esses repórteres fazem sua conta. A lei de infraestrutura adicionará aproximadamente US$ 500 bilhões ao gasto público ao longo de uma década. A Lei de Redução da Inflação também elevará o gasto em cerca de meio trilhão. Uma lei que promove a produção de semicondutores nos EUA adicionará outros US$ 50 bilhões. Em geral, então, estamos falando de pouco mais de US$ 1 trilhão em investimentos públicos ao longo de dez anos.

Para colocar isso em perspectiva, o Escritório do Congresso para Orçamento prevê um produto interno bruto cumulativo de mais de US$ 300 trilhões ao longo da próxima década. Então veja: a agenda de Biden corresponderá a cerca de um terço de 1% do PIB acumulado, o que não é nada massivo.

É verdade que parte do que Biden realizou poderá surtir efeitos muito maiores do que os montantes em dólares podem sugerir. Há motivo para acreditar que a lei ambiental surtirá um certo efeito catalisador na promoção da transição para a energia limpa. E alguns economistas acreditam que impulsionar o orçamento da Receita Federal, exaurida em recursos, reduzirá enormemente a evasão fiscal e, portanto, aumentará a receita.

Celeiro com o nome do presidente dos EUA, Joe Biden, que passa férias nas proximidades de Rehoboth, é visto em Milford, Delaware    Foto: REUTERS/Kevin Lamarque - 19/08/2022

E podemos falar um pouco de política externa? Biden foi criticado imensamente em razão de o Taleban ter tomado o Afeganistão, apesar de os críticos terem oferecido poucas sugestões sobre como ele deveria ter agido em relação à questão. Mas a narrativa sobre política externa também mudou. Não sou nenhum especialista, mas me parece que o governo Biden fez um trabalho excelente ao reunir e manter unida uma coalizão para ajudar a Ucrânia a resistir à agressão russa.

OK, já consigo escutar pessoas vociferando contra qualquer menção sobre as realizações de Biden: “Mas e a inflação?”. É verdade que o governo Biden não levou em conta os riscos de um aumento na inflação. Mas assim fizeram muitas outras instâncias, incluindo o Federal Reserve (banco central americano) e este que vos fala. E parece válido apontar que outros países – notavelmente o Reino Unido – também estão sofrendo com inflação alta, apesar de não terem seguido nada parecido com as políticas de Biden. Na realidade, o problema da inflação no Reino Unido parece pior que o nosso em múltiplas dimensões.

Controle

E tanto o público quanto os mercados financeiros preveem que a inflação será controlada. Desta forma, não parece que esse admissivelmente grande tropeço surtirá algum dano duradouro.

Repito: não quero soar trumpiano e proclamar que Biden está fazendo um trabalho excepcional, cumpre um mandato perfeito e é o melhor presidente que já existiu. O que ele tem feito – e já estava fazendo antes da mudança na narrativa da mídia – é lidar razoavelmente de modo eficaz com os problemas reais que os EUA enfrentam.

A verdade é que estamos obtendo de Biden o que deveria ser rotineiro em uma nação rica e sofisticada; o que realmente era rotina antes de o Partido Republicano se voltar para a extrema direita. No atual momento, contudo, um governo competente e realista é algo que choca as pessoas. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*É COLUNISTA, ESCRITOR E ECONOMISTA

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.