BRUXELAS — O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, foi em novembro. Charles Michel, do Conselho Europeu, em dezembro. O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, está lá nesta semana. Na próxima será a vez do presidente da França, Emmanuel Macron, acompanhado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Os líderes europeus estão fazendo fila para visitar Pequim, avaliando sua estratégia em relação à China no mesmo momento em que os Estados Unidos intensificam a pressão para que eles escolham de que lado estão no crescente amargor entre as duas superpotências.
A torrente de atividade diplomática coincide com o anúncio da China de “parceria ilimitada” com a Rússia e o desajeitado esforço de Pequim no sentido de mediar a guerra na Ucrânia. A crescente proximidade entre a China e Moscou colocou a Europa em uma situação difícil.
De um lado, a guerra na Ucrânia ocasionou um profundo alinhamento entre a União Europeia e os EUA em oposição à invasão russa. De outro, a China é uma parceira de comércio e investimento crucial, que grandes potências europeias, especialmente a Alemanha, não podem se dar ao luxo de perder.
Ao mesmo tempo, países da Europa Ocidental como Alemanha, França e Espanha, ainda que apoiem a Ucrânia, prefeririam um desfecho diplomático mais ágil para acabar com a guerra. Eles veem a China como uma voz de comedimento para a Rússia, à qual o presidente russo, Vladimir Putin, deve escutar. E eles permanecem esperançosos de que a China, mesmo que não seja uma mediadora neutra, poderia desempenhar um papel importante para garantir qualquer possível acordo.
O dilema europeu induz uma profusão de pensamento mágico. “É interessante ver o nível de pânico do lado dos europeus e sua abordagem algo delirante”, afirmou Janka Oertel, diretora para Ásia do Conselho Europeu de Relações Exteriores, em Berlim.
Oertel notou que o líder chinês, Xi Jinping, acaba de passar por Moscou e reconfirmar sua parceria com Putin e o desejo comum dos líderes de criar uma nova ordem mundial. Agora, afirmou ela, “ir a Pequim e dizer, ‘Nós temos que fazer com que a China contribua para a paz’ é fora do normal”.
A Europa deveria alertar Pequim a respeito de consequências graves caso a China forneça à Rússia equipamentos militares e munição, afirmou Oertel.
Segundo a analista, o que as visitas a Pequim fazem, em vez disso, é mandar um sinal importante para Washington: “Isso diz aos americanos que nós nos importamos com essa relação com a China”.
Algumas das visitas a Pequim agendadas recentemente por líderes europeus foram concebidas originalmente com foco na economia e acabaram adiadas em razão da pandemia de covid-19, mas a nova demonstração de proximidade entre Xi e Putin em meio ao impasse na Ucrânia mudou o tópico da conversa, assim como a atenção do mundo.
Tudo que a China gostaria é separar a Europa dos EUA. E a China está ávida para enfatizar que uma posição melhor não seria apenas boa para os negócios, mas também beneficiaria a busca europeia por “autonomia estratégica” — mantendo sua independência de atuar como lhe aprouver mesmo em relação aos EUA.
Washington, de sua parte, gostaria de ver os europeus mais firmemente ao seu lado e que a recém-fortalecida relação transatlântica, descrita por diplomatas da UE como a melhor em décadas, inclua um alinhamento mais claro contra a China.
Países europeus, que não consideram a China uma rival, mas a percebem cada vez mais como uma parceira comercial problemática, prefeririam que os americanos parassem de pressioná-los a adotar uma posição mais dura contra Pequim.
Diplomatas afirmaram que em reuniões com autoridades dos EUA, por exemplo, os formuladores americanos descreveram a coordenação próxima entre as sanções de Bruxelas e Washington contra a Rússia como um ensaio para futuras sanções contra a China, caso haja algum avanço militar contra Taiwan.
Esse tipo de conversa, afirmaram diplomatas, inquietou governos europeus, que percebem seu interesse mais bem atendido sem ter de escolher se estão do lado de Washington ou de Pequim, especialmente não tão cedo, no que está se tornando um impasse entre superpotências.
O governo chinês, enquanto isso, argumenta que os EUA não se preocupam verdadeiramente com o bem-estar da Europa quando tratam da Ucrânia.
No mês passado, na Conferência de Segurança de Munique, o recém-nomeado chefe de política externa da China, Wang Yi, criticou duramente os EUA, conclamando os europeus a agir por conta própria.
“Nós precisamos pensar com calma, especialmente nossos amigos na Europa, a respeito de quais esforços devem ser empreendidos para acabar com a guerra; que ordenamento deve haver para ocasionar uma paz duradoura na Europa; e que papel a Europa deveria desempenhar para manifestar sua autonomia estratégica”, afirmou ele.
Wang sugeriu que Washington deseja que a guerra enfraqueça a Rússia. “Algumas forças podem não querer que negociações de paz se materializem”, afirmou ele. “Elas não se importam com as vidas nem com as mortes dos ucranianos, nem com o dano à Europa; elas possuem objetivos estratégicos maiores do que a própria Ucrânia.”
A China tem empreendido uma ofensiva de charme renovada em Bruxelas, com o recém-nomeado embaixador, Fu Cong, que assumiu a função em dezembro, falando calorosamente de Pequim e UE como “duas grandes forças em defesa da paz mundial, dois grandes mercados promovendo desenvolvimento mútuo e duas grandes civilizações promovendo o progresso humano”.
O governo chinês também tem tentado ressuscitar um grande pacto comercial com Bruxelas, o Acordo Abrangente de Investimento, que foi quase concluído cinco anos atrás, para aborrecimento dos americanos, esforço que foi anunciado dias antes do presidente Joe Biden tomar posse e apesar de pedidos de sua equipe para esperar. Mas desde então o acordo empacou.
A ressurreição do pacto parece improvável, afirmou Reinhard Bütikofer, um dos cinco eurodeputados sancionados por Pequim em razão de suas visões críticas à China pelo tratamento agressivo de Pequim aos uigures, uma minoria muçulmana natural de Xinjiang. O governo chinês foi acusado de crimes contra a humanidade, o que Pequim nega, e colocou milhares de uigures em instalações que qualifica como campos de reeducação.
Diplomatas da UE afirmaram que Fu sugeriu recentemente em reuniões privadas que a China poderia levantar unilateralmente essas sanções se Bruxelas posteriormente se movimentasse para completar o acordo de investimento, mas o consenso entre as autoridades é que uma manobra desse tipo seria quase impossível.
Alguns Estados-membros criticaram a onda de visitas de líderes europeus a Pequim. O primeiro-ministro da Letônia, Krisjanis Karins, afirmou que isso permite à China “dividir para conquistar”.
Mas Macron defendeu, na sexta-feira, sua viagem com Von der Leyen. Falando a repórteres após uma cúpula da UE, o presidente francês disse que iria “coordenar” com os parceiros da UE. “Nós temos uma visão comum europeia de envolver a China ao máximo”, afirmou ele, acrescentando que o bloco falou com uma “voz unida”.
Uma voz unida a respeito da China, porém, está notavelmente ausente.
Von der Leyen, por exemplo, que chefia o braço executivo da UE e trabalhou proximamente com o governo Biden para formular sanções contra a Rússia e alinhar políticas, é vista como anti-Pequim. Além da importância do comércio com os chineses, Macron está interessado em uma solução diplomática mais rápida para pôr fim à guerra na Ucrânia e pediu ajuda da China.
Em última instância, a onda de visitas europeias a Pequim poderá render pouco para ambas as direções. Theresa Fallon, diretora do Centro de Estudos de Rússia, Europa e Ásia, em Bruxelas, notou que as visitas, em sua natureza, têm foco predominante na economia.
Mas, afirmou ela, as visitas dos líderes da UE a Pequim poderiam beneficiar também o governo chinês. Particularmente a inclusão de Von der Leyen à visita de Macron, na próxima semana, acrescenta uma nova dimensão europeia à viagem, e o governo chinês poderá usar a presença dela para mostrar que a Europa está se convencendo da ideia da China como possível mediadora na Ucrânia.
Em geral, a Europa percebe as vagas propostas da China para a paz como favoráveis à Rússia, não como base real para negociações. Mas a China é tão importante economicamente que retratar essas viagens menos como iniciativas para o comércio e mais como esforços antiguerra, afirmou ela, é uma forma de se passar por pacifista. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL