Há um ano, Harvey Weinstein foi exposto como um predador sexual. Até então, a forma como ele tratava mulheres era um segredo aberto entre alguns dos publicistas, advogados e jornalistas da indústria cinematográfica. Weinstein foi protegido por uma suposição implícita de que em algumas situações os homens poderosos podem estabelecer suas próprias regras. No ano passado, essa suposição foi desvendada com uma velocidade bem-vinda. Em todas as esferas da vida, homens poderosos foram expostos, e não apenas nos Estados Unidos. Agora, Brett Kavanaugh pode ter negado um assento no mais elevado tribunal dos EUA, após uma série de acusações de que ele cometeu agressões sexuais décadas atrás como estudante. O que começou no “sofá de seleção de atrizes” foi para o banco da Suprema Corte.
Isso é progresso. Mas ainda há dúvidas sobre o destino do movimento #MeToo nos Estados Unidos, país onde começou e onde teve o maior efeito. Para entender por que, basta olhar para o caso de Kavanaugh - que, como a imprensa publicou, deveria prestar depoimento ao Comitê Judiciário do Senado, juntamente com Christine Blasey Ford, sua principal acusadora. A boa notícia é que o apetite pela mudança é profundo; a má notícia é que a atitude predadora masculina contra mulheres corre o risco de se tornar mais um campo de batalha nas guerras culturais de consumo da América.
Graças a #MeToo, o testemunho das mulheres está finalmente sendo levado mais a sério. Durante muito tempo, quando uma mulher falou contra um homem, a suspeita voltou-se contra ela. Em 1991, quando Anita Hill acusou Clarence Thomas, agora juiz da Suprema Corte, de assédio sexual, seus defensores a difamaram como “um pouco louca e um pouco vagabunda”. O apoio da máquina a Kavanaugh é igualmente determinado. No entanto, absteve-se de questionar a sanidade ou a moral de Blasey Ford. Em 2018, os eleitores considerariam isso inaceitável.
O abuso por parte de homens está sendo levado mais a sério também. Weinstein supostamente cometeu dezenas de agressões sexuais, incluindo estupro. O contraste entre sua brutalidade e sua impunidade abalou o mundo pela complacência. Nesta semana, Bill Cosby, que já foi o ator mais bem pago dos Estados Unidos, foi preso por ser um predador sexualmente violento. Mas as mulheres em faculdades e locais de trabalho em toda a América são prejudicadas por abusos que não chegam ao estupro. Graças a #MeToo, estes abusos têm maior probabilidade de serem punidos. A maioria das defesas de Kavanaugh se concentrou em sua suposta inocência; Há 30 anos, eles teriam insistido que as trapalhadas de jovens bêbados de 17 anos são muito estardalhaço sobre nada.
Essas mudanças refletem uma ampla mudança social. Antes das eleições de 2016, 920 mulheres procuraram o conselho da EMILY’s List, que promove a candidatura de mulheres democratas pró-aborto. Desde que Donald Trump foi eleito presidente, ele foi contatado por 42 mil. Fora da política, as empresas estão empenhadas em que seus funcionários e clientes pensem que aderiram ao #MeToo.
Uma preocupação existente é que pode haver uma distância entre a retórica corporativa e a realidade. Outra é a incerteza sobre o que conta como prova. Isso acontece em grande parte porque a prova de uma ocorrência de abuso geralmente consiste em algo que aconteceu atrás de portas fechadas, às vezes há muito tempo.
Estabelecer um equilíbrio entre acusador e acusado é difícil. Blasey Ford tem o direito de ser ouvida, mas também Kavanaugh. A reputação de Kavanaugh está em jogo, mas também a da Suprema Corte. Ao ponderar essas alegações concorrentes, o ônus da prova deve ser razoável. Kavanaugh não está enfrentando um julgamento que poderia custar-lhe a liberdade, mas fazendo a entrevista para um emprego. O padrão de prova deve ser correspondentemente mais baixo. Nem o tribunal nem a justiça natural serão servidos pela precipitação.
Também é um problema a zona cinzenta habitada por homens que não foram condenados em tribunal, mas são julgados culpados por partes da sociedade. Neste momento, todos os casos são onerados por significados que estabelecem precedentes, talvez porque as atitudes estejam em mudança constante. Este mês, Ian Buruma foi forçado a se demitir do cargo de editor da New York Review of Books depois de publicar um ensaio de um suposto abusador que não admitiu o dano que causou. Buruma não merecia sair e, se os valores estivessem mais assentados, seus críticos poderiam ter se contentado com uma carta irada para o editor. #MeToo precisa de um caminho para a expiação ou absolvição.
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O candidato à Suprema Corte indicado por Donald Trump, Brett Kavanaugh, enfrenta uma situação de alto risco nesta segunda-feira, depois que a mulher que o acusou de agressão sexual na década de 1980 disse estar disposta a testemunhar ante o Congresso para impedir sua confirmação no cargo.
E o #MeToo ficou associado ao partidarismo. De acordo com a pesquisa realizada no início deste ano pela Pew, 39% das mulheres republicanas acham que é um problema que os homens se safem com assédio e agressão sexual, em comparação com 66% das mulheres democratas; 21% dos homens republicanos acham que é um problema no qual as mulheres não têm credibilidade, em comparação com 56% dos homens democratas. Kavanaugh, no entanto, com sua nomeação, pode aprofundar tal divisão – quanto mais não seja porque o zelo republicano de apressar sua confirmação é mais uma prova de que o partido coloca o poder em primeiro lugar. Isso ficou claro quando recebeu o apoio de Trump, apesar de se orgulhar de se forçar a mulheres e das acusações de má conduta sexual vindas de pelo menos 19 acusadores. Sob Bill Clinton, que também foi acusado de agressão sexual, os democratas não eram tão diferentes. Eles agora oferecem menos proteção.
Se o #MeToo nos Estados Unidos se tornar um movimento apenas para os democratas, será um revés. Alguns homens desculpam seu comportamento alegando que é a histeria instigada pela esquerda para atiçar republicanos. Essas questões sobre prova, justiça e reabilitação se tornarão ainda mais difíceis de resolver.
O #MeToo no futuro
Demora uma década ou mais para que os padrões de comportamento social mudem. #MeToo tem apenas um ano de idade. Não se trata tanto de sexo quanto de poder - como o poder é distribuído e como as pessoas são responsabilizadas quando se abusa do poder. Inevitavelmente, portanto, o #MeToo se transformará em discussões sobre a ausência de mulheres em altos cargos nas empresas e diferenças no salário médio entre trabalhadores do sexo masculino e feminino. Uma proteção contra o abuso é que as mulheres jovens trabalhem em um ambiente que outras mulheres ajudem a criar e a sustentar.
Os conservadores costumam lamentar o papel desempenhado por Hollywood ao debilitar a moralidade. Com #MeToo, Tinseltown promoveu inadvertidamente um movimento pela igualdade. Essa poderia se tornar a força mais poderosa para um acordo mais justo entre homens e mulheres, desde o sufrágio feminino. / Tradução de Claudia Bozzo