ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO - O presidente da Argentina, Javier Milei, assinou com ressalvas a declaração final de líderes do G-20, no Rio, abrindo espaço para que a cúpula promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegue a um entendimento comum. No entanto, Milei não endossou parte do conteúdo e denunciou uma “crise” no sistema multilateral. Ele rejeitou temas ligados ao desenvolvimento sustentável, a Agenda 2030 das Nações Unidas.
“O governo nacional assinou a declaração dos presidentes, desvinculando-se parcialmente de todos os conteúdos ligados à Agenda 2030″, informou a Presidência Argentina, em comunicado oficial divulgado nesta segunda-feira, dia 18. A Casa Rosada fez questão de destacar que a decisão isolada dele não prejudica o G-20.
Agora, o maior empecilho à assinatura da declaração final é a posição de países europeus e americanos sobre as guerras na Ucrânia e em Gaza, em contraste com Rússia e países árabes e africanos. Integrantes do governo afirmam que o documento não será mais alterado.
Como o Estadão mostrou, Milei abriu cinco frentes de embate durante a reta final de negociações do comunicado do G-20: multilateralismo, gênero, desenvolvimento sustentável, tributação de grandes fortunas, clima e meio ambiente. Eram pautas de costumes, finanças e política.
Ele também voltou atrás no apoio à taxação dos super-ricos. Os argentinos pediram a retirada de menções a violência sexual e feminicídios, segundo um embaixador. A postura era de barrar a discussão do assunto.
“Sem prejudicar a declaração dos outros líderes, o presidente Javier Milei deixou claro na sua participação no G-20 que não apoia vários pontos da declaração, entre eles; a promoção da limitação da liberdade de expressão nas redes sociais, o esquema de imposição e violação da soberania das instituições de governança global, o tratamento desigual perante a lei e principalmente, a noção de que uma maior intervenção estatal é o caminho para combater a fome”, listou a Presidência Argentina.
Milei usou seu discurso na primeira plenária do G-20 para defender que somente o capitalismo produz prosperidade e permite o combate à fome. Embora a íntegra não tenha sido divulgada, a nota do governo argentino confirmou a visão do presidente.
“Temos de desregulamentar a atividade econômica para libertar o mercado e facilitar o comércio, e que o intercâmbio voluntário de bens e serviços seja o que traga prosperidade. O capitalismo de livre mercado já retirou 90% da população global da pobreza extrema e duplicou a expectativa de vida”, afirmou o governo Milei.
A decisão de Milei evita a derrubada da declaração. O cenário era possível, embora considerado remoto. Significaria um fracasso diplomático ao governo Lula. Com a declaração fragmentada, Milei enfraqueceu a relevância política do documento, já que impediu o consenso em determinados assuntos.
Anfitrião da cúpula, o presidente Lula colocou seu prestígio pessoal na tentativa de chegar a um acordo no fórum que reúne países ricos e emergentes.
Havia pressão sobre Milei, vindo do Brasil e países europeus, como a França, para evitar o colapso da declaração conjunta. Embora não seja desejado, um comunicado final fragmentado já ocorreu antes, com Donald Trump, quando ele rejeitou temas climáticos em 2019, no G-20 de Japão, realizado em Osaka.
“Organizações e fóruns internacionais como o G-20 foram criados com o espírito de que todas as nações envolvidas pudessem unir-se para cooperar voluntariamente, como iguais e de forma autónoma, para, entre outras coisas, salvaguardar os direitos básicos das pessoas. Quase 70 anos depois da inauguração deste sistema de cooperação internacional, chegou o momento de reconhecer que este modelo está em crise, porque há muito que carece do seu propósito original”, criticou o Executivo argentino.