Milei coloca em xeque o futuro das suas reformas ao declarar guerra a governadores


Além do corte de subsídios, presidente reduziu a quase zero o repasse de dinheiro às províncias, incluindo àquelas governadas por sua base de apoio

Por Carolina Marins
Atualização:

O corte de subsídios ao transporte foi o mais recente capítulo de uma guerra entre Javier Milei e os governadores das províncias da Argentina. Em meio às derrotas que vem sofrendo, o governo federal reduziu de forma abrupta os repasses aos distritos e ameaça um “expurgo a traidores”. Os embates, porém, comprometem o futuro da meta fiscal, já que o oficialismo não conta com maiorias parlamentares e depende dos governadores para avançar reformas. Enquanto isso, a equipe de Milei tenta salvar alianças construídas e já se fala em fusão do partido libertário com a direita liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri.

As trocas de acusações entre Milei e a oposição menos radical, aberta ao diálogo com o governo, seguiram nesta sexta-feira, 9, enquanto o presidente viajava de Israel para Roma, onde se encontra com o presidente italiano Sergio Mattarella e a primeira-ministra Giorgia Meloni. Ele também planeja se reunir com o Papa Francisco no Vaticano.

Relatos na imprensa argentina indicam que, ao chegar na Itália, Milei avisou da sua intenção de tirar de seu gabinete os funcionários que são fiéis aos governadores e deputados que votaram contra sua Lei Ônibus na terça-feira. Os governadores, porém, acusam Milei de estar usando a “motosserra” como ferramenta de vingança.

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O presidente da Argentina, Javier Milei, faz viagens a Israel e Itália enquanto seu governo sofre reveses em casa  Foto: Amir Cohen/Reuters

O risco é comprometer o futuro da grande promessa de Milei como presidente: a meta de zerar o déficit fiscal argentino. Sem maiorias e destruindo a pouca base de apoio que construiu, não haverá possibilidade de avançar seus pacotes. Tanto o futuro de seu DNU (Decreto de Necessidade e Urgências) como o avanço da Lei Ônibus ficam comprometidos sem o apoio das províncias.

“Sem coalizão e sem maioria nas Câmaras, a única opção de Milei para fazer um ajuste sustentável era com ajuda dos governadores, que poderiam liderar no Congresso, como fizeram por um tempo”, explica o consultor e analista político Pablo Touzon. “Não foi a oposição que ganhou [com o retrocesso da Lei Ônibus]. O próprio Milei boicotou todos os esforços que seu pessoal havia feito para construir uma espécie de acordo.”

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“Hoje, o que todo mundo se pergunta na Argentina é como ele vai tentar avançar um ajuste com este formato de governo”, completa.

“Não podemos separar a orientação de seu programa econômico da crise política em que o governo se meteu esta semana”, afirma o professor de Economia da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Suas duas primeiras ferramentas estruturais: O DNU e a Lei Ônibus, estão prejudicadas. A lei caiu e o DNU está todo perfurado. De forma geral, está em crise sua capacidade de passar as reformas, e isso era um aspecto fundamental de sua marca de governo que era a motosserra e o ajuste de choque.”

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Corte de repasses

O repasse de verbas é a principal frente de batalha desta guerra. Segundo dados do Instituto de Estudos Económicos sobre a Realidade Argentina e Latinoamericana (Ieral), ao menos 14 províncias não teriam recebido qualquer valor em transferências do governo federal. As demais sofrem reduções drásticas.

O governo Milei repassou 200 milhões de pesos em transferência em janeiro, contra 46 bilhões no mesmo período do ano passado, de acordo com o instituto. A queda é recorde. Embora seja comum a queda de repasses no início do ano, nunca antes o governo repassou tão pouco.

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Há dois tipos de repasses federais para as províncias: transferências automáticas, que vem dos impostos recolhidos e distribuídos de acordo com as porcentagens definidas por lei, e as discricionárias, que podem ser cortadas e redirecionadas de acordo com critérios políticos, se o governo desejar.

Por este critério, se esperava uma queda - ou até o fim - dos repasses às províncias peronistas. Mas a torneira fechou também para distritos comandados pelos partidos Proposta Republicana (PRO) de Mauricio Macri, e União Cívica Radical (UCR ou Radicalismo). Ambos fazem parte da coalizão Juntos pela Mudança, que foi fundamental para a vitória de Milei nas urnas e hoje é a base de sustentação de um governo cujo partido, o Liberdade Avança, é recém-fundado, tem poucas cadeiras no Congresso e não elegeu nenhum governador.

Uma pessoa observa a publicação feita por Javier Milei nas redes sociais, em que chama governadores e deputados de 'casta', enquanto ele é o 'Exterminador' Foto: Carlos Durán Araújo/EFE
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As províncias que não receberam as transferências foram: Catamarca, Chaco, Chubut, Entre Ríos, Formosa, Jujuy, La Pampa, La Rioja, Rio Negro, Salta, San Luis, Santa Cruz, Santiago del Estero e Tierra del Fuego. Outras províncias fundamentais, tanto em população quanto em importância para o governo, como Córdoba e Santa Fé, reclamaram dos repasses.

As províncias também reportaram não ter recebido em janeiro a contribuição nacional para o pagamento de salário dos professores, um repasse previsto no orçamento de 2023 que foi estendido para 2024. A contribuição representa 10% dos salários de 1,6 milhão de professores e é paga desde 1990.

Em resposta, o governador de Buenos Aires, o kirchnerista Axel Kicillof, disse ter usado recursos próprios da província para pagar o salário completo. “Se esta situação persistir, a província não poderá assumir estes componentes salariais que são da exclusiva responsabilidade e obrigação do governo nacional”, afirmou Kicillof.

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Durante as negociações da Lei Ônibus, a coparticipação das províncias no chamado imposto PAIS também se tornou um embate. O governo, no entanto, se negou a fazer concessões em um pacote que já estava desidratado.

Fusão com o PRO

A tensão com os governadores começou já nos primeiros dias de governo, em dezembro, quando o ministro da Economia Luis “Toto” Caputo anunciou suas primeiras 10 medidas econômicas. Nelas, já constava uma queda de repasse, bem como o congelamento de obras públicas. Desde então, o governo dialogou diversas vezes com esses mesmos governadores, inclusive os peronistas.

Mas a queda da Lei Ônibus fez Milei reagir promovendo um linchamento virtual aos “traidores” - que eram os deputados e governadores de sua própria base - e agora cortando os subsídios do interior. Os governadores responderam acusando Milei de romper os acordos feitos no início do governo.

“A eliminação dos subsídios de transporte para o interior do país, mantendo os da AMBA [Área Metropolitana de Buenos Aires], viola o Pacto Fiscal de 2017″, protestou o governador de Mendoza, Alfredo Cornejo. “Permanecem fortes assimetrias entre a área urbana de Buenos Aires e o resto do país. Bem-vinda a ordem fiscal, mas deve ser equitativa”

A Lei Ônibus voltou à estaca zero na terça-feira depois que o governo viu que ia sofrer derrotas em artigos importantes  Foto: Matías Martin Campaya/EFE

Com a caça às bruxas desta semana, Milei está criando uma nova oposição, além da peronista, avalia Pablo Touzon. “O que fez Milei com seu ataque foi criar um coletivo novo com os governadores se juntando. Para Milei é mais conveniente uma oposição kirchnerista. Mas ele criou uma oposição de governadores, em que muitos são recém-eleitos e muito populares”.

Frente às derrotas que sofreu, o presidente argentino tem tentado apelar para medidas unilaterais. Mas as opções não são muitas, já que quase tudo depende de respaldo do Congresso. O presidente já admitiu que a ideia de um plebiscito para aprovar suas leis não é a ideal depois de os argentinos irem às urnas tantas vezes ano passado. Governar por decreto também é limitante porque, além de haver um limite de temas que se pode aprovar via decreto, o documento precisa da chancela do Legislativo.

E é diante de tantas dificuldades que a figura do ex-presidente Mauricio Macri ressurge no governo. Fundamental para a vitória de Milei no segundo turno, Macri ficou afastado das primeiras semanas de governo, com Milei evitando a especulação de que este seria um “novo governo macrista”.

Mas frente à crise armada pelo próprio presidente, as conversas já vão no caminho de uma fusão entre o seu partido, A Liberdade Avança, com o PRO, de Macri. O movimento daria mais base aos libertários, com poucas dezenas de cadeiras e sem governadores de províncias. Porém, também vai exigir uma reestruturação de seu gabinete. “É a única opção que ele tem”, afirma Touzon.

A vice-presidente, Victoria Villarruel, que comanda o Senado argentino, vem tentando apagar as chamas. Nesta sexta ela tinha agendada uma reunião para coordenar os trâmites da Lei Ônibus. Mas, com os episódios recentes, a reunião se tornou um QG de crise, com orientações para pedir desculpas a governadores e um recalcular de rotas nos acordos, segundo o jornal La Nación.

Desde o início, Villarruel tem sido responsável por costurar as alianças no Legislativo, tendo êxito com o PRO, a UCR e peronistas não-kirchneristas. Ela evitou comentar a guerra travada pelo presidente, mas presentes no encontro relataram que ela estava “muito preocupada”. “A impressão que tenho é que ela tenta construir um perfil ‘desdemonizado’, em que ela seria a pessoa racional, com quem se pode conversar”, opina Touzon.

O corte de subsídios ao transporte foi o mais recente capítulo de uma guerra entre Javier Milei e os governadores das províncias da Argentina. Em meio às derrotas que vem sofrendo, o governo federal reduziu de forma abrupta os repasses aos distritos e ameaça um “expurgo a traidores”. Os embates, porém, comprometem o futuro da meta fiscal, já que o oficialismo não conta com maiorias parlamentares e depende dos governadores para avançar reformas. Enquanto isso, a equipe de Milei tenta salvar alianças construídas e já se fala em fusão do partido libertário com a direita liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri.

As trocas de acusações entre Milei e a oposição menos radical, aberta ao diálogo com o governo, seguiram nesta sexta-feira, 9, enquanto o presidente viajava de Israel para Roma, onde se encontra com o presidente italiano Sergio Mattarella e a primeira-ministra Giorgia Meloni. Ele também planeja se reunir com o Papa Francisco no Vaticano.

Relatos na imprensa argentina indicam que, ao chegar na Itália, Milei avisou da sua intenção de tirar de seu gabinete os funcionários que são fiéis aos governadores e deputados que votaram contra sua Lei Ônibus na terça-feira. Os governadores, porém, acusam Milei de estar usando a “motosserra” como ferramenta de vingança.

O presidente da Argentina, Javier Milei, faz viagens a Israel e Itália enquanto seu governo sofre reveses em casa  Foto: Amir Cohen/Reuters

O risco é comprometer o futuro da grande promessa de Milei como presidente: a meta de zerar o déficit fiscal argentino. Sem maiorias e destruindo a pouca base de apoio que construiu, não haverá possibilidade de avançar seus pacotes. Tanto o futuro de seu DNU (Decreto de Necessidade e Urgências) como o avanço da Lei Ônibus ficam comprometidos sem o apoio das províncias.

“Sem coalizão e sem maioria nas Câmaras, a única opção de Milei para fazer um ajuste sustentável era com ajuda dos governadores, que poderiam liderar no Congresso, como fizeram por um tempo”, explica o consultor e analista político Pablo Touzon. “Não foi a oposição que ganhou [com o retrocesso da Lei Ônibus]. O próprio Milei boicotou todos os esforços que seu pessoal havia feito para construir uma espécie de acordo.”

“Hoje, o que todo mundo se pergunta na Argentina é como ele vai tentar avançar um ajuste com este formato de governo”, completa.

“Não podemos separar a orientação de seu programa econômico da crise política em que o governo se meteu esta semana”, afirma o professor de Economia da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Suas duas primeiras ferramentas estruturais: O DNU e a Lei Ônibus, estão prejudicadas. A lei caiu e o DNU está todo perfurado. De forma geral, está em crise sua capacidade de passar as reformas, e isso era um aspecto fundamental de sua marca de governo que era a motosserra e o ajuste de choque.”

Corte de repasses

O repasse de verbas é a principal frente de batalha desta guerra. Segundo dados do Instituto de Estudos Económicos sobre a Realidade Argentina e Latinoamericana (Ieral), ao menos 14 províncias não teriam recebido qualquer valor em transferências do governo federal. As demais sofrem reduções drásticas.

O governo Milei repassou 200 milhões de pesos em transferência em janeiro, contra 46 bilhões no mesmo período do ano passado, de acordo com o instituto. A queda é recorde. Embora seja comum a queda de repasses no início do ano, nunca antes o governo repassou tão pouco.

Há dois tipos de repasses federais para as províncias: transferências automáticas, que vem dos impostos recolhidos e distribuídos de acordo com as porcentagens definidas por lei, e as discricionárias, que podem ser cortadas e redirecionadas de acordo com critérios políticos, se o governo desejar.

Por este critério, se esperava uma queda - ou até o fim - dos repasses às províncias peronistas. Mas a torneira fechou também para distritos comandados pelos partidos Proposta Republicana (PRO) de Mauricio Macri, e União Cívica Radical (UCR ou Radicalismo). Ambos fazem parte da coalizão Juntos pela Mudança, que foi fundamental para a vitória de Milei nas urnas e hoje é a base de sustentação de um governo cujo partido, o Liberdade Avança, é recém-fundado, tem poucas cadeiras no Congresso e não elegeu nenhum governador.

Uma pessoa observa a publicação feita por Javier Milei nas redes sociais, em que chama governadores e deputados de 'casta', enquanto ele é o 'Exterminador' Foto: Carlos Durán Araújo/EFE

As províncias que não receberam as transferências foram: Catamarca, Chaco, Chubut, Entre Ríos, Formosa, Jujuy, La Pampa, La Rioja, Rio Negro, Salta, San Luis, Santa Cruz, Santiago del Estero e Tierra del Fuego. Outras províncias fundamentais, tanto em população quanto em importância para o governo, como Córdoba e Santa Fé, reclamaram dos repasses.

As províncias também reportaram não ter recebido em janeiro a contribuição nacional para o pagamento de salário dos professores, um repasse previsto no orçamento de 2023 que foi estendido para 2024. A contribuição representa 10% dos salários de 1,6 milhão de professores e é paga desde 1990.

Em resposta, o governador de Buenos Aires, o kirchnerista Axel Kicillof, disse ter usado recursos próprios da província para pagar o salário completo. “Se esta situação persistir, a província não poderá assumir estes componentes salariais que são da exclusiva responsabilidade e obrigação do governo nacional”, afirmou Kicillof.

Durante as negociações da Lei Ônibus, a coparticipação das províncias no chamado imposto PAIS também se tornou um embate. O governo, no entanto, se negou a fazer concessões em um pacote que já estava desidratado.

Fusão com o PRO

A tensão com os governadores começou já nos primeiros dias de governo, em dezembro, quando o ministro da Economia Luis “Toto” Caputo anunciou suas primeiras 10 medidas econômicas. Nelas, já constava uma queda de repasse, bem como o congelamento de obras públicas. Desde então, o governo dialogou diversas vezes com esses mesmos governadores, inclusive os peronistas.

Mas a queda da Lei Ônibus fez Milei reagir promovendo um linchamento virtual aos “traidores” - que eram os deputados e governadores de sua própria base - e agora cortando os subsídios do interior. Os governadores responderam acusando Milei de romper os acordos feitos no início do governo.

“A eliminação dos subsídios de transporte para o interior do país, mantendo os da AMBA [Área Metropolitana de Buenos Aires], viola o Pacto Fiscal de 2017″, protestou o governador de Mendoza, Alfredo Cornejo. “Permanecem fortes assimetrias entre a área urbana de Buenos Aires e o resto do país. Bem-vinda a ordem fiscal, mas deve ser equitativa”

A Lei Ônibus voltou à estaca zero na terça-feira depois que o governo viu que ia sofrer derrotas em artigos importantes  Foto: Matías Martin Campaya/EFE

Com a caça às bruxas desta semana, Milei está criando uma nova oposição, além da peronista, avalia Pablo Touzon. “O que fez Milei com seu ataque foi criar um coletivo novo com os governadores se juntando. Para Milei é mais conveniente uma oposição kirchnerista. Mas ele criou uma oposição de governadores, em que muitos são recém-eleitos e muito populares”.

Frente às derrotas que sofreu, o presidente argentino tem tentado apelar para medidas unilaterais. Mas as opções não são muitas, já que quase tudo depende de respaldo do Congresso. O presidente já admitiu que a ideia de um plebiscito para aprovar suas leis não é a ideal depois de os argentinos irem às urnas tantas vezes ano passado. Governar por decreto também é limitante porque, além de haver um limite de temas que se pode aprovar via decreto, o documento precisa da chancela do Legislativo.

E é diante de tantas dificuldades que a figura do ex-presidente Mauricio Macri ressurge no governo. Fundamental para a vitória de Milei no segundo turno, Macri ficou afastado das primeiras semanas de governo, com Milei evitando a especulação de que este seria um “novo governo macrista”.

Mas frente à crise armada pelo próprio presidente, as conversas já vão no caminho de uma fusão entre o seu partido, A Liberdade Avança, com o PRO, de Macri. O movimento daria mais base aos libertários, com poucas dezenas de cadeiras e sem governadores de províncias. Porém, também vai exigir uma reestruturação de seu gabinete. “É a única opção que ele tem”, afirma Touzon.

A vice-presidente, Victoria Villarruel, que comanda o Senado argentino, vem tentando apagar as chamas. Nesta sexta ela tinha agendada uma reunião para coordenar os trâmites da Lei Ônibus. Mas, com os episódios recentes, a reunião se tornou um QG de crise, com orientações para pedir desculpas a governadores e um recalcular de rotas nos acordos, segundo o jornal La Nación.

Desde o início, Villarruel tem sido responsável por costurar as alianças no Legislativo, tendo êxito com o PRO, a UCR e peronistas não-kirchneristas. Ela evitou comentar a guerra travada pelo presidente, mas presentes no encontro relataram que ela estava “muito preocupada”. “A impressão que tenho é que ela tenta construir um perfil ‘desdemonizado’, em que ela seria a pessoa racional, com quem se pode conversar”, opina Touzon.

O corte de subsídios ao transporte foi o mais recente capítulo de uma guerra entre Javier Milei e os governadores das províncias da Argentina. Em meio às derrotas que vem sofrendo, o governo federal reduziu de forma abrupta os repasses aos distritos e ameaça um “expurgo a traidores”. Os embates, porém, comprometem o futuro da meta fiscal, já que o oficialismo não conta com maiorias parlamentares e depende dos governadores para avançar reformas. Enquanto isso, a equipe de Milei tenta salvar alianças construídas e já se fala em fusão do partido libertário com a direita liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri.

As trocas de acusações entre Milei e a oposição menos radical, aberta ao diálogo com o governo, seguiram nesta sexta-feira, 9, enquanto o presidente viajava de Israel para Roma, onde se encontra com o presidente italiano Sergio Mattarella e a primeira-ministra Giorgia Meloni. Ele também planeja se reunir com o Papa Francisco no Vaticano.

Relatos na imprensa argentina indicam que, ao chegar na Itália, Milei avisou da sua intenção de tirar de seu gabinete os funcionários que são fiéis aos governadores e deputados que votaram contra sua Lei Ônibus na terça-feira. Os governadores, porém, acusam Milei de estar usando a “motosserra” como ferramenta de vingança.

O presidente da Argentina, Javier Milei, faz viagens a Israel e Itália enquanto seu governo sofre reveses em casa  Foto: Amir Cohen/Reuters

O risco é comprometer o futuro da grande promessa de Milei como presidente: a meta de zerar o déficit fiscal argentino. Sem maiorias e destruindo a pouca base de apoio que construiu, não haverá possibilidade de avançar seus pacotes. Tanto o futuro de seu DNU (Decreto de Necessidade e Urgências) como o avanço da Lei Ônibus ficam comprometidos sem o apoio das províncias.

“Sem coalizão e sem maioria nas Câmaras, a única opção de Milei para fazer um ajuste sustentável era com ajuda dos governadores, que poderiam liderar no Congresso, como fizeram por um tempo”, explica o consultor e analista político Pablo Touzon. “Não foi a oposição que ganhou [com o retrocesso da Lei Ônibus]. O próprio Milei boicotou todos os esforços que seu pessoal havia feito para construir uma espécie de acordo.”

“Hoje, o que todo mundo se pergunta na Argentina é como ele vai tentar avançar um ajuste com este formato de governo”, completa.

“Não podemos separar a orientação de seu programa econômico da crise política em que o governo se meteu esta semana”, afirma o professor de Economia da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Suas duas primeiras ferramentas estruturais: O DNU e a Lei Ônibus, estão prejudicadas. A lei caiu e o DNU está todo perfurado. De forma geral, está em crise sua capacidade de passar as reformas, e isso era um aspecto fundamental de sua marca de governo que era a motosserra e o ajuste de choque.”

Corte de repasses

O repasse de verbas é a principal frente de batalha desta guerra. Segundo dados do Instituto de Estudos Económicos sobre a Realidade Argentina e Latinoamericana (Ieral), ao menos 14 províncias não teriam recebido qualquer valor em transferências do governo federal. As demais sofrem reduções drásticas.

O governo Milei repassou 200 milhões de pesos em transferência em janeiro, contra 46 bilhões no mesmo período do ano passado, de acordo com o instituto. A queda é recorde. Embora seja comum a queda de repasses no início do ano, nunca antes o governo repassou tão pouco.

Há dois tipos de repasses federais para as províncias: transferências automáticas, que vem dos impostos recolhidos e distribuídos de acordo com as porcentagens definidas por lei, e as discricionárias, que podem ser cortadas e redirecionadas de acordo com critérios políticos, se o governo desejar.

Por este critério, se esperava uma queda - ou até o fim - dos repasses às províncias peronistas. Mas a torneira fechou também para distritos comandados pelos partidos Proposta Republicana (PRO) de Mauricio Macri, e União Cívica Radical (UCR ou Radicalismo). Ambos fazem parte da coalizão Juntos pela Mudança, que foi fundamental para a vitória de Milei nas urnas e hoje é a base de sustentação de um governo cujo partido, o Liberdade Avança, é recém-fundado, tem poucas cadeiras no Congresso e não elegeu nenhum governador.

Uma pessoa observa a publicação feita por Javier Milei nas redes sociais, em que chama governadores e deputados de 'casta', enquanto ele é o 'Exterminador' Foto: Carlos Durán Araújo/EFE

As províncias que não receberam as transferências foram: Catamarca, Chaco, Chubut, Entre Ríos, Formosa, Jujuy, La Pampa, La Rioja, Rio Negro, Salta, San Luis, Santa Cruz, Santiago del Estero e Tierra del Fuego. Outras províncias fundamentais, tanto em população quanto em importância para o governo, como Córdoba e Santa Fé, reclamaram dos repasses.

As províncias também reportaram não ter recebido em janeiro a contribuição nacional para o pagamento de salário dos professores, um repasse previsto no orçamento de 2023 que foi estendido para 2024. A contribuição representa 10% dos salários de 1,6 milhão de professores e é paga desde 1990.

Em resposta, o governador de Buenos Aires, o kirchnerista Axel Kicillof, disse ter usado recursos próprios da província para pagar o salário completo. “Se esta situação persistir, a província não poderá assumir estes componentes salariais que são da exclusiva responsabilidade e obrigação do governo nacional”, afirmou Kicillof.

Durante as negociações da Lei Ônibus, a coparticipação das províncias no chamado imposto PAIS também se tornou um embate. O governo, no entanto, se negou a fazer concessões em um pacote que já estava desidratado.

Fusão com o PRO

A tensão com os governadores começou já nos primeiros dias de governo, em dezembro, quando o ministro da Economia Luis “Toto” Caputo anunciou suas primeiras 10 medidas econômicas. Nelas, já constava uma queda de repasse, bem como o congelamento de obras públicas. Desde então, o governo dialogou diversas vezes com esses mesmos governadores, inclusive os peronistas.

Mas a queda da Lei Ônibus fez Milei reagir promovendo um linchamento virtual aos “traidores” - que eram os deputados e governadores de sua própria base - e agora cortando os subsídios do interior. Os governadores responderam acusando Milei de romper os acordos feitos no início do governo.

“A eliminação dos subsídios de transporte para o interior do país, mantendo os da AMBA [Área Metropolitana de Buenos Aires], viola o Pacto Fiscal de 2017″, protestou o governador de Mendoza, Alfredo Cornejo. “Permanecem fortes assimetrias entre a área urbana de Buenos Aires e o resto do país. Bem-vinda a ordem fiscal, mas deve ser equitativa”

A Lei Ônibus voltou à estaca zero na terça-feira depois que o governo viu que ia sofrer derrotas em artigos importantes  Foto: Matías Martin Campaya/EFE

Com a caça às bruxas desta semana, Milei está criando uma nova oposição, além da peronista, avalia Pablo Touzon. “O que fez Milei com seu ataque foi criar um coletivo novo com os governadores se juntando. Para Milei é mais conveniente uma oposição kirchnerista. Mas ele criou uma oposição de governadores, em que muitos são recém-eleitos e muito populares”.

Frente às derrotas que sofreu, o presidente argentino tem tentado apelar para medidas unilaterais. Mas as opções não são muitas, já que quase tudo depende de respaldo do Congresso. O presidente já admitiu que a ideia de um plebiscito para aprovar suas leis não é a ideal depois de os argentinos irem às urnas tantas vezes ano passado. Governar por decreto também é limitante porque, além de haver um limite de temas que se pode aprovar via decreto, o documento precisa da chancela do Legislativo.

E é diante de tantas dificuldades que a figura do ex-presidente Mauricio Macri ressurge no governo. Fundamental para a vitória de Milei no segundo turno, Macri ficou afastado das primeiras semanas de governo, com Milei evitando a especulação de que este seria um “novo governo macrista”.

Mas frente à crise armada pelo próprio presidente, as conversas já vão no caminho de uma fusão entre o seu partido, A Liberdade Avança, com o PRO, de Macri. O movimento daria mais base aos libertários, com poucas dezenas de cadeiras e sem governadores de províncias. Porém, também vai exigir uma reestruturação de seu gabinete. “É a única opção que ele tem”, afirma Touzon.

A vice-presidente, Victoria Villarruel, que comanda o Senado argentino, vem tentando apagar as chamas. Nesta sexta ela tinha agendada uma reunião para coordenar os trâmites da Lei Ônibus. Mas, com os episódios recentes, a reunião se tornou um QG de crise, com orientações para pedir desculpas a governadores e um recalcular de rotas nos acordos, segundo o jornal La Nación.

Desde o início, Villarruel tem sido responsável por costurar as alianças no Legislativo, tendo êxito com o PRO, a UCR e peronistas não-kirchneristas. Ela evitou comentar a guerra travada pelo presidente, mas presentes no encontro relataram que ela estava “muito preocupada”. “A impressão que tenho é que ela tenta construir um perfil ‘desdemonizado’, em que ela seria a pessoa racional, com quem se pode conversar”, opina Touzon.

O corte de subsídios ao transporte foi o mais recente capítulo de uma guerra entre Javier Milei e os governadores das províncias da Argentina. Em meio às derrotas que vem sofrendo, o governo federal reduziu de forma abrupta os repasses aos distritos e ameaça um “expurgo a traidores”. Os embates, porém, comprometem o futuro da meta fiscal, já que o oficialismo não conta com maiorias parlamentares e depende dos governadores para avançar reformas. Enquanto isso, a equipe de Milei tenta salvar alianças construídas e já se fala em fusão do partido libertário com a direita liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri.

As trocas de acusações entre Milei e a oposição menos radical, aberta ao diálogo com o governo, seguiram nesta sexta-feira, 9, enquanto o presidente viajava de Israel para Roma, onde se encontra com o presidente italiano Sergio Mattarella e a primeira-ministra Giorgia Meloni. Ele também planeja se reunir com o Papa Francisco no Vaticano.

Relatos na imprensa argentina indicam que, ao chegar na Itália, Milei avisou da sua intenção de tirar de seu gabinete os funcionários que são fiéis aos governadores e deputados que votaram contra sua Lei Ônibus na terça-feira. Os governadores, porém, acusam Milei de estar usando a “motosserra” como ferramenta de vingança.

O presidente da Argentina, Javier Milei, faz viagens a Israel e Itália enquanto seu governo sofre reveses em casa  Foto: Amir Cohen/Reuters

O risco é comprometer o futuro da grande promessa de Milei como presidente: a meta de zerar o déficit fiscal argentino. Sem maiorias e destruindo a pouca base de apoio que construiu, não haverá possibilidade de avançar seus pacotes. Tanto o futuro de seu DNU (Decreto de Necessidade e Urgências) como o avanço da Lei Ônibus ficam comprometidos sem o apoio das províncias.

“Sem coalizão e sem maioria nas Câmaras, a única opção de Milei para fazer um ajuste sustentável era com ajuda dos governadores, que poderiam liderar no Congresso, como fizeram por um tempo”, explica o consultor e analista político Pablo Touzon. “Não foi a oposição que ganhou [com o retrocesso da Lei Ônibus]. O próprio Milei boicotou todos os esforços que seu pessoal havia feito para construir uma espécie de acordo.”

“Hoje, o que todo mundo se pergunta na Argentina é como ele vai tentar avançar um ajuste com este formato de governo”, completa.

“Não podemos separar a orientação de seu programa econômico da crise política em que o governo se meteu esta semana”, afirma o professor de Economia da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Suas duas primeiras ferramentas estruturais: O DNU e a Lei Ônibus, estão prejudicadas. A lei caiu e o DNU está todo perfurado. De forma geral, está em crise sua capacidade de passar as reformas, e isso era um aspecto fundamental de sua marca de governo que era a motosserra e o ajuste de choque.”

Corte de repasses

O repasse de verbas é a principal frente de batalha desta guerra. Segundo dados do Instituto de Estudos Económicos sobre a Realidade Argentina e Latinoamericana (Ieral), ao menos 14 províncias não teriam recebido qualquer valor em transferências do governo federal. As demais sofrem reduções drásticas.

O governo Milei repassou 200 milhões de pesos em transferência em janeiro, contra 46 bilhões no mesmo período do ano passado, de acordo com o instituto. A queda é recorde. Embora seja comum a queda de repasses no início do ano, nunca antes o governo repassou tão pouco.

Há dois tipos de repasses federais para as províncias: transferências automáticas, que vem dos impostos recolhidos e distribuídos de acordo com as porcentagens definidas por lei, e as discricionárias, que podem ser cortadas e redirecionadas de acordo com critérios políticos, se o governo desejar.

Por este critério, se esperava uma queda - ou até o fim - dos repasses às províncias peronistas. Mas a torneira fechou também para distritos comandados pelos partidos Proposta Republicana (PRO) de Mauricio Macri, e União Cívica Radical (UCR ou Radicalismo). Ambos fazem parte da coalizão Juntos pela Mudança, que foi fundamental para a vitória de Milei nas urnas e hoje é a base de sustentação de um governo cujo partido, o Liberdade Avança, é recém-fundado, tem poucas cadeiras no Congresso e não elegeu nenhum governador.

Uma pessoa observa a publicação feita por Javier Milei nas redes sociais, em que chama governadores e deputados de 'casta', enquanto ele é o 'Exterminador' Foto: Carlos Durán Araújo/EFE

As províncias que não receberam as transferências foram: Catamarca, Chaco, Chubut, Entre Ríos, Formosa, Jujuy, La Pampa, La Rioja, Rio Negro, Salta, San Luis, Santa Cruz, Santiago del Estero e Tierra del Fuego. Outras províncias fundamentais, tanto em população quanto em importância para o governo, como Córdoba e Santa Fé, reclamaram dos repasses.

As províncias também reportaram não ter recebido em janeiro a contribuição nacional para o pagamento de salário dos professores, um repasse previsto no orçamento de 2023 que foi estendido para 2024. A contribuição representa 10% dos salários de 1,6 milhão de professores e é paga desde 1990.

Em resposta, o governador de Buenos Aires, o kirchnerista Axel Kicillof, disse ter usado recursos próprios da província para pagar o salário completo. “Se esta situação persistir, a província não poderá assumir estes componentes salariais que são da exclusiva responsabilidade e obrigação do governo nacional”, afirmou Kicillof.

Durante as negociações da Lei Ônibus, a coparticipação das províncias no chamado imposto PAIS também se tornou um embate. O governo, no entanto, se negou a fazer concessões em um pacote que já estava desidratado.

Fusão com o PRO

A tensão com os governadores começou já nos primeiros dias de governo, em dezembro, quando o ministro da Economia Luis “Toto” Caputo anunciou suas primeiras 10 medidas econômicas. Nelas, já constava uma queda de repasse, bem como o congelamento de obras públicas. Desde então, o governo dialogou diversas vezes com esses mesmos governadores, inclusive os peronistas.

Mas a queda da Lei Ônibus fez Milei reagir promovendo um linchamento virtual aos “traidores” - que eram os deputados e governadores de sua própria base - e agora cortando os subsídios do interior. Os governadores responderam acusando Milei de romper os acordos feitos no início do governo.

“A eliminação dos subsídios de transporte para o interior do país, mantendo os da AMBA [Área Metropolitana de Buenos Aires], viola o Pacto Fiscal de 2017″, protestou o governador de Mendoza, Alfredo Cornejo. “Permanecem fortes assimetrias entre a área urbana de Buenos Aires e o resto do país. Bem-vinda a ordem fiscal, mas deve ser equitativa”

A Lei Ônibus voltou à estaca zero na terça-feira depois que o governo viu que ia sofrer derrotas em artigos importantes  Foto: Matías Martin Campaya/EFE

Com a caça às bruxas desta semana, Milei está criando uma nova oposição, além da peronista, avalia Pablo Touzon. “O que fez Milei com seu ataque foi criar um coletivo novo com os governadores se juntando. Para Milei é mais conveniente uma oposição kirchnerista. Mas ele criou uma oposição de governadores, em que muitos são recém-eleitos e muito populares”.

Frente às derrotas que sofreu, o presidente argentino tem tentado apelar para medidas unilaterais. Mas as opções não são muitas, já que quase tudo depende de respaldo do Congresso. O presidente já admitiu que a ideia de um plebiscito para aprovar suas leis não é a ideal depois de os argentinos irem às urnas tantas vezes ano passado. Governar por decreto também é limitante porque, além de haver um limite de temas que se pode aprovar via decreto, o documento precisa da chancela do Legislativo.

E é diante de tantas dificuldades que a figura do ex-presidente Mauricio Macri ressurge no governo. Fundamental para a vitória de Milei no segundo turno, Macri ficou afastado das primeiras semanas de governo, com Milei evitando a especulação de que este seria um “novo governo macrista”.

Mas frente à crise armada pelo próprio presidente, as conversas já vão no caminho de uma fusão entre o seu partido, A Liberdade Avança, com o PRO, de Macri. O movimento daria mais base aos libertários, com poucas dezenas de cadeiras e sem governadores de províncias. Porém, também vai exigir uma reestruturação de seu gabinete. “É a única opção que ele tem”, afirma Touzon.

A vice-presidente, Victoria Villarruel, que comanda o Senado argentino, vem tentando apagar as chamas. Nesta sexta ela tinha agendada uma reunião para coordenar os trâmites da Lei Ônibus. Mas, com os episódios recentes, a reunião se tornou um QG de crise, com orientações para pedir desculpas a governadores e um recalcular de rotas nos acordos, segundo o jornal La Nación.

Desde o início, Villarruel tem sido responsável por costurar as alianças no Legislativo, tendo êxito com o PRO, a UCR e peronistas não-kirchneristas. Ela evitou comentar a guerra travada pelo presidente, mas presentes no encontro relataram que ela estava “muito preocupada”. “A impressão que tenho é que ela tenta construir um perfil ‘desdemonizado’, em que ela seria a pessoa racional, com quem se pode conversar”, opina Touzon.

O corte de subsídios ao transporte foi o mais recente capítulo de uma guerra entre Javier Milei e os governadores das províncias da Argentina. Em meio às derrotas que vem sofrendo, o governo federal reduziu de forma abrupta os repasses aos distritos e ameaça um “expurgo a traidores”. Os embates, porém, comprometem o futuro da meta fiscal, já que o oficialismo não conta com maiorias parlamentares e depende dos governadores para avançar reformas. Enquanto isso, a equipe de Milei tenta salvar alianças construídas e já se fala em fusão do partido libertário com a direita liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri.

As trocas de acusações entre Milei e a oposição menos radical, aberta ao diálogo com o governo, seguiram nesta sexta-feira, 9, enquanto o presidente viajava de Israel para Roma, onde se encontra com o presidente italiano Sergio Mattarella e a primeira-ministra Giorgia Meloni. Ele também planeja se reunir com o Papa Francisco no Vaticano.

Relatos na imprensa argentina indicam que, ao chegar na Itália, Milei avisou da sua intenção de tirar de seu gabinete os funcionários que são fiéis aos governadores e deputados que votaram contra sua Lei Ônibus na terça-feira. Os governadores, porém, acusam Milei de estar usando a “motosserra” como ferramenta de vingança.

O presidente da Argentina, Javier Milei, faz viagens a Israel e Itália enquanto seu governo sofre reveses em casa  Foto: Amir Cohen/Reuters

O risco é comprometer o futuro da grande promessa de Milei como presidente: a meta de zerar o déficit fiscal argentino. Sem maiorias e destruindo a pouca base de apoio que construiu, não haverá possibilidade de avançar seus pacotes. Tanto o futuro de seu DNU (Decreto de Necessidade e Urgências) como o avanço da Lei Ônibus ficam comprometidos sem o apoio das províncias.

“Sem coalizão e sem maioria nas Câmaras, a única opção de Milei para fazer um ajuste sustentável era com ajuda dos governadores, que poderiam liderar no Congresso, como fizeram por um tempo”, explica o consultor e analista político Pablo Touzon. “Não foi a oposição que ganhou [com o retrocesso da Lei Ônibus]. O próprio Milei boicotou todos os esforços que seu pessoal havia feito para construir uma espécie de acordo.”

“Hoje, o que todo mundo se pergunta na Argentina é como ele vai tentar avançar um ajuste com este formato de governo”, completa.

“Não podemos separar a orientação de seu programa econômico da crise política em que o governo se meteu esta semana”, afirma o professor de Economia da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Suas duas primeiras ferramentas estruturais: O DNU e a Lei Ônibus, estão prejudicadas. A lei caiu e o DNU está todo perfurado. De forma geral, está em crise sua capacidade de passar as reformas, e isso era um aspecto fundamental de sua marca de governo que era a motosserra e o ajuste de choque.”

Corte de repasses

O repasse de verbas é a principal frente de batalha desta guerra. Segundo dados do Instituto de Estudos Económicos sobre a Realidade Argentina e Latinoamericana (Ieral), ao menos 14 províncias não teriam recebido qualquer valor em transferências do governo federal. As demais sofrem reduções drásticas.

O governo Milei repassou 200 milhões de pesos em transferência em janeiro, contra 46 bilhões no mesmo período do ano passado, de acordo com o instituto. A queda é recorde. Embora seja comum a queda de repasses no início do ano, nunca antes o governo repassou tão pouco.

Há dois tipos de repasses federais para as províncias: transferências automáticas, que vem dos impostos recolhidos e distribuídos de acordo com as porcentagens definidas por lei, e as discricionárias, que podem ser cortadas e redirecionadas de acordo com critérios políticos, se o governo desejar.

Por este critério, se esperava uma queda - ou até o fim - dos repasses às províncias peronistas. Mas a torneira fechou também para distritos comandados pelos partidos Proposta Republicana (PRO) de Mauricio Macri, e União Cívica Radical (UCR ou Radicalismo). Ambos fazem parte da coalizão Juntos pela Mudança, que foi fundamental para a vitória de Milei nas urnas e hoje é a base de sustentação de um governo cujo partido, o Liberdade Avança, é recém-fundado, tem poucas cadeiras no Congresso e não elegeu nenhum governador.

Uma pessoa observa a publicação feita por Javier Milei nas redes sociais, em que chama governadores e deputados de 'casta', enquanto ele é o 'Exterminador' Foto: Carlos Durán Araújo/EFE

As províncias que não receberam as transferências foram: Catamarca, Chaco, Chubut, Entre Ríos, Formosa, Jujuy, La Pampa, La Rioja, Rio Negro, Salta, San Luis, Santa Cruz, Santiago del Estero e Tierra del Fuego. Outras províncias fundamentais, tanto em população quanto em importância para o governo, como Córdoba e Santa Fé, reclamaram dos repasses.

As províncias também reportaram não ter recebido em janeiro a contribuição nacional para o pagamento de salário dos professores, um repasse previsto no orçamento de 2023 que foi estendido para 2024. A contribuição representa 10% dos salários de 1,6 milhão de professores e é paga desde 1990.

Em resposta, o governador de Buenos Aires, o kirchnerista Axel Kicillof, disse ter usado recursos próprios da província para pagar o salário completo. “Se esta situação persistir, a província não poderá assumir estes componentes salariais que são da exclusiva responsabilidade e obrigação do governo nacional”, afirmou Kicillof.

Durante as negociações da Lei Ônibus, a coparticipação das províncias no chamado imposto PAIS também se tornou um embate. O governo, no entanto, se negou a fazer concessões em um pacote que já estava desidratado.

Fusão com o PRO

A tensão com os governadores começou já nos primeiros dias de governo, em dezembro, quando o ministro da Economia Luis “Toto” Caputo anunciou suas primeiras 10 medidas econômicas. Nelas, já constava uma queda de repasse, bem como o congelamento de obras públicas. Desde então, o governo dialogou diversas vezes com esses mesmos governadores, inclusive os peronistas.

Mas a queda da Lei Ônibus fez Milei reagir promovendo um linchamento virtual aos “traidores” - que eram os deputados e governadores de sua própria base - e agora cortando os subsídios do interior. Os governadores responderam acusando Milei de romper os acordos feitos no início do governo.

“A eliminação dos subsídios de transporte para o interior do país, mantendo os da AMBA [Área Metropolitana de Buenos Aires], viola o Pacto Fiscal de 2017″, protestou o governador de Mendoza, Alfredo Cornejo. “Permanecem fortes assimetrias entre a área urbana de Buenos Aires e o resto do país. Bem-vinda a ordem fiscal, mas deve ser equitativa”

A Lei Ônibus voltou à estaca zero na terça-feira depois que o governo viu que ia sofrer derrotas em artigos importantes  Foto: Matías Martin Campaya/EFE

Com a caça às bruxas desta semana, Milei está criando uma nova oposição, além da peronista, avalia Pablo Touzon. “O que fez Milei com seu ataque foi criar um coletivo novo com os governadores se juntando. Para Milei é mais conveniente uma oposição kirchnerista. Mas ele criou uma oposição de governadores, em que muitos são recém-eleitos e muito populares”.

Frente às derrotas que sofreu, o presidente argentino tem tentado apelar para medidas unilaterais. Mas as opções não são muitas, já que quase tudo depende de respaldo do Congresso. O presidente já admitiu que a ideia de um plebiscito para aprovar suas leis não é a ideal depois de os argentinos irem às urnas tantas vezes ano passado. Governar por decreto também é limitante porque, além de haver um limite de temas que se pode aprovar via decreto, o documento precisa da chancela do Legislativo.

E é diante de tantas dificuldades que a figura do ex-presidente Mauricio Macri ressurge no governo. Fundamental para a vitória de Milei no segundo turno, Macri ficou afastado das primeiras semanas de governo, com Milei evitando a especulação de que este seria um “novo governo macrista”.

Mas frente à crise armada pelo próprio presidente, as conversas já vão no caminho de uma fusão entre o seu partido, A Liberdade Avança, com o PRO, de Macri. O movimento daria mais base aos libertários, com poucas dezenas de cadeiras e sem governadores de províncias. Porém, também vai exigir uma reestruturação de seu gabinete. “É a única opção que ele tem”, afirma Touzon.

A vice-presidente, Victoria Villarruel, que comanda o Senado argentino, vem tentando apagar as chamas. Nesta sexta ela tinha agendada uma reunião para coordenar os trâmites da Lei Ônibus. Mas, com os episódios recentes, a reunião se tornou um QG de crise, com orientações para pedir desculpas a governadores e um recalcular de rotas nos acordos, segundo o jornal La Nación.

Desde o início, Villarruel tem sido responsável por costurar as alianças no Legislativo, tendo êxito com o PRO, a UCR e peronistas não-kirchneristas. Ela evitou comentar a guerra travada pelo presidente, mas presentes no encontro relataram que ela estava “muito preocupada”. “A impressão que tenho é que ela tenta construir um perfil ‘desdemonizado’, em que ela seria a pessoa racional, com quem se pode conversar”, opina Touzon.

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