Milícias americanas estreitam relação com Partido Republicano


Legenda se aproximou de paramilitares no governo Trump e agora vê radicais ocupando cargos na direção da sigla

Por David D. Kirkpatrick e Mike McIntire

LANSING, EUA - Dezenas de milicianos fortemente armados se aglomeraram na Assembleia Legislativa estadual de Michigan em abril do ano passado para protestar contra a ordem de confinamento  emitida pela governadora democrata, Gretchen Whitmer,  para desacelerar a pandemia de coronavírus. Cantando e batendo os pés, eles paralisaram os trabalhos da Casa, tentaram invadir o plenário e ostentaram fuzis nas galerias, acima dos legisladores.

Inicialmente, líderes republicanos tinham algumas dúvidas a respeito de seus novos aliados. “A visão não foi agradável. Da próxima vez, digam a eles que não tragam armas”, reclamou Mike Shirkey, líder da maioria no Senado estadual, de acordo com um dos organizadores do protesto. Mas o republicano mais graduado de Michigan mudou de ideia após os organizadores ameaçarem retornar com armas e “milicianos assinando autógrafos e distribuindo AR-15s infláveis às crianças no gramado do Capitólio.

“Para seu crédito”, escreveu Jason Howland, o organizador, em publicação nas redes sociais, Shirkey concordou em colaborar com a causa e “discursou no nosso evento seguinte”.

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Milicianos na Assembleia Legislativa do Michigan Foto: Seth Herald/Reuters

Seguindo indicações do presidente Donald Trump - que tinha publicado no Twitter a mensagem “Libertem o Michigan!” após uma demonstração de força anterior em Lansing - o Partido Republicano de Michigan aceitou o apoio de grupos paramilitares encorajados recentemente e outros justiceiros.

Integrantes proeminentes do partido estabeleceram laços com milícias ou aprovaram de maneira velada ativistas armados que usaram técnicas de intimidação em uma série de manifestações e confrontos em todo o Estado. Aquela invasão no Congresso estadual agora parece um presságio do ataque a mais de 750 quilômetros dali, meses depois, contra o Capitólio dos Estados Unidos.

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Enquanto o Senado começa o julgamento do impeachment de Trump, acusado de incitar a insurreição de 6 de janeiro no Capitólio, o que aconteceu em Michigan ajuda a explicar como, sob a influência dele, os líderes do partido se alinharam a uma cultura miliciana na busca de objetivos políticos.

Michigan tem uma longa tradição de tolerância em relação às ditas milícias particulares, especialmente comuns no Estado. Mas este é também um Estado fundamental nas eleições que atrai muito a atenção de graduados líderes do partido, e a aliança republicana com grupos paramilitares mostra como é difícil para a cúpula nacional do partido se livrar da sombra do ex-presidente e seu apelo entre esse agressivo segmento da base partidária.

Participante de Aliança Conservadora de Michigan protesta contra medidas de isolamento no Estado Foto: Seth Herald/Reuters
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“Sabíamos que haveria violência”, afirmou a deputada federal Elissa Slotkin, democrata do Estado de Michigan, a respeito do ataque de 6 de janeiro. Endossar táticas em que milicianos armados com fuzis de assalto assustam legisladores estaduais “normaliza a violência”, afirmou ela a jornalistas na semana passada, “e Michigan, infelizmente, testemunhou bastante disso”.

Seis apoiadores de Trump em Michigan foram presos por participação na invasão do Capitólio. Um deles, um ex-fuzileiro naval acusado de espancar um policial do Capitólio com um taco de hóquei, tinha se juntado anteriormente a milicianos armados em um protesto organizado por republicanos de Michigan para tentar impedir a contagem de votos em Detroit.

A principal organizadora daquele protesto, Meshawn Maddock, foi eleita no sábado copresidente estadual do Partido Republicano - uma entre quatro apoiadores linha-dura de Trump a conquistar posições de comando.

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Meshawn ajudou a lotar 19 ônibus que rumaram a Washington para a manifestação de 6 de janeiro e defendeu a invasão armada ao Capitólio de Michigan em abril. Quando a deputada federal Rashida Tlaib, democrata de Michigan, sugeriu na época que jamais seria permitido a manifestantes negros ameaçar legisladores daquela maneira, Meshawn escreveu no Twitter, “Você pode, por favor nos mostrar qual foi a ‘ameaça’?".

“Ah, é mesmo, você acha que qualquer pessoa armada está ameaçando alguém”, continuou ela. “Isso é um direito por uma razão, e essa razão é VOCÊ.”

Multidão se aperta em hangar para comício de Trump em Freeland, Michigan Foto: Jonathan Ernst/Reuters
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O principal organizador do protesto armado de 30 de abril, Ryan Kelley, autoridade local do Partido Republicano, anunciou na semana passada que pretende concorrer ao governo. “Aproximar-se demais das milícias - isso é ruim?”, indagou em uma entrevista.

Londa Gatt, uma ativista pró-Trump próxima a Kelley, foi nomeada no mês passado para uma posição de liderança em um grupo de mulheres com presença em todo o Estado. Ela apoiou a presença de milícias e dos Proud Boys nos protestos, publicando o seguinte na rede social Parler: “Enquanto o BLM (Black Lives Matter) destrói/assassina as pessoas, os Proud Boys são patriotas verdadeiros”. Promotores acusaram integrantes dos Proud Boys de exercer papel de liderança no ataque de 6 de janeiro.

Duas semanas após o protesto na Assembleia Estadual, Shirkey, o líder republicano no Senado estadual de Michigan, apareceu em um comício dos mesmos organizadores, subindo ao palanque com integrantes de milícias que posteriormente foram acusadas de conspirar para sequestrar a governadora.

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“Resistam e coloquem à prova essa imposição de autoridade do governo”, Shirkey afirmou aos milicianos. "Precisamos de vocês mais do que nunca.”

Após a insurreição em Washington, algumas pessoas argumentam que afirmações desse tipo colocam em perigo o futuro do partido. “É como se o Partido Republicano tivesse seu exército particular”, afirmou Jeff Timmer, ex-diretor executivo do partido em Michigan e crítico declarado de Trump.

'Nova Ordem Mundial'

Segundo relatos, Timothy McVeigh e Terry Nichols - que mataram 168 pessoas no atentado de 1995 em Oklahoma City - se associaram aos milicianos de Michigan, apesar de Norman Olson, fundador da Michigan Militia, afirmar que eles foram recusados por causa de sua retórica de violência. Após o atentado, as milícias ficaram em grande parte exiladas nos confins da política conspiratória, preparando-se para ameaças imaginárias da Nova Ordem Mundial.

Mas, nos anos mais recentes, enquanto o Partido Republicano rumava cada vez mais para a direita, esses grupos foram encontrando abrigo por lá, afirmou JoEllen Vinyard, professora emérita de história da Universidade Eastern Michigan e especialista em extremismo político. Grande parte de sua cooperação está centrada em defender o direito à posse de armas, afirmou ela.

“Acho que vemos uma generosa simpatia do Partido Republicano em relação a essas pessoas que não existia antes”, afirmou Vinyard. “Essa relação é muito mais próxima agora.”

Republicanos de Michigan e grupos milicianos têm compartilhado cada vez mais o mesmo campo ideológico, mas sua plataforma se tornou literalmente comum no ano passado, na escalada de uma série de eventos que os reuniu em protestos e comícios. Tudo começou com as objeções às ordens de lockdown da governadora.

No primeiro grande protesto no país contra as ordens de confinamento em casa, milhares de carros, picapes e até alguns caminhões betoneira congestionaram as ruas do entorno da Assembleia Estadual, em Lansing, na ação batizada por Meshawn Maddock de Operation Gridlock (Operação Engarrafamento).

Karl Manke é proprietário da barbearia que virou foco de resistência à quarentena em Michigan Foto: Jeff Kowalsky/AFP

Cerca de 150 manifestantes saíram dos veículos para gritar “lock her up" (tranquem ela em casa) no gramado do Capitólio estadual - redirecionando contra Gretchen o grito de guerra de 2016 contra Hillary Clinton. Alguns deles agitavam bandeiras da Confederação. Cerca de uma dezena de integrantes fortemente armados da Michigan Liberty Militia também compareceu.

Quando grupos armados de Michigan começaram a considerar mais manifestações, a maioria dos republicanos rejeitou a ideia, inicialmente. “Eles se assustavam com a palavra ‘milícia’", recordou Phil Robinson, integrante da Liberty Militia.

Mas seu grupo encontrou ávidos apoiadores em Kelley, um corretor de imóveis e comissário de planejamento republicano do subúrbio de Grand Rapids, e Howland, um consultor de vendas local que tinha postado na internet vídeos minimizando a pandemia. Eles qualificavam as ordens de confinamento em casa como “inconstitucionais" e formaram o American Patriot Council (Conselho Patriota Americano) “para restabelecer e sustentar um governo constitucional”, afirmou Kelley em uma entrevista.

Críticos argumentaram que a questão racial era um fator não declarado na luta contra a ordem de confinamento em casa. Os republicanos que se manifestavam contra essas regras eram, em sua maioria, brancos, moradores de áreas rurais e outros subúrbios. Mais de 40% das mortes decorrentes da pandemia em Michigan, porém, eram de americanos negros que viviam em Detroit, representando menos de 15% da população do Estado.

Essas tensões explodiram no verão (Hemisfério Norte) do ano passado, quando mortes de americanos negros pelas mãos da polícia desencadearam protestos contra o governo.

Os protestos do movimento Black Lives Matter em Michigan raramente foram violentos ou destrutivos, e a maior manifestação ocorreu em Detroit. Mas republicanos no restante do Estado ficaram alarmados com os episódios de violência em outros lugares, e Trump reforçou seus medos com alertas a respeito dos “antifas”.

Apelos de resistência contra os temidos manifestantes aproximaram ainda mais o partido e seus aliados milicianos.

Protesto na cidade de Detroit, Michigan, contra a morte de George Floyd Foto: AFP

No auge dos protestos contra a violência policial, o American Patriot Council, de Kelley, direcionou seus ataques mais ferozes a Gretchen e sua ordem de confinamento em casa. A entidade publicou cartas públicas pedindo que autoridades federais a prendessem por violar a Constituição. “Gretchen tem de ser presa”, declarou Kelley em um vídeo que publicou no Facebook no começo de outubro, posteriormente retirado do ar. “Ela é uma ameaça à nossa república”.

Poucos dias depois, agentes federais prenderam mais de uma dezena de milicianos em Michigan, acusando-os de conspirar para sequestrar a governadora, julgá-la e, possivelmente, condená-la à morte e executá-la.

Isso foi a culminação de meses de mobilização de grupos armados, acompanhada de uma retórica cada vez mais ameaçadora, e Trump se recusou a condenar os conspiradores. “As pessoas têm o direito de dizer, ‘Talvez isso seja um problema, talvez não’”, declarou ele em um comício em Michigan.

Depois da eleição de 3 de novembro, quando a contagem dos votos mostrava que Trump tinha perdido nesse Estado crucial, republicanos de Michigan iniciaram uma campanha de dois meses para reverter o resultado e manter o presidente no poder, canalizando a energia das batalhas anteriores do ano contra o Black Lives Matter e as medidas de controle da covid-19.

Após o fracasso das tentativas de impedir a contagem dos votos, Meshawn Maddock liderou, em dezembro, 16 eleitores republicanos do Colégio Eleitoral que tentaram invadir o Capitólio de Michigan para impedir democratas de registrarem seu voto no organismo. Durante uma entrevista coletiva do movimento “Stop the Steal” (Parem a fraude) em Washington, no dia seguinte, ela prometeu “continuar lutando”.

Eleitores de Trump denunciam fraude diante do Capitólio de Lansing, em Michigan Foto: Shannon Stapleton/Reuters

Ao marchar na direção do Capitólio, em 6 de janeiro, ela publicou no Twitter que aquela turba era “a multidão mais incrível com a qual eu já caminhei, um mar de gente”.

Ela atacou no Twitter um observador que pedia que o senador Mitch McConnell, líder dos republicanos na Casa, assumisse o controle de seu partido. “Nisso você está muito enganado”, afirmou ela. “O partido agora é de Trump.”

Meshawn condenou a violência e disse que não participou. “Em relação a milícias ou Proud Boys, não tenho nenhum tipo de conexão com isso”, escreveu ela em um e-mail.

Kelley e Howland foram filmados do lado de fora do Capitólio durante o ataque. Ambos disseram que não violaram nenhuma lei e argumentaram que o evento não foi “uma insurreição” porque os participantes são patriotas. “Eu estava lá para dar apoio ao presidente em função”, afirmou Kelley.

Shirkey, o senador estadual de Michigan que passou a trabalhar com as milícias, se recusou a seguir o movimento atrás de Trump até o final. Convocado à Casa Branca em novembro, Shirkey rechaçou os apelos do presidente de tentar anular sua derrota em Michigan. Em uma entrevista na semana passada, porém, o legislador afirmou que, apesar disso, teve empatia com a multidão que atacou o Congresso.

“Eram pessoas que se sentiam oprimidas e deprimidas, respondendo ao que consideravam ser um governo simplesmente roubando suas vidas”, afirmou ele. “E não estou endossando nem apoiando suas ações, mas entendo suas razões.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LANSING, EUA - Dezenas de milicianos fortemente armados se aglomeraram na Assembleia Legislativa estadual de Michigan em abril do ano passado para protestar contra a ordem de confinamento  emitida pela governadora democrata, Gretchen Whitmer,  para desacelerar a pandemia de coronavírus. Cantando e batendo os pés, eles paralisaram os trabalhos da Casa, tentaram invadir o plenário e ostentaram fuzis nas galerias, acima dos legisladores.

Inicialmente, líderes republicanos tinham algumas dúvidas a respeito de seus novos aliados. “A visão não foi agradável. Da próxima vez, digam a eles que não tragam armas”, reclamou Mike Shirkey, líder da maioria no Senado estadual, de acordo com um dos organizadores do protesto. Mas o republicano mais graduado de Michigan mudou de ideia após os organizadores ameaçarem retornar com armas e “milicianos assinando autógrafos e distribuindo AR-15s infláveis às crianças no gramado do Capitólio.

“Para seu crédito”, escreveu Jason Howland, o organizador, em publicação nas redes sociais, Shirkey concordou em colaborar com a causa e “discursou no nosso evento seguinte”.

Milicianos na Assembleia Legislativa do Michigan Foto: Seth Herald/Reuters

Seguindo indicações do presidente Donald Trump - que tinha publicado no Twitter a mensagem “Libertem o Michigan!” após uma demonstração de força anterior em Lansing - o Partido Republicano de Michigan aceitou o apoio de grupos paramilitares encorajados recentemente e outros justiceiros.

Integrantes proeminentes do partido estabeleceram laços com milícias ou aprovaram de maneira velada ativistas armados que usaram técnicas de intimidação em uma série de manifestações e confrontos em todo o Estado. Aquela invasão no Congresso estadual agora parece um presságio do ataque a mais de 750 quilômetros dali, meses depois, contra o Capitólio dos Estados Unidos.

Enquanto o Senado começa o julgamento do impeachment de Trump, acusado de incitar a insurreição de 6 de janeiro no Capitólio, o que aconteceu em Michigan ajuda a explicar como, sob a influência dele, os líderes do partido se alinharam a uma cultura miliciana na busca de objetivos políticos.

Michigan tem uma longa tradição de tolerância em relação às ditas milícias particulares, especialmente comuns no Estado. Mas este é também um Estado fundamental nas eleições que atrai muito a atenção de graduados líderes do partido, e a aliança republicana com grupos paramilitares mostra como é difícil para a cúpula nacional do partido se livrar da sombra do ex-presidente e seu apelo entre esse agressivo segmento da base partidária.

Participante de Aliança Conservadora de Michigan protesta contra medidas de isolamento no Estado Foto: Seth Herald/Reuters

“Sabíamos que haveria violência”, afirmou a deputada federal Elissa Slotkin, democrata do Estado de Michigan, a respeito do ataque de 6 de janeiro. Endossar táticas em que milicianos armados com fuzis de assalto assustam legisladores estaduais “normaliza a violência”, afirmou ela a jornalistas na semana passada, “e Michigan, infelizmente, testemunhou bastante disso”.

Seis apoiadores de Trump em Michigan foram presos por participação na invasão do Capitólio. Um deles, um ex-fuzileiro naval acusado de espancar um policial do Capitólio com um taco de hóquei, tinha se juntado anteriormente a milicianos armados em um protesto organizado por republicanos de Michigan para tentar impedir a contagem de votos em Detroit.

A principal organizadora daquele protesto, Meshawn Maddock, foi eleita no sábado copresidente estadual do Partido Republicano - uma entre quatro apoiadores linha-dura de Trump a conquistar posições de comando.

Meshawn ajudou a lotar 19 ônibus que rumaram a Washington para a manifestação de 6 de janeiro e defendeu a invasão armada ao Capitólio de Michigan em abril. Quando a deputada federal Rashida Tlaib, democrata de Michigan, sugeriu na época que jamais seria permitido a manifestantes negros ameaçar legisladores daquela maneira, Meshawn escreveu no Twitter, “Você pode, por favor nos mostrar qual foi a ‘ameaça’?".

“Ah, é mesmo, você acha que qualquer pessoa armada está ameaçando alguém”, continuou ela. “Isso é um direito por uma razão, e essa razão é VOCÊ.”

Multidão se aperta em hangar para comício de Trump em Freeland, Michigan Foto: Jonathan Ernst/Reuters

O principal organizador do protesto armado de 30 de abril, Ryan Kelley, autoridade local do Partido Republicano, anunciou na semana passada que pretende concorrer ao governo. “Aproximar-se demais das milícias - isso é ruim?”, indagou em uma entrevista.

Londa Gatt, uma ativista pró-Trump próxima a Kelley, foi nomeada no mês passado para uma posição de liderança em um grupo de mulheres com presença em todo o Estado. Ela apoiou a presença de milícias e dos Proud Boys nos protestos, publicando o seguinte na rede social Parler: “Enquanto o BLM (Black Lives Matter) destrói/assassina as pessoas, os Proud Boys são patriotas verdadeiros”. Promotores acusaram integrantes dos Proud Boys de exercer papel de liderança no ataque de 6 de janeiro.

Duas semanas após o protesto na Assembleia Estadual, Shirkey, o líder republicano no Senado estadual de Michigan, apareceu em um comício dos mesmos organizadores, subindo ao palanque com integrantes de milícias que posteriormente foram acusadas de conspirar para sequestrar a governadora.

“Resistam e coloquem à prova essa imposição de autoridade do governo”, Shirkey afirmou aos milicianos. "Precisamos de vocês mais do que nunca.”

Após a insurreição em Washington, algumas pessoas argumentam que afirmações desse tipo colocam em perigo o futuro do partido. “É como se o Partido Republicano tivesse seu exército particular”, afirmou Jeff Timmer, ex-diretor executivo do partido em Michigan e crítico declarado de Trump.

'Nova Ordem Mundial'

Segundo relatos, Timothy McVeigh e Terry Nichols - que mataram 168 pessoas no atentado de 1995 em Oklahoma City - se associaram aos milicianos de Michigan, apesar de Norman Olson, fundador da Michigan Militia, afirmar que eles foram recusados por causa de sua retórica de violência. Após o atentado, as milícias ficaram em grande parte exiladas nos confins da política conspiratória, preparando-se para ameaças imaginárias da Nova Ordem Mundial.

Mas, nos anos mais recentes, enquanto o Partido Republicano rumava cada vez mais para a direita, esses grupos foram encontrando abrigo por lá, afirmou JoEllen Vinyard, professora emérita de história da Universidade Eastern Michigan e especialista em extremismo político. Grande parte de sua cooperação está centrada em defender o direito à posse de armas, afirmou ela.

“Acho que vemos uma generosa simpatia do Partido Republicano em relação a essas pessoas que não existia antes”, afirmou Vinyard. “Essa relação é muito mais próxima agora.”

Republicanos de Michigan e grupos milicianos têm compartilhado cada vez mais o mesmo campo ideológico, mas sua plataforma se tornou literalmente comum no ano passado, na escalada de uma série de eventos que os reuniu em protestos e comícios. Tudo começou com as objeções às ordens de lockdown da governadora.

No primeiro grande protesto no país contra as ordens de confinamento em casa, milhares de carros, picapes e até alguns caminhões betoneira congestionaram as ruas do entorno da Assembleia Estadual, em Lansing, na ação batizada por Meshawn Maddock de Operation Gridlock (Operação Engarrafamento).

Karl Manke é proprietário da barbearia que virou foco de resistência à quarentena em Michigan Foto: Jeff Kowalsky/AFP

Cerca de 150 manifestantes saíram dos veículos para gritar “lock her up" (tranquem ela em casa) no gramado do Capitólio estadual - redirecionando contra Gretchen o grito de guerra de 2016 contra Hillary Clinton. Alguns deles agitavam bandeiras da Confederação. Cerca de uma dezena de integrantes fortemente armados da Michigan Liberty Militia também compareceu.

Quando grupos armados de Michigan começaram a considerar mais manifestações, a maioria dos republicanos rejeitou a ideia, inicialmente. “Eles se assustavam com a palavra ‘milícia’", recordou Phil Robinson, integrante da Liberty Militia.

Mas seu grupo encontrou ávidos apoiadores em Kelley, um corretor de imóveis e comissário de planejamento republicano do subúrbio de Grand Rapids, e Howland, um consultor de vendas local que tinha postado na internet vídeos minimizando a pandemia. Eles qualificavam as ordens de confinamento em casa como “inconstitucionais" e formaram o American Patriot Council (Conselho Patriota Americano) “para restabelecer e sustentar um governo constitucional”, afirmou Kelley em uma entrevista.

Críticos argumentaram que a questão racial era um fator não declarado na luta contra a ordem de confinamento em casa. Os republicanos que se manifestavam contra essas regras eram, em sua maioria, brancos, moradores de áreas rurais e outros subúrbios. Mais de 40% das mortes decorrentes da pandemia em Michigan, porém, eram de americanos negros que viviam em Detroit, representando menos de 15% da população do Estado.

Essas tensões explodiram no verão (Hemisfério Norte) do ano passado, quando mortes de americanos negros pelas mãos da polícia desencadearam protestos contra o governo.

Os protestos do movimento Black Lives Matter em Michigan raramente foram violentos ou destrutivos, e a maior manifestação ocorreu em Detroit. Mas republicanos no restante do Estado ficaram alarmados com os episódios de violência em outros lugares, e Trump reforçou seus medos com alertas a respeito dos “antifas”.

Apelos de resistência contra os temidos manifestantes aproximaram ainda mais o partido e seus aliados milicianos.

Protesto na cidade de Detroit, Michigan, contra a morte de George Floyd Foto: AFP

No auge dos protestos contra a violência policial, o American Patriot Council, de Kelley, direcionou seus ataques mais ferozes a Gretchen e sua ordem de confinamento em casa. A entidade publicou cartas públicas pedindo que autoridades federais a prendessem por violar a Constituição. “Gretchen tem de ser presa”, declarou Kelley em um vídeo que publicou no Facebook no começo de outubro, posteriormente retirado do ar. “Ela é uma ameaça à nossa república”.

Poucos dias depois, agentes federais prenderam mais de uma dezena de milicianos em Michigan, acusando-os de conspirar para sequestrar a governadora, julgá-la e, possivelmente, condená-la à morte e executá-la.

Isso foi a culminação de meses de mobilização de grupos armados, acompanhada de uma retórica cada vez mais ameaçadora, e Trump se recusou a condenar os conspiradores. “As pessoas têm o direito de dizer, ‘Talvez isso seja um problema, talvez não’”, declarou ele em um comício em Michigan.

Depois da eleição de 3 de novembro, quando a contagem dos votos mostrava que Trump tinha perdido nesse Estado crucial, republicanos de Michigan iniciaram uma campanha de dois meses para reverter o resultado e manter o presidente no poder, canalizando a energia das batalhas anteriores do ano contra o Black Lives Matter e as medidas de controle da covid-19.

Após o fracasso das tentativas de impedir a contagem dos votos, Meshawn Maddock liderou, em dezembro, 16 eleitores republicanos do Colégio Eleitoral que tentaram invadir o Capitólio de Michigan para impedir democratas de registrarem seu voto no organismo. Durante uma entrevista coletiva do movimento “Stop the Steal” (Parem a fraude) em Washington, no dia seguinte, ela prometeu “continuar lutando”.

Eleitores de Trump denunciam fraude diante do Capitólio de Lansing, em Michigan Foto: Shannon Stapleton/Reuters

Ao marchar na direção do Capitólio, em 6 de janeiro, ela publicou no Twitter que aquela turba era “a multidão mais incrível com a qual eu já caminhei, um mar de gente”.

Ela atacou no Twitter um observador que pedia que o senador Mitch McConnell, líder dos republicanos na Casa, assumisse o controle de seu partido. “Nisso você está muito enganado”, afirmou ela. “O partido agora é de Trump.”

Meshawn condenou a violência e disse que não participou. “Em relação a milícias ou Proud Boys, não tenho nenhum tipo de conexão com isso”, escreveu ela em um e-mail.

Kelley e Howland foram filmados do lado de fora do Capitólio durante o ataque. Ambos disseram que não violaram nenhuma lei e argumentaram que o evento não foi “uma insurreição” porque os participantes são patriotas. “Eu estava lá para dar apoio ao presidente em função”, afirmou Kelley.

Shirkey, o senador estadual de Michigan que passou a trabalhar com as milícias, se recusou a seguir o movimento atrás de Trump até o final. Convocado à Casa Branca em novembro, Shirkey rechaçou os apelos do presidente de tentar anular sua derrota em Michigan. Em uma entrevista na semana passada, porém, o legislador afirmou que, apesar disso, teve empatia com a multidão que atacou o Congresso.

“Eram pessoas que se sentiam oprimidas e deprimidas, respondendo ao que consideravam ser um governo simplesmente roubando suas vidas”, afirmou ele. “E não estou endossando nem apoiando suas ações, mas entendo suas razões.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LANSING, EUA - Dezenas de milicianos fortemente armados se aglomeraram na Assembleia Legislativa estadual de Michigan em abril do ano passado para protestar contra a ordem de confinamento  emitida pela governadora democrata, Gretchen Whitmer,  para desacelerar a pandemia de coronavírus. Cantando e batendo os pés, eles paralisaram os trabalhos da Casa, tentaram invadir o plenário e ostentaram fuzis nas galerias, acima dos legisladores.

Inicialmente, líderes republicanos tinham algumas dúvidas a respeito de seus novos aliados. “A visão não foi agradável. Da próxima vez, digam a eles que não tragam armas”, reclamou Mike Shirkey, líder da maioria no Senado estadual, de acordo com um dos organizadores do protesto. Mas o republicano mais graduado de Michigan mudou de ideia após os organizadores ameaçarem retornar com armas e “milicianos assinando autógrafos e distribuindo AR-15s infláveis às crianças no gramado do Capitólio.

“Para seu crédito”, escreveu Jason Howland, o organizador, em publicação nas redes sociais, Shirkey concordou em colaborar com a causa e “discursou no nosso evento seguinte”.

Milicianos na Assembleia Legislativa do Michigan Foto: Seth Herald/Reuters

Seguindo indicações do presidente Donald Trump - que tinha publicado no Twitter a mensagem “Libertem o Michigan!” após uma demonstração de força anterior em Lansing - o Partido Republicano de Michigan aceitou o apoio de grupos paramilitares encorajados recentemente e outros justiceiros.

Integrantes proeminentes do partido estabeleceram laços com milícias ou aprovaram de maneira velada ativistas armados que usaram técnicas de intimidação em uma série de manifestações e confrontos em todo o Estado. Aquela invasão no Congresso estadual agora parece um presságio do ataque a mais de 750 quilômetros dali, meses depois, contra o Capitólio dos Estados Unidos.

Enquanto o Senado começa o julgamento do impeachment de Trump, acusado de incitar a insurreição de 6 de janeiro no Capitólio, o que aconteceu em Michigan ajuda a explicar como, sob a influência dele, os líderes do partido se alinharam a uma cultura miliciana na busca de objetivos políticos.

Michigan tem uma longa tradição de tolerância em relação às ditas milícias particulares, especialmente comuns no Estado. Mas este é também um Estado fundamental nas eleições que atrai muito a atenção de graduados líderes do partido, e a aliança republicana com grupos paramilitares mostra como é difícil para a cúpula nacional do partido se livrar da sombra do ex-presidente e seu apelo entre esse agressivo segmento da base partidária.

Participante de Aliança Conservadora de Michigan protesta contra medidas de isolamento no Estado Foto: Seth Herald/Reuters

“Sabíamos que haveria violência”, afirmou a deputada federal Elissa Slotkin, democrata do Estado de Michigan, a respeito do ataque de 6 de janeiro. Endossar táticas em que milicianos armados com fuzis de assalto assustam legisladores estaduais “normaliza a violência”, afirmou ela a jornalistas na semana passada, “e Michigan, infelizmente, testemunhou bastante disso”.

Seis apoiadores de Trump em Michigan foram presos por participação na invasão do Capitólio. Um deles, um ex-fuzileiro naval acusado de espancar um policial do Capitólio com um taco de hóquei, tinha se juntado anteriormente a milicianos armados em um protesto organizado por republicanos de Michigan para tentar impedir a contagem de votos em Detroit.

A principal organizadora daquele protesto, Meshawn Maddock, foi eleita no sábado copresidente estadual do Partido Republicano - uma entre quatro apoiadores linha-dura de Trump a conquistar posições de comando.

Meshawn ajudou a lotar 19 ônibus que rumaram a Washington para a manifestação de 6 de janeiro e defendeu a invasão armada ao Capitólio de Michigan em abril. Quando a deputada federal Rashida Tlaib, democrata de Michigan, sugeriu na época que jamais seria permitido a manifestantes negros ameaçar legisladores daquela maneira, Meshawn escreveu no Twitter, “Você pode, por favor nos mostrar qual foi a ‘ameaça’?".

“Ah, é mesmo, você acha que qualquer pessoa armada está ameaçando alguém”, continuou ela. “Isso é um direito por uma razão, e essa razão é VOCÊ.”

Multidão se aperta em hangar para comício de Trump em Freeland, Michigan Foto: Jonathan Ernst/Reuters

O principal organizador do protesto armado de 30 de abril, Ryan Kelley, autoridade local do Partido Republicano, anunciou na semana passada que pretende concorrer ao governo. “Aproximar-se demais das milícias - isso é ruim?”, indagou em uma entrevista.

Londa Gatt, uma ativista pró-Trump próxima a Kelley, foi nomeada no mês passado para uma posição de liderança em um grupo de mulheres com presença em todo o Estado. Ela apoiou a presença de milícias e dos Proud Boys nos protestos, publicando o seguinte na rede social Parler: “Enquanto o BLM (Black Lives Matter) destrói/assassina as pessoas, os Proud Boys são patriotas verdadeiros”. Promotores acusaram integrantes dos Proud Boys de exercer papel de liderança no ataque de 6 de janeiro.

Duas semanas após o protesto na Assembleia Estadual, Shirkey, o líder republicano no Senado estadual de Michigan, apareceu em um comício dos mesmos organizadores, subindo ao palanque com integrantes de milícias que posteriormente foram acusadas de conspirar para sequestrar a governadora.

“Resistam e coloquem à prova essa imposição de autoridade do governo”, Shirkey afirmou aos milicianos. "Precisamos de vocês mais do que nunca.”

Após a insurreição em Washington, algumas pessoas argumentam que afirmações desse tipo colocam em perigo o futuro do partido. “É como se o Partido Republicano tivesse seu exército particular”, afirmou Jeff Timmer, ex-diretor executivo do partido em Michigan e crítico declarado de Trump.

'Nova Ordem Mundial'

Segundo relatos, Timothy McVeigh e Terry Nichols - que mataram 168 pessoas no atentado de 1995 em Oklahoma City - se associaram aos milicianos de Michigan, apesar de Norman Olson, fundador da Michigan Militia, afirmar que eles foram recusados por causa de sua retórica de violência. Após o atentado, as milícias ficaram em grande parte exiladas nos confins da política conspiratória, preparando-se para ameaças imaginárias da Nova Ordem Mundial.

Mas, nos anos mais recentes, enquanto o Partido Republicano rumava cada vez mais para a direita, esses grupos foram encontrando abrigo por lá, afirmou JoEllen Vinyard, professora emérita de história da Universidade Eastern Michigan e especialista em extremismo político. Grande parte de sua cooperação está centrada em defender o direito à posse de armas, afirmou ela.

“Acho que vemos uma generosa simpatia do Partido Republicano em relação a essas pessoas que não existia antes”, afirmou Vinyard. “Essa relação é muito mais próxima agora.”

Republicanos de Michigan e grupos milicianos têm compartilhado cada vez mais o mesmo campo ideológico, mas sua plataforma se tornou literalmente comum no ano passado, na escalada de uma série de eventos que os reuniu em protestos e comícios. Tudo começou com as objeções às ordens de lockdown da governadora.

No primeiro grande protesto no país contra as ordens de confinamento em casa, milhares de carros, picapes e até alguns caminhões betoneira congestionaram as ruas do entorno da Assembleia Estadual, em Lansing, na ação batizada por Meshawn Maddock de Operation Gridlock (Operação Engarrafamento).

Karl Manke é proprietário da barbearia que virou foco de resistência à quarentena em Michigan Foto: Jeff Kowalsky/AFP

Cerca de 150 manifestantes saíram dos veículos para gritar “lock her up" (tranquem ela em casa) no gramado do Capitólio estadual - redirecionando contra Gretchen o grito de guerra de 2016 contra Hillary Clinton. Alguns deles agitavam bandeiras da Confederação. Cerca de uma dezena de integrantes fortemente armados da Michigan Liberty Militia também compareceu.

Quando grupos armados de Michigan começaram a considerar mais manifestações, a maioria dos republicanos rejeitou a ideia, inicialmente. “Eles se assustavam com a palavra ‘milícia’", recordou Phil Robinson, integrante da Liberty Militia.

Mas seu grupo encontrou ávidos apoiadores em Kelley, um corretor de imóveis e comissário de planejamento republicano do subúrbio de Grand Rapids, e Howland, um consultor de vendas local que tinha postado na internet vídeos minimizando a pandemia. Eles qualificavam as ordens de confinamento em casa como “inconstitucionais" e formaram o American Patriot Council (Conselho Patriota Americano) “para restabelecer e sustentar um governo constitucional”, afirmou Kelley em uma entrevista.

Críticos argumentaram que a questão racial era um fator não declarado na luta contra a ordem de confinamento em casa. Os republicanos que se manifestavam contra essas regras eram, em sua maioria, brancos, moradores de áreas rurais e outros subúrbios. Mais de 40% das mortes decorrentes da pandemia em Michigan, porém, eram de americanos negros que viviam em Detroit, representando menos de 15% da população do Estado.

Essas tensões explodiram no verão (Hemisfério Norte) do ano passado, quando mortes de americanos negros pelas mãos da polícia desencadearam protestos contra o governo.

Os protestos do movimento Black Lives Matter em Michigan raramente foram violentos ou destrutivos, e a maior manifestação ocorreu em Detroit. Mas republicanos no restante do Estado ficaram alarmados com os episódios de violência em outros lugares, e Trump reforçou seus medos com alertas a respeito dos “antifas”.

Apelos de resistência contra os temidos manifestantes aproximaram ainda mais o partido e seus aliados milicianos.

Protesto na cidade de Detroit, Michigan, contra a morte de George Floyd Foto: AFP

No auge dos protestos contra a violência policial, o American Patriot Council, de Kelley, direcionou seus ataques mais ferozes a Gretchen e sua ordem de confinamento em casa. A entidade publicou cartas públicas pedindo que autoridades federais a prendessem por violar a Constituição. “Gretchen tem de ser presa”, declarou Kelley em um vídeo que publicou no Facebook no começo de outubro, posteriormente retirado do ar. “Ela é uma ameaça à nossa república”.

Poucos dias depois, agentes federais prenderam mais de uma dezena de milicianos em Michigan, acusando-os de conspirar para sequestrar a governadora, julgá-la e, possivelmente, condená-la à morte e executá-la.

Isso foi a culminação de meses de mobilização de grupos armados, acompanhada de uma retórica cada vez mais ameaçadora, e Trump se recusou a condenar os conspiradores. “As pessoas têm o direito de dizer, ‘Talvez isso seja um problema, talvez não’”, declarou ele em um comício em Michigan.

Depois da eleição de 3 de novembro, quando a contagem dos votos mostrava que Trump tinha perdido nesse Estado crucial, republicanos de Michigan iniciaram uma campanha de dois meses para reverter o resultado e manter o presidente no poder, canalizando a energia das batalhas anteriores do ano contra o Black Lives Matter e as medidas de controle da covid-19.

Após o fracasso das tentativas de impedir a contagem dos votos, Meshawn Maddock liderou, em dezembro, 16 eleitores republicanos do Colégio Eleitoral que tentaram invadir o Capitólio de Michigan para impedir democratas de registrarem seu voto no organismo. Durante uma entrevista coletiva do movimento “Stop the Steal” (Parem a fraude) em Washington, no dia seguinte, ela prometeu “continuar lutando”.

Eleitores de Trump denunciam fraude diante do Capitólio de Lansing, em Michigan Foto: Shannon Stapleton/Reuters

Ao marchar na direção do Capitólio, em 6 de janeiro, ela publicou no Twitter que aquela turba era “a multidão mais incrível com a qual eu já caminhei, um mar de gente”.

Ela atacou no Twitter um observador que pedia que o senador Mitch McConnell, líder dos republicanos na Casa, assumisse o controle de seu partido. “Nisso você está muito enganado”, afirmou ela. “O partido agora é de Trump.”

Meshawn condenou a violência e disse que não participou. “Em relação a milícias ou Proud Boys, não tenho nenhum tipo de conexão com isso”, escreveu ela em um e-mail.

Kelley e Howland foram filmados do lado de fora do Capitólio durante o ataque. Ambos disseram que não violaram nenhuma lei e argumentaram que o evento não foi “uma insurreição” porque os participantes são patriotas. “Eu estava lá para dar apoio ao presidente em função”, afirmou Kelley.

Shirkey, o senador estadual de Michigan que passou a trabalhar com as milícias, se recusou a seguir o movimento atrás de Trump até o final. Convocado à Casa Branca em novembro, Shirkey rechaçou os apelos do presidente de tentar anular sua derrota em Michigan. Em uma entrevista na semana passada, porém, o legislador afirmou que, apesar disso, teve empatia com a multidão que atacou o Congresso.

“Eram pessoas que se sentiam oprimidas e deprimidas, respondendo ao que consideravam ser um governo simplesmente roubando suas vidas”, afirmou ele. “E não estou endossando nem apoiando suas ações, mas entendo suas razões.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LANSING, EUA - Dezenas de milicianos fortemente armados se aglomeraram na Assembleia Legislativa estadual de Michigan em abril do ano passado para protestar contra a ordem de confinamento  emitida pela governadora democrata, Gretchen Whitmer,  para desacelerar a pandemia de coronavírus. Cantando e batendo os pés, eles paralisaram os trabalhos da Casa, tentaram invadir o plenário e ostentaram fuzis nas galerias, acima dos legisladores.

Inicialmente, líderes republicanos tinham algumas dúvidas a respeito de seus novos aliados. “A visão não foi agradável. Da próxima vez, digam a eles que não tragam armas”, reclamou Mike Shirkey, líder da maioria no Senado estadual, de acordo com um dos organizadores do protesto. Mas o republicano mais graduado de Michigan mudou de ideia após os organizadores ameaçarem retornar com armas e “milicianos assinando autógrafos e distribuindo AR-15s infláveis às crianças no gramado do Capitólio.

“Para seu crédito”, escreveu Jason Howland, o organizador, em publicação nas redes sociais, Shirkey concordou em colaborar com a causa e “discursou no nosso evento seguinte”.

Milicianos na Assembleia Legislativa do Michigan Foto: Seth Herald/Reuters

Seguindo indicações do presidente Donald Trump - que tinha publicado no Twitter a mensagem “Libertem o Michigan!” após uma demonstração de força anterior em Lansing - o Partido Republicano de Michigan aceitou o apoio de grupos paramilitares encorajados recentemente e outros justiceiros.

Integrantes proeminentes do partido estabeleceram laços com milícias ou aprovaram de maneira velada ativistas armados que usaram técnicas de intimidação em uma série de manifestações e confrontos em todo o Estado. Aquela invasão no Congresso estadual agora parece um presságio do ataque a mais de 750 quilômetros dali, meses depois, contra o Capitólio dos Estados Unidos.

Enquanto o Senado começa o julgamento do impeachment de Trump, acusado de incitar a insurreição de 6 de janeiro no Capitólio, o que aconteceu em Michigan ajuda a explicar como, sob a influência dele, os líderes do partido se alinharam a uma cultura miliciana na busca de objetivos políticos.

Michigan tem uma longa tradição de tolerância em relação às ditas milícias particulares, especialmente comuns no Estado. Mas este é também um Estado fundamental nas eleições que atrai muito a atenção de graduados líderes do partido, e a aliança republicana com grupos paramilitares mostra como é difícil para a cúpula nacional do partido se livrar da sombra do ex-presidente e seu apelo entre esse agressivo segmento da base partidária.

Participante de Aliança Conservadora de Michigan protesta contra medidas de isolamento no Estado Foto: Seth Herald/Reuters

“Sabíamos que haveria violência”, afirmou a deputada federal Elissa Slotkin, democrata do Estado de Michigan, a respeito do ataque de 6 de janeiro. Endossar táticas em que milicianos armados com fuzis de assalto assustam legisladores estaduais “normaliza a violência”, afirmou ela a jornalistas na semana passada, “e Michigan, infelizmente, testemunhou bastante disso”.

Seis apoiadores de Trump em Michigan foram presos por participação na invasão do Capitólio. Um deles, um ex-fuzileiro naval acusado de espancar um policial do Capitólio com um taco de hóquei, tinha se juntado anteriormente a milicianos armados em um protesto organizado por republicanos de Michigan para tentar impedir a contagem de votos em Detroit.

A principal organizadora daquele protesto, Meshawn Maddock, foi eleita no sábado copresidente estadual do Partido Republicano - uma entre quatro apoiadores linha-dura de Trump a conquistar posições de comando.

Meshawn ajudou a lotar 19 ônibus que rumaram a Washington para a manifestação de 6 de janeiro e defendeu a invasão armada ao Capitólio de Michigan em abril. Quando a deputada federal Rashida Tlaib, democrata de Michigan, sugeriu na época que jamais seria permitido a manifestantes negros ameaçar legisladores daquela maneira, Meshawn escreveu no Twitter, “Você pode, por favor nos mostrar qual foi a ‘ameaça’?".

“Ah, é mesmo, você acha que qualquer pessoa armada está ameaçando alguém”, continuou ela. “Isso é um direito por uma razão, e essa razão é VOCÊ.”

Multidão se aperta em hangar para comício de Trump em Freeland, Michigan Foto: Jonathan Ernst/Reuters

O principal organizador do protesto armado de 30 de abril, Ryan Kelley, autoridade local do Partido Republicano, anunciou na semana passada que pretende concorrer ao governo. “Aproximar-se demais das milícias - isso é ruim?”, indagou em uma entrevista.

Londa Gatt, uma ativista pró-Trump próxima a Kelley, foi nomeada no mês passado para uma posição de liderança em um grupo de mulheres com presença em todo o Estado. Ela apoiou a presença de milícias e dos Proud Boys nos protestos, publicando o seguinte na rede social Parler: “Enquanto o BLM (Black Lives Matter) destrói/assassina as pessoas, os Proud Boys são patriotas verdadeiros”. Promotores acusaram integrantes dos Proud Boys de exercer papel de liderança no ataque de 6 de janeiro.

Duas semanas após o protesto na Assembleia Estadual, Shirkey, o líder republicano no Senado estadual de Michigan, apareceu em um comício dos mesmos organizadores, subindo ao palanque com integrantes de milícias que posteriormente foram acusadas de conspirar para sequestrar a governadora.

“Resistam e coloquem à prova essa imposição de autoridade do governo”, Shirkey afirmou aos milicianos. "Precisamos de vocês mais do que nunca.”

Após a insurreição em Washington, algumas pessoas argumentam que afirmações desse tipo colocam em perigo o futuro do partido. “É como se o Partido Republicano tivesse seu exército particular”, afirmou Jeff Timmer, ex-diretor executivo do partido em Michigan e crítico declarado de Trump.

'Nova Ordem Mundial'

Segundo relatos, Timothy McVeigh e Terry Nichols - que mataram 168 pessoas no atentado de 1995 em Oklahoma City - se associaram aos milicianos de Michigan, apesar de Norman Olson, fundador da Michigan Militia, afirmar que eles foram recusados por causa de sua retórica de violência. Após o atentado, as milícias ficaram em grande parte exiladas nos confins da política conspiratória, preparando-se para ameaças imaginárias da Nova Ordem Mundial.

Mas, nos anos mais recentes, enquanto o Partido Republicano rumava cada vez mais para a direita, esses grupos foram encontrando abrigo por lá, afirmou JoEllen Vinyard, professora emérita de história da Universidade Eastern Michigan e especialista em extremismo político. Grande parte de sua cooperação está centrada em defender o direito à posse de armas, afirmou ela.

“Acho que vemos uma generosa simpatia do Partido Republicano em relação a essas pessoas que não existia antes”, afirmou Vinyard. “Essa relação é muito mais próxima agora.”

Republicanos de Michigan e grupos milicianos têm compartilhado cada vez mais o mesmo campo ideológico, mas sua plataforma se tornou literalmente comum no ano passado, na escalada de uma série de eventos que os reuniu em protestos e comícios. Tudo começou com as objeções às ordens de lockdown da governadora.

No primeiro grande protesto no país contra as ordens de confinamento em casa, milhares de carros, picapes e até alguns caminhões betoneira congestionaram as ruas do entorno da Assembleia Estadual, em Lansing, na ação batizada por Meshawn Maddock de Operation Gridlock (Operação Engarrafamento).

Karl Manke é proprietário da barbearia que virou foco de resistência à quarentena em Michigan Foto: Jeff Kowalsky/AFP

Cerca de 150 manifestantes saíram dos veículos para gritar “lock her up" (tranquem ela em casa) no gramado do Capitólio estadual - redirecionando contra Gretchen o grito de guerra de 2016 contra Hillary Clinton. Alguns deles agitavam bandeiras da Confederação. Cerca de uma dezena de integrantes fortemente armados da Michigan Liberty Militia também compareceu.

Quando grupos armados de Michigan começaram a considerar mais manifestações, a maioria dos republicanos rejeitou a ideia, inicialmente. “Eles se assustavam com a palavra ‘milícia’", recordou Phil Robinson, integrante da Liberty Militia.

Mas seu grupo encontrou ávidos apoiadores em Kelley, um corretor de imóveis e comissário de planejamento republicano do subúrbio de Grand Rapids, e Howland, um consultor de vendas local que tinha postado na internet vídeos minimizando a pandemia. Eles qualificavam as ordens de confinamento em casa como “inconstitucionais" e formaram o American Patriot Council (Conselho Patriota Americano) “para restabelecer e sustentar um governo constitucional”, afirmou Kelley em uma entrevista.

Críticos argumentaram que a questão racial era um fator não declarado na luta contra a ordem de confinamento em casa. Os republicanos que se manifestavam contra essas regras eram, em sua maioria, brancos, moradores de áreas rurais e outros subúrbios. Mais de 40% das mortes decorrentes da pandemia em Michigan, porém, eram de americanos negros que viviam em Detroit, representando menos de 15% da população do Estado.

Essas tensões explodiram no verão (Hemisfério Norte) do ano passado, quando mortes de americanos negros pelas mãos da polícia desencadearam protestos contra o governo.

Os protestos do movimento Black Lives Matter em Michigan raramente foram violentos ou destrutivos, e a maior manifestação ocorreu em Detroit. Mas republicanos no restante do Estado ficaram alarmados com os episódios de violência em outros lugares, e Trump reforçou seus medos com alertas a respeito dos “antifas”.

Apelos de resistência contra os temidos manifestantes aproximaram ainda mais o partido e seus aliados milicianos.

Protesto na cidade de Detroit, Michigan, contra a morte de George Floyd Foto: AFP

No auge dos protestos contra a violência policial, o American Patriot Council, de Kelley, direcionou seus ataques mais ferozes a Gretchen e sua ordem de confinamento em casa. A entidade publicou cartas públicas pedindo que autoridades federais a prendessem por violar a Constituição. “Gretchen tem de ser presa”, declarou Kelley em um vídeo que publicou no Facebook no começo de outubro, posteriormente retirado do ar. “Ela é uma ameaça à nossa república”.

Poucos dias depois, agentes federais prenderam mais de uma dezena de milicianos em Michigan, acusando-os de conspirar para sequestrar a governadora, julgá-la e, possivelmente, condená-la à morte e executá-la.

Isso foi a culminação de meses de mobilização de grupos armados, acompanhada de uma retórica cada vez mais ameaçadora, e Trump se recusou a condenar os conspiradores. “As pessoas têm o direito de dizer, ‘Talvez isso seja um problema, talvez não’”, declarou ele em um comício em Michigan.

Depois da eleição de 3 de novembro, quando a contagem dos votos mostrava que Trump tinha perdido nesse Estado crucial, republicanos de Michigan iniciaram uma campanha de dois meses para reverter o resultado e manter o presidente no poder, canalizando a energia das batalhas anteriores do ano contra o Black Lives Matter e as medidas de controle da covid-19.

Após o fracasso das tentativas de impedir a contagem dos votos, Meshawn Maddock liderou, em dezembro, 16 eleitores republicanos do Colégio Eleitoral que tentaram invadir o Capitólio de Michigan para impedir democratas de registrarem seu voto no organismo. Durante uma entrevista coletiva do movimento “Stop the Steal” (Parem a fraude) em Washington, no dia seguinte, ela prometeu “continuar lutando”.

Eleitores de Trump denunciam fraude diante do Capitólio de Lansing, em Michigan Foto: Shannon Stapleton/Reuters

Ao marchar na direção do Capitólio, em 6 de janeiro, ela publicou no Twitter que aquela turba era “a multidão mais incrível com a qual eu já caminhei, um mar de gente”.

Ela atacou no Twitter um observador que pedia que o senador Mitch McConnell, líder dos republicanos na Casa, assumisse o controle de seu partido. “Nisso você está muito enganado”, afirmou ela. “O partido agora é de Trump.”

Meshawn condenou a violência e disse que não participou. “Em relação a milícias ou Proud Boys, não tenho nenhum tipo de conexão com isso”, escreveu ela em um e-mail.

Kelley e Howland foram filmados do lado de fora do Capitólio durante o ataque. Ambos disseram que não violaram nenhuma lei e argumentaram que o evento não foi “uma insurreição” porque os participantes são patriotas. “Eu estava lá para dar apoio ao presidente em função”, afirmou Kelley.

Shirkey, o senador estadual de Michigan que passou a trabalhar com as milícias, se recusou a seguir o movimento atrás de Trump até o final. Convocado à Casa Branca em novembro, Shirkey rechaçou os apelos do presidente de tentar anular sua derrota em Michigan. Em uma entrevista na semana passada, porém, o legislador afirmou que, apesar disso, teve empatia com a multidão que atacou o Congresso.

“Eram pessoas que se sentiam oprimidas e deprimidas, respondendo ao que consideravam ser um governo simplesmente roubando suas vidas”, afirmou ele. “E não estou endossando nem apoiando suas ações, mas entendo suas razões.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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