Militares do México espionaram civis que queriam denunciar crimes, mostra investigação


Documentos e entrevistas mostram como a espionagem que manchou o governo anterior continuou sob o presidente Andrés Manuel López Obrador

Por Natalie Kitroeff e Ronen Bergman
Atualização:

CIDADE DO MÉXICO - As Forças Armadas do México espionaram um defensor dos direitos humanos e jornalistas que investigavam alegações de que soldados haviam baleado pessoas inocentes. Em documentos publicados nesta quarta-feira, 8, pelo jornal The New York Times oficiais fornecem evidências claras do uso ilegal de ferramentas de vigilância pelos militares contra civis. As denúncias vêm a publico em meio a críticas ao presidente Andrés Manuel López Obrador sobre seu plano de enfraquecer a autoridade eleitoral do país.

O governo está envolvido em escândalos sobre o uso de spyware contra opositores, mas especialistas dizem que esta é a primeira vez que documentos provam que os militares espionaram cidadãos que tentavam expor seus crimes.

Documentos e entrevistas mostram como a espionagem que manchou o governo anterior continuou sob o governo de Obrador, que havia prometido não se envolver com uma vigilância que ele chamou de “ilegal” e “imoral”.

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Em imagem de arquivo, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador; ele havia prometido acabar com 'espionagem' ilegal no país Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times - 12/1/2020

As Forças Armadas do México não estão autorizadas a espionar, mas os militares há muito usam a tecnologia de espionagem e se tornaram mais poderosos sob o comando de López Obrador.

Em relatório do Ministério da Defesa, de 2020, descoberto em 2022 e revisado pelo New York Times, oficiais militares descreveram os detalhes de conversas privadas entre um defensor dos direitos humanos e três jornalistas discutindo alegações de que soldados haviam executado três civis em confronto com um cartel.

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O relatório afirmava que o advogado Raymundo Ramos Estava tentando “desacreditar as Forças Armadas” ao discutir alegações de homicídios cometidos por militares com repórteres.

Ele recomendou que os militares coletassem informações de suas conversas privadas, mas não as incluíssem nos arquivos oficiais do caso, talvez em uma tentativa de manter seu segredo de espionagem.

Pegasus

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Testes forenses mostram que o celular de Ramos foi infectado pelo Pegasus – spyware poderoso – na mesma época em que os militares produziram o relatório de suas conversas, segundo o Citizen Lab, instituto de pesquisa da Universidade de Toronto. A evidência indica que López Obrador, como chefe das Forças Armadas, sabia da vigilância ou seus subordinados o desobedeceram.

Apesar das afirmações do presidente, o Ministério da Defesa do México estava usando o Pegasus ativamente em 2020, quando o telefone de Ramos foi hackeado, de acordo com três pessoas familiarizadas com as licenças de exportação exigidas para vender a arma cibernética fora de Israel, onde é fabricada.

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O Pegasus pode extrair enormes quantidades de informações de um dispositivo digital sem nenhum aviso: mensagens de texto, chamadas, contatos, fotos — até mesmo sua localização.

“Estamos falando sobre os militares monitorando você, conhecendo suas informações pessoais, suas amizades, tudo”, disse Ramos em uma entrevista. “Eles sabem onde estou o tempo todo.”

López Obrador, que assumiu o cargo em 2018, prometeu que seu governo nunca espionaria seus oponentes.

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O defensor dos direitos humanos Raymundo Ramos foi espionado pelas forças armadas Foto: Marian Carrasquero/The New York Times - 6/6/2023

A nova evidência de espionagem militar sugere que López Obrador, como comandante-chefe das Forças Armadas, ou sabia sobre a vigilância e a tolerava, disseram os especialistas - ou seus próprios subordinados o desobedeceram.

“Ambos os cenários são terríveis, mas todas as evidências que temos apontam para o Exército espionando por iniciativa própria e por seus próprios interesses”, disse Catalina Pérez Correa, especialista em militares do Centro de Pesquisa e Ensino de Economia do México.

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“Levando em conta o enorme poder econômico que possui e todas as funções estatais que controla”, disse Pérez Correa, “pode-se dizer que o México tem os alicerces para um estado militar”.

Sob o comando de López Obrador, os militares assumiram uma responsabilidade muito maior pelo policiamento, além de controlar os portos e alfândegas do país, construindo parte de uma linha de trem de 1,6 mil quilômetros e até distribuindo remédios. O número de tropas destacadas em todo o país está em seu ponto mais alto na história recente.

O Ministério da Defesa não respondeu aos pedidos de comentários, mas disse que sua coleta de inteligência está focada no combate ao crime organizado e reconheceu o uso do Pegasus apenas de 2011 a 2013.

A fabricante israelense de Pegasus, NSO Group, disse que não poderia confirmar seus clientes por causa de acordos de confidencialidade.

O governo Biden colocou o NSO Group numa lista restritiva em 2021, citando o uso do spyware da empresa por governos estrangeiros para atingir ativistas e jornalistas.

‘Trabalho de inteligência’

A mídia mexicana noticiou em outubro que os militares compraram spyware durante o atual governo. Na época, López Obrador disse que os militares estavam realizando “trabalho de inteligência, não espionagem”.

O que desencadeou a espionagem de Ramos foi uma perseguição de carro na violenta cidade de Nuevo Laredo, ao longo da fronteira com os EUA, em uma noite de julho de 2020. Soldados perseguindo várias caminhonetes acabaram matando uma dúzia de passageiros que, segundo os militares, faziam parte de um grupo criminoso local.

Nos dias e semanas que se seguiram, disse Ramos, ele conversou com os pais de três das vítimas, que disseram que seus filhos foram mortos mesmo sendo inocentes. Eles viajavam dentro das picapes, mas foram sequestrados pelo cartel, disseram os pais.

Ramos começou a divulgar as alegações, e logo um jornal local publicou imagens prejudiciais do confronto. O vídeo mostrava os policiais pulverizando um dos caminhões com balas, apesar de ninguém atirar de volta, e então ordenando o assassinato de um sobrevivente do ataque.

“Ele está vivo!” um oficial grita no vídeo. “Mate ele!” outro responde.

O secretário de Defesa do México, Luis Cresencio Sandoval, durante entrevista coletiva em Tuxtla Gutiérrez, no Estado de Chiapas Foto: Presidencia de México /EFE

Foi quando o telefone de Ramos foi alvo do Pegasus. O spyware infectou seu telefone cinco vezes nos dias anteriores e posteriores aos militares enviarem seu relatório por e-mail, de acordo com o Citizen Lab.

Ramos disse ao Times que todas as trocas interceptadas eram de mensagens e uma ligação feita no Telegram, um aplicativo criptografado. O relatório de inteligência militar disse que Ramos tinha “ligações” com um cartel mexicano e se beneficiaria financeiramente ao desacreditar as forças armadas.

De acordo com a lei mexicana, os militares não parecem ter permissão para interceptar mensagens privadas, disseram especialistas jurídicos. Mas, mesmo que pudesse, precisaria da autorização de um juiz federal – algo que os militares disseram em declarações públicas que nunca solicitaram nos últimos anos.

Em inquérito criminal aberto sobre o caso de Ramos, o judiciário federal confirmou que não houve pedidos de interceptação de suas comunicações, segundo três pessoas familiarizadas com o caso que não estavam autorizadas a falar publicamente.

O caso representa um dos avanços mais significativos em anos de pesquisa de spyware, disseram os investigadores digitais.

“Nunca vi nada parecido”, disse John Scott-Railton, pesquisador sênior do Citizen Lab. “Pela primeira vez, isso nos mostra como os operadores pegaram a vida digital privada desse homem, jogaram-na sobre a mesa e depois tentaram selecionar as partes que seriam mais prejudiciais para ele”.

Envolvimento

O relatório dos militares foi divulgado pela primeira vez na terça-feira por três meios de comunicação mexicanos que trabalham com grupos de direitos locais.

O documento, enviado por e-mail em 2 de setembro de 2020, sugere que os militares mais poderosos estiveram envolvidos na espionagem.

Parece ter sido apresentado pelo segundo oficial de patente mais alta nas forças armadas e endereçado a seu superior, o secretário de Defesa Luis Cresencio Sandoval.

Nesse mesmo dia, Sandoval tinha uma reunião agendada com oficiais de alto escalão e o chefe da agência militar que estava investigando os assassinatos, mostra uma cópia de seu calendário recuperada dos arquivos hackeados.

“Os militares não estavam usando o Pegasus para combater o crime”, disse Luis Fernando García, diretor do R3D, um grupo local de direitos digitais, que ajudou a descobrir o relatório dos militares. “Os militares estavam espionando civis para se proteger.”

O relatório indica que a espionagem foi realizada por um ramo secreto das forças armadas chamado Centro de Inteligência Militar. O objetivo da agência é gerar “inteligência” a partir de “informações obtidas em canais fechados”, disseram os militares em 2021.

Um dos principais riscos que o centro enfrenta, diz outro documento, é “que as atividades realizadas por este centro sejam reveladas ao público”.

CIDADE DO MÉXICO - As Forças Armadas do México espionaram um defensor dos direitos humanos e jornalistas que investigavam alegações de que soldados haviam baleado pessoas inocentes. Em documentos publicados nesta quarta-feira, 8, pelo jornal The New York Times oficiais fornecem evidências claras do uso ilegal de ferramentas de vigilância pelos militares contra civis. As denúncias vêm a publico em meio a críticas ao presidente Andrés Manuel López Obrador sobre seu plano de enfraquecer a autoridade eleitoral do país.

O governo está envolvido em escândalos sobre o uso de spyware contra opositores, mas especialistas dizem que esta é a primeira vez que documentos provam que os militares espionaram cidadãos que tentavam expor seus crimes.

Documentos e entrevistas mostram como a espionagem que manchou o governo anterior continuou sob o governo de Obrador, que havia prometido não se envolver com uma vigilância que ele chamou de “ilegal” e “imoral”.

Em imagem de arquivo, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador; ele havia prometido acabar com 'espionagem' ilegal no país Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times - 12/1/2020

As Forças Armadas do México não estão autorizadas a espionar, mas os militares há muito usam a tecnologia de espionagem e se tornaram mais poderosos sob o comando de López Obrador.

Em relatório do Ministério da Defesa, de 2020, descoberto em 2022 e revisado pelo New York Times, oficiais militares descreveram os detalhes de conversas privadas entre um defensor dos direitos humanos e três jornalistas discutindo alegações de que soldados haviam executado três civis em confronto com um cartel.

O relatório afirmava que o advogado Raymundo Ramos Estava tentando “desacreditar as Forças Armadas” ao discutir alegações de homicídios cometidos por militares com repórteres.

Ele recomendou que os militares coletassem informações de suas conversas privadas, mas não as incluíssem nos arquivos oficiais do caso, talvez em uma tentativa de manter seu segredo de espionagem.

Pegasus

Testes forenses mostram que o celular de Ramos foi infectado pelo Pegasus – spyware poderoso – na mesma época em que os militares produziram o relatório de suas conversas, segundo o Citizen Lab, instituto de pesquisa da Universidade de Toronto. A evidência indica que López Obrador, como chefe das Forças Armadas, sabia da vigilância ou seus subordinados o desobedeceram.

Apesar das afirmações do presidente, o Ministério da Defesa do México estava usando o Pegasus ativamente em 2020, quando o telefone de Ramos foi hackeado, de acordo com três pessoas familiarizadas com as licenças de exportação exigidas para vender a arma cibernética fora de Israel, onde é fabricada.

O Pegasus pode extrair enormes quantidades de informações de um dispositivo digital sem nenhum aviso: mensagens de texto, chamadas, contatos, fotos — até mesmo sua localização.

“Estamos falando sobre os militares monitorando você, conhecendo suas informações pessoais, suas amizades, tudo”, disse Ramos em uma entrevista. “Eles sabem onde estou o tempo todo.”

López Obrador, que assumiu o cargo em 2018, prometeu que seu governo nunca espionaria seus oponentes.

O defensor dos direitos humanos Raymundo Ramos foi espionado pelas forças armadas Foto: Marian Carrasquero/The New York Times - 6/6/2023

A nova evidência de espionagem militar sugere que López Obrador, como comandante-chefe das Forças Armadas, ou sabia sobre a vigilância e a tolerava, disseram os especialistas - ou seus próprios subordinados o desobedeceram.

“Ambos os cenários são terríveis, mas todas as evidências que temos apontam para o Exército espionando por iniciativa própria e por seus próprios interesses”, disse Catalina Pérez Correa, especialista em militares do Centro de Pesquisa e Ensino de Economia do México.

“Levando em conta o enorme poder econômico que possui e todas as funções estatais que controla”, disse Pérez Correa, “pode-se dizer que o México tem os alicerces para um estado militar”.

Sob o comando de López Obrador, os militares assumiram uma responsabilidade muito maior pelo policiamento, além de controlar os portos e alfândegas do país, construindo parte de uma linha de trem de 1,6 mil quilômetros e até distribuindo remédios. O número de tropas destacadas em todo o país está em seu ponto mais alto na história recente.

O Ministério da Defesa não respondeu aos pedidos de comentários, mas disse que sua coleta de inteligência está focada no combate ao crime organizado e reconheceu o uso do Pegasus apenas de 2011 a 2013.

A fabricante israelense de Pegasus, NSO Group, disse que não poderia confirmar seus clientes por causa de acordos de confidencialidade.

O governo Biden colocou o NSO Group numa lista restritiva em 2021, citando o uso do spyware da empresa por governos estrangeiros para atingir ativistas e jornalistas.

‘Trabalho de inteligência’

A mídia mexicana noticiou em outubro que os militares compraram spyware durante o atual governo. Na época, López Obrador disse que os militares estavam realizando “trabalho de inteligência, não espionagem”.

O que desencadeou a espionagem de Ramos foi uma perseguição de carro na violenta cidade de Nuevo Laredo, ao longo da fronteira com os EUA, em uma noite de julho de 2020. Soldados perseguindo várias caminhonetes acabaram matando uma dúzia de passageiros que, segundo os militares, faziam parte de um grupo criminoso local.

Nos dias e semanas que se seguiram, disse Ramos, ele conversou com os pais de três das vítimas, que disseram que seus filhos foram mortos mesmo sendo inocentes. Eles viajavam dentro das picapes, mas foram sequestrados pelo cartel, disseram os pais.

Ramos começou a divulgar as alegações, e logo um jornal local publicou imagens prejudiciais do confronto. O vídeo mostrava os policiais pulverizando um dos caminhões com balas, apesar de ninguém atirar de volta, e então ordenando o assassinato de um sobrevivente do ataque.

“Ele está vivo!” um oficial grita no vídeo. “Mate ele!” outro responde.

O secretário de Defesa do México, Luis Cresencio Sandoval, durante entrevista coletiva em Tuxtla Gutiérrez, no Estado de Chiapas Foto: Presidencia de México /EFE

Foi quando o telefone de Ramos foi alvo do Pegasus. O spyware infectou seu telefone cinco vezes nos dias anteriores e posteriores aos militares enviarem seu relatório por e-mail, de acordo com o Citizen Lab.

Ramos disse ao Times que todas as trocas interceptadas eram de mensagens e uma ligação feita no Telegram, um aplicativo criptografado. O relatório de inteligência militar disse que Ramos tinha “ligações” com um cartel mexicano e se beneficiaria financeiramente ao desacreditar as forças armadas.

De acordo com a lei mexicana, os militares não parecem ter permissão para interceptar mensagens privadas, disseram especialistas jurídicos. Mas, mesmo que pudesse, precisaria da autorização de um juiz federal – algo que os militares disseram em declarações públicas que nunca solicitaram nos últimos anos.

Em inquérito criminal aberto sobre o caso de Ramos, o judiciário federal confirmou que não houve pedidos de interceptação de suas comunicações, segundo três pessoas familiarizadas com o caso que não estavam autorizadas a falar publicamente.

O caso representa um dos avanços mais significativos em anos de pesquisa de spyware, disseram os investigadores digitais.

“Nunca vi nada parecido”, disse John Scott-Railton, pesquisador sênior do Citizen Lab. “Pela primeira vez, isso nos mostra como os operadores pegaram a vida digital privada desse homem, jogaram-na sobre a mesa e depois tentaram selecionar as partes que seriam mais prejudiciais para ele”.

Envolvimento

O relatório dos militares foi divulgado pela primeira vez na terça-feira por três meios de comunicação mexicanos que trabalham com grupos de direitos locais.

O documento, enviado por e-mail em 2 de setembro de 2020, sugere que os militares mais poderosos estiveram envolvidos na espionagem.

Parece ter sido apresentado pelo segundo oficial de patente mais alta nas forças armadas e endereçado a seu superior, o secretário de Defesa Luis Cresencio Sandoval.

Nesse mesmo dia, Sandoval tinha uma reunião agendada com oficiais de alto escalão e o chefe da agência militar que estava investigando os assassinatos, mostra uma cópia de seu calendário recuperada dos arquivos hackeados.

“Os militares não estavam usando o Pegasus para combater o crime”, disse Luis Fernando García, diretor do R3D, um grupo local de direitos digitais, que ajudou a descobrir o relatório dos militares. “Os militares estavam espionando civis para se proteger.”

O relatório indica que a espionagem foi realizada por um ramo secreto das forças armadas chamado Centro de Inteligência Militar. O objetivo da agência é gerar “inteligência” a partir de “informações obtidas em canais fechados”, disseram os militares em 2021.

Um dos principais riscos que o centro enfrenta, diz outro documento, é “que as atividades realizadas por este centro sejam reveladas ao público”.

CIDADE DO MÉXICO - As Forças Armadas do México espionaram um defensor dos direitos humanos e jornalistas que investigavam alegações de que soldados haviam baleado pessoas inocentes. Em documentos publicados nesta quarta-feira, 8, pelo jornal The New York Times oficiais fornecem evidências claras do uso ilegal de ferramentas de vigilância pelos militares contra civis. As denúncias vêm a publico em meio a críticas ao presidente Andrés Manuel López Obrador sobre seu plano de enfraquecer a autoridade eleitoral do país.

O governo está envolvido em escândalos sobre o uso de spyware contra opositores, mas especialistas dizem que esta é a primeira vez que documentos provam que os militares espionaram cidadãos que tentavam expor seus crimes.

Documentos e entrevistas mostram como a espionagem que manchou o governo anterior continuou sob o governo de Obrador, que havia prometido não se envolver com uma vigilância que ele chamou de “ilegal” e “imoral”.

Em imagem de arquivo, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador; ele havia prometido acabar com 'espionagem' ilegal no país Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times - 12/1/2020

As Forças Armadas do México não estão autorizadas a espionar, mas os militares há muito usam a tecnologia de espionagem e se tornaram mais poderosos sob o comando de López Obrador.

Em relatório do Ministério da Defesa, de 2020, descoberto em 2022 e revisado pelo New York Times, oficiais militares descreveram os detalhes de conversas privadas entre um defensor dos direitos humanos e três jornalistas discutindo alegações de que soldados haviam executado três civis em confronto com um cartel.

O relatório afirmava que o advogado Raymundo Ramos Estava tentando “desacreditar as Forças Armadas” ao discutir alegações de homicídios cometidos por militares com repórteres.

Ele recomendou que os militares coletassem informações de suas conversas privadas, mas não as incluíssem nos arquivos oficiais do caso, talvez em uma tentativa de manter seu segredo de espionagem.

Pegasus

Testes forenses mostram que o celular de Ramos foi infectado pelo Pegasus – spyware poderoso – na mesma época em que os militares produziram o relatório de suas conversas, segundo o Citizen Lab, instituto de pesquisa da Universidade de Toronto. A evidência indica que López Obrador, como chefe das Forças Armadas, sabia da vigilância ou seus subordinados o desobedeceram.

Apesar das afirmações do presidente, o Ministério da Defesa do México estava usando o Pegasus ativamente em 2020, quando o telefone de Ramos foi hackeado, de acordo com três pessoas familiarizadas com as licenças de exportação exigidas para vender a arma cibernética fora de Israel, onde é fabricada.

O Pegasus pode extrair enormes quantidades de informações de um dispositivo digital sem nenhum aviso: mensagens de texto, chamadas, contatos, fotos — até mesmo sua localização.

“Estamos falando sobre os militares monitorando você, conhecendo suas informações pessoais, suas amizades, tudo”, disse Ramos em uma entrevista. “Eles sabem onde estou o tempo todo.”

López Obrador, que assumiu o cargo em 2018, prometeu que seu governo nunca espionaria seus oponentes.

O defensor dos direitos humanos Raymundo Ramos foi espionado pelas forças armadas Foto: Marian Carrasquero/The New York Times - 6/6/2023

A nova evidência de espionagem militar sugere que López Obrador, como comandante-chefe das Forças Armadas, ou sabia sobre a vigilância e a tolerava, disseram os especialistas - ou seus próprios subordinados o desobedeceram.

“Ambos os cenários são terríveis, mas todas as evidências que temos apontam para o Exército espionando por iniciativa própria e por seus próprios interesses”, disse Catalina Pérez Correa, especialista em militares do Centro de Pesquisa e Ensino de Economia do México.

“Levando em conta o enorme poder econômico que possui e todas as funções estatais que controla”, disse Pérez Correa, “pode-se dizer que o México tem os alicerces para um estado militar”.

Sob o comando de López Obrador, os militares assumiram uma responsabilidade muito maior pelo policiamento, além de controlar os portos e alfândegas do país, construindo parte de uma linha de trem de 1,6 mil quilômetros e até distribuindo remédios. O número de tropas destacadas em todo o país está em seu ponto mais alto na história recente.

O Ministério da Defesa não respondeu aos pedidos de comentários, mas disse que sua coleta de inteligência está focada no combate ao crime organizado e reconheceu o uso do Pegasus apenas de 2011 a 2013.

A fabricante israelense de Pegasus, NSO Group, disse que não poderia confirmar seus clientes por causa de acordos de confidencialidade.

O governo Biden colocou o NSO Group numa lista restritiva em 2021, citando o uso do spyware da empresa por governos estrangeiros para atingir ativistas e jornalistas.

‘Trabalho de inteligência’

A mídia mexicana noticiou em outubro que os militares compraram spyware durante o atual governo. Na época, López Obrador disse que os militares estavam realizando “trabalho de inteligência, não espionagem”.

O que desencadeou a espionagem de Ramos foi uma perseguição de carro na violenta cidade de Nuevo Laredo, ao longo da fronteira com os EUA, em uma noite de julho de 2020. Soldados perseguindo várias caminhonetes acabaram matando uma dúzia de passageiros que, segundo os militares, faziam parte de um grupo criminoso local.

Nos dias e semanas que se seguiram, disse Ramos, ele conversou com os pais de três das vítimas, que disseram que seus filhos foram mortos mesmo sendo inocentes. Eles viajavam dentro das picapes, mas foram sequestrados pelo cartel, disseram os pais.

Ramos começou a divulgar as alegações, e logo um jornal local publicou imagens prejudiciais do confronto. O vídeo mostrava os policiais pulverizando um dos caminhões com balas, apesar de ninguém atirar de volta, e então ordenando o assassinato de um sobrevivente do ataque.

“Ele está vivo!” um oficial grita no vídeo. “Mate ele!” outro responde.

O secretário de Defesa do México, Luis Cresencio Sandoval, durante entrevista coletiva em Tuxtla Gutiérrez, no Estado de Chiapas Foto: Presidencia de México /EFE

Foi quando o telefone de Ramos foi alvo do Pegasus. O spyware infectou seu telefone cinco vezes nos dias anteriores e posteriores aos militares enviarem seu relatório por e-mail, de acordo com o Citizen Lab.

Ramos disse ao Times que todas as trocas interceptadas eram de mensagens e uma ligação feita no Telegram, um aplicativo criptografado. O relatório de inteligência militar disse que Ramos tinha “ligações” com um cartel mexicano e se beneficiaria financeiramente ao desacreditar as forças armadas.

De acordo com a lei mexicana, os militares não parecem ter permissão para interceptar mensagens privadas, disseram especialistas jurídicos. Mas, mesmo que pudesse, precisaria da autorização de um juiz federal – algo que os militares disseram em declarações públicas que nunca solicitaram nos últimos anos.

Em inquérito criminal aberto sobre o caso de Ramos, o judiciário federal confirmou que não houve pedidos de interceptação de suas comunicações, segundo três pessoas familiarizadas com o caso que não estavam autorizadas a falar publicamente.

O caso representa um dos avanços mais significativos em anos de pesquisa de spyware, disseram os investigadores digitais.

“Nunca vi nada parecido”, disse John Scott-Railton, pesquisador sênior do Citizen Lab. “Pela primeira vez, isso nos mostra como os operadores pegaram a vida digital privada desse homem, jogaram-na sobre a mesa e depois tentaram selecionar as partes que seriam mais prejudiciais para ele”.

Envolvimento

O relatório dos militares foi divulgado pela primeira vez na terça-feira por três meios de comunicação mexicanos que trabalham com grupos de direitos locais.

O documento, enviado por e-mail em 2 de setembro de 2020, sugere que os militares mais poderosos estiveram envolvidos na espionagem.

Parece ter sido apresentado pelo segundo oficial de patente mais alta nas forças armadas e endereçado a seu superior, o secretário de Defesa Luis Cresencio Sandoval.

Nesse mesmo dia, Sandoval tinha uma reunião agendada com oficiais de alto escalão e o chefe da agência militar que estava investigando os assassinatos, mostra uma cópia de seu calendário recuperada dos arquivos hackeados.

“Os militares não estavam usando o Pegasus para combater o crime”, disse Luis Fernando García, diretor do R3D, um grupo local de direitos digitais, que ajudou a descobrir o relatório dos militares. “Os militares estavam espionando civis para se proteger.”

O relatório indica que a espionagem foi realizada por um ramo secreto das forças armadas chamado Centro de Inteligência Militar. O objetivo da agência é gerar “inteligência” a partir de “informações obtidas em canais fechados”, disseram os militares em 2021.

Um dos principais riscos que o centro enfrenta, diz outro documento, é “que as atividades realizadas por este centro sejam reveladas ao público”.

CIDADE DO MÉXICO - As Forças Armadas do México espionaram um defensor dos direitos humanos e jornalistas que investigavam alegações de que soldados haviam baleado pessoas inocentes. Em documentos publicados nesta quarta-feira, 8, pelo jornal The New York Times oficiais fornecem evidências claras do uso ilegal de ferramentas de vigilância pelos militares contra civis. As denúncias vêm a publico em meio a críticas ao presidente Andrés Manuel López Obrador sobre seu plano de enfraquecer a autoridade eleitoral do país.

O governo está envolvido em escândalos sobre o uso de spyware contra opositores, mas especialistas dizem que esta é a primeira vez que documentos provam que os militares espionaram cidadãos que tentavam expor seus crimes.

Documentos e entrevistas mostram como a espionagem que manchou o governo anterior continuou sob o governo de Obrador, que havia prometido não se envolver com uma vigilância que ele chamou de “ilegal” e “imoral”.

Em imagem de arquivo, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador; ele havia prometido acabar com 'espionagem' ilegal no país Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times - 12/1/2020

As Forças Armadas do México não estão autorizadas a espionar, mas os militares há muito usam a tecnologia de espionagem e se tornaram mais poderosos sob o comando de López Obrador.

Em relatório do Ministério da Defesa, de 2020, descoberto em 2022 e revisado pelo New York Times, oficiais militares descreveram os detalhes de conversas privadas entre um defensor dos direitos humanos e três jornalistas discutindo alegações de que soldados haviam executado três civis em confronto com um cartel.

O relatório afirmava que o advogado Raymundo Ramos Estava tentando “desacreditar as Forças Armadas” ao discutir alegações de homicídios cometidos por militares com repórteres.

Ele recomendou que os militares coletassem informações de suas conversas privadas, mas não as incluíssem nos arquivos oficiais do caso, talvez em uma tentativa de manter seu segredo de espionagem.

Pegasus

Testes forenses mostram que o celular de Ramos foi infectado pelo Pegasus – spyware poderoso – na mesma época em que os militares produziram o relatório de suas conversas, segundo o Citizen Lab, instituto de pesquisa da Universidade de Toronto. A evidência indica que López Obrador, como chefe das Forças Armadas, sabia da vigilância ou seus subordinados o desobedeceram.

Apesar das afirmações do presidente, o Ministério da Defesa do México estava usando o Pegasus ativamente em 2020, quando o telefone de Ramos foi hackeado, de acordo com três pessoas familiarizadas com as licenças de exportação exigidas para vender a arma cibernética fora de Israel, onde é fabricada.

O Pegasus pode extrair enormes quantidades de informações de um dispositivo digital sem nenhum aviso: mensagens de texto, chamadas, contatos, fotos — até mesmo sua localização.

“Estamos falando sobre os militares monitorando você, conhecendo suas informações pessoais, suas amizades, tudo”, disse Ramos em uma entrevista. “Eles sabem onde estou o tempo todo.”

López Obrador, que assumiu o cargo em 2018, prometeu que seu governo nunca espionaria seus oponentes.

O defensor dos direitos humanos Raymundo Ramos foi espionado pelas forças armadas Foto: Marian Carrasquero/The New York Times - 6/6/2023

A nova evidência de espionagem militar sugere que López Obrador, como comandante-chefe das Forças Armadas, ou sabia sobre a vigilância e a tolerava, disseram os especialistas - ou seus próprios subordinados o desobedeceram.

“Ambos os cenários são terríveis, mas todas as evidências que temos apontam para o Exército espionando por iniciativa própria e por seus próprios interesses”, disse Catalina Pérez Correa, especialista em militares do Centro de Pesquisa e Ensino de Economia do México.

“Levando em conta o enorme poder econômico que possui e todas as funções estatais que controla”, disse Pérez Correa, “pode-se dizer que o México tem os alicerces para um estado militar”.

Sob o comando de López Obrador, os militares assumiram uma responsabilidade muito maior pelo policiamento, além de controlar os portos e alfândegas do país, construindo parte de uma linha de trem de 1,6 mil quilômetros e até distribuindo remédios. O número de tropas destacadas em todo o país está em seu ponto mais alto na história recente.

O Ministério da Defesa não respondeu aos pedidos de comentários, mas disse que sua coleta de inteligência está focada no combate ao crime organizado e reconheceu o uso do Pegasus apenas de 2011 a 2013.

A fabricante israelense de Pegasus, NSO Group, disse que não poderia confirmar seus clientes por causa de acordos de confidencialidade.

O governo Biden colocou o NSO Group numa lista restritiva em 2021, citando o uso do spyware da empresa por governos estrangeiros para atingir ativistas e jornalistas.

‘Trabalho de inteligência’

A mídia mexicana noticiou em outubro que os militares compraram spyware durante o atual governo. Na época, López Obrador disse que os militares estavam realizando “trabalho de inteligência, não espionagem”.

O que desencadeou a espionagem de Ramos foi uma perseguição de carro na violenta cidade de Nuevo Laredo, ao longo da fronteira com os EUA, em uma noite de julho de 2020. Soldados perseguindo várias caminhonetes acabaram matando uma dúzia de passageiros que, segundo os militares, faziam parte de um grupo criminoso local.

Nos dias e semanas que se seguiram, disse Ramos, ele conversou com os pais de três das vítimas, que disseram que seus filhos foram mortos mesmo sendo inocentes. Eles viajavam dentro das picapes, mas foram sequestrados pelo cartel, disseram os pais.

Ramos começou a divulgar as alegações, e logo um jornal local publicou imagens prejudiciais do confronto. O vídeo mostrava os policiais pulverizando um dos caminhões com balas, apesar de ninguém atirar de volta, e então ordenando o assassinato de um sobrevivente do ataque.

“Ele está vivo!” um oficial grita no vídeo. “Mate ele!” outro responde.

O secretário de Defesa do México, Luis Cresencio Sandoval, durante entrevista coletiva em Tuxtla Gutiérrez, no Estado de Chiapas Foto: Presidencia de México /EFE

Foi quando o telefone de Ramos foi alvo do Pegasus. O spyware infectou seu telefone cinco vezes nos dias anteriores e posteriores aos militares enviarem seu relatório por e-mail, de acordo com o Citizen Lab.

Ramos disse ao Times que todas as trocas interceptadas eram de mensagens e uma ligação feita no Telegram, um aplicativo criptografado. O relatório de inteligência militar disse que Ramos tinha “ligações” com um cartel mexicano e se beneficiaria financeiramente ao desacreditar as forças armadas.

De acordo com a lei mexicana, os militares não parecem ter permissão para interceptar mensagens privadas, disseram especialistas jurídicos. Mas, mesmo que pudesse, precisaria da autorização de um juiz federal – algo que os militares disseram em declarações públicas que nunca solicitaram nos últimos anos.

Em inquérito criminal aberto sobre o caso de Ramos, o judiciário federal confirmou que não houve pedidos de interceptação de suas comunicações, segundo três pessoas familiarizadas com o caso que não estavam autorizadas a falar publicamente.

O caso representa um dos avanços mais significativos em anos de pesquisa de spyware, disseram os investigadores digitais.

“Nunca vi nada parecido”, disse John Scott-Railton, pesquisador sênior do Citizen Lab. “Pela primeira vez, isso nos mostra como os operadores pegaram a vida digital privada desse homem, jogaram-na sobre a mesa e depois tentaram selecionar as partes que seriam mais prejudiciais para ele”.

Envolvimento

O relatório dos militares foi divulgado pela primeira vez na terça-feira por três meios de comunicação mexicanos que trabalham com grupos de direitos locais.

O documento, enviado por e-mail em 2 de setembro de 2020, sugere que os militares mais poderosos estiveram envolvidos na espionagem.

Parece ter sido apresentado pelo segundo oficial de patente mais alta nas forças armadas e endereçado a seu superior, o secretário de Defesa Luis Cresencio Sandoval.

Nesse mesmo dia, Sandoval tinha uma reunião agendada com oficiais de alto escalão e o chefe da agência militar que estava investigando os assassinatos, mostra uma cópia de seu calendário recuperada dos arquivos hackeados.

“Os militares não estavam usando o Pegasus para combater o crime”, disse Luis Fernando García, diretor do R3D, um grupo local de direitos digitais, que ajudou a descobrir o relatório dos militares. “Os militares estavam espionando civis para se proteger.”

O relatório indica que a espionagem foi realizada por um ramo secreto das forças armadas chamado Centro de Inteligência Militar. O objetivo da agência é gerar “inteligência” a partir de “informações obtidas em canais fechados”, disseram os militares em 2021.

Um dos principais riscos que o centro enfrenta, diz outro documento, é “que as atividades realizadas por este centro sejam reveladas ao público”.

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