BRASÍLIA - Os ministros da Defesa das Américas aceitaram incluir a guerra na Ucrânia na Declaração de Brasília, texto assinado nesta quinta-feira, dia 28, na Conferência de Ministro de Defesa das Américas (CMDA). O assunto era um dos mais polêmicos e gerou divergências entre as delegações. Canadá e Estados Unidos pressionaram pela inclusão do tema até o último momento de ajustes na versão final do documento. A versão adotada pelos ministros, no entanto, ficou mais branda do que a originalmente proposta e não citou a invasão russa, deflagrada em 24 de fevereiro. Brasil, Argentina e México apresentaram ressalvas a esse trecho da declaração.
O texto finalizado em Brasília diz que os ministros de Defesa declaram: “Seu compromisso inalienável com a defesa dos valores da autodeterminação, da independência nacional, do respeito à integridade territorial, à proteção das populações civis, à liberdade frente à dominação estrangeira, do respeito às fronteiras reconhecidas internacionalmente e da soberania nacional - princípios sobre os quais todos os Estados-membros da CMDA foram fundados. Os conflitos presentes em todo o mundo, como a invasão da Ucrânia e os atos de violência exercidos por grupos armados que aterrorizam a população no Haiti, não são meios legítimos para resolver as disputas de modo que os Estados-membros da CMDA esperam uma solução pacífica tão pronto seja possível.”
Originalmente, a versão proposta pelo Canadá e apoiada pelos EUA falava em um pedido de cessar hostilidades e na defesa dos “valores da autodeterminação, da liberdade de opressão estrangeira”. “Violência e agressão, como estamos testemunhando com a invasão russa da Ucrânia, não é a resposta para disputas”, afirmava a sugestão canadense, apresentada durante a reunião preparatória.
A discussão sobre o trecho se arrastava desde março. A redação aprovada sem citar a Rússia foi uma forma mais abrandada de fazer alusão à guerra, no entendimento de diplomatas e militares de distintos governos. Ao incluir a referência a “conflitos presentes em todo o mundo”, o segundo parágrafo não individualiza a condenação dos ministros à ação militar unilateral de Moscou. A violência de facções criminosas no Haiti, uma questão de segurança interna da ilha caribenha, que teve o presidente Jovenel Moïse assassinado no ano passado, foi acrescida ao texto como um dos conflitos equiparáveis à guerra.
Fontes diplomáticas e militares dos Estados Unidos, da Argentina e da Colômbia afirmaram ao Estadão que a redação final aprovada não é tão dura como proposto inicialmente e que foi preciso modular a linguagem para que a menção ao conflito do Leste Europeu passasse. A cerimônia de assinatura da Declaração de Brasília chegou a ser atrasada por cerca de 30 minutos para os ajustes finais, por causa das discussões.
Os termos de declarações adotadas em foros multilaterais costumam ser aprovados apenas quando há acordo sobre todos os pontos. Mas a Conferência de Ministros da Defesa das Américas (CMDA) prevê que, se discordâncias persistirem, o ponto em questão pode ser colocado em votação e somente será adotado se aprovado por ao menos 2/3 dos votantes presentes. Mesmo assim, as delegações descontentes ainda podem apresentar ressalvas, no formato de notas de rodapé.
Foi o que ocorreu. O Brasil e a Argentina incluíram uma ressalva dizendo que reconhecem as Nações Unidas como foro adequado para tratar do conflito na Ucrânia. O México disse que discordava da inclusão do tema na carta da CMDA e que também reconhecia a ONU como ambiente para abordar soluções para a guerra.
Os três países se isolaram. No bloco da maioria, liderado por EUA e Canadá, a ressalva de rodapé foi adotar palavras mais duras contra Moscou e reiterar a “reprovação de maneira incisiva sobre a invasão ilegal, injustificável e não provocada da Ucrânia”. Assinaram também essa mesma ressalva Colômbia, Equador, Guatemala, Haiti, Paraguai e República Dominicana.
Como o Estadão antecipou, o impasse acerca da menção à guerra era o principal ponto da conferência. Equipes de Defesa dos países latinos ainda “estranharam” o fato de a declaração ter sido assinada por seus representantes de Defesa antes de a versão final ser publicada oficialmente e circular na reunião plenária. Um deles disse ao Estadão que havia “muita preocupação” com o teor do documento.
A objeção à menção da guerra na Ucrânia pelo Brasil não foi uma decisão própria da Defesa. Segundo um integrante da cúpula do ministério, a posição expressada pelo representante das Forças Armadas brasileiras apenas se alinhou à orientação de política externa do governo Jair Bolsonaro. Ele disse os militares seguiriam a orientação do Itamaraty, independentemente de quem fosse o presidente.
O Brasil já havia manifestado essa contrariedade em março, durante a reunião preparatória da CMDA, realizada um mês após o início da guerra, com a invasão das tropas russas. O presidente Bolsonaro adotou uma postura dúbia em relação aos votos de diplomatas do Brasil nos fóruns internacionais. Ele defende uma posição de neutralidade e equilíbrio, mas já deu uma série de declarações simpáticas a Putin, a quem visitou e prestou solidariedade às vésperas da invasão. Ao mesmo tempo, só conversou recentemente com o lado ucraniano e fez criticou o presidente Volodmir Zelenski. Na ONU, o Brasil votou contra interesses russos, mas também atou para amenizar o tom das resoluções em discussão.
Na reunião preparatória de março, os canadenses, representados por Michael Carter, diretor de Política do Hemisfério Ocidental, indicaram a inclusão do seguinte parágrafo na carta dos ministros:
“Seu compromisso de defender os valores da autodeterminação, da liberdade de opressão estrangeira, do respeito às fronteiras reconhecidas internacionalmente e da soberania nacional, – sobre os quais todos os Estados-Membros da CMDA foram fundados. A paz e a prosperidade do Hemisfério Ocidental – e, de fato, do mundo inteiro – depende da adesão e do respeito a esses valores. Violência e agressão, como estamos testemunhando com a invasão russa da Ucrânia, não é a resposta para disputas. As nações da CMDA pedem a cessação das hostilidades e, como solicitado nos Princípios de Williamsburg, para a resolução deste conflito por acordo negociado.”