Mais de 400 anos após sua morte, a verdade sobre “a Condessa de Sangue”, uma nobre húngara que é, supostamente, a maior assassina em série de mulheres de todos os tempos, permanece obscura.
De seu castelo no topo de um pico acidentado no que hoje é Čachtice, no oeste da Eslováquia, Elizabeth Báthory teria torturado e matado até 650 mulheres e meninas, dando origem a lendas horríveis de que ela se deliciava em se banhar no sangue de suas vítimas na crença de que isso a ajudaria a manter sua juventude.
Rumores sobre a crueldade de Elizabeth se espalharam pelo Reino da Hungria no início do século XVII e, após um inquérito real, quatro de seus servos foram condenados por assassinato e brutalmente executados. A Condessa de Sangue foi presa e confinada nas paredes de seu castelo até sua morte, em 1614.
A história macabra de Elizabeth cativou imaginações e convidou especulações por séculos, gerando livros, filmes, séries de televisão e lendas locais. Mas alguns pesquisadores lançaram dúvidas sobre se ela era realmente responsável pela suposta selvageria e sugerem que, como uma mulher rica e poderosa na Europa do final do Renascimento, ela mesma pode ter sido a vítima.
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“Ela era uma assassina em série que atormentava e torturava 650 jovens mulheres por nada mais do que seu prazer?”, perguntou Annouchka Bayley, uma acadêmica e escritora britânica que publicou recentemente um romance sobre a rica condessa. “Estou muito convencida de que é, como dizemos na Inglaterra, um trabalho de armação.”
Annouchka, autora de “The Blood Countess” (A Condessa de Sangue, em português) e professora associada de artes e criatividade na Universidade de Cambridge, diz que a narrativa popular de Elizabeth como uma assassina em série se baseia em um esteriótipo de “mulher como monstro” que não é apoiado pelas evidências disponíveis.
Em vez de uma assassina, ela argumenta, Elizabeth pode ter sido uma figura subversiva que era uma ameaça à estrutura de poder do reino, especialmente devido às evidências de que ela ensinou muitas mulheres jovens a ler e pode ter sido dona de uma gráfica — atos radicais durante o período em que viveu.
“Você tem que lembrar, esses são os anos da Reforma e da Contrarreforma, onde as pessoas estavam sendo queimadas na fogueira por suas crenças heréticas. As prensas tipográficas, que começaram a florescer pela Europa, estavam dando às pessoas um acesso muito mais amplo à informação e isso era visto como muito perigoso”, diz Annouchka. “Tem o suficiente para eu dizer, uau, espera um minuto. Vamos parar aqui e investigar”.
Elizabeth, nascida em uma família aristocrática em 1560, casou-se com um rico nobre húngaro, Ferenc Nádasdy, em 1575, e o casal controlou grandes riquezas e terras por todo o reino. Nádasdy foi um soldado proeminente e figura-chave na retomada do controle de inúmeras terras húngaras que haviam sido ocupadas pelo Império Otomano.
Mas, após a morte repentina de Nádasdy em 1604, Elizabeth herdou suas terras e riquezas e comandou uma “enorme fortuna ao estilo de Jeff Bezos”, de acordo com Annouchka. Foi essa fortuna e posição de poder que Annouchka e outros estudiosos apontaram como um motivo potencial para outras figuras poderosas da época tentarem destruir Elizabeth e confiscar sua riqueza. A recusa de Elizabeth em se casar novamente após a morte do marido e suas atividades na educação de jovens mulheres “disparariam alarmes sobre qualquer pessoa no poder”, afirma Annouchka.
O ceticismo sobre a culpa de Elizabeth não se limita à academia — a questão ainda pode ser polarizadora na vila eslovaca de Čachtice, onde as atrocidades teriam ocorrido. A incerteza sobre onde Elizabeth está enterrada também gerou especulações. Acredita-se que ela esteja enterrada em uma cripta sob a igreja local, mas houve rumores de que seu corpo foi movido mais tarde e a igreja não permitiu uma escavação.
Um museu local dedicado à condessa em Čachtice e grupos de turistas e moradores que sobem as colinas rochosas até o castelo acima da cidade são provas do poder que sua lenda ainda exerce sobre a região.
Mas Ivan Pisca, um fazendeiro local, disse que o poder da história de Elizabeth pode estar diminuindo à medida que gerações vêm e vão.”Há lendas sobre Elizabeth Báthory, relativamente sanguinárias, sobre as jovens que ela torturou e depois matou”, ele disse. “Pessoas mais velhas acreditam nessas histórias, mas as mais jovens podem saber um pouco menos sobre elas”.
Annouchka acredita que a cultura popular, ao longo dos séculos, teve um fascínio indevido pelas narrativas mais horríveis e violentas e que a história muitas vezes estigmatizou mulheres poderosas. Com uma “contranarrativa” da história de Elizabeth, ela disse que espera fornecer uma medida de justiça para ela e todas as outras que a história pode ter condenado injustamente.
“Ela merece algo melhor, todas nós merecemos algo melhor”, diz Annouchka. “A justiça para Elizabeth 500 anos depois é: ‘ela não fez isso’? Ou a justiça para Elizabeth é, na verdade, a desfeita do esteriótipo do monstro para todas as mulheres e para todos os homens?”. / AP
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