É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment. Escreve quinzenalmente

Opinião|Moisés Naím: Giorgia Meloni encarna o fascínio italiano pela antipolítica


Meloni é o caso mais recente de uma grande facção de outsiders radicais e populistas que tem crescido em popularidade na Itália desde os anos 90

Por Moisés Naim

Nos últimos tempos na Itália tem circulado um antigo vídeo protagonizado por uma bela jovem dizendo coisas não tão belas. Maquiada em estilo anos 90, ela vira para trás, sentada no assento dianteiro de um automóvel, e responde em francês - com sotaque, mas muito correto - perguntas da TV francesa. “Para mim, Mussolini foi um bom político. Tudo o que ele fez, fez pela Itália, e isso é algo que não se encontra nos políticos que tivemos nos últimos cinquenta anos.”

Essa jovem muito provavelmente será eleita primeira-ministra da Itália no próximo domingo.

Giorgia Meloni não tem mais 19 anos nem fala tão abertamente de sua admiração por Mussolini, mas não se esqueceu a que tradição política pertence. Recordemos que o fascismo nunca foi formalmente expulso da vida política italiana. Na Alemanha, os aliados impuseram um rigoroso programa que excluiu os ex-nazistas do poder permanentemente. Mas na Itália, a partir de 1946, os antigos fascistas puderam se reagrupar sob um novo partido, o “Movimento Social Italiano”.

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Giorgia Meloni, líder dos Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia), participa de um comício de campanha eleitoral, em Gênova, Itália, em 14 de setembro de 2022. A Itália realizará eleições antecipadas em 25 de setembro, após a renúncia do primeiro-ministro  Foto: Luca Zennaro/EPA/EFE

Assim continuava a se chamar em 1992, quando Giorgia Meloni, com apenas 15 anos, se juntou à sua ala juvenil. Desde então, o partido mudaria de nome várias vezes. Mas que ninguém duvide: o partido Irmãos da Itália, dirigido por Giorgia Meloni, é sucessor do partido sucessor do partido fundado por Benito Mussolini — e jamais renunciou ao legado de Il Duce.

Quer dizer que a Itália retorna para o fascismo?

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Não necessariamente.

O fato de que Giorgia Meloni se encontra hoje às portas do poder tem menos a ver com o neofascismo e mais com a atração que a antipolítica exerce sobre o eleitor italiano. Meloni é somente o caso mais recente de uma grande facção de outsiders radicais e populistas que tem crescido em popularidade na Itália desde os anos 90. De fato, Meloni tem hoje como parceiros de coalizão os líderes das três últimas ondas de antipolítica na Itália: o já ancião Silvio Berlusconi e Matteo Salvini, líder da Liga, outro partido da ultradireita antissistema.

Ter conseguido flanquear uma figura tão extrema quanto Salvini pela direita demonstra as habilidades políticas de Giorgia Meloni. Mas revela ainda mais a propensão do público italiano de votar em quem nunca governou. Meloni, cuja única passagem por um gabinete de governo foi como ministra da Juventude de Berlusconi, entre 2008 e 2011, se descolou da exaustiva guerra interna dos instáveis governos de coalizão dos últimos cinco anos. Com suas credenciais de outsider a salvo, ela é a beneficiária do repúdio crônico que os italianos têm por quem os governa.

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Estamos em 2022, e essas coisas não surpreendem ninguém. Com a extrema-direita ascendendo ao poder até na na Suécia e partidos radicais antissistema chegando ao poder em todo o Ocidente, Meloni já não é exceção na tendência internacional. Assim como Marine Le Pen, Meloni soube apresentar em terminologias mais amáveis os temas tradicionais da extrema-direita, como a xenofobia e o nacionalismo fervoroso.

Tudo começou com Silvio Berlusconi, que chegou ao poder em 1994 com slogans antissistema muito parecidos aos ostentados hoje por Meloni. Foi Berlusconi que demonstrou a vigência do populismo na Europa atual. Foi ele que fez da polarização parte central de sua estratégia política e cujo extenso império de televisão e imprensa marcou a pauta para criar uma realidade alternativa com base na pós-verdade. Chamei isso de política dos 3Ps: populismo, polarização e pós-verdade.

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Mas ainda que Berlusconi tenha sido o pioneiro, cada geração que se sucedeu de radicais antissistema na Itália colaborou com seu grãozinho de areia para aprofundar os 3Ps. Por isso, a Itália se converteu no maior exemplo da antipolítica europeia, tendência que culmina em seu extremo lógico: o fascismo.

O interessante é Washington e Bruxelas não parecerem estar especialmente alarmados diante da possibilidade da Itália se transformar em uma fonte de instabilidade no coração da Europa. Os líderes americanos e europeus tendem a se consolar pensando que os presidenti del consiglio não duram na Itália. O país teve 69 premiês desde a 2.ª Guerra.

O mundo está acostumado a pensar que os líderes italianos verão suas ambições frustradas por um sistema constitucional que faz tudo demorar, complica tudo e bloqueia tudo. Poucos acreditam que Meloni durará muito — ou que fará muitas mudanças.

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E se estiverem errados? E se Giorgia Meloni dizia em voz alta em 1996 o que hoje pensa mas não diz?

É uma pergunta que deve interessar o mundo. As antigas democracias consolidadas da Europa não são tão antigas nem estão tão consolidadas ao ponto de serem capazes de sobreviver ao ataque de forças que desejam secretamente — ou não tão secretamente assim — acabar com elas./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nos últimos tempos na Itália tem circulado um antigo vídeo protagonizado por uma bela jovem dizendo coisas não tão belas. Maquiada em estilo anos 90, ela vira para trás, sentada no assento dianteiro de um automóvel, e responde em francês - com sotaque, mas muito correto - perguntas da TV francesa. “Para mim, Mussolini foi um bom político. Tudo o que ele fez, fez pela Itália, e isso é algo que não se encontra nos políticos que tivemos nos últimos cinquenta anos.”

Essa jovem muito provavelmente será eleita primeira-ministra da Itália no próximo domingo.

Giorgia Meloni não tem mais 19 anos nem fala tão abertamente de sua admiração por Mussolini, mas não se esqueceu a que tradição política pertence. Recordemos que o fascismo nunca foi formalmente expulso da vida política italiana. Na Alemanha, os aliados impuseram um rigoroso programa que excluiu os ex-nazistas do poder permanentemente. Mas na Itália, a partir de 1946, os antigos fascistas puderam se reagrupar sob um novo partido, o “Movimento Social Italiano”.

Giorgia Meloni, líder dos Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia), participa de um comício de campanha eleitoral, em Gênova, Itália, em 14 de setembro de 2022. A Itália realizará eleições antecipadas em 25 de setembro, após a renúncia do primeiro-ministro  Foto: Luca Zennaro/EPA/EFE

Assim continuava a se chamar em 1992, quando Giorgia Meloni, com apenas 15 anos, se juntou à sua ala juvenil. Desde então, o partido mudaria de nome várias vezes. Mas que ninguém duvide: o partido Irmãos da Itália, dirigido por Giorgia Meloni, é sucessor do partido sucessor do partido fundado por Benito Mussolini — e jamais renunciou ao legado de Il Duce.

Quer dizer que a Itália retorna para o fascismo?

Não necessariamente.

O fato de que Giorgia Meloni se encontra hoje às portas do poder tem menos a ver com o neofascismo e mais com a atração que a antipolítica exerce sobre o eleitor italiano. Meloni é somente o caso mais recente de uma grande facção de outsiders radicais e populistas que tem crescido em popularidade na Itália desde os anos 90. De fato, Meloni tem hoje como parceiros de coalizão os líderes das três últimas ondas de antipolítica na Itália: o já ancião Silvio Berlusconi e Matteo Salvini, líder da Liga, outro partido da ultradireita antissistema.

Ter conseguido flanquear uma figura tão extrema quanto Salvini pela direita demonstra as habilidades políticas de Giorgia Meloni. Mas revela ainda mais a propensão do público italiano de votar em quem nunca governou. Meloni, cuja única passagem por um gabinete de governo foi como ministra da Juventude de Berlusconi, entre 2008 e 2011, se descolou da exaustiva guerra interna dos instáveis governos de coalizão dos últimos cinco anos. Com suas credenciais de outsider a salvo, ela é a beneficiária do repúdio crônico que os italianos têm por quem os governa.

Estamos em 2022, e essas coisas não surpreendem ninguém. Com a extrema-direita ascendendo ao poder até na na Suécia e partidos radicais antissistema chegando ao poder em todo o Ocidente, Meloni já não é exceção na tendência internacional. Assim como Marine Le Pen, Meloni soube apresentar em terminologias mais amáveis os temas tradicionais da extrema-direita, como a xenofobia e o nacionalismo fervoroso.

Tudo começou com Silvio Berlusconi, que chegou ao poder em 1994 com slogans antissistema muito parecidos aos ostentados hoje por Meloni. Foi Berlusconi que demonstrou a vigência do populismo na Europa atual. Foi ele que fez da polarização parte central de sua estratégia política e cujo extenso império de televisão e imprensa marcou a pauta para criar uma realidade alternativa com base na pós-verdade. Chamei isso de política dos 3Ps: populismo, polarização e pós-verdade.

Mas ainda que Berlusconi tenha sido o pioneiro, cada geração que se sucedeu de radicais antissistema na Itália colaborou com seu grãozinho de areia para aprofundar os 3Ps. Por isso, a Itália se converteu no maior exemplo da antipolítica europeia, tendência que culmina em seu extremo lógico: o fascismo.

O interessante é Washington e Bruxelas não parecerem estar especialmente alarmados diante da possibilidade da Itália se transformar em uma fonte de instabilidade no coração da Europa. Os líderes americanos e europeus tendem a se consolar pensando que os presidenti del consiglio não duram na Itália. O país teve 69 premiês desde a 2.ª Guerra.

O mundo está acostumado a pensar que os líderes italianos verão suas ambições frustradas por um sistema constitucional que faz tudo demorar, complica tudo e bloqueia tudo. Poucos acreditam que Meloni durará muito — ou que fará muitas mudanças.

E se estiverem errados? E se Giorgia Meloni dizia em voz alta em 1996 o que hoje pensa mas não diz?

É uma pergunta que deve interessar o mundo. As antigas democracias consolidadas da Europa não são tão antigas nem estão tão consolidadas ao ponto de serem capazes de sobreviver ao ataque de forças que desejam secretamente — ou não tão secretamente assim — acabar com elas./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nos últimos tempos na Itália tem circulado um antigo vídeo protagonizado por uma bela jovem dizendo coisas não tão belas. Maquiada em estilo anos 90, ela vira para trás, sentada no assento dianteiro de um automóvel, e responde em francês - com sotaque, mas muito correto - perguntas da TV francesa. “Para mim, Mussolini foi um bom político. Tudo o que ele fez, fez pela Itália, e isso é algo que não se encontra nos políticos que tivemos nos últimos cinquenta anos.”

Essa jovem muito provavelmente será eleita primeira-ministra da Itália no próximo domingo.

Giorgia Meloni não tem mais 19 anos nem fala tão abertamente de sua admiração por Mussolini, mas não se esqueceu a que tradição política pertence. Recordemos que o fascismo nunca foi formalmente expulso da vida política italiana. Na Alemanha, os aliados impuseram um rigoroso programa que excluiu os ex-nazistas do poder permanentemente. Mas na Itália, a partir de 1946, os antigos fascistas puderam se reagrupar sob um novo partido, o “Movimento Social Italiano”.

Giorgia Meloni, líder dos Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia), participa de um comício de campanha eleitoral, em Gênova, Itália, em 14 de setembro de 2022. A Itália realizará eleições antecipadas em 25 de setembro, após a renúncia do primeiro-ministro  Foto: Luca Zennaro/EPA/EFE

Assim continuava a se chamar em 1992, quando Giorgia Meloni, com apenas 15 anos, se juntou à sua ala juvenil. Desde então, o partido mudaria de nome várias vezes. Mas que ninguém duvide: o partido Irmãos da Itália, dirigido por Giorgia Meloni, é sucessor do partido sucessor do partido fundado por Benito Mussolini — e jamais renunciou ao legado de Il Duce.

Quer dizer que a Itália retorna para o fascismo?

Não necessariamente.

O fato de que Giorgia Meloni se encontra hoje às portas do poder tem menos a ver com o neofascismo e mais com a atração que a antipolítica exerce sobre o eleitor italiano. Meloni é somente o caso mais recente de uma grande facção de outsiders radicais e populistas que tem crescido em popularidade na Itália desde os anos 90. De fato, Meloni tem hoje como parceiros de coalizão os líderes das três últimas ondas de antipolítica na Itália: o já ancião Silvio Berlusconi e Matteo Salvini, líder da Liga, outro partido da ultradireita antissistema.

Ter conseguido flanquear uma figura tão extrema quanto Salvini pela direita demonstra as habilidades políticas de Giorgia Meloni. Mas revela ainda mais a propensão do público italiano de votar em quem nunca governou. Meloni, cuja única passagem por um gabinete de governo foi como ministra da Juventude de Berlusconi, entre 2008 e 2011, se descolou da exaustiva guerra interna dos instáveis governos de coalizão dos últimos cinco anos. Com suas credenciais de outsider a salvo, ela é a beneficiária do repúdio crônico que os italianos têm por quem os governa.

Estamos em 2022, e essas coisas não surpreendem ninguém. Com a extrema-direita ascendendo ao poder até na na Suécia e partidos radicais antissistema chegando ao poder em todo o Ocidente, Meloni já não é exceção na tendência internacional. Assim como Marine Le Pen, Meloni soube apresentar em terminologias mais amáveis os temas tradicionais da extrema-direita, como a xenofobia e o nacionalismo fervoroso.

Tudo começou com Silvio Berlusconi, que chegou ao poder em 1994 com slogans antissistema muito parecidos aos ostentados hoje por Meloni. Foi Berlusconi que demonstrou a vigência do populismo na Europa atual. Foi ele que fez da polarização parte central de sua estratégia política e cujo extenso império de televisão e imprensa marcou a pauta para criar uma realidade alternativa com base na pós-verdade. Chamei isso de política dos 3Ps: populismo, polarização e pós-verdade.

Mas ainda que Berlusconi tenha sido o pioneiro, cada geração que se sucedeu de radicais antissistema na Itália colaborou com seu grãozinho de areia para aprofundar os 3Ps. Por isso, a Itália se converteu no maior exemplo da antipolítica europeia, tendência que culmina em seu extremo lógico: o fascismo.

O interessante é Washington e Bruxelas não parecerem estar especialmente alarmados diante da possibilidade da Itália se transformar em uma fonte de instabilidade no coração da Europa. Os líderes americanos e europeus tendem a se consolar pensando que os presidenti del consiglio não duram na Itália. O país teve 69 premiês desde a 2.ª Guerra.

O mundo está acostumado a pensar que os líderes italianos verão suas ambições frustradas por um sistema constitucional que faz tudo demorar, complica tudo e bloqueia tudo. Poucos acreditam que Meloni durará muito — ou que fará muitas mudanças.

E se estiverem errados? E se Giorgia Meloni dizia em voz alta em 1996 o que hoje pensa mas não diz?

É uma pergunta que deve interessar o mundo. As antigas democracias consolidadas da Europa não são tão antigas nem estão tão consolidadas ao ponto de serem capazes de sobreviver ao ataque de forças que desejam secretamente — ou não tão secretamente assim — acabar com elas./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nos últimos tempos na Itália tem circulado um antigo vídeo protagonizado por uma bela jovem dizendo coisas não tão belas. Maquiada em estilo anos 90, ela vira para trás, sentada no assento dianteiro de um automóvel, e responde em francês - com sotaque, mas muito correto - perguntas da TV francesa. “Para mim, Mussolini foi um bom político. Tudo o que ele fez, fez pela Itália, e isso é algo que não se encontra nos políticos que tivemos nos últimos cinquenta anos.”

Essa jovem muito provavelmente será eleita primeira-ministra da Itália no próximo domingo.

Giorgia Meloni não tem mais 19 anos nem fala tão abertamente de sua admiração por Mussolini, mas não se esqueceu a que tradição política pertence. Recordemos que o fascismo nunca foi formalmente expulso da vida política italiana. Na Alemanha, os aliados impuseram um rigoroso programa que excluiu os ex-nazistas do poder permanentemente. Mas na Itália, a partir de 1946, os antigos fascistas puderam se reagrupar sob um novo partido, o “Movimento Social Italiano”.

Giorgia Meloni, líder dos Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia), participa de um comício de campanha eleitoral, em Gênova, Itália, em 14 de setembro de 2022. A Itália realizará eleições antecipadas em 25 de setembro, após a renúncia do primeiro-ministro  Foto: Luca Zennaro/EPA/EFE

Assim continuava a se chamar em 1992, quando Giorgia Meloni, com apenas 15 anos, se juntou à sua ala juvenil. Desde então, o partido mudaria de nome várias vezes. Mas que ninguém duvide: o partido Irmãos da Itália, dirigido por Giorgia Meloni, é sucessor do partido sucessor do partido fundado por Benito Mussolini — e jamais renunciou ao legado de Il Duce.

Quer dizer que a Itália retorna para o fascismo?

Não necessariamente.

O fato de que Giorgia Meloni se encontra hoje às portas do poder tem menos a ver com o neofascismo e mais com a atração que a antipolítica exerce sobre o eleitor italiano. Meloni é somente o caso mais recente de uma grande facção de outsiders radicais e populistas que tem crescido em popularidade na Itália desde os anos 90. De fato, Meloni tem hoje como parceiros de coalizão os líderes das três últimas ondas de antipolítica na Itália: o já ancião Silvio Berlusconi e Matteo Salvini, líder da Liga, outro partido da ultradireita antissistema.

Ter conseguido flanquear uma figura tão extrema quanto Salvini pela direita demonstra as habilidades políticas de Giorgia Meloni. Mas revela ainda mais a propensão do público italiano de votar em quem nunca governou. Meloni, cuja única passagem por um gabinete de governo foi como ministra da Juventude de Berlusconi, entre 2008 e 2011, se descolou da exaustiva guerra interna dos instáveis governos de coalizão dos últimos cinco anos. Com suas credenciais de outsider a salvo, ela é a beneficiária do repúdio crônico que os italianos têm por quem os governa.

Estamos em 2022, e essas coisas não surpreendem ninguém. Com a extrema-direita ascendendo ao poder até na na Suécia e partidos radicais antissistema chegando ao poder em todo o Ocidente, Meloni já não é exceção na tendência internacional. Assim como Marine Le Pen, Meloni soube apresentar em terminologias mais amáveis os temas tradicionais da extrema-direita, como a xenofobia e o nacionalismo fervoroso.

Tudo começou com Silvio Berlusconi, que chegou ao poder em 1994 com slogans antissistema muito parecidos aos ostentados hoje por Meloni. Foi Berlusconi que demonstrou a vigência do populismo na Europa atual. Foi ele que fez da polarização parte central de sua estratégia política e cujo extenso império de televisão e imprensa marcou a pauta para criar uma realidade alternativa com base na pós-verdade. Chamei isso de política dos 3Ps: populismo, polarização e pós-verdade.

Mas ainda que Berlusconi tenha sido o pioneiro, cada geração que se sucedeu de radicais antissistema na Itália colaborou com seu grãozinho de areia para aprofundar os 3Ps. Por isso, a Itália se converteu no maior exemplo da antipolítica europeia, tendência que culmina em seu extremo lógico: o fascismo.

O interessante é Washington e Bruxelas não parecerem estar especialmente alarmados diante da possibilidade da Itália se transformar em uma fonte de instabilidade no coração da Europa. Os líderes americanos e europeus tendem a se consolar pensando que os presidenti del consiglio não duram na Itália. O país teve 69 premiês desde a 2.ª Guerra.

O mundo está acostumado a pensar que os líderes italianos verão suas ambições frustradas por um sistema constitucional que faz tudo demorar, complica tudo e bloqueia tudo. Poucos acreditam que Meloni durará muito — ou que fará muitas mudanças.

E se estiverem errados? E se Giorgia Meloni dizia em voz alta em 1996 o que hoje pensa mas não diz?

É uma pergunta que deve interessar o mundo. As antigas democracias consolidadas da Europa não são tão antigas nem estão tão consolidadas ao ponto de serem capazes de sobreviver ao ataque de forças que desejam secretamente — ou não tão secretamente assim — acabar com elas./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nos últimos tempos na Itália tem circulado um antigo vídeo protagonizado por uma bela jovem dizendo coisas não tão belas. Maquiada em estilo anos 90, ela vira para trás, sentada no assento dianteiro de um automóvel, e responde em francês - com sotaque, mas muito correto - perguntas da TV francesa. “Para mim, Mussolini foi um bom político. Tudo o que ele fez, fez pela Itália, e isso é algo que não se encontra nos políticos que tivemos nos últimos cinquenta anos.”

Essa jovem muito provavelmente será eleita primeira-ministra da Itália no próximo domingo.

Giorgia Meloni não tem mais 19 anos nem fala tão abertamente de sua admiração por Mussolini, mas não se esqueceu a que tradição política pertence. Recordemos que o fascismo nunca foi formalmente expulso da vida política italiana. Na Alemanha, os aliados impuseram um rigoroso programa que excluiu os ex-nazistas do poder permanentemente. Mas na Itália, a partir de 1946, os antigos fascistas puderam se reagrupar sob um novo partido, o “Movimento Social Italiano”.

Giorgia Meloni, líder dos Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia), participa de um comício de campanha eleitoral, em Gênova, Itália, em 14 de setembro de 2022. A Itália realizará eleições antecipadas em 25 de setembro, após a renúncia do primeiro-ministro  Foto: Luca Zennaro/EPA/EFE

Assim continuava a se chamar em 1992, quando Giorgia Meloni, com apenas 15 anos, se juntou à sua ala juvenil. Desde então, o partido mudaria de nome várias vezes. Mas que ninguém duvide: o partido Irmãos da Itália, dirigido por Giorgia Meloni, é sucessor do partido sucessor do partido fundado por Benito Mussolini — e jamais renunciou ao legado de Il Duce.

Quer dizer que a Itália retorna para o fascismo?

Não necessariamente.

O fato de que Giorgia Meloni se encontra hoje às portas do poder tem menos a ver com o neofascismo e mais com a atração que a antipolítica exerce sobre o eleitor italiano. Meloni é somente o caso mais recente de uma grande facção de outsiders radicais e populistas que tem crescido em popularidade na Itália desde os anos 90. De fato, Meloni tem hoje como parceiros de coalizão os líderes das três últimas ondas de antipolítica na Itália: o já ancião Silvio Berlusconi e Matteo Salvini, líder da Liga, outro partido da ultradireita antissistema.

Ter conseguido flanquear uma figura tão extrema quanto Salvini pela direita demonstra as habilidades políticas de Giorgia Meloni. Mas revela ainda mais a propensão do público italiano de votar em quem nunca governou. Meloni, cuja única passagem por um gabinete de governo foi como ministra da Juventude de Berlusconi, entre 2008 e 2011, se descolou da exaustiva guerra interna dos instáveis governos de coalizão dos últimos cinco anos. Com suas credenciais de outsider a salvo, ela é a beneficiária do repúdio crônico que os italianos têm por quem os governa.

Estamos em 2022, e essas coisas não surpreendem ninguém. Com a extrema-direita ascendendo ao poder até na na Suécia e partidos radicais antissistema chegando ao poder em todo o Ocidente, Meloni já não é exceção na tendência internacional. Assim como Marine Le Pen, Meloni soube apresentar em terminologias mais amáveis os temas tradicionais da extrema-direita, como a xenofobia e o nacionalismo fervoroso.

Tudo começou com Silvio Berlusconi, que chegou ao poder em 1994 com slogans antissistema muito parecidos aos ostentados hoje por Meloni. Foi Berlusconi que demonstrou a vigência do populismo na Europa atual. Foi ele que fez da polarização parte central de sua estratégia política e cujo extenso império de televisão e imprensa marcou a pauta para criar uma realidade alternativa com base na pós-verdade. Chamei isso de política dos 3Ps: populismo, polarização e pós-verdade.

Mas ainda que Berlusconi tenha sido o pioneiro, cada geração que se sucedeu de radicais antissistema na Itália colaborou com seu grãozinho de areia para aprofundar os 3Ps. Por isso, a Itália se converteu no maior exemplo da antipolítica europeia, tendência que culmina em seu extremo lógico: o fascismo.

O interessante é Washington e Bruxelas não parecerem estar especialmente alarmados diante da possibilidade da Itália se transformar em uma fonte de instabilidade no coração da Europa. Os líderes americanos e europeus tendem a se consolar pensando que os presidenti del consiglio não duram na Itália. O país teve 69 premiês desde a 2.ª Guerra.

O mundo está acostumado a pensar que os líderes italianos verão suas ambições frustradas por um sistema constitucional que faz tudo demorar, complica tudo e bloqueia tudo. Poucos acreditam que Meloni durará muito — ou que fará muitas mudanças.

E se estiverem errados? E se Giorgia Meloni dizia em voz alta em 1996 o que hoje pensa mas não diz?

É uma pergunta que deve interessar o mundo. As antigas democracias consolidadas da Europa não são tão antigas nem estão tão consolidadas ao ponto de serem capazes de sobreviver ao ataque de forças que desejam secretamente — ou não tão secretamente assim — acabar com elas./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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