É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment. Escreve quinzenalmente

Opinião|Mundo perdeu a capacidade de derrubar ditaduras; leia coluna de Moisés Naím


É um tema cuja urgência fez-se impossível de ignorar desde a criminosa invasão que o ditador russo lançou contra o vizinho democrático em sua fronteira

Por Moisés Naim
Atualização:

Um dos grandes debates do nosso tempo é como tratar os ditadores. Em dezenas de países há um choque frontal entre os que somente aceitam a saída incondicional e o eventual processo judicial e condenação do ditador e seus sequazes e os dispostos a aceitar horríveis concessões com objetivo de estabelecer uma democracia.

É um tema cuja urgência fez-se impossível de ignorar desde a criminosa invasão que o ditador russo lançou contra o vizinho democrático em sua fronteira.

Mas não é apenas um problema russo: dos campos de concentração que o governo chinês mantém em Xinjiang ao férreo controle sobre a dissidência que Teodoro Obiang mantém desde 1979 sobre a Guiné Equatorial, no mundo de hoje governam ao menos 39 ditadores (sem contar os 8 reis, emires e sultões que governam unipessoalmente).

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Desses 39 ditadores hoje no poder, 20 exercem seu poder irrestrito na África, outros 14 na Ásia, 3 na América Latina e 2 na Europa. Três ditadores comandam arsenais nucleares — Vladimir Putin, Xi Jinping e Kim Jong-un. Outros tiranizam países de grande peso geoestratégico, como Egito, Cuba e Vietnã. E entre eles se encontram os chefes de muitos dos países mais pobres do mundo: Burundi, Laos, Nicarágua e muitos outros mais, cuja miséria se deriva, em muitos casos, da liderança incompetente e corrupta do ditador.

O presidente russo, Vladimir Putin, participa de uma reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, em Pequim, China Foto: Aleksey Druzhinin/ REUTERS

Exílio

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Sair de um ditador hoje é muito mais difícil do que era um par de gerações atrás. A solução clássica era o exílio. Figuras como Idi Amin, em Uganda, ou Baby Doc Duvalier, no Haiti, souberam que, chegado o momento, poderiam se eximir de suas responsabilidades embarcando discretamente num avião com malas cheias de dinheiro e aposentando-se em uma luxuosa mansão, preferivelmente no sul da França. Coisas assim já não ocorrem.

Em 10 de outubro de 1998, o general Augusto Pinochet foi preso em nome da jurisdição universal durante uma estadia em Londres, por acusações de genocídio e tortura durante seu regime (1973-1990). Ainda que tenha sido finalmente liberado por razões de saúde e regressado ao Chile, sua prisão marcou o princípio do fim do exílio como solução para extirpar ditadores entrincheirados no poder. Anos depois, em 2006, o ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic morreria em uma cela em Haia enquanto esperava o veredicto de seu julgamento internacional por crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra.

As intenções sem dúvida foram muito boas, mas as consequências dessas decisões seguem reverberando até o dia de hoje. Ao aumentar substancialmente o custo para um ditador de entregar seu poder, esses casos paradoxalmente entorpeceram todas as tentativas posteriores de remover algum ditador.

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Quando a alternativa ao poder absoluto é morrer na cadeia e perder o acesso às enormes fortunas que os ditadores, suas famílias e seus testas de ferro acumularam, não deve surpreender que os tiranos se aferrem ao poder por qualquer meio. Em parte por isso, o processo que sucedeu em alguns países onde os ditadores desejavam o poder nas mãos de líderes democráticos agora ocorre muito pouco.

Dos últimos cinco países a se desfazer de seus ditadores, apenas um — a Armênia — parece ter tido certo êxito mudando de caminho para a democracia. Os demais viram seu processo de democratização retroceder (Tunísia) ou colapsar (Mianmar, Egito), ou degenerar-se em uma guerra civil (Sudão). Neste último caso há uma guerra aberta entre facções militares que transcorre enquanto o ex-ditador Omar Bashir se encontra na prisão, aguardando um julgamento que poderia lhe levar à pena de morte.

Um caminhão com estudantes universitários, mobilizados como parte de uma grande campanha de recrutamento do Exército sudanês, segue para um campo de treinamento nos arredores da capital Foto: Corinne Dufka/ REUTERS
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São raros os casos nos quais protestos de rua combinados com apoio das forças armadas e partes da comunidade internacional conseguem desalojar o antigo ditador. E isso acontece com frequência cada vez menor. Muito mais comum é a experiência de países como Belarus, Camarões, Cuba, Hong Kong, Irã, Tailândia ou Nicarágua, onde amplos movimentos de protestos foram derrotados por seus ditadores, na maioria dos casos brutalmente, por meio da violência e da repressão.

O mundo perdeu a capacidade de erradicar do poder seus ditadores. A falta de opções atraentes e riscos toleráveis que resultam da perda do poder os levou a redobrar seus esforços em repelir as tentativas de retirá-los. Assim, os ditadores hoje são derrubados com menos frequência do que ontem e, quando se vão, deixam um caos difícil de governar.

O mundo tem de voltar a aprender a arte e a ciência de sair de um ditador. Ou preparar-se para que o tipo mais comum de governo no mundo atual seja a ditadura ou a anarquia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um dos grandes debates do nosso tempo é como tratar os ditadores. Em dezenas de países há um choque frontal entre os que somente aceitam a saída incondicional e o eventual processo judicial e condenação do ditador e seus sequazes e os dispostos a aceitar horríveis concessões com objetivo de estabelecer uma democracia.

É um tema cuja urgência fez-se impossível de ignorar desde a criminosa invasão que o ditador russo lançou contra o vizinho democrático em sua fronteira.

Mas não é apenas um problema russo: dos campos de concentração que o governo chinês mantém em Xinjiang ao férreo controle sobre a dissidência que Teodoro Obiang mantém desde 1979 sobre a Guiné Equatorial, no mundo de hoje governam ao menos 39 ditadores (sem contar os 8 reis, emires e sultões que governam unipessoalmente).

Desses 39 ditadores hoje no poder, 20 exercem seu poder irrestrito na África, outros 14 na Ásia, 3 na América Latina e 2 na Europa. Três ditadores comandam arsenais nucleares — Vladimir Putin, Xi Jinping e Kim Jong-un. Outros tiranizam países de grande peso geoestratégico, como Egito, Cuba e Vietnã. E entre eles se encontram os chefes de muitos dos países mais pobres do mundo: Burundi, Laos, Nicarágua e muitos outros mais, cuja miséria se deriva, em muitos casos, da liderança incompetente e corrupta do ditador.

O presidente russo, Vladimir Putin, participa de uma reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, em Pequim, China Foto: Aleksey Druzhinin/ REUTERS

Exílio

Sair de um ditador hoje é muito mais difícil do que era um par de gerações atrás. A solução clássica era o exílio. Figuras como Idi Amin, em Uganda, ou Baby Doc Duvalier, no Haiti, souberam que, chegado o momento, poderiam se eximir de suas responsabilidades embarcando discretamente num avião com malas cheias de dinheiro e aposentando-se em uma luxuosa mansão, preferivelmente no sul da França. Coisas assim já não ocorrem.

Em 10 de outubro de 1998, o general Augusto Pinochet foi preso em nome da jurisdição universal durante uma estadia em Londres, por acusações de genocídio e tortura durante seu regime (1973-1990). Ainda que tenha sido finalmente liberado por razões de saúde e regressado ao Chile, sua prisão marcou o princípio do fim do exílio como solução para extirpar ditadores entrincheirados no poder. Anos depois, em 2006, o ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic morreria em uma cela em Haia enquanto esperava o veredicto de seu julgamento internacional por crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra.

As intenções sem dúvida foram muito boas, mas as consequências dessas decisões seguem reverberando até o dia de hoje. Ao aumentar substancialmente o custo para um ditador de entregar seu poder, esses casos paradoxalmente entorpeceram todas as tentativas posteriores de remover algum ditador.

Quando a alternativa ao poder absoluto é morrer na cadeia e perder o acesso às enormes fortunas que os ditadores, suas famílias e seus testas de ferro acumularam, não deve surpreender que os tiranos se aferrem ao poder por qualquer meio. Em parte por isso, o processo que sucedeu em alguns países onde os ditadores desejavam o poder nas mãos de líderes democráticos agora ocorre muito pouco.

Dos últimos cinco países a se desfazer de seus ditadores, apenas um — a Armênia — parece ter tido certo êxito mudando de caminho para a democracia. Os demais viram seu processo de democratização retroceder (Tunísia) ou colapsar (Mianmar, Egito), ou degenerar-se em uma guerra civil (Sudão). Neste último caso há uma guerra aberta entre facções militares que transcorre enquanto o ex-ditador Omar Bashir se encontra na prisão, aguardando um julgamento que poderia lhe levar à pena de morte.

Um caminhão com estudantes universitários, mobilizados como parte de uma grande campanha de recrutamento do Exército sudanês, segue para um campo de treinamento nos arredores da capital Foto: Corinne Dufka/ REUTERS

São raros os casos nos quais protestos de rua combinados com apoio das forças armadas e partes da comunidade internacional conseguem desalojar o antigo ditador. E isso acontece com frequência cada vez menor. Muito mais comum é a experiência de países como Belarus, Camarões, Cuba, Hong Kong, Irã, Tailândia ou Nicarágua, onde amplos movimentos de protestos foram derrotados por seus ditadores, na maioria dos casos brutalmente, por meio da violência e da repressão.

O mundo perdeu a capacidade de erradicar do poder seus ditadores. A falta de opções atraentes e riscos toleráveis que resultam da perda do poder os levou a redobrar seus esforços em repelir as tentativas de retirá-los. Assim, os ditadores hoje são derrubados com menos frequência do que ontem e, quando se vão, deixam um caos difícil de governar.

O mundo tem de voltar a aprender a arte e a ciência de sair de um ditador. Ou preparar-se para que o tipo mais comum de governo no mundo atual seja a ditadura ou a anarquia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um dos grandes debates do nosso tempo é como tratar os ditadores. Em dezenas de países há um choque frontal entre os que somente aceitam a saída incondicional e o eventual processo judicial e condenação do ditador e seus sequazes e os dispostos a aceitar horríveis concessões com objetivo de estabelecer uma democracia.

É um tema cuja urgência fez-se impossível de ignorar desde a criminosa invasão que o ditador russo lançou contra o vizinho democrático em sua fronteira.

Mas não é apenas um problema russo: dos campos de concentração que o governo chinês mantém em Xinjiang ao férreo controle sobre a dissidência que Teodoro Obiang mantém desde 1979 sobre a Guiné Equatorial, no mundo de hoje governam ao menos 39 ditadores (sem contar os 8 reis, emires e sultões que governam unipessoalmente).

Desses 39 ditadores hoje no poder, 20 exercem seu poder irrestrito na África, outros 14 na Ásia, 3 na América Latina e 2 na Europa. Três ditadores comandam arsenais nucleares — Vladimir Putin, Xi Jinping e Kim Jong-un. Outros tiranizam países de grande peso geoestratégico, como Egito, Cuba e Vietnã. E entre eles se encontram os chefes de muitos dos países mais pobres do mundo: Burundi, Laos, Nicarágua e muitos outros mais, cuja miséria se deriva, em muitos casos, da liderança incompetente e corrupta do ditador.

O presidente russo, Vladimir Putin, participa de uma reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, em Pequim, China Foto: Aleksey Druzhinin/ REUTERS

Exílio

Sair de um ditador hoje é muito mais difícil do que era um par de gerações atrás. A solução clássica era o exílio. Figuras como Idi Amin, em Uganda, ou Baby Doc Duvalier, no Haiti, souberam que, chegado o momento, poderiam se eximir de suas responsabilidades embarcando discretamente num avião com malas cheias de dinheiro e aposentando-se em uma luxuosa mansão, preferivelmente no sul da França. Coisas assim já não ocorrem.

Em 10 de outubro de 1998, o general Augusto Pinochet foi preso em nome da jurisdição universal durante uma estadia em Londres, por acusações de genocídio e tortura durante seu regime (1973-1990). Ainda que tenha sido finalmente liberado por razões de saúde e regressado ao Chile, sua prisão marcou o princípio do fim do exílio como solução para extirpar ditadores entrincheirados no poder. Anos depois, em 2006, o ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic morreria em uma cela em Haia enquanto esperava o veredicto de seu julgamento internacional por crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra.

As intenções sem dúvida foram muito boas, mas as consequências dessas decisões seguem reverberando até o dia de hoje. Ao aumentar substancialmente o custo para um ditador de entregar seu poder, esses casos paradoxalmente entorpeceram todas as tentativas posteriores de remover algum ditador.

Quando a alternativa ao poder absoluto é morrer na cadeia e perder o acesso às enormes fortunas que os ditadores, suas famílias e seus testas de ferro acumularam, não deve surpreender que os tiranos se aferrem ao poder por qualquer meio. Em parte por isso, o processo que sucedeu em alguns países onde os ditadores desejavam o poder nas mãos de líderes democráticos agora ocorre muito pouco.

Dos últimos cinco países a se desfazer de seus ditadores, apenas um — a Armênia — parece ter tido certo êxito mudando de caminho para a democracia. Os demais viram seu processo de democratização retroceder (Tunísia) ou colapsar (Mianmar, Egito), ou degenerar-se em uma guerra civil (Sudão). Neste último caso há uma guerra aberta entre facções militares que transcorre enquanto o ex-ditador Omar Bashir se encontra na prisão, aguardando um julgamento que poderia lhe levar à pena de morte.

Um caminhão com estudantes universitários, mobilizados como parte de uma grande campanha de recrutamento do Exército sudanês, segue para um campo de treinamento nos arredores da capital Foto: Corinne Dufka/ REUTERS

São raros os casos nos quais protestos de rua combinados com apoio das forças armadas e partes da comunidade internacional conseguem desalojar o antigo ditador. E isso acontece com frequência cada vez menor. Muito mais comum é a experiência de países como Belarus, Camarões, Cuba, Hong Kong, Irã, Tailândia ou Nicarágua, onde amplos movimentos de protestos foram derrotados por seus ditadores, na maioria dos casos brutalmente, por meio da violência e da repressão.

O mundo perdeu a capacidade de erradicar do poder seus ditadores. A falta de opções atraentes e riscos toleráveis que resultam da perda do poder os levou a redobrar seus esforços em repelir as tentativas de retirá-los. Assim, os ditadores hoje são derrubados com menos frequência do que ontem e, quando se vão, deixam um caos difícil de governar.

O mundo tem de voltar a aprender a arte e a ciência de sair de um ditador. Ou preparar-se para que o tipo mais comum de governo no mundo atual seja a ditadura ou a anarquia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um dos grandes debates do nosso tempo é como tratar os ditadores. Em dezenas de países há um choque frontal entre os que somente aceitam a saída incondicional e o eventual processo judicial e condenação do ditador e seus sequazes e os dispostos a aceitar horríveis concessões com objetivo de estabelecer uma democracia.

É um tema cuja urgência fez-se impossível de ignorar desde a criminosa invasão que o ditador russo lançou contra o vizinho democrático em sua fronteira.

Mas não é apenas um problema russo: dos campos de concentração que o governo chinês mantém em Xinjiang ao férreo controle sobre a dissidência que Teodoro Obiang mantém desde 1979 sobre a Guiné Equatorial, no mundo de hoje governam ao menos 39 ditadores (sem contar os 8 reis, emires e sultões que governam unipessoalmente).

Desses 39 ditadores hoje no poder, 20 exercem seu poder irrestrito na África, outros 14 na Ásia, 3 na América Latina e 2 na Europa. Três ditadores comandam arsenais nucleares — Vladimir Putin, Xi Jinping e Kim Jong-un. Outros tiranizam países de grande peso geoestratégico, como Egito, Cuba e Vietnã. E entre eles se encontram os chefes de muitos dos países mais pobres do mundo: Burundi, Laos, Nicarágua e muitos outros mais, cuja miséria se deriva, em muitos casos, da liderança incompetente e corrupta do ditador.

O presidente russo, Vladimir Putin, participa de uma reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, em Pequim, China Foto: Aleksey Druzhinin/ REUTERS

Exílio

Sair de um ditador hoje é muito mais difícil do que era um par de gerações atrás. A solução clássica era o exílio. Figuras como Idi Amin, em Uganda, ou Baby Doc Duvalier, no Haiti, souberam que, chegado o momento, poderiam se eximir de suas responsabilidades embarcando discretamente num avião com malas cheias de dinheiro e aposentando-se em uma luxuosa mansão, preferivelmente no sul da França. Coisas assim já não ocorrem.

Em 10 de outubro de 1998, o general Augusto Pinochet foi preso em nome da jurisdição universal durante uma estadia em Londres, por acusações de genocídio e tortura durante seu regime (1973-1990). Ainda que tenha sido finalmente liberado por razões de saúde e regressado ao Chile, sua prisão marcou o princípio do fim do exílio como solução para extirpar ditadores entrincheirados no poder. Anos depois, em 2006, o ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic morreria em uma cela em Haia enquanto esperava o veredicto de seu julgamento internacional por crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra.

As intenções sem dúvida foram muito boas, mas as consequências dessas decisões seguem reverberando até o dia de hoje. Ao aumentar substancialmente o custo para um ditador de entregar seu poder, esses casos paradoxalmente entorpeceram todas as tentativas posteriores de remover algum ditador.

Quando a alternativa ao poder absoluto é morrer na cadeia e perder o acesso às enormes fortunas que os ditadores, suas famílias e seus testas de ferro acumularam, não deve surpreender que os tiranos se aferrem ao poder por qualquer meio. Em parte por isso, o processo que sucedeu em alguns países onde os ditadores desejavam o poder nas mãos de líderes democráticos agora ocorre muito pouco.

Dos últimos cinco países a se desfazer de seus ditadores, apenas um — a Armênia — parece ter tido certo êxito mudando de caminho para a democracia. Os demais viram seu processo de democratização retroceder (Tunísia) ou colapsar (Mianmar, Egito), ou degenerar-se em uma guerra civil (Sudão). Neste último caso há uma guerra aberta entre facções militares que transcorre enquanto o ex-ditador Omar Bashir se encontra na prisão, aguardando um julgamento que poderia lhe levar à pena de morte.

Um caminhão com estudantes universitários, mobilizados como parte de uma grande campanha de recrutamento do Exército sudanês, segue para um campo de treinamento nos arredores da capital Foto: Corinne Dufka/ REUTERS

São raros os casos nos quais protestos de rua combinados com apoio das forças armadas e partes da comunidade internacional conseguem desalojar o antigo ditador. E isso acontece com frequência cada vez menor. Muito mais comum é a experiência de países como Belarus, Camarões, Cuba, Hong Kong, Irã, Tailândia ou Nicarágua, onde amplos movimentos de protestos foram derrotados por seus ditadores, na maioria dos casos brutalmente, por meio da violência e da repressão.

O mundo perdeu a capacidade de erradicar do poder seus ditadores. A falta de opções atraentes e riscos toleráveis que resultam da perda do poder os levou a redobrar seus esforços em repelir as tentativas de retirá-los. Assim, os ditadores hoje são derrubados com menos frequência do que ontem e, quando se vão, deixam um caos difícil de governar.

O mundo tem de voltar a aprender a arte e a ciência de sair de um ditador. Ou preparar-se para que o tipo mais comum de governo no mundo atual seja a ditadura ou a anarquia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um dos grandes debates do nosso tempo é como tratar os ditadores. Em dezenas de países há um choque frontal entre os que somente aceitam a saída incondicional e o eventual processo judicial e condenação do ditador e seus sequazes e os dispostos a aceitar horríveis concessões com objetivo de estabelecer uma democracia.

É um tema cuja urgência fez-se impossível de ignorar desde a criminosa invasão que o ditador russo lançou contra o vizinho democrático em sua fronteira.

Mas não é apenas um problema russo: dos campos de concentração que o governo chinês mantém em Xinjiang ao férreo controle sobre a dissidência que Teodoro Obiang mantém desde 1979 sobre a Guiné Equatorial, no mundo de hoje governam ao menos 39 ditadores (sem contar os 8 reis, emires e sultões que governam unipessoalmente).

Desses 39 ditadores hoje no poder, 20 exercem seu poder irrestrito na África, outros 14 na Ásia, 3 na América Latina e 2 na Europa. Três ditadores comandam arsenais nucleares — Vladimir Putin, Xi Jinping e Kim Jong-un. Outros tiranizam países de grande peso geoestratégico, como Egito, Cuba e Vietnã. E entre eles se encontram os chefes de muitos dos países mais pobres do mundo: Burundi, Laos, Nicarágua e muitos outros mais, cuja miséria se deriva, em muitos casos, da liderança incompetente e corrupta do ditador.

O presidente russo, Vladimir Putin, participa de uma reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, em Pequim, China Foto: Aleksey Druzhinin/ REUTERS

Exílio

Sair de um ditador hoje é muito mais difícil do que era um par de gerações atrás. A solução clássica era o exílio. Figuras como Idi Amin, em Uganda, ou Baby Doc Duvalier, no Haiti, souberam que, chegado o momento, poderiam se eximir de suas responsabilidades embarcando discretamente num avião com malas cheias de dinheiro e aposentando-se em uma luxuosa mansão, preferivelmente no sul da França. Coisas assim já não ocorrem.

Em 10 de outubro de 1998, o general Augusto Pinochet foi preso em nome da jurisdição universal durante uma estadia em Londres, por acusações de genocídio e tortura durante seu regime (1973-1990). Ainda que tenha sido finalmente liberado por razões de saúde e regressado ao Chile, sua prisão marcou o princípio do fim do exílio como solução para extirpar ditadores entrincheirados no poder. Anos depois, em 2006, o ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic morreria em uma cela em Haia enquanto esperava o veredicto de seu julgamento internacional por crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra.

As intenções sem dúvida foram muito boas, mas as consequências dessas decisões seguem reverberando até o dia de hoje. Ao aumentar substancialmente o custo para um ditador de entregar seu poder, esses casos paradoxalmente entorpeceram todas as tentativas posteriores de remover algum ditador.

Quando a alternativa ao poder absoluto é morrer na cadeia e perder o acesso às enormes fortunas que os ditadores, suas famílias e seus testas de ferro acumularam, não deve surpreender que os tiranos se aferrem ao poder por qualquer meio. Em parte por isso, o processo que sucedeu em alguns países onde os ditadores desejavam o poder nas mãos de líderes democráticos agora ocorre muito pouco.

Dos últimos cinco países a se desfazer de seus ditadores, apenas um — a Armênia — parece ter tido certo êxito mudando de caminho para a democracia. Os demais viram seu processo de democratização retroceder (Tunísia) ou colapsar (Mianmar, Egito), ou degenerar-se em uma guerra civil (Sudão). Neste último caso há uma guerra aberta entre facções militares que transcorre enquanto o ex-ditador Omar Bashir se encontra na prisão, aguardando um julgamento que poderia lhe levar à pena de morte.

Um caminhão com estudantes universitários, mobilizados como parte de uma grande campanha de recrutamento do Exército sudanês, segue para um campo de treinamento nos arredores da capital Foto: Corinne Dufka/ REUTERS

São raros os casos nos quais protestos de rua combinados com apoio das forças armadas e partes da comunidade internacional conseguem desalojar o antigo ditador. E isso acontece com frequência cada vez menor. Muito mais comum é a experiência de países como Belarus, Camarões, Cuba, Hong Kong, Irã, Tailândia ou Nicarágua, onde amplos movimentos de protestos foram derrotados por seus ditadores, na maioria dos casos brutalmente, por meio da violência e da repressão.

O mundo perdeu a capacidade de erradicar do poder seus ditadores. A falta de opções atraentes e riscos toleráveis que resultam da perda do poder os levou a redobrar seus esforços em repelir as tentativas de retirá-los. Assim, os ditadores hoje são derrubados com menos frequência do que ontem e, quando se vão, deixam um caos difícil de governar.

O mundo tem de voltar a aprender a arte e a ciência de sair de um ditador. Ou preparar-se para que o tipo mais comum de governo no mundo atual seja a ditadura ou a anarquia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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