É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment. Escreve quinzenalmente

Opinião|Os principais riscos políticos que tiram o sono do mercado


Turbulência é alimentada pelos protestos, que se espalharam por 83 países no último ano

Por Moisés Naim
Atualização:

Todos estamos preocupados. Mas as preocupações da sra. Buch deveriam nos deixar ainda mais. Afinal de contas, esta alta funcionária do Banco Central Europeu foi recentemente encarregada da tarefa muito delicada de regular os bancos e outras entidades financeiras no continente. Como sabemos, de vez em quando surge uma crise econômica, fazendo com que muitos percam as suas poupanças e forçando bancos e governos a tomar medidas altamente impopulares. Embora o foco da sra. Buch e da supervisão bancária da sua equipe esteja na Europa, o sistema financeiro internacional está tão interligado que as decisões dos reguladores europeus afetarão os bancos em todo o mundo. E seus clientes.

Há alguns dias, em seu primeiro discurso público, Claudia Buch alertou que os bancos não são imunes a “acontecimentos inesperados” e novos riscos: “Muitas das questões que dominam hoje as manchetes eram inconcebíveis uma década atrás”. A funcionária insistiu que “há uma grande incerteza quanto ao impacto que os conflitos geopolíticos, as alterações climáticas, as tendências demográficas e a digitalização surtirão — e que já nos obrigam a mudar a maneira como produzimos e consumimos”.

O que fazer? “Complacência não é uma opção”, disse Buch, acrescentando que “nós vivemos em tempos de incerteza. Mas resignação ou medo não são bons guias para lidar com a incerteza”.

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Tem razão. Mas mesmo que complacência possa ser uma tentação para políticos, banqueiros ou empresários, não é para as centenas de milhares de pessoas que todos os dias, em alguma cidade do mundo, saem às ruas para protestar, bloquear avenidas e estradas, “ocupar " espaços públicos e privados. Protestos de rua sempre existiram, mas têm se tornado cada vez mais frequentes e as suas motivações têm sido mais variadas. Sabemos disso graças a Thomas Carothers e Brendan Hartnett, pesquisadores do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, um instituto de análise com sede em Washington (e a organização à qual pertenço).

Em Senegal, manifestantes entram em confronto com a polícia após eleição ser adiada, Dakar, 9 de fevereiro de 2024.  Foto: REUTERS/Zohra Bensemra

Carothers e Hartnett desenvolveram um rigoroso sistema de coleta de dados que “rastreia” e documenta protestos populares em todo o mundo. Desta maneira, nos informam que 2023, o último ano para o qual existem dados disponíveis, foi particularmente chocante: “(…) novos protestos surgiram em 83 países, da China à República Democrática do Congo, do Iraque à Macedônia do Norte. Sete países que não tinham registrado protestos significativos nos últimos cinco anos entraram no grupo em 2023: Dinamarca, Polinésia Francesa, Moçambique, Noruega, Irlanda, Suriname e Suécia. Além disso, o rastreador de protestos revela que não só o número de países onde as pessoas vão às ruas e praças aumentou, mas as razões pelas quais elas protestam são mais diversas.

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Algumas das maiores manifestações foram em defesa da democracia. Especificamente em reação a mudanças no sistema judicial e alterações no sistema eleitoral que visam a concentrar o poder em chefes de governo e seus aliados. Em 2023, vimos manipulações antidemocráticas desse tipo na Polônia, em Israel, na Nigéria, em Moçambique e em outras partes. Uma surpresa ocorreu na Guatemala, onde uma nova coligação de grupos sociais e indígenas conseguiu garantir que Bernardo Arévalo, o vencedor das eleições, pudesse assumir controle do governo apesar dos esforços dos seus adversários para impedi-lo.

Mas não foi somente a política. A economia e suas consequências sociais também alimentaram protestos. A inflação foi o denominador comum do ativismo de rua no Paquistão, em Portugal e na Eslovênia. No Gana e na Nigéria, a escassez de produtos básicos tornou-se fonte intensa de conflito social.

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A má qualidade dos serviços públicos costuma ser gatilho de protestos populares. Carothers e Hartnett relatam como exemplo que, em 2023, mais de uma centena de manifestações motivadas pela má qualidade do serviço de fornecimento de eletricidade ocorreram na África do Sul. Outra motivação importante para protestos dos cidadãos é o aumento da criminalidade, da insegurança pessoal e da proliferação de gangues armadas e violentas que traficam drogas e pessoas, além de extorquir indivíduos e empresas. As deficiências nos serviços de saúde e educação, nos transportes e na limpeza urbana, e a má qualidade das obras públicas contribuem para a crescente frustração dos cidadãos. O resultado, em nível global, é o mesmo: sociedades expostas a ondas de instabilidade crescentes.

Nossa era pende entre os riscos das altas finanças que preocupam líderes como Claudia Buch e os redemoinhos de rua que sacodem cada vez mais cidades em todo o mundo. A turbulência que nos envolve vem ao mesmo tempo de cima e de baixo e configura uma realidade nova, inédita e incerta, cujas consequências acabamos de começar a conhecer. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Todos estamos preocupados. Mas as preocupações da sra. Buch deveriam nos deixar ainda mais. Afinal de contas, esta alta funcionária do Banco Central Europeu foi recentemente encarregada da tarefa muito delicada de regular os bancos e outras entidades financeiras no continente. Como sabemos, de vez em quando surge uma crise econômica, fazendo com que muitos percam as suas poupanças e forçando bancos e governos a tomar medidas altamente impopulares. Embora o foco da sra. Buch e da supervisão bancária da sua equipe esteja na Europa, o sistema financeiro internacional está tão interligado que as decisões dos reguladores europeus afetarão os bancos em todo o mundo. E seus clientes.

Há alguns dias, em seu primeiro discurso público, Claudia Buch alertou que os bancos não são imunes a “acontecimentos inesperados” e novos riscos: “Muitas das questões que dominam hoje as manchetes eram inconcebíveis uma década atrás”. A funcionária insistiu que “há uma grande incerteza quanto ao impacto que os conflitos geopolíticos, as alterações climáticas, as tendências demográficas e a digitalização surtirão — e que já nos obrigam a mudar a maneira como produzimos e consumimos”.

O que fazer? “Complacência não é uma opção”, disse Buch, acrescentando que “nós vivemos em tempos de incerteza. Mas resignação ou medo não são bons guias para lidar com a incerteza”.

Tem razão. Mas mesmo que complacência possa ser uma tentação para políticos, banqueiros ou empresários, não é para as centenas de milhares de pessoas que todos os dias, em alguma cidade do mundo, saem às ruas para protestar, bloquear avenidas e estradas, “ocupar " espaços públicos e privados. Protestos de rua sempre existiram, mas têm se tornado cada vez mais frequentes e as suas motivações têm sido mais variadas. Sabemos disso graças a Thomas Carothers e Brendan Hartnett, pesquisadores do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, um instituto de análise com sede em Washington (e a organização à qual pertenço).

Em Senegal, manifestantes entram em confronto com a polícia após eleição ser adiada, Dakar, 9 de fevereiro de 2024.  Foto: REUTERS/Zohra Bensemra

Carothers e Hartnett desenvolveram um rigoroso sistema de coleta de dados que “rastreia” e documenta protestos populares em todo o mundo. Desta maneira, nos informam que 2023, o último ano para o qual existem dados disponíveis, foi particularmente chocante: “(…) novos protestos surgiram em 83 países, da China à República Democrática do Congo, do Iraque à Macedônia do Norte. Sete países que não tinham registrado protestos significativos nos últimos cinco anos entraram no grupo em 2023: Dinamarca, Polinésia Francesa, Moçambique, Noruega, Irlanda, Suriname e Suécia. Além disso, o rastreador de protestos revela que não só o número de países onde as pessoas vão às ruas e praças aumentou, mas as razões pelas quais elas protestam são mais diversas.

Algumas das maiores manifestações foram em defesa da democracia. Especificamente em reação a mudanças no sistema judicial e alterações no sistema eleitoral que visam a concentrar o poder em chefes de governo e seus aliados. Em 2023, vimos manipulações antidemocráticas desse tipo na Polônia, em Israel, na Nigéria, em Moçambique e em outras partes. Uma surpresa ocorreu na Guatemala, onde uma nova coligação de grupos sociais e indígenas conseguiu garantir que Bernardo Arévalo, o vencedor das eleições, pudesse assumir controle do governo apesar dos esforços dos seus adversários para impedi-lo.

Mas não foi somente a política. A economia e suas consequências sociais também alimentaram protestos. A inflação foi o denominador comum do ativismo de rua no Paquistão, em Portugal e na Eslovênia. No Gana e na Nigéria, a escassez de produtos básicos tornou-se fonte intensa de conflito social.

A má qualidade dos serviços públicos costuma ser gatilho de protestos populares. Carothers e Hartnett relatam como exemplo que, em 2023, mais de uma centena de manifestações motivadas pela má qualidade do serviço de fornecimento de eletricidade ocorreram na África do Sul. Outra motivação importante para protestos dos cidadãos é o aumento da criminalidade, da insegurança pessoal e da proliferação de gangues armadas e violentas que traficam drogas e pessoas, além de extorquir indivíduos e empresas. As deficiências nos serviços de saúde e educação, nos transportes e na limpeza urbana, e a má qualidade das obras públicas contribuem para a crescente frustração dos cidadãos. O resultado, em nível global, é o mesmo: sociedades expostas a ondas de instabilidade crescentes.

Nossa era pende entre os riscos das altas finanças que preocupam líderes como Claudia Buch e os redemoinhos de rua que sacodem cada vez mais cidades em todo o mundo. A turbulência que nos envolve vem ao mesmo tempo de cima e de baixo e configura uma realidade nova, inédita e incerta, cujas consequências acabamos de começar a conhecer. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Todos estamos preocupados. Mas as preocupações da sra. Buch deveriam nos deixar ainda mais. Afinal de contas, esta alta funcionária do Banco Central Europeu foi recentemente encarregada da tarefa muito delicada de regular os bancos e outras entidades financeiras no continente. Como sabemos, de vez em quando surge uma crise econômica, fazendo com que muitos percam as suas poupanças e forçando bancos e governos a tomar medidas altamente impopulares. Embora o foco da sra. Buch e da supervisão bancária da sua equipe esteja na Europa, o sistema financeiro internacional está tão interligado que as decisões dos reguladores europeus afetarão os bancos em todo o mundo. E seus clientes.

Há alguns dias, em seu primeiro discurso público, Claudia Buch alertou que os bancos não são imunes a “acontecimentos inesperados” e novos riscos: “Muitas das questões que dominam hoje as manchetes eram inconcebíveis uma década atrás”. A funcionária insistiu que “há uma grande incerteza quanto ao impacto que os conflitos geopolíticos, as alterações climáticas, as tendências demográficas e a digitalização surtirão — e que já nos obrigam a mudar a maneira como produzimos e consumimos”.

O que fazer? “Complacência não é uma opção”, disse Buch, acrescentando que “nós vivemos em tempos de incerteza. Mas resignação ou medo não são bons guias para lidar com a incerteza”.

Tem razão. Mas mesmo que complacência possa ser uma tentação para políticos, banqueiros ou empresários, não é para as centenas de milhares de pessoas que todos os dias, em alguma cidade do mundo, saem às ruas para protestar, bloquear avenidas e estradas, “ocupar " espaços públicos e privados. Protestos de rua sempre existiram, mas têm se tornado cada vez mais frequentes e as suas motivações têm sido mais variadas. Sabemos disso graças a Thomas Carothers e Brendan Hartnett, pesquisadores do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, um instituto de análise com sede em Washington (e a organização à qual pertenço).

Em Senegal, manifestantes entram em confronto com a polícia após eleição ser adiada, Dakar, 9 de fevereiro de 2024.  Foto: REUTERS/Zohra Bensemra

Carothers e Hartnett desenvolveram um rigoroso sistema de coleta de dados que “rastreia” e documenta protestos populares em todo o mundo. Desta maneira, nos informam que 2023, o último ano para o qual existem dados disponíveis, foi particularmente chocante: “(…) novos protestos surgiram em 83 países, da China à República Democrática do Congo, do Iraque à Macedônia do Norte. Sete países que não tinham registrado protestos significativos nos últimos cinco anos entraram no grupo em 2023: Dinamarca, Polinésia Francesa, Moçambique, Noruega, Irlanda, Suriname e Suécia. Além disso, o rastreador de protestos revela que não só o número de países onde as pessoas vão às ruas e praças aumentou, mas as razões pelas quais elas protestam são mais diversas.

Algumas das maiores manifestações foram em defesa da democracia. Especificamente em reação a mudanças no sistema judicial e alterações no sistema eleitoral que visam a concentrar o poder em chefes de governo e seus aliados. Em 2023, vimos manipulações antidemocráticas desse tipo na Polônia, em Israel, na Nigéria, em Moçambique e em outras partes. Uma surpresa ocorreu na Guatemala, onde uma nova coligação de grupos sociais e indígenas conseguiu garantir que Bernardo Arévalo, o vencedor das eleições, pudesse assumir controle do governo apesar dos esforços dos seus adversários para impedi-lo.

Mas não foi somente a política. A economia e suas consequências sociais também alimentaram protestos. A inflação foi o denominador comum do ativismo de rua no Paquistão, em Portugal e na Eslovênia. No Gana e na Nigéria, a escassez de produtos básicos tornou-se fonte intensa de conflito social.

A má qualidade dos serviços públicos costuma ser gatilho de protestos populares. Carothers e Hartnett relatam como exemplo que, em 2023, mais de uma centena de manifestações motivadas pela má qualidade do serviço de fornecimento de eletricidade ocorreram na África do Sul. Outra motivação importante para protestos dos cidadãos é o aumento da criminalidade, da insegurança pessoal e da proliferação de gangues armadas e violentas que traficam drogas e pessoas, além de extorquir indivíduos e empresas. As deficiências nos serviços de saúde e educação, nos transportes e na limpeza urbana, e a má qualidade das obras públicas contribuem para a crescente frustração dos cidadãos. O resultado, em nível global, é o mesmo: sociedades expostas a ondas de instabilidade crescentes.

Nossa era pende entre os riscos das altas finanças que preocupam líderes como Claudia Buch e os redemoinhos de rua que sacodem cada vez mais cidades em todo o mundo. A turbulência que nos envolve vem ao mesmo tempo de cima e de baixo e configura uma realidade nova, inédita e incerta, cujas consequências acabamos de começar a conhecer. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Moisés Naim

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