Líderes regionais e globais advertiram contra a escalada da violência após o assassinato de Saleh al-Arouri, uma das principais autoridades políticas do grupo terrorista Hamas, em Beirute, em meio a temores de que as tensões possam transbordar na fronteira entre Israel e Líbano e em toda a região.
Os países vizinhos a Israel e no Oriente Médio estão em alerta um dia depois da morte de Saleh al-Arouri em um ataque a drone no sul de Beirute. As forças israelenses aumentaram o nível de atenção para possíveis represálias do Hezbollah — grupo xiita libanês aliado do Hamas — pelo ataque contra a capital do Líbano.
Autoridades libanesas condenaram o ataque e tentaram controlar partidários mais extremistas. Mas o líder o do grupo fundamentalista Hezbollah, o xeque Hassan Nasrallah, vai fazer um raro pronunciamento na noite desta quarta-feira, o segundo em rede de TV desde o início da guerra de Israel contra o Hamas após os ataques terroristas do grupo em 7 de outubro.
Até aqui, o Hezbollah tem feito ameaças contra Israel, e trocado fogo com os israelenses diariamente na fronteira, mas sem ações mais radicais. Líbano e Israel estiveram em guerra pela última vez em 2006, quando integrantes do Hezbollah cruzaram a fronteira dos dois países e sequestraram militares israelenses. Após quase um mês de guerra, e cerca de 1,2 mil libaneses e 157 israelenses mortos, os países alcançaram um cessar-fogo.
O cenário interno para Israel também é cada vez mais tenso — com alerta dos EUA de que o ataque pode ter fechado a porta para uma negociação com o Hamas para libertação de reféns, bem como o acirramento do extremismo nos territórios palestinos, com convocatórias para que cidadãos de Gaza e Cisjordânia se juntem à “luta do Hamas”.
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A expansão do conflito pela região é uma preocupação central para governos envolvidos direta ou indiretamente na crise do Oriente Médio. Embora a guerra já tenha consequências internacionais — como a criação de uma coalizão de defesa para responder a ataques de rebeldes Houthis, do Iêmen, contra embarcações comerciais no Mar Vermelho — a resposta de um Estado árabe contra Israel elevaria o conflito ao patamar de uma guerra entre países, não apenas uma ação militar contra um grupo terrorista.
O primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, anunciou que apresentaria uma queixa “urgente” ao Conselho de Segurança da ONU sobre o ataque contra sua capital, que deixou outros sete mortos. Embora tenha qualificado a explosão que matou al-Aruri como um “novo crime” de Israel, a sinalização do chefe de governo de uma solução chancelada pela comunidade internacional soa como um sinal de moderação.
Nos bastidores, a atuação das autoridades libanesas também demonstram uma preocupação com uma escalada do conflito. O ministro dos Negócios Estrangeiros libanês, Abdallah Bou Habib, afirmou que está em diálogo com a milícia do Hezbollah para que não haja uma resposta ao ataque a Beirute, classificando as próximas 24 horas como fundamentais para entender se o grupo xiita aceitaria ou não a recomendação.
No Irã, que é um dos principais apoiadores do Hamas em Gaza e do Hezbollah no Líbano, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse que o ataque foi “mais uma faísca nas veias da resistência e da motivação para lutar contra” Israel.
Na França, o presidente Emmanuel Macron disse ao ministro israelense Benny Gantz que era “essencial evitar qualquer atitude de escalada, particularmente no Líbano”, de acordo com a leitura de uma ligação na terça-feira fornecida por autoridades francesas, informou a AFP. Macron também teria oferecido que a França desempenhasse um papel de intermediário para manter as linhas de comunicação abertas entre todas as partes.
Um conselheiro do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, o ex-embaixador Mark Regev, disse que o ataque não representou um ataque contra o Estado libanês ou o Hezbollah. “Quem quer que tenha feito isso, fez um ataque cirúrgico contra a liderança do Hamas”, disse ele em uma entrevista à MSNBC. Israel não assumiu a responsabilidade pelo ataque, disse ele.
A força de paz das Nações Unidas no Líbano, a UNIFIL, pediu a todas as partes que cessassem o fogo. “Estamos profundamente preocupados com qualquer possibilidade de escalada que possa ter consequências devastadoras”, disse um porta-voz em um comunicado enviado por e-mail na quarta-feira. A UNIFIL foi criada em 1978 para monitorar a fronteira após a invasão do Líbano por Israel naquele ano.
Entrave nas negociações
A eliminação de um das principais lideranças do Hamas e a possível expansão do conflito fizeram surgir apelos de diversas frentes para que o trabalho de negociação entre Israel e Hamas fosse intensificado — algo que parece mais complexo diante da nova crise.
A Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL) expressou “profunda preocupação” com a escalada de tensões na região e clamou pela abertura de novos canais diplomáticos. De acordo com a porta-voz da iniciativa da ONU, qualquer potencial escalada poderia ter consequências “devastadoras” para as pessoas dos dois lados da Linha Azul — que divide os dois países. “Continuamos a implorar a todas as partes por um cessar-fogo e a todos os interlocutores com influência que exortem à contenção”, disse Kandice Ardiel, nesta quarta-feira.
O governo do Egito informou, nesta quarta, que congelou o seu papel de mediador entre o Estado Judeu e as fações palestinas nas negociações de reféns, informaram fontes egípcias. Um alto funcionário do governo dos EUA ouvido pelo The New York Times afirmou que o assassinato de al-Aruri provavelmente atrasaria as conversas sobre um acordo para troca de reféns.
“Sinwar está sentindo o laço apertar e não sei se ele estará disposto a prosseguir com o que estava sendo negociado”, disse o funcionário, referindo-se ao líder do Hamas, Yahya Sinwar. Ele falou sob condição de anonimato com a publicação americana para discutir avaliações internas do governo.
Após o ataque, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia foram registradas convocações públicas à população para se unirem a manifestações e à luta armada contra Israel.
Impacto limitado para o Hamas
Embora o assassinato de Saleh al-Arouri prive o Hamas de um dos seus estrategistas mais qualificados, analistas apontam que sua morte não é um golpe fatal para a organização, que se reconstruiu repetidamente após perder seus líderes.
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“Dentro do Hamas, há sempre uma certa hierarquia e a substituição é muito tranquila. Dentro do Hamas, a personalidade não é a fonte do poder”, explicou ao The New York Times Imad Alsoos, pesquisador no centro MECAM da Universidade de Túnis, acrescentando que a eliminação de dezenas de líderes do grupo palestino ao longo das décadas tornaram o grupo ágil, criando um sistema que fortaleceu a legitimidade de uma cadeia de liderança através de eleições e de participação na organização.
Apesar de não inutilizar o grupo terrorista, pesquisadores apontam que a perda de al-Arouri é um baque para o Hamas, que perde um articulador com todos os parceiros externos da organização. “O Hamas irá sofrer porque perdeu um dos seus principais estrategistas”, disse Emile Hokayem, diretor de segurança regional do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. “Ele era alguém que administrava bem as relações políticas de alto nível e também tinha credibilidade como comandante.”
Por outro lado, Hokayem afirma que o principal problema para o Hamas será a reconstrução de suas capacidades militares, profundamente afetadas pela ofensiva esmagadora de Israel em Gaza. “[O Hamas] provavelmente ficará mais dependente do apoio estrangeiro à medida que a sua base na Palestina enfraquece”, acrescentou. / NYT, W.POST, AP e AFP