Morte de Prigozhin consolida poder de Putin e Rússia vira Estado mafioso; leia artigo da Economist


Ao longo dos anos, os inimigos de Putin sofreram com uma série de métodos cada vez mais exóticos de ataques e assassinatos

Por The Economist
Atualização:

Bill Burns, o diretor da CIA, refletiu recentemente sobre o destino que poderia aguardar Ievgeni Prigozhin, o líder mercenário que organizou um motim de curta duração na Rússia, em junho. Vladimir Putin, o presidente da Rússia, “pensa que a vingança é um prato que se come frio”, disse ele. “Na minha experiência, Putin é o apóstolo definitivo da vingança, então ficaria surpreso se Prigozhin escapasse de represálias”. No dia 23 de agosto, precisamente dois meses depois desse motim, o jato de Prigozhin despencou.

O jato executivo da Embraer de Prigozhin estava a 30.000 pés antes de cair repentinamente na região de Tver, perto de Moscou, após menos de 30 minutos de vôo, segundo dados públicos de rastreamento aéreo. As dez pessoas a bordo morreram e Prigozhin estava na lista de passageiros, segundo a agência de aviação russa e a mídia estatal. Dmitri Utkin, uma figura importante do Grupo Wagner de Prigozhin e comandante da coluna que marchou sobre Moscou em junho, também foi listado como passageiro.

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A causa do acidente ainda não é conhecida. Testemunhas oculares relataram ter ouvido explosões, dando origem a especulações de que pode ter sido abatido pelas defesas aéreas. Uma possibilidade, embora poucos comentaristas online parecessem inclinados a acreditar, é que tenha sido um acidente. A Ucrânia conduziu 15 ataques de drones contra Moscou e arredores desde 3 de maio, incluindo ataques em sete noites consecutivas até 23 de agosto.

Ievgeni Prigozhin, o mercenário chefe do Grupo Wagner, está na lista de passageiros de um jato que caiu nos arredores de Moscou, Rússia, na quarta-feira, 23  Foto: Telegram do Grupo Wagner / AP

As defesas aéreas locais podem, portanto, ter ficado em alerta exagerado; em 2020, o Irã abateu um dos seus próprios aviões civis em Teerã durante um período de alerta máximo. É improvável, porém, que os operadores de radar russos confundam um jato com um drone: estes últimos são mais lentos, menores e voam mais baixo.

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Uma fonte importante da inteligência ucraniana disse que várias figuras na Rússia estavam furiosas o suficiente para querer a morte de Prigozhin, incluindo Sergei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, alvo frequente das iradas mensagens de vídeo de Prigozhin.

Plano

No entanto, uma operação deste tipo não poderia ter sido realizada sem a autorização do próprio Vladimir Putin. “Não sei ao certo o que aconteceu, mas não estou surpreso”, disse Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. “Não acontece muita coisa na Rússia que Putin não esteja por trás.” Burns não foi o único espião que viu problemas surgirem na rota de Prigozhin. Numa entrevista em junho, Kirilo Budanov, chefe da HUR (agência de espionagem militar da Ucrânia), afirmou que o FSB, o serviço de segurança da Rússia, tinha sido encarregado de assassinar Prigozhin.

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Mas a queda ocorreu em uma data muito simbólica. No início de 23 de agosto, o General Sergei Surovikin, que serviu como comandante das forças russas na Ucrânia até ser rebaixado em janeiro, foi substituído como comandante das Forças Aéreas e Espaciais da Rússia. O General Surovikin estava intimamente ligado a Prigozhin e era suspeito de ajudar o motim ou de ter conhecimento prévio dele. O general estaria em prisão domiciliar.

A morte de Prigozhin terá provavelmente um efeito insignificante nas linhas da frente na Ucrânia. O general Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior da Rússia, a quem Prigozhin atacava rotineiramente, “trouxe alguma ordem ao caos militar do ano passado”, afirma John Foreman, adido de defesa britânico em Moscou até ano passado.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversa com Ievgeni Prigozhin, empresário e chefe do Grupo Wagner, em setembro de 2010  Foto: Alexey Druzhinin/AFP
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As forças do Grupo Wagner foram deixadas de lado depois de liderarem a conquista de Bakhmut em maio. As suas tropas de choque não foram tão importantes quando a Ucrânia partiu para a ofensiva, diz Foreman, e os soldados politicamente suspeitos foram ainda menos bem-vindos nas trincheiras.

O impacto nos países africanos, onde o Grupo Wagner sempre esteve e permanece ativo, é mais incerto. Prigozhin esteve na África, para impedir que o GRU, a agência de inteligência militar da Rússia, expulsasse as suas forças do continente. O Wagner não é o único grupo de mercenários no continente, e os líderes africanos que precisam de força não se importarão muito se as tropas russas respondem a Prigozhin ou a outro funcionário do Kremlin.

Repercussão

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As maiores repercussões vão ocorrer dentro da Rússia. Se Prigozhin fosse morto por ordem de Putin, isso reforçaria a imagem do presidente como um homem forte e vingativo, disposto a dispensar procedimentos e a lei. Putin criou sua imagem junto ao público russo com uma promessa memorável durante uma rebelião na Chechênia de “arrancá-los [os rebeldes chechenos] da latrina e exterminá-los no banheiro”

Ao longo dos anos seguintes, os seus inimigos sofreram com uma série de métodos cada vez mais exóticos de ataques e assassinatos – desde um isótopo radioativo colocado no chá até agentes que atuam no sistema nervoso espalhados em maçanetas de portas e cuecas – concebidos para intimidar potenciais oponentes.

No entanto, estes métodos também minaram a noção de que a Rússia é um Estado normal, expondo o regime de Putin como algo semelhante à máfia, impulsionado por caprichos pessoais e rixas sangrentas. A própria existência do Grupo Wagner – um exército privado formalmente proibido pelo código penal russo – era um sinal da desconfiança de Putin nas instituições regulares do Estado e da sua dependência de ligações informais.

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A morte de Prigozhin poderá ajudar a consolidar o poder de Putin. Mas também reforça o mito do líder do Grupo Wagner como um patriota que diz a verdade, e ameaça desestabilizar o eleitorado pró-guerra, alienando os seus seguidores e defensores. “O assassinato… terá consequências catastróficas”, alertou Gray Zone, um grupo afiliado a Wagner no Telegram, um site de mídia social. “As pessoas que deram a ordem não entendem o clima e a moral baixa do exército.”

À medida que o drama da queda do avião se desenrolava, Putin discursava numa reunião em Kursk, saudando a vitória das tropas soviéticas sobre os invasores alemães há 80 anos. Os procuradores russos, que encerraram com rapidez uma investigação sobre o motim de Prigozhin depois dele ter aceitado um acordo para se exilar em Belarus, foram rápidos a abrir uma investigação sobre uma violação das “regras de tráfego aéreo e de segurança”. O público russo poderá descobrir que foi um erro do piloto ou uma falha no avião que levou Prigozhin ao seu fim. Na Rússia, ninguém espera que digam a verdade aos russos.

Bill Burns, o diretor da CIA, refletiu recentemente sobre o destino que poderia aguardar Ievgeni Prigozhin, o líder mercenário que organizou um motim de curta duração na Rússia, em junho. Vladimir Putin, o presidente da Rússia, “pensa que a vingança é um prato que se come frio”, disse ele. “Na minha experiência, Putin é o apóstolo definitivo da vingança, então ficaria surpreso se Prigozhin escapasse de represálias”. No dia 23 de agosto, precisamente dois meses depois desse motim, o jato de Prigozhin despencou.

O jato executivo da Embraer de Prigozhin estava a 30.000 pés antes de cair repentinamente na região de Tver, perto de Moscou, após menos de 30 minutos de vôo, segundo dados públicos de rastreamento aéreo. As dez pessoas a bordo morreram e Prigozhin estava na lista de passageiros, segundo a agência de aviação russa e a mídia estatal. Dmitri Utkin, uma figura importante do Grupo Wagner de Prigozhin e comandante da coluna que marchou sobre Moscou em junho, também foi listado como passageiro.

A causa do acidente ainda não é conhecida. Testemunhas oculares relataram ter ouvido explosões, dando origem a especulações de que pode ter sido abatido pelas defesas aéreas. Uma possibilidade, embora poucos comentaristas online parecessem inclinados a acreditar, é que tenha sido um acidente. A Ucrânia conduziu 15 ataques de drones contra Moscou e arredores desde 3 de maio, incluindo ataques em sete noites consecutivas até 23 de agosto.

Ievgeni Prigozhin, o mercenário chefe do Grupo Wagner, está na lista de passageiros de um jato que caiu nos arredores de Moscou, Rússia, na quarta-feira, 23  Foto: Telegram do Grupo Wagner / AP

As defesas aéreas locais podem, portanto, ter ficado em alerta exagerado; em 2020, o Irã abateu um dos seus próprios aviões civis em Teerã durante um período de alerta máximo. É improvável, porém, que os operadores de radar russos confundam um jato com um drone: estes últimos são mais lentos, menores e voam mais baixo.

Uma fonte importante da inteligência ucraniana disse que várias figuras na Rússia estavam furiosas o suficiente para querer a morte de Prigozhin, incluindo Sergei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, alvo frequente das iradas mensagens de vídeo de Prigozhin.

Plano

No entanto, uma operação deste tipo não poderia ter sido realizada sem a autorização do próprio Vladimir Putin. “Não sei ao certo o que aconteceu, mas não estou surpreso”, disse Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. “Não acontece muita coisa na Rússia que Putin não esteja por trás.” Burns não foi o único espião que viu problemas surgirem na rota de Prigozhin. Numa entrevista em junho, Kirilo Budanov, chefe da HUR (agência de espionagem militar da Ucrânia), afirmou que o FSB, o serviço de segurança da Rússia, tinha sido encarregado de assassinar Prigozhin.

Mas a queda ocorreu em uma data muito simbólica. No início de 23 de agosto, o General Sergei Surovikin, que serviu como comandante das forças russas na Ucrânia até ser rebaixado em janeiro, foi substituído como comandante das Forças Aéreas e Espaciais da Rússia. O General Surovikin estava intimamente ligado a Prigozhin e era suspeito de ajudar o motim ou de ter conhecimento prévio dele. O general estaria em prisão domiciliar.

A morte de Prigozhin terá provavelmente um efeito insignificante nas linhas da frente na Ucrânia. O general Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior da Rússia, a quem Prigozhin atacava rotineiramente, “trouxe alguma ordem ao caos militar do ano passado”, afirma John Foreman, adido de defesa britânico em Moscou até ano passado.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversa com Ievgeni Prigozhin, empresário e chefe do Grupo Wagner, em setembro de 2010  Foto: Alexey Druzhinin/AFP

As forças do Grupo Wagner foram deixadas de lado depois de liderarem a conquista de Bakhmut em maio. As suas tropas de choque não foram tão importantes quando a Ucrânia partiu para a ofensiva, diz Foreman, e os soldados politicamente suspeitos foram ainda menos bem-vindos nas trincheiras.

O impacto nos países africanos, onde o Grupo Wagner sempre esteve e permanece ativo, é mais incerto. Prigozhin esteve na África, para impedir que o GRU, a agência de inteligência militar da Rússia, expulsasse as suas forças do continente. O Wagner não é o único grupo de mercenários no continente, e os líderes africanos que precisam de força não se importarão muito se as tropas russas respondem a Prigozhin ou a outro funcionário do Kremlin.

Repercussão

As maiores repercussões vão ocorrer dentro da Rússia. Se Prigozhin fosse morto por ordem de Putin, isso reforçaria a imagem do presidente como um homem forte e vingativo, disposto a dispensar procedimentos e a lei. Putin criou sua imagem junto ao público russo com uma promessa memorável durante uma rebelião na Chechênia de “arrancá-los [os rebeldes chechenos] da latrina e exterminá-los no banheiro”

Ao longo dos anos seguintes, os seus inimigos sofreram com uma série de métodos cada vez mais exóticos de ataques e assassinatos – desde um isótopo radioativo colocado no chá até agentes que atuam no sistema nervoso espalhados em maçanetas de portas e cuecas – concebidos para intimidar potenciais oponentes.

No entanto, estes métodos também minaram a noção de que a Rússia é um Estado normal, expondo o regime de Putin como algo semelhante à máfia, impulsionado por caprichos pessoais e rixas sangrentas. A própria existência do Grupo Wagner – um exército privado formalmente proibido pelo código penal russo – era um sinal da desconfiança de Putin nas instituições regulares do Estado e da sua dependência de ligações informais.

A morte de Prigozhin poderá ajudar a consolidar o poder de Putin. Mas também reforça o mito do líder do Grupo Wagner como um patriota que diz a verdade, e ameaça desestabilizar o eleitorado pró-guerra, alienando os seus seguidores e defensores. “O assassinato… terá consequências catastróficas”, alertou Gray Zone, um grupo afiliado a Wagner no Telegram, um site de mídia social. “As pessoas que deram a ordem não entendem o clima e a moral baixa do exército.”

À medida que o drama da queda do avião se desenrolava, Putin discursava numa reunião em Kursk, saudando a vitória das tropas soviéticas sobre os invasores alemães há 80 anos. Os procuradores russos, que encerraram com rapidez uma investigação sobre o motim de Prigozhin depois dele ter aceitado um acordo para se exilar em Belarus, foram rápidos a abrir uma investigação sobre uma violação das “regras de tráfego aéreo e de segurança”. O público russo poderá descobrir que foi um erro do piloto ou uma falha no avião que levou Prigozhin ao seu fim. Na Rússia, ninguém espera que digam a verdade aos russos.

Bill Burns, o diretor da CIA, refletiu recentemente sobre o destino que poderia aguardar Ievgeni Prigozhin, o líder mercenário que organizou um motim de curta duração na Rússia, em junho. Vladimir Putin, o presidente da Rússia, “pensa que a vingança é um prato que se come frio”, disse ele. “Na minha experiência, Putin é o apóstolo definitivo da vingança, então ficaria surpreso se Prigozhin escapasse de represálias”. No dia 23 de agosto, precisamente dois meses depois desse motim, o jato de Prigozhin despencou.

O jato executivo da Embraer de Prigozhin estava a 30.000 pés antes de cair repentinamente na região de Tver, perto de Moscou, após menos de 30 minutos de vôo, segundo dados públicos de rastreamento aéreo. As dez pessoas a bordo morreram e Prigozhin estava na lista de passageiros, segundo a agência de aviação russa e a mídia estatal. Dmitri Utkin, uma figura importante do Grupo Wagner de Prigozhin e comandante da coluna que marchou sobre Moscou em junho, também foi listado como passageiro.

A causa do acidente ainda não é conhecida. Testemunhas oculares relataram ter ouvido explosões, dando origem a especulações de que pode ter sido abatido pelas defesas aéreas. Uma possibilidade, embora poucos comentaristas online parecessem inclinados a acreditar, é que tenha sido um acidente. A Ucrânia conduziu 15 ataques de drones contra Moscou e arredores desde 3 de maio, incluindo ataques em sete noites consecutivas até 23 de agosto.

Ievgeni Prigozhin, o mercenário chefe do Grupo Wagner, está na lista de passageiros de um jato que caiu nos arredores de Moscou, Rússia, na quarta-feira, 23  Foto: Telegram do Grupo Wagner / AP

As defesas aéreas locais podem, portanto, ter ficado em alerta exagerado; em 2020, o Irã abateu um dos seus próprios aviões civis em Teerã durante um período de alerta máximo. É improvável, porém, que os operadores de radar russos confundam um jato com um drone: estes últimos são mais lentos, menores e voam mais baixo.

Uma fonte importante da inteligência ucraniana disse que várias figuras na Rússia estavam furiosas o suficiente para querer a morte de Prigozhin, incluindo Sergei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, alvo frequente das iradas mensagens de vídeo de Prigozhin.

Plano

No entanto, uma operação deste tipo não poderia ter sido realizada sem a autorização do próprio Vladimir Putin. “Não sei ao certo o que aconteceu, mas não estou surpreso”, disse Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. “Não acontece muita coisa na Rússia que Putin não esteja por trás.” Burns não foi o único espião que viu problemas surgirem na rota de Prigozhin. Numa entrevista em junho, Kirilo Budanov, chefe da HUR (agência de espionagem militar da Ucrânia), afirmou que o FSB, o serviço de segurança da Rússia, tinha sido encarregado de assassinar Prigozhin.

Mas a queda ocorreu em uma data muito simbólica. No início de 23 de agosto, o General Sergei Surovikin, que serviu como comandante das forças russas na Ucrânia até ser rebaixado em janeiro, foi substituído como comandante das Forças Aéreas e Espaciais da Rússia. O General Surovikin estava intimamente ligado a Prigozhin e era suspeito de ajudar o motim ou de ter conhecimento prévio dele. O general estaria em prisão domiciliar.

A morte de Prigozhin terá provavelmente um efeito insignificante nas linhas da frente na Ucrânia. O general Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior da Rússia, a quem Prigozhin atacava rotineiramente, “trouxe alguma ordem ao caos militar do ano passado”, afirma John Foreman, adido de defesa britânico em Moscou até ano passado.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversa com Ievgeni Prigozhin, empresário e chefe do Grupo Wagner, em setembro de 2010  Foto: Alexey Druzhinin/AFP

As forças do Grupo Wagner foram deixadas de lado depois de liderarem a conquista de Bakhmut em maio. As suas tropas de choque não foram tão importantes quando a Ucrânia partiu para a ofensiva, diz Foreman, e os soldados politicamente suspeitos foram ainda menos bem-vindos nas trincheiras.

O impacto nos países africanos, onde o Grupo Wagner sempre esteve e permanece ativo, é mais incerto. Prigozhin esteve na África, para impedir que o GRU, a agência de inteligência militar da Rússia, expulsasse as suas forças do continente. O Wagner não é o único grupo de mercenários no continente, e os líderes africanos que precisam de força não se importarão muito se as tropas russas respondem a Prigozhin ou a outro funcionário do Kremlin.

Repercussão

As maiores repercussões vão ocorrer dentro da Rússia. Se Prigozhin fosse morto por ordem de Putin, isso reforçaria a imagem do presidente como um homem forte e vingativo, disposto a dispensar procedimentos e a lei. Putin criou sua imagem junto ao público russo com uma promessa memorável durante uma rebelião na Chechênia de “arrancá-los [os rebeldes chechenos] da latrina e exterminá-los no banheiro”

Ao longo dos anos seguintes, os seus inimigos sofreram com uma série de métodos cada vez mais exóticos de ataques e assassinatos – desde um isótopo radioativo colocado no chá até agentes que atuam no sistema nervoso espalhados em maçanetas de portas e cuecas – concebidos para intimidar potenciais oponentes.

No entanto, estes métodos também minaram a noção de que a Rússia é um Estado normal, expondo o regime de Putin como algo semelhante à máfia, impulsionado por caprichos pessoais e rixas sangrentas. A própria existência do Grupo Wagner – um exército privado formalmente proibido pelo código penal russo – era um sinal da desconfiança de Putin nas instituições regulares do Estado e da sua dependência de ligações informais.

A morte de Prigozhin poderá ajudar a consolidar o poder de Putin. Mas também reforça o mito do líder do Grupo Wagner como um patriota que diz a verdade, e ameaça desestabilizar o eleitorado pró-guerra, alienando os seus seguidores e defensores. “O assassinato… terá consequências catastróficas”, alertou Gray Zone, um grupo afiliado a Wagner no Telegram, um site de mídia social. “As pessoas que deram a ordem não entendem o clima e a moral baixa do exército.”

À medida que o drama da queda do avião se desenrolava, Putin discursava numa reunião em Kursk, saudando a vitória das tropas soviéticas sobre os invasores alemães há 80 anos. Os procuradores russos, que encerraram com rapidez uma investigação sobre o motim de Prigozhin depois dele ter aceitado um acordo para se exilar em Belarus, foram rápidos a abrir uma investigação sobre uma violação das “regras de tráfego aéreo e de segurança”. O público russo poderá descobrir que foi um erro do piloto ou uma falha no avião que levou Prigozhin ao seu fim. Na Rússia, ninguém espera que digam a verdade aos russos.

Bill Burns, o diretor da CIA, refletiu recentemente sobre o destino que poderia aguardar Ievgeni Prigozhin, o líder mercenário que organizou um motim de curta duração na Rússia, em junho. Vladimir Putin, o presidente da Rússia, “pensa que a vingança é um prato que se come frio”, disse ele. “Na minha experiência, Putin é o apóstolo definitivo da vingança, então ficaria surpreso se Prigozhin escapasse de represálias”. No dia 23 de agosto, precisamente dois meses depois desse motim, o jato de Prigozhin despencou.

O jato executivo da Embraer de Prigozhin estava a 30.000 pés antes de cair repentinamente na região de Tver, perto de Moscou, após menos de 30 minutos de vôo, segundo dados públicos de rastreamento aéreo. As dez pessoas a bordo morreram e Prigozhin estava na lista de passageiros, segundo a agência de aviação russa e a mídia estatal. Dmitri Utkin, uma figura importante do Grupo Wagner de Prigozhin e comandante da coluna que marchou sobre Moscou em junho, também foi listado como passageiro.

A causa do acidente ainda não é conhecida. Testemunhas oculares relataram ter ouvido explosões, dando origem a especulações de que pode ter sido abatido pelas defesas aéreas. Uma possibilidade, embora poucos comentaristas online parecessem inclinados a acreditar, é que tenha sido um acidente. A Ucrânia conduziu 15 ataques de drones contra Moscou e arredores desde 3 de maio, incluindo ataques em sete noites consecutivas até 23 de agosto.

Ievgeni Prigozhin, o mercenário chefe do Grupo Wagner, está na lista de passageiros de um jato que caiu nos arredores de Moscou, Rússia, na quarta-feira, 23  Foto: Telegram do Grupo Wagner / AP

As defesas aéreas locais podem, portanto, ter ficado em alerta exagerado; em 2020, o Irã abateu um dos seus próprios aviões civis em Teerã durante um período de alerta máximo. É improvável, porém, que os operadores de radar russos confundam um jato com um drone: estes últimos são mais lentos, menores e voam mais baixo.

Uma fonte importante da inteligência ucraniana disse que várias figuras na Rússia estavam furiosas o suficiente para querer a morte de Prigozhin, incluindo Sergei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, alvo frequente das iradas mensagens de vídeo de Prigozhin.

Plano

No entanto, uma operação deste tipo não poderia ter sido realizada sem a autorização do próprio Vladimir Putin. “Não sei ao certo o que aconteceu, mas não estou surpreso”, disse Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. “Não acontece muita coisa na Rússia que Putin não esteja por trás.” Burns não foi o único espião que viu problemas surgirem na rota de Prigozhin. Numa entrevista em junho, Kirilo Budanov, chefe da HUR (agência de espionagem militar da Ucrânia), afirmou que o FSB, o serviço de segurança da Rússia, tinha sido encarregado de assassinar Prigozhin.

Mas a queda ocorreu em uma data muito simbólica. No início de 23 de agosto, o General Sergei Surovikin, que serviu como comandante das forças russas na Ucrânia até ser rebaixado em janeiro, foi substituído como comandante das Forças Aéreas e Espaciais da Rússia. O General Surovikin estava intimamente ligado a Prigozhin e era suspeito de ajudar o motim ou de ter conhecimento prévio dele. O general estaria em prisão domiciliar.

A morte de Prigozhin terá provavelmente um efeito insignificante nas linhas da frente na Ucrânia. O general Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior da Rússia, a quem Prigozhin atacava rotineiramente, “trouxe alguma ordem ao caos militar do ano passado”, afirma John Foreman, adido de defesa britânico em Moscou até ano passado.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversa com Ievgeni Prigozhin, empresário e chefe do Grupo Wagner, em setembro de 2010  Foto: Alexey Druzhinin/AFP

As forças do Grupo Wagner foram deixadas de lado depois de liderarem a conquista de Bakhmut em maio. As suas tropas de choque não foram tão importantes quando a Ucrânia partiu para a ofensiva, diz Foreman, e os soldados politicamente suspeitos foram ainda menos bem-vindos nas trincheiras.

O impacto nos países africanos, onde o Grupo Wagner sempre esteve e permanece ativo, é mais incerto. Prigozhin esteve na África, para impedir que o GRU, a agência de inteligência militar da Rússia, expulsasse as suas forças do continente. O Wagner não é o único grupo de mercenários no continente, e os líderes africanos que precisam de força não se importarão muito se as tropas russas respondem a Prigozhin ou a outro funcionário do Kremlin.

Repercussão

As maiores repercussões vão ocorrer dentro da Rússia. Se Prigozhin fosse morto por ordem de Putin, isso reforçaria a imagem do presidente como um homem forte e vingativo, disposto a dispensar procedimentos e a lei. Putin criou sua imagem junto ao público russo com uma promessa memorável durante uma rebelião na Chechênia de “arrancá-los [os rebeldes chechenos] da latrina e exterminá-los no banheiro”

Ao longo dos anos seguintes, os seus inimigos sofreram com uma série de métodos cada vez mais exóticos de ataques e assassinatos – desde um isótopo radioativo colocado no chá até agentes que atuam no sistema nervoso espalhados em maçanetas de portas e cuecas – concebidos para intimidar potenciais oponentes.

No entanto, estes métodos também minaram a noção de que a Rússia é um Estado normal, expondo o regime de Putin como algo semelhante à máfia, impulsionado por caprichos pessoais e rixas sangrentas. A própria existência do Grupo Wagner – um exército privado formalmente proibido pelo código penal russo – era um sinal da desconfiança de Putin nas instituições regulares do Estado e da sua dependência de ligações informais.

A morte de Prigozhin poderá ajudar a consolidar o poder de Putin. Mas também reforça o mito do líder do Grupo Wagner como um patriota que diz a verdade, e ameaça desestabilizar o eleitorado pró-guerra, alienando os seus seguidores e defensores. “O assassinato… terá consequências catastróficas”, alertou Gray Zone, um grupo afiliado a Wagner no Telegram, um site de mídia social. “As pessoas que deram a ordem não entendem o clima e a moral baixa do exército.”

À medida que o drama da queda do avião se desenrolava, Putin discursava numa reunião em Kursk, saudando a vitória das tropas soviéticas sobre os invasores alemães há 80 anos. Os procuradores russos, que encerraram com rapidez uma investigação sobre o motim de Prigozhin depois dele ter aceitado um acordo para se exilar em Belarus, foram rápidos a abrir uma investigação sobre uma violação das “regras de tráfego aéreo e de segurança”. O público russo poderá descobrir que foi um erro do piloto ou uma falha no avião que levou Prigozhin ao seu fim. Na Rússia, ninguém espera que digam a verdade aos russos.

Bill Burns, o diretor da CIA, refletiu recentemente sobre o destino que poderia aguardar Ievgeni Prigozhin, o líder mercenário que organizou um motim de curta duração na Rússia, em junho. Vladimir Putin, o presidente da Rússia, “pensa que a vingança é um prato que se come frio”, disse ele. “Na minha experiência, Putin é o apóstolo definitivo da vingança, então ficaria surpreso se Prigozhin escapasse de represálias”. No dia 23 de agosto, precisamente dois meses depois desse motim, o jato de Prigozhin despencou.

O jato executivo da Embraer de Prigozhin estava a 30.000 pés antes de cair repentinamente na região de Tver, perto de Moscou, após menos de 30 minutos de vôo, segundo dados públicos de rastreamento aéreo. As dez pessoas a bordo morreram e Prigozhin estava na lista de passageiros, segundo a agência de aviação russa e a mídia estatal. Dmitri Utkin, uma figura importante do Grupo Wagner de Prigozhin e comandante da coluna que marchou sobre Moscou em junho, também foi listado como passageiro.

A causa do acidente ainda não é conhecida. Testemunhas oculares relataram ter ouvido explosões, dando origem a especulações de que pode ter sido abatido pelas defesas aéreas. Uma possibilidade, embora poucos comentaristas online parecessem inclinados a acreditar, é que tenha sido um acidente. A Ucrânia conduziu 15 ataques de drones contra Moscou e arredores desde 3 de maio, incluindo ataques em sete noites consecutivas até 23 de agosto.

Ievgeni Prigozhin, o mercenário chefe do Grupo Wagner, está na lista de passageiros de um jato que caiu nos arredores de Moscou, Rússia, na quarta-feira, 23  Foto: Telegram do Grupo Wagner / AP

As defesas aéreas locais podem, portanto, ter ficado em alerta exagerado; em 2020, o Irã abateu um dos seus próprios aviões civis em Teerã durante um período de alerta máximo. É improvável, porém, que os operadores de radar russos confundam um jato com um drone: estes últimos são mais lentos, menores e voam mais baixo.

Uma fonte importante da inteligência ucraniana disse que várias figuras na Rússia estavam furiosas o suficiente para querer a morte de Prigozhin, incluindo Sergei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, alvo frequente das iradas mensagens de vídeo de Prigozhin.

Plano

No entanto, uma operação deste tipo não poderia ter sido realizada sem a autorização do próprio Vladimir Putin. “Não sei ao certo o que aconteceu, mas não estou surpreso”, disse Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. “Não acontece muita coisa na Rússia que Putin não esteja por trás.” Burns não foi o único espião que viu problemas surgirem na rota de Prigozhin. Numa entrevista em junho, Kirilo Budanov, chefe da HUR (agência de espionagem militar da Ucrânia), afirmou que o FSB, o serviço de segurança da Rússia, tinha sido encarregado de assassinar Prigozhin.

Mas a queda ocorreu em uma data muito simbólica. No início de 23 de agosto, o General Sergei Surovikin, que serviu como comandante das forças russas na Ucrânia até ser rebaixado em janeiro, foi substituído como comandante das Forças Aéreas e Espaciais da Rússia. O General Surovikin estava intimamente ligado a Prigozhin e era suspeito de ajudar o motim ou de ter conhecimento prévio dele. O general estaria em prisão domiciliar.

A morte de Prigozhin terá provavelmente um efeito insignificante nas linhas da frente na Ucrânia. O general Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior da Rússia, a quem Prigozhin atacava rotineiramente, “trouxe alguma ordem ao caos militar do ano passado”, afirma John Foreman, adido de defesa britânico em Moscou até ano passado.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversa com Ievgeni Prigozhin, empresário e chefe do Grupo Wagner, em setembro de 2010  Foto: Alexey Druzhinin/AFP

As forças do Grupo Wagner foram deixadas de lado depois de liderarem a conquista de Bakhmut em maio. As suas tropas de choque não foram tão importantes quando a Ucrânia partiu para a ofensiva, diz Foreman, e os soldados politicamente suspeitos foram ainda menos bem-vindos nas trincheiras.

O impacto nos países africanos, onde o Grupo Wagner sempre esteve e permanece ativo, é mais incerto. Prigozhin esteve na África, para impedir que o GRU, a agência de inteligência militar da Rússia, expulsasse as suas forças do continente. O Wagner não é o único grupo de mercenários no continente, e os líderes africanos que precisam de força não se importarão muito se as tropas russas respondem a Prigozhin ou a outro funcionário do Kremlin.

Repercussão

As maiores repercussões vão ocorrer dentro da Rússia. Se Prigozhin fosse morto por ordem de Putin, isso reforçaria a imagem do presidente como um homem forte e vingativo, disposto a dispensar procedimentos e a lei. Putin criou sua imagem junto ao público russo com uma promessa memorável durante uma rebelião na Chechênia de “arrancá-los [os rebeldes chechenos] da latrina e exterminá-los no banheiro”

Ao longo dos anos seguintes, os seus inimigos sofreram com uma série de métodos cada vez mais exóticos de ataques e assassinatos – desde um isótopo radioativo colocado no chá até agentes que atuam no sistema nervoso espalhados em maçanetas de portas e cuecas – concebidos para intimidar potenciais oponentes.

No entanto, estes métodos também minaram a noção de que a Rússia é um Estado normal, expondo o regime de Putin como algo semelhante à máfia, impulsionado por caprichos pessoais e rixas sangrentas. A própria existência do Grupo Wagner – um exército privado formalmente proibido pelo código penal russo – era um sinal da desconfiança de Putin nas instituições regulares do Estado e da sua dependência de ligações informais.

A morte de Prigozhin poderá ajudar a consolidar o poder de Putin. Mas também reforça o mito do líder do Grupo Wagner como um patriota que diz a verdade, e ameaça desestabilizar o eleitorado pró-guerra, alienando os seus seguidores e defensores. “O assassinato… terá consequências catastróficas”, alertou Gray Zone, um grupo afiliado a Wagner no Telegram, um site de mídia social. “As pessoas que deram a ordem não entendem o clima e a moral baixa do exército.”

À medida que o drama da queda do avião se desenrolava, Putin discursava numa reunião em Kursk, saudando a vitória das tropas soviéticas sobre os invasores alemães há 80 anos. Os procuradores russos, que encerraram com rapidez uma investigação sobre o motim de Prigozhin depois dele ter aceitado um acordo para se exilar em Belarus, foram rápidos a abrir uma investigação sobre uma violação das “regras de tráfego aéreo e de segurança”. O público russo poderá descobrir que foi um erro do piloto ou uma falha no avião que levou Prigozhin ao seu fim. Na Rússia, ninguém espera que digam a verdade aos russos.

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