A Rússia desenvolveu uma nova estratégia para driblar as sanções impostas à mídia estatal russa por governos e empresas de tecnologia e espalhar propaganda pró-Moscou e anti-Kiev sobre a guerra na Ucrânia nas redes sociais, aponta um relatório publicado nesta quarta-feira, 5, pela empresa de inteligência americana Nisos, que rastreia desinformação e outras ameaças cibernéticas. De acordo com os pesquisadores, a campanha de desinformação patrocinada por Moscou contaria com a colaboração até mesmo dos serviços diplomáticos russos.
Os pesquisadores mapearam uma série de contas em redes sociais como Twitter, Gab e Truth Social - esta última, criada pelo ex-presidente americano Donald Trump - criadas com o objetivo de compartilhar vídeos produzidos pela mídia estatal russa, mas sem a identificação da fonte para evitar a retirada do ar dos conteúdos. Segundo o relatório, vídeos reproduzindo a narrativa russa foram identificados em ao menos 18 idiomas.
Após a invasão russa da Ucrânia, no final de fevereiro, a União Europeia decidiu proibir a reprodução de dois dos principais meios de comunicação estatais russos nos países do bloco, o RT e o Sputnik. Empresas de tecnologia como Google e Meta acompanharam a decisão e anunciaram que baniriam conteúdos russos de suas lojas virtuais em plataformas como YouTube, Facebook e Instagram nos 27 países da UE, minando a capacidade do Kremlin de espalhar sua propaganda.
A reação russa para contornar as restrições começaram quase que instantaneamente. Novos sites foram criados para hospedar vídeos com afirmações falsas sobre o conflito. Mas o esforço de desinformação mais recente, apresentado pelos analistas da Nisos, consiste em uma operação de distribuição e postagem dos conteúdos em várias redes, fazendo uso de comportamentos inautênticos nas plataformas.
Segundo o relatório, os vídeos com propaganda russa são enviadas pelo Telegram -- uma plataforma quase livre de moderação --, em certos casos sem marcas d’água ou qualquer outro sinal que identifique os conteúdos como produzidos por veículos estatais russos.
Leia também
Compartilhados no Telegram, os vídeos são baixados e republicados em plataformas como o Twitter, também sem as indicações de origem russa. De acordo com os pesquisadores da Nisos, centenas de contas que postaram ou republicaram os vídeos foram vinculadas a militares russos, a embaixadas ou a mídia estatal.
“Os vídeos podem ser baixados diretamente do Telegram, o que apaga a trilha que os pesquisadores tentam seguir. Eles são criativos e adaptáveis. E eles estão analisando seu público”, disse a analista sênior de inteligência da Nisos, Patricia Bailey, à Associated Press.
Em uma indicação das ambições do Kremlin e do amplo alcance das operações de desinformação, versões dos vídeos também foram criadas em espanhol, italiano, alemão e mais de uma dezena de idiomas.
Contas falsas e relação com embaixadas
Os pesquisadores identificaram durante a apuração uma série de perfis com fotos aparentemente falsas e com padrões de publicação pouco usuais, sugerindo que não eram autênticas. Em um dos casos mencionados, foi identificada uma conta no Twitter que pertenceria a uma mulher que morava no Japão, mas com interesse particular pela propaganda russa.
Em vez de postar sobre uma variedade de tópicos, como entretenimento, viagem, política, comida ou mesmo sobre a família, o perfil publicava apenas vídeos de propaganda russa - e não só em japonês, mas também em farsi, polonês, espanhol e russo. A conta também citou ou compartilhou conteúdos de embaixadas russas centenas de vezes, no que foi apontado por pesquisadores como um indício de estreita relação entre diplomatas russos e o trabalho de desinformação.
Frentes de desinformação
Segundo Bailey, a estratégia nas redes sociais é “apenas uma peça de um quebra-cabeça” quando se trata das capacidades gerais de desinformação da Rússia. Na semana passada, a Rússia tentou espalhar uma teoria da conspiração acusando os EUA de sabotagem dos gasodutos Nord Stream, no Mar Báltico.
Na mesma semana, a Meta anunciou a descoberta de uma extensa rede de desinformação russa que criou sites projetados para se parecerem com os principais meios de comunicação europeus. Em vez de notícias, os sites veiculavam propaganda destinada a atacar a Ucrânia e distanciá-la dos aliados ocidentais.
Essa operação foi a maior do tipo originada na Rússia desde o início da guerra, concluíram os pesquisadores.
“A rede exibiu um padrão abrangente de direcionar a Europa com narrativas anti-Ucrânia e expressões de apoio aos interesses russos”, de acordo com um relatório do Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Atlantic Council, que ajudou a identificar a rede desativada pelo Meta./ AP