Mulheres na Índia viram ‘viúvas’ de maridos vivos que as deixam para sair do país


Estado de Punjab, tomado por desemprego e problemas com drogas, reflete drama crônico registrado em toda a nação

Por Sameer Yasir

GURDASPUR, ÍNDIA, THE NEW YORK TIMES - Como muitas outras mulheres no estado de Punjab, uma espécie de centro de emigração na Índia, Sharndeep Kaur desejava se casar com um indiano que trabalhasse no exterior e segui-lo para uma vida mais próspera em outro país. Em janeiro de 2014, ela pensou que seu sonho havia se realizado: em um templo sikh, casou-se com Harjinder Singh, que acabara de voltar da Itália, e foi morar com a família dele.

Depois de alguns dias, entretanto, seus sogros começaram a exigir cerca de US$ 10 mil (R$ 48 mil) para que seu marido pudesse se estabelecer no Canadá. Quando ela não conseguiu o dinheiro, eles a espancaram e a fizeram passar fome, de acordo com a denúncia registrada na polícia.

Oito semanas após o casamento, o marido voltou a trabalhar na Itália. Kaur nunca mais o viu.

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Sharndeep Kaur, cujo marido voltou ao seu trabalho na Itália oito semanas após o casamento em 2014. Kaur não o viu desde então Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Os dias se transformaram em semanas e depois em meses”, diz ela em sua casa no vilarejo de Fateh Nangal. “E meus olhos continuaram procurando por ele.” Kaur está longe de ser única em sua tristeza.

Dezenas de milhares de indianas foram abandonadas por maridos que trabalham no exterior, segundo funcionários do governo e ativistas, prendendo muitas delas nas casas dos sogros, conforme os costumes locais.

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Algumas mulheres que foram deixadas para trás são vítimas de promessas descumpridas da mudança de circunstâncias. Outras foram submetidas a enganos absolutos, suas famílias fraudadas em dotes, despesas de lua de mel e pagamento de vistos.

Existem poucos recursos legais específicos disponíveis para mulheres cujos maridos fogem, e processar os homens sob leis mais gerais pode ser difícil se eles estiverem no exterior.

Mas oito mulheres entraram com uma petição na Suprema Corte num esforço para pressionar o governo a adotar políticas para lidar com o que consideram um problema generalizado.

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Kulwinder Kaur segura uma foto do marido, que a abandonou há mais de 20 anos para trabalhar na Itália Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Um ex-juiz que chefiou uma comissão que investiga a questão em Punjab disse que havia 30 mil casos desse tipo apenas nesse estado. Embora Punjab, o único estado de maioria sikh da Índia, possua terras agrícolas entre as mais ricas do país, a região luta contra o desemprego e o abuso de drogas.

Outdoors promovendo centros de treinamento em inglês e firmas de consultoria de vistos são evidências de um êxodo para o exterior. Os jovens muitas vezes forçam parentes mais velhos a vender terras para que possam emigrar.

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Em uma tarde recente, numa rotatória em Kotli, vilarejo cercado de campos de arroz e cana-de-açúcar, uma dúzia de homens mais velhos estava sentada sob uma árvore, discutindo problemas dos agricultores: baixa renda, montanhas de dívidas e, em alguns casos, suicídio.

“É por isso que todo mundo quer sair de Punjab para realizar seu sonho do dólar”, disse o professor aposentado Satnam Singh, 65. “E essas mulheres são, em parte, resultado dessas aspirações.”

Ele disse que alguns maridos queriam honrar a promessa de levar suas esposas para o exterior, mas imprevistos ou regras rígidas de imigração os impediram de fazê-lo.

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Especialistas descrevem um padrão mais preocupante, também notado em entrevistas com 12 mulheres. A situação muitas vezes acontece assim: os pais combinam o casamento da filha com um indiano que voltou do exterior. Eles pagam um dote, prática banida há muito tempo na Índia, mas ainda comum.

Satwinder Kaur Satti, à direita, que dirige o Abbnhi, um grupo de apoio para mulheres deixadas para trás, em Ludhiana, Punjab, Índia Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Segue-se um luxuoso casamento, com dias de comida, bebida alcoólica e dança ao som de música punjabi. Depois vem a lua de mel, também paga pela família da noiva.

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O marido viaja, e a esposa espera o visto enquanto mora com os sogros, que pedem dinheiro para tirar o visto que nunca chega. A esposa, muitas vezes analfabeta, é mantida sob vigilância para a controlarem, prejudicando-a psicologicamente.

Para Kaur, que fugiu da casa dos sogros depois de cinco meses, foi “como viver num calabouço escuro”. Outros perigos também podem estar à espreita.

Algumas mulheres reclamam “de serem exploradas sexualmente por outros membros da família dos maridos, porque não têm para onde ir”, diz Rakesh Kumar Garg, juiz aposentado que até recentemente chefiava a comissão estadual sobre o assunto.

Em vários casos, os homens usaram o dinheiro do dote para pagar agentes de imigração para desembarcar em países ricos, como o Canadá, onde os sikhs representam cerca de 2% da população.

Um anúncio promovendo vistos e autorizações de trabalho para jovens que desejam emigrar, no estado indiano de Punjab em 23 de março de 2023 Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Os rapazes vêm, divertem-se e vão embora com o dinheiro do dote”, diz Garg. “Então se casam novamente em países estrangeiros para obter a cidadania. É simplesmente traição.”

Mulheres deixadas para trás podem ser encontradas em todos os lugares em Punjab - um sinal de que o desespero para partir supera os muitos contos de advertência.

“Uma mora aqui”, disse Kulwinder Kaur, que disse ter sido enganada para se casar em 1999, apontando de seu terraço para uma porta à direita de sua casa. “Outra mora lá”, continuou ela, apontando para um portão de entrada feito de bambu, à esquerda de sua casa.

Após o casamento, Kaur, que não é parente de Sharndeep Kaur, morou com o marido por nove meses na casa dos pais dele em Kotli. Ele trabalhou como carpinteiro antes de partir para o Canadá sem contar a ela. Ela continua morando com os sogros, ambos acamados, 24 anos após o casamento. “Sou como uma serva em sua casa”, disse ela.

Em uma manhã recente, Satwinder Kaur Satti, que dirige o Abbnhi, um grupo de apoio para mulheres abandonadas, estava conversando com visitantes em sua casa em Ludhiana quando seu telefone tocou.

Ravneet Khural mostrando uma foto do sistema de vigilância por vídeo que seus sogros usam para rastreá-la Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Você pode por favor me ajudar?”, uma mulher do outro lado da linha perguntou enquanto chorava ao telefone depois de dizer que havia sido espancada por sua sogra por não conseguir dinheiro para seu filho estrangeiro.

Na casa da mulher, a senhora Satti, que também disse ter sido vítima de um casamento fraudulento, a incentivou a registrar queixa na polícia, mas a mulher quis esperar alguns meses. “Seu marido nunca vai encontrar você, lembre-se disso”, disse Satti. “Abra um caso de polícia ou morra esperando.”

Algumas mulheres estão lutando para que os passaportes de seus maridos sejam apreendidos. Ravneet Khural, professora de inglês, envia lembretes por e-mail todas as semanas às autoridades pedindo que cancelem o passaporte de seu marido, Harpreet Singh Dhiman.

Isso é possível sob uma lei federal que pode ser usada para revogar os passaportes de indianos que foram para o exterior e deixaram as esposas se os maridos se recusarem a comparecer perante os juízes.

Os pais de Dhiman se mudaram para o Canadá com visto de negócios após o casamento de Khural em 2015. Depois de morar em diferentes países e fazer viagens ocasionais de volta à Índia para visitar parentes e sua mulher, Dhiman juntou-se aos pais no Canadá em 2021. Khural diz ter pago cerca de US$ 8.000 (R$ 38 mil) aos sogros pela papelada e pelo visto. Seu sogro, Kesar Singh, nega a afirmação.

“Deixe que ela prove”, diz Singh, acrescentando que seu filho pediu o divórcio antes de deixar a Índia porque o casal não se dava bem. Khural disse que recebeu uma notificação de um advogado sobre o pedido de divórcio no final do mês passado. Nesses casos, as mulheres raramente pedem o divórcio, por razões culturais e financeiras.

Kulwinder Kaur, que ordenha vacas todos os dias como parte de seu trabalho doméstico para seus sogros acamados, no estado indiano de Punjab Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Khural apresentou uma queixa à polícia, acusando o marido de violência doméstica —a polícia costuma abrir investigações sob tais acusações devido à falta de leis específicas para maridos fugitivos— e de mantê-la sob vigilância com câmeras. O caso, como a maioria na Índia, está avançando lentamente.

“Quero ensinar uma lição a ele”, diz ela, “para que se lembre para sempre do que fez comigo”.

Harjinder Singh, o trabalhador na Itália casado com Kaur, diz que também enfrentou um caso de violência doméstica depois que sua esposa apresentou queixa. Em entrevista por telefone, ele se recusou a apresentar seu lado da história ou a explicar o abandono da esposa. “Não tenho nada a acrescentar.”

Em uma noite recente, Kaur estava no terraço da casa de seus pais quando um homem de camisa branca caminhou por uma trilha no meio dos campos de trigo atrás da casa.

“Gostaria que fosse ele”, disse ela. “Mas sei que ele nunca mais vai voltar.”

GURDASPUR, ÍNDIA, THE NEW YORK TIMES - Como muitas outras mulheres no estado de Punjab, uma espécie de centro de emigração na Índia, Sharndeep Kaur desejava se casar com um indiano que trabalhasse no exterior e segui-lo para uma vida mais próspera em outro país. Em janeiro de 2014, ela pensou que seu sonho havia se realizado: em um templo sikh, casou-se com Harjinder Singh, que acabara de voltar da Itália, e foi morar com a família dele.

Depois de alguns dias, entretanto, seus sogros começaram a exigir cerca de US$ 10 mil (R$ 48 mil) para que seu marido pudesse se estabelecer no Canadá. Quando ela não conseguiu o dinheiro, eles a espancaram e a fizeram passar fome, de acordo com a denúncia registrada na polícia.

Oito semanas após o casamento, o marido voltou a trabalhar na Itália. Kaur nunca mais o viu.

Sharndeep Kaur, cujo marido voltou ao seu trabalho na Itália oito semanas após o casamento em 2014. Kaur não o viu desde então Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Os dias se transformaram em semanas e depois em meses”, diz ela em sua casa no vilarejo de Fateh Nangal. “E meus olhos continuaram procurando por ele.” Kaur está longe de ser única em sua tristeza.

Dezenas de milhares de indianas foram abandonadas por maridos que trabalham no exterior, segundo funcionários do governo e ativistas, prendendo muitas delas nas casas dos sogros, conforme os costumes locais.

Algumas mulheres que foram deixadas para trás são vítimas de promessas descumpridas da mudança de circunstâncias. Outras foram submetidas a enganos absolutos, suas famílias fraudadas em dotes, despesas de lua de mel e pagamento de vistos.

Existem poucos recursos legais específicos disponíveis para mulheres cujos maridos fogem, e processar os homens sob leis mais gerais pode ser difícil se eles estiverem no exterior.

Mas oito mulheres entraram com uma petição na Suprema Corte num esforço para pressionar o governo a adotar políticas para lidar com o que consideram um problema generalizado.

Kulwinder Kaur segura uma foto do marido, que a abandonou há mais de 20 anos para trabalhar na Itália Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Um ex-juiz que chefiou uma comissão que investiga a questão em Punjab disse que havia 30 mil casos desse tipo apenas nesse estado. Embora Punjab, o único estado de maioria sikh da Índia, possua terras agrícolas entre as mais ricas do país, a região luta contra o desemprego e o abuso de drogas.

Outdoors promovendo centros de treinamento em inglês e firmas de consultoria de vistos são evidências de um êxodo para o exterior. Os jovens muitas vezes forçam parentes mais velhos a vender terras para que possam emigrar.

Em uma tarde recente, numa rotatória em Kotli, vilarejo cercado de campos de arroz e cana-de-açúcar, uma dúzia de homens mais velhos estava sentada sob uma árvore, discutindo problemas dos agricultores: baixa renda, montanhas de dívidas e, em alguns casos, suicídio.

“É por isso que todo mundo quer sair de Punjab para realizar seu sonho do dólar”, disse o professor aposentado Satnam Singh, 65. “E essas mulheres são, em parte, resultado dessas aspirações.”

Ele disse que alguns maridos queriam honrar a promessa de levar suas esposas para o exterior, mas imprevistos ou regras rígidas de imigração os impediram de fazê-lo.

Especialistas descrevem um padrão mais preocupante, também notado em entrevistas com 12 mulheres. A situação muitas vezes acontece assim: os pais combinam o casamento da filha com um indiano que voltou do exterior. Eles pagam um dote, prática banida há muito tempo na Índia, mas ainda comum.

Satwinder Kaur Satti, à direita, que dirige o Abbnhi, um grupo de apoio para mulheres deixadas para trás, em Ludhiana, Punjab, Índia Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Segue-se um luxuoso casamento, com dias de comida, bebida alcoólica e dança ao som de música punjabi. Depois vem a lua de mel, também paga pela família da noiva.

O marido viaja, e a esposa espera o visto enquanto mora com os sogros, que pedem dinheiro para tirar o visto que nunca chega. A esposa, muitas vezes analfabeta, é mantida sob vigilância para a controlarem, prejudicando-a psicologicamente.

Para Kaur, que fugiu da casa dos sogros depois de cinco meses, foi “como viver num calabouço escuro”. Outros perigos também podem estar à espreita.

Algumas mulheres reclamam “de serem exploradas sexualmente por outros membros da família dos maridos, porque não têm para onde ir”, diz Rakesh Kumar Garg, juiz aposentado que até recentemente chefiava a comissão estadual sobre o assunto.

Em vários casos, os homens usaram o dinheiro do dote para pagar agentes de imigração para desembarcar em países ricos, como o Canadá, onde os sikhs representam cerca de 2% da população.

Um anúncio promovendo vistos e autorizações de trabalho para jovens que desejam emigrar, no estado indiano de Punjab em 23 de março de 2023 Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Os rapazes vêm, divertem-se e vão embora com o dinheiro do dote”, diz Garg. “Então se casam novamente em países estrangeiros para obter a cidadania. É simplesmente traição.”

Mulheres deixadas para trás podem ser encontradas em todos os lugares em Punjab - um sinal de que o desespero para partir supera os muitos contos de advertência.

“Uma mora aqui”, disse Kulwinder Kaur, que disse ter sido enganada para se casar em 1999, apontando de seu terraço para uma porta à direita de sua casa. “Outra mora lá”, continuou ela, apontando para um portão de entrada feito de bambu, à esquerda de sua casa.

Após o casamento, Kaur, que não é parente de Sharndeep Kaur, morou com o marido por nove meses na casa dos pais dele em Kotli. Ele trabalhou como carpinteiro antes de partir para o Canadá sem contar a ela. Ela continua morando com os sogros, ambos acamados, 24 anos após o casamento. “Sou como uma serva em sua casa”, disse ela.

Em uma manhã recente, Satwinder Kaur Satti, que dirige o Abbnhi, um grupo de apoio para mulheres abandonadas, estava conversando com visitantes em sua casa em Ludhiana quando seu telefone tocou.

Ravneet Khural mostrando uma foto do sistema de vigilância por vídeo que seus sogros usam para rastreá-la Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Você pode por favor me ajudar?”, uma mulher do outro lado da linha perguntou enquanto chorava ao telefone depois de dizer que havia sido espancada por sua sogra por não conseguir dinheiro para seu filho estrangeiro.

Na casa da mulher, a senhora Satti, que também disse ter sido vítima de um casamento fraudulento, a incentivou a registrar queixa na polícia, mas a mulher quis esperar alguns meses. “Seu marido nunca vai encontrar você, lembre-se disso”, disse Satti. “Abra um caso de polícia ou morra esperando.”

Algumas mulheres estão lutando para que os passaportes de seus maridos sejam apreendidos. Ravneet Khural, professora de inglês, envia lembretes por e-mail todas as semanas às autoridades pedindo que cancelem o passaporte de seu marido, Harpreet Singh Dhiman.

Isso é possível sob uma lei federal que pode ser usada para revogar os passaportes de indianos que foram para o exterior e deixaram as esposas se os maridos se recusarem a comparecer perante os juízes.

Os pais de Dhiman se mudaram para o Canadá com visto de negócios após o casamento de Khural em 2015. Depois de morar em diferentes países e fazer viagens ocasionais de volta à Índia para visitar parentes e sua mulher, Dhiman juntou-se aos pais no Canadá em 2021. Khural diz ter pago cerca de US$ 8.000 (R$ 38 mil) aos sogros pela papelada e pelo visto. Seu sogro, Kesar Singh, nega a afirmação.

“Deixe que ela prove”, diz Singh, acrescentando que seu filho pediu o divórcio antes de deixar a Índia porque o casal não se dava bem. Khural disse que recebeu uma notificação de um advogado sobre o pedido de divórcio no final do mês passado. Nesses casos, as mulheres raramente pedem o divórcio, por razões culturais e financeiras.

Kulwinder Kaur, que ordenha vacas todos os dias como parte de seu trabalho doméstico para seus sogros acamados, no estado indiano de Punjab Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Khural apresentou uma queixa à polícia, acusando o marido de violência doméstica —a polícia costuma abrir investigações sob tais acusações devido à falta de leis específicas para maridos fugitivos— e de mantê-la sob vigilância com câmeras. O caso, como a maioria na Índia, está avançando lentamente.

“Quero ensinar uma lição a ele”, diz ela, “para que se lembre para sempre do que fez comigo”.

Harjinder Singh, o trabalhador na Itália casado com Kaur, diz que também enfrentou um caso de violência doméstica depois que sua esposa apresentou queixa. Em entrevista por telefone, ele se recusou a apresentar seu lado da história ou a explicar o abandono da esposa. “Não tenho nada a acrescentar.”

Em uma noite recente, Kaur estava no terraço da casa de seus pais quando um homem de camisa branca caminhou por uma trilha no meio dos campos de trigo atrás da casa.

“Gostaria que fosse ele”, disse ela. “Mas sei que ele nunca mais vai voltar.”

GURDASPUR, ÍNDIA, THE NEW YORK TIMES - Como muitas outras mulheres no estado de Punjab, uma espécie de centro de emigração na Índia, Sharndeep Kaur desejava se casar com um indiano que trabalhasse no exterior e segui-lo para uma vida mais próspera em outro país. Em janeiro de 2014, ela pensou que seu sonho havia se realizado: em um templo sikh, casou-se com Harjinder Singh, que acabara de voltar da Itália, e foi morar com a família dele.

Depois de alguns dias, entretanto, seus sogros começaram a exigir cerca de US$ 10 mil (R$ 48 mil) para que seu marido pudesse se estabelecer no Canadá. Quando ela não conseguiu o dinheiro, eles a espancaram e a fizeram passar fome, de acordo com a denúncia registrada na polícia.

Oito semanas após o casamento, o marido voltou a trabalhar na Itália. Kaur nunca mais o viu.

Sharndeep Kaur, cujo marido voltou ao seu trabalho na Itália oito semanas após o casamento em 2014. Kaur não o viu desde então Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Os dias se transformaram em semanas e depois em meses”, diz ela em sua casa no vilarejo de Fateh Nangal. “E meus olhos continuaram procurando por ele.” Kaur está longe de ser única em sua tristeza.

Dezenas de milhares de indianas foram abandonadas por maridos que trabalham no exterior, segundo funcionários do governo e ativistas, prendendo muitas delas nas casas dos sogros, conforme os costumes locais.

Algumas mulheres que foram deixadas para trás são vítimas de promessas descumpridas da mudança de circunstâncias. Outras foram submetidas a enganos absolutos, suas famílias fraudadas em dotes, despesas de lua de mel e pagamento de vistos.

Existem poucos recursos legais específicos disponíveis para mulheres cujos maridos fogem, e processar os homens sob leis mais gerais pode ser difícil se eles estiverem no exterior.

Mas oito mulheres entraram com uma petição na Suprema Corte num esforço para pressionar o governo a adotar políticas para lidar com o que consideram um problema generalizado.

Kulwinder Kaur segura uma foto do marido, que a abandonou há mais de 20 anos para trabalhar na Itália Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Um ex-juiz que chefiou uma comissão que investiga a questão em Punjab disse que havia 30 mil casos desse tipo apenas nesse estado. Embora Punjab, o único estado de maioria sikh da Índia, possua terras agrícolas entre as mais ricas do país, a região luta contra o desemprego e o abuso de drogas.

Outdoors promovendo centros de treinamento em inglês e firmas de consultoria de vistos são evidências de um êxodo para o exterior. Os jovens muitas vezes forçam parentes mais velhos a vender terras para que possam emigrar.

Em uma tarde recente, numa rotatória em Kotli, vilarejo cercado de campos de arroz e cana-de-açúcar, uma dúzia de homens mais velhos estava sentada sob uma árvore, discutindo problemas dos agricultores: baixa renda, montanhas de dívidas e, em alguns casos, suicídio.

“É por isso que todo mundo quer sair de Punjab para realizar seu sonho do dólar”, disse o professor aposentado Satnam Singh, 65. “E essas mulheres são, em parte, resultado dessas aspirações.”

Ele disse que alguns maridos queriam honrar a promessa de levar suas esposas para o exterior, mas imprevistos ou regras rígidas de imigração os impediram de fazê-lo.

Especialistas descrevem um padrão mais preocupante, também notado em entrevistas com 12 mulheres. A situação muitas vezes acontece assim: os pais combinam o casamento da filha com um indiano que voltou do exterior. Eles pagam um dote, prática banida há muito tempo na Índia, mas ainda comum.

Satwinder Kaur Satti, à direita, que dirige o Abbnhi, um grupo de apoio para mulheres deixadas para trás, em Ludhiana, Punjab, Índia Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Segue-se um luxuoso casamento, com dias de comida, bebida alcoólica e dança ao som de música punjabi. Depois vem a lua de mel, também paga pela família da noiva.

O marido viaja, e a esposa espera o visto enquanto mora com os sogros, que pedem dinheiro para tirar o visto que nunca chega. A esposa, muitas vezes analfabeta, é mantida sob vigilância para a controlarem, prejudicando-a psicologicamente.

Para Kaur, que fugiu da casa dos sogros depois de cinco meses, foi “como viver num calabouço escuro”. Outros perigos também podem estar à espreita.

Algumas mulheres reclamam “de serem exploradas sexualmente por outros membros da família dos maridos, porque não têm para onde ir”, diz Rakesh Kumar Garg, juiz aposentado que até recentemente chefiava a comissão estadual sobre o assunto.

Em vários casos, os homens usaram o dinheiro do dote para pagar agentes de imigração para desembarcar em países ricos, como o Canadá, onde os sikhs representam cerca de 2% da população.

Um anúncio promovendo vistos e autorizações de trabalho para jovens que desejam emigrar, no estado indiano de Punjab em 23 de março de 2023 Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Os rapazes vêm, divertem-se e vão embora com o dinheiro do dote”, diz Garg. “Então se casam novamente em países estrangeiros para obter a cidadania. É simplesmente traição.”

Mulheres deixadas para trás podem ser encontradas em todos os lugares em Punjab - um sinal de que o desespero para partir supera os muitos contos de advertência.

“Uma mora aqui”, disse Kulwinder Kaur, que disse ter sido enganada para se casar em 1999, apontando de seu terraço para uma porta à direita de sua casa. “Outra mora lá”, continuou ela, apontando para um portão de entrada feito de bambu, à esquerda de sua casa.

Após o casamento, Kaur, que não é parente de Sharndeep Kaur, morou com o marido por nove meses na casa dos pais dele em Kotli. Ele trabalhou como carpinteiro antes de partir para o Canadá sem contar a ela. Ela continua morando com os sogros, ambos acamados, 24 anos após o casamento. “Sou como uma serva em sua casa”, disse ela.

Em uma manhã recente, Satwinder Kaur Satti, que dirige o Abbnhi, um grupo de apoio para mulheres abandonadas, estava conversando com visitantes em sua casa em Ludhiana quando seu telefone tocou.

Ravneet Khural mostrando uma foto do sistema de vigilância por vídeo que seus sogros usam para rastreá-la Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

“Você pode por favor me ajudar?”, uma mulher do outro lado da linha perguntou enquanto chorava ao telefone depois de dizer que havia sido espancada por sua sogra por não conseguir dinheiro para seu filho estrangeiro.

Na casa da mulher, a senhora Satti, que também disse ter sido vítima de um casamento fraudulento, a incentivou a registrar queixa na polícia, mas a mulher quis esperar alguns meses. “Seu marido nunca vai encontrar você, lembre-se disso”, disse Satti. “Abra um caso de polícia ou morra esperando.”

Algumas mulheres estão lutando para que os passaportes de seus maridos sejam apreendidos. Ravneet Khural, professora de inglês, envia lembretes por e-mail todas as semanas às autoridades pedindo que cancelem o passaporte de seu marido, Harpreet Singh Dhiman.

Isso é possível sob uma lei federal que pode ser usada para revogar os passaportes de indianos que foram para o exterior e deixaram as esposas se os maridos se recusarem a comparecer perante os juízes.

Os pais de Dhiman se mudaram para o Canadá com visto de negócios após o casamento de Khural em 2015. Depois de morar em diferentes países e fazer viagens ocasionais de volta à Índia para visitar parentes e sua mulher, Dhiman juntou-se aos pais no Canadá em 2021. Khural diz ter pago cerca de US$ 8.000 (R$ 38 mil) aos sogros pela papelada e pelo visto. Seu sogro, Kesar Singh, nega a afirmação.

“Deixe que ela prove”, diz Singh, acrescentando que seu filho pediu o divórcio antes de deixar a Índia porque o casal não se dava bem. Khural disse que recebeu uma notificação de um advogado sobre o pedido de divórcio no final do mês passado. Nesses casos, as mulheres raramente pedem o divórcio, por razões culturais e financeiras.

Kulwinder Kaur, que ordenha vacas todos os dias como parte de seu trabalho doméstico para seus sogros acamados, no estado indiano de Punjab Foto: Priyadarshini Ravichandran/NYT

Khural apresentou uma queixa à polícia, acusando o marido de violência doméstica —a polícia costuma abrir investigações sob tais acusações devido à falta de leis específicas para maridos fugitivos— e de mantê-la sob vigilância com câmeras. O caso, como a maioria na Índia, está avançando lentamente.

“Quero ensinar uma lição a ele”, diz ela, “para que se lembre para sempre do que fez comigo”.

Harjinder Singh, o trabalhador na Itália casado com Kaur, diz que também enfrentou um caso de violência doméstica depois que sua esposa apresentou queixa. Em entrevista por telefone, ele se recusou a apresentar seu lado da história ou a explicar o abandono da esposa. “Não tenho nada a acrescentar.”

Em uma noite recente, Kaur estava no terraço da casa de seus pais quando um homem de camisa branca caminhou por uma trilha no meio dos campos de trigo atrás da casa.

“Gostaria que fosse ele”, disse ela. “Mas sei que ele nunca mais vai voltar.”

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