‘Mundo se equivoca a respeito de Israel’, diz líder da oposição a Netanyahu, Yair Lapid


Ex-primeiro-ministro deixa claro que é contra o governo Netanyahu, não contra a forma como o país trava a guerra na Faixa de Gaza em resposta ao ataque terrorista do Hamas

Por Lulu Garcia-Navarro

TEL AVIV - Desde o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro, que resultou na morte de mais de 1.000 israelenses e na captura de mais de 200 reféns, a resposta de Israel tem sido rápida e brutal. Mais de 30 mil palestinos foram mortos em Gaza, a maioria deles civis, de acordo com as autoridades locais. A maior parte da infraestrutura de Gaza foi destruída, e é cada vez maior a pressão internacional sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu para acabar com a guerra e evitar uma nova guerra com o Irã.

Neste momento, quis conversar com um dos críticos mais veementes de Netanyahu dentro de Israel: Yair Lapid, o líder oficial da oposição israelense. Ele é um ex-jornalista, apresentador de TV e ator que entrou na política israelense há mais de uma década, fundando um partido centrista chamado Yesh Atid. Ele se tornou brevemente primeiro-ministro de Israel em 2022 – na época, o The Atlantic o considerou “o homem que poderia acabar com a era Netanyahu” – e continua sendo membro do Knesset. Depois de 7 de outubro, ele se recusou a participar do gabinete de guerra de Netanyahu. Pediu novas eleições para substituir o atual governo e apoiou publicamente uma solução de dois Estados – algo que Netanyahu tem trabalhado ativamente para evitar.

Lapid e eu conversamos duas vezes este mês, logo depois que ele veio aos Estados Unidos para se encontrar com o secretário de Estado, Antony Blinken, e com o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer. Na nossa primeira conversa, Lapid deixou claro que se opõe a Netanyahu, mas não à forma como Israel está travando sua guerra. Quando voltamos a falar, pressionei-o a respeito de sua defesa da guerra e ele me explicou por que acha que Israel é tão incompreendido.

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Líder da maioria democrata no Senado Chuck Schumer recebe líder da oposição israelense Yair Lapid em Washington, 9 de abril de 2024.  Foto: Jacquelyn Martin/Associated Press

Antes de nos aprofundarmos nos detalhes, você pode apenas me dizer, enquanto líder israelense, enquanto cidadão israelense, como se sente em relação a este momento na história de Israel? Vimos uma série de coisas sem precedentes acontecerem.

Como me sinto em relação a isso? Como israelense, estou mais preocupado do que nunca. Sinto a fragilidade da nossa sociedade. Encontro-me com as famílias de reféns e falo com elas sobre a dor, o medo e a agonia intermináveis que sentem. E, claro, não tenho como não imaginar como seria estar no lugar deles se meus filhos estivessem lá ou se minha mãe estivesse lá, detida por uma organização terrorista. E sou assombrado pelas lembranças do dia 7 de outubro, pelas implicações para a nossa segurança.

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Enquanto líder político, estou preocupado, mas de uma forma diferente, porque não acredito que tenhamos a liderança certa para lidar com o momento. Sinto-me um pouco desconfortável ao debater isso em inglês com o New York Times, porque tradicionalmente costumávamos dizer, “Não vamos falar da política israelense ao tratar com a mídia internacional”, mas a situação é muito extrema. E muito dolorosa. E, além disso, me sinto incompreendido.

Você, pessoalmente? Ou o país?

Ambos, mas principalmente o país. Estamos travando uma guerra pela nossa existência. Não creio que as pessoas compreendam o nível de medo e angústia – estou me referindo à comunidade internacional, à mídia internacional. Para mim, é horrível ver essas imagens de jovens marchando nos campi americanos, gritando: “Do rio ao mar”. E aí você pergunta: vocês sabem de qual rio ou de qual mar estão falando? E eles não têm ideia. Estão nos colocando do lado dos bandidos sem nem saber o que aconteceu, sem saber o que estamos passando. Então, se achar que há certa ambiguidade nos sentimentos que estou descrevendo, você tem razão. São sentimentos ambíguos, mas nenhum deles é realmente bom.

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Soldados israelenses perto da fronteira com a Faixa de Gaza, no sul de Israel, 1 de maio de 2024.  Foto: Ohad Zwigenberg/Associated Press

Quero perguntar o que acha de como Netanyahu tem conduzido as relações com o atual governo dos EUA. Pode-se argumentar que, em determinados momentos, o governo do primeiro-ministro quase tentou constranger o governo Biden. Estou pensando em quando o secretário de Estado Blinken foi a Tel Aviv e, no mesmo dia, foi anunciada uma nova expansão de assentamentos de colonos na Cisjordânia. Biden tem sido um verdadeiro amigo de Bibi, mas Bibi é amigo de Biden?

Não. E é reconfortante ver a forma como o presidente lidou com isso, porque ele foi capaz de sustentar a ideia de que apoiar Israel é o seu papel histórico como presidente americano. E ele o fez em um ano eleitoral, o que para mim é ainda mais impressionante, porque neste momento, parte do que há de tão perigoso na atual fase das relações é que… Deixe-me dizer desta forma: não acho que Israel será o motivo de alguém ganhar ou perder as eleições americanas. Mas, se o presidente Biden perder as eleições, muitas pessoas no Partido Democrata dirão que terá sido por causa de Israel. Ou, pelo menos, esta será uma das alegações. E então Israel, em vez de ser valioso em uma eleição ou uma vantagem, tornou-se um risco, o que é horrível.

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Você culpa o primeiro-ministro Netanyahu ou a própria guerra? Porque temos visto um apaixonado movimento pró-Palestina aqui nos EUA que parece ter mudado fundamentalmente a forma como o público enxerga Israel.

Bem, é complicado falar em culpa. Em primeiro lugar, culpo um movimento islâmico radical cínico que está usando a falta de conhecimento dos jovens americanos, que estão comprando isso como parte de uma luta contínua entre opressores e oprimidos, ou entre brancos privilegiados e os não privilegiados. Continuamos dizendo a eles: Anne Frank não era uma criança branca privilegiada. E as coisas não são como na história que contam a vocês, e como é que vocês estão marchando a favor de pessoas que querem matar judeus simplesmente porque são judeus? Porque é assim que são o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica. E esses jovens os estão apoiando contra um país democrático. Isso é, para mim, inacreditável em muitos aspectos.

Mas também culpo um governo israelense que não compreende ou parece não se importar com o seu dever principal de facilitar o apoio daqueles que nos defendem nos Estados Unidos. Por exemplo, não garantir que a violência dos colonos seja restringida, não garantir que façamos o que precisa de ser feito em termos de explicar o que realmente está acontecendo na guerra em Gaza. E não fazer coisas simples como dizer: sim, nosso coração fica partido quando crianças morrem em Gaza. Porque crianças não deveriam morrer nas guerras dos adultos e porque não estamos em guerra com crianças. E tentamos fazer o máximo para evitar que inocentes sejam feridos. Esta é uma área muito densamente povoada. Esta é uma guerra muito cruel contra um inimigo que usa o seu próprio povo, os seus próprios filhos como escudos humanos, e as baixas são por vezes inevitáveis. Mas lamentamos. E o ridículo é que estamos fazendo o nosso melhor. As Forças de Defesa de Israel estão fazendo o seu melhor para evitar isto. E, no entanto, o governo não diz isso em voz alta, porque tem medo de algumas vozes populistas e ignorantes que podem dizer que estão sendo muito brandos na condução da guerra. Para mim, isso é simplesmente ultrajante.

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Você diz que Israel lamenta a grande perda de vidas palestinas, mas um dos grandes problemas, não apenas aqui nos Estados Unidos, mas globalmente, é esse mesmo fato: que houve uma restrição da entrada de ajuda, que Israel tem usado bombardeios maciços na Faixa de Gaza que, como você observa, é densamente povoada. O fato de que Gaza foi arrasada. Você concorda com as medidas tomadas até agora e com a condução da guerra?

Bem, não há uma resposta simples. Basicamente, deveríamos ter empurrado mais ajuda para dentro de Gaza, e estamos fazendo isso agora, depois de muito tempo. Mas há algo a ser dito antes disso. Qual é a alternativa? Neste momento, ao envolvimento nesta guerra só há uma alternativa, e esta é sermos assassinados. Nunca pedimos esta guerra. Nunca quisemos esta guerra e só partimos para esta guerra porque os nossos filhos foram queimados vivos. Porque nossos idosos foram mortos. Porque ainda temos, mesmo neste momento, reféns nos túneis dos terroristas. Eles violaram mulheres e conquistaram aldeias. E mais do que isso, eles disseram abertamente – estou me referindo ao Hamas – que, se tiverem uma oportunidade, farão isso de novo. E, assim sendo, estamos em Gaza para garantir que isso nunca mais aconteça.

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Ao ouvi-lo falar, ouço coisas que me lembram certos comentários que ouvi de Netanyahu.

Ah, agora começaram os insultos. [risos]

Você deliberadamente não aderiu ao gabinete de guerra. Pode me dizer por quê? Você lidera a oposição, e só de ouvi-lo falar de sua defesa da condução da guerra, fico me perguntando: em que sentido você faz oposição?

Parte disso acontece porque alguém tem de dizer em voz alta: temos de preservar nossa espinha dorsal democrática. Temos de garantir que estamos lidando com esta questão no mínimo da melhor forma possível e temos de compreender que o futuro reside também no debate desta questão com outros palestinos, como a Autoridade Palestina. Este país precisa de alguém que fale sobre o futuro em termos diferentes. Precisamos neste país de alguém que seja capaz de falar com o governo americano ou com a esfera política americana em uma língua diferente. E, além disso, sinto que o primeiro-ministro Netanyahu faz parte daquilo que nos levou à situação atual, ou tem uma enorme responsabilidade por isso. E sentar atrás dele e se tornar uma fachada ou legitimar seu cargo de primeiro-ministro não parece uma boa ideia.

Mas sou um patriota israelense. Penso que o Exército israelense está se comportando de uma forma honrosa em circunstâncias terríveis, por vezes impossíveis, e está fazendo o seu melhor para evitar ferir inocentes. E, portanto, sinto-me obrigado a defender a forma como as Forças de Defesa de Israel estão agindo. Por outro lado, quando algo terrível acontece, como quando Israel matou acidentalmente os funcionários da organização World Kitchen, serei o primeiro a dizer: ouçam, lamentamos. Isso não deveria ter acontecido. E exigir que haja uma investigação, exigir que haja resultados para essas investigações. Então eu acho que essa voz é necessária. Mas acho que fiz a coisa certa ficando fora do governo.

Você convocou novas eleições. Mas, enquanto isso, a situação com o Irã se agravou. Não é mais uma guerra indireta em que as duas partes evitam o conflito aberto. O que você acha que precisa acontecer? Ainda acha que Israel precisa de novas eleições?

Sim. É claro que não é ideal realizar eleições enquanto os combates continuam e não sabemos qual será o seu desfecho. Mas estamos lidando apenas com opções ruins agora, e temos lidado com elas desde 7 de outubro. Basicamente, não temos o governo certo para os desafios que enfrentamos. Portanto, temos de fazer um esforço e substituir este governo por um governo que possa lidar com a guerra, com os iranianos, com as relações com o governo americano, e recriar e rejuvenescer a aliança que temos com os estados sunitas moderados. E, para que isso aconteça, precisamos ter um debate que fale tanto sobre os iranianos como sobre os palestinos. Porque esta é a exigência deles e também é para o nosso bem. Precisamos ser capazes de lhes dizer: sim, vamos trabalhar com a Autoridade Palestina. E vamos começar por Gaza, porque temos de reconstruir Gaza e reabilitar Gaza.

Palestinos avaliam a destruição após ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza, 30 de maio de 2024. Foto: Abdel Kareem Hana/Associated Press

Então, o que deverá acontecer a Gaza e aos palestinos depois da guerra? Quem deve pagar pela reconstrução? Quem deveria governá-la? Para onde devem ir as pessoas desabrigadas?

Bem, deveríamos construir uma aliança entre, como eu disse, os estados sunitas moderados, a Autoridade Palestina, a comunidade internacional, os Estados Unidos, a União Europeia, quem quer que esteja demonstrando preocupação nestes dias, e Israel, a fim de começar a reconstrução e a substituição do Hamas. Porque enquanto o Hamas existir e estiver ativo e enquanto o Hamas tiver controle do território, não haverá futuro para o povo de Gaza. Eles têm que entender isso. Em 2021, apresentei um plano denominado Economia para a Segurança, que significava dar ao povo de Gaza um futuro econômico em troca de substituir o Hamas por algo mais positivo –

Eu só quero interromper um momento. Você está falando em algo que era uma ideia muito antiga. A ideia de dar prosperidade econômica aos palestinos tem sido cogitada há décadas. Mas muito pouco deste debate tem sido sobre a ocupação. Durante muitos anos, inclusive quando o senhor era primeiro-ministro, houve uma sensação de que, em se tratando dos palestinos, o status quo poderia simplesmente ser aceito e ignorado. A ideia de que os palestinos desejariam a sua própria autodeterminação, o seu próprio Estado, poderia ser posta de lado e que, de alguma forma, a prosperidade econômica poderia ser um substituto. Você acha que essa ideia estava equivocada? Você estava errado?

Bem, eu nunca disse isso, então não estava errado.

Bem, você acabou de dizer agora, que a economia…

Não, não. Você me perguntou especificamente sobre Gaza. O problema em Gaza é especificamente a reconstrução de Gaza. Mas eu sempre disse que a diferença entre os israelenses e os palestinos é que a principal preocupação dos israelenses é a segurança. A principal preocupação dos palestinos é o auto-reconhecimento e o respeito. E eu entendo isso. E entendo que, no final, o que precisamos é ter dois Estados, vivendo em paz, um ao lado do outro. Um deveria ser mais forte que o outro, e o outro deveria ser desmilitarizado. No longo prazo, apoio a ideia de que estes dois povos se separem, depois de implementadas todas as medidas de segurança. Eu quero me separar deles. Não é um favor que estou fazendo aos palestinos, é para o meu próprio bem. E a separação dos palestinos deveria resultar de uma posição de poder por causa dos acontecimentos horríveis que nos acometeram recentemente e não tão recentemente.

-/-

Quando voltei a ligar para Lapid, alguns dias depois, queria perguntar a ele mais a respeito do tipo de oposição que ele representa.

Enquanto conversávamos, o que ouvi é que, no que diz respeito à guerra, não há realmente muita oposição. Israel está sendo acusado de genocídio, de crimes de guerra. E enquanto conversamos, você defendeu a condução da guerra, e se referiu a si mesmo como um patriota israelense. Mas suponho que a minha pergunta seja: não pode o patriotismo também ser definido como o questionamento da condução desta guerra?

Claro que pode. Presumo que aquilo a que estava reagindo é o que sinto ser uma traição dos intelectuais. O que significa que os intelectuais do Ocidente, ou alguns deles, traíram a ideia de complexidade. Porque o que penso é que – e este é o meu dever como líder da oposição israelense, dizer isso ao governo israelense – é preciso lidar com esta guerra melhor do que estamos fazendo agora. Compreendemos, claro, a necessidade de defender o país, de defender o povo, de reagir ao que aconteceu em 7 de outubro e de eliminar toda a capacidade militar do Hamas. E, por outro lado, continuar sendo o que somos: uma democracia que dá o seu melhor na defesa da ideia de humanidade. E, como discutimos, está defendendo isso em circunstâncias nada menos que horríveis. E o diálogo que mantemos com o mundo exterior é feito com pessoas que entoam slogans que elas mesmas não compreendem de fato, ou que estão determinadas a transformar isto em uma história de um só lado.

Não, Israel não está cometendo genocídio. Não, Israel não está fazendo nada além de se defender em uma guerra que não queríamos. E estas não são declarações em defesa do governo. Esta é apenas a realidade das pessoas que estão sofrendo. O fato de me opor tanto ao governo não significa que deva me opor à ideia de legítima defesa.

O que estou pensando, na verdade, é exatamente o que significa, num momento como este, dizer efetivamente, que isso está errado, mesmo que você se preocupe com Israel e os israelenses. Anteriormente, você menosprezou os jovens americanos que marcham pelos direitos dos palestinos, disse que eles são ignorantes e estão enganados.

R: Não creio que estejam marchando pelos direitos dos palestinos. Acho que estão marchando contra os direitos dos palestinos. Penso que o que estão fazendo vai contra o interesse do povo palestino.

Protestos pró-palestinos na Universidade de Columbia, 30 de abril de 2024.  Foto: David Dee Delgado/Reuters

Isso não descarta as preocupações legítimas deles em relação às mortes de civis?

Bem, acho que eles deveriam conhecer os fatos. Acho que eles deveriam compreender que há uma razão pela qual tudo está acontecendo, e a razão é o Hamas. A razão não é Israel. Quero dizer, não ser capaz de rastrear a origem do que está acontecendo é uma total falta de… Não sei, dignidade intelectual, ou no mínimo curiosidade.

E, sabe, eu estava pensando depois da nossa primeira conversa. Estava tentando descobrir o que houve, porque disse a mim mesmo: em um momento ou outro, eu estava na defensiva e a entrevistadora estava na defensiva. Por que isso aconteceu? Então eu não sei de você, mas eu sei de mim. E a razão é porque me recuso a participar do concurso de quem é a maior vítima? Cansei de ser uma vítima. Cansei de ser uma vítima desde junho de 1945. Então a questão é que agora, para obter a compaixão e a empatia do mundo ocidental, ter que lembrá-los a cada cinco segundos que somos as vítimas nisso, para mim, é uma ideia horrível. Prefiro dizer a eles: escutem, estamos lutando por nossas vidas e faremos o que for necessário para vencer essa luta, porque paramos de ser vítimas.

Agora, a coisa mais comum a fazer é entrar em uma briga com os palestinos para saber quem está sofrendo mais. Mas isso é um prazer que não vou dar a ninguém. Talvez seja por isso que fiquei um pouco frustrado, porque parecia que eu tinha de provar que sou mais vítima do que os palestinos. Eu não sou vítima. Sou um cidadão orgulhoso de um grande país que luta pela sua vida, e em circunstâncias terríveis, enquanto tenta ao máximo não ferir os palestinos, porque eles estão vivendo aqui conosco e precisamos encontrar formas de garantir que eles também tenham um futuro.

Sempre me pareceu uma dissociação fundamental, porque Israel não sente que há reconhecimento suficiente da ameaça existencial que o país sofre. Você está articulando isso agora. E os críticos de Israel em relação à questão palestina querem que Israel veja que não pode ser uma verdadeira democracia com segurança real enquanto oprime e ocupa milhões de palestinos. Você consegue entender esse ponto de vista?

Claro. E já que você cobriu Israel, então você sabe, ao contrário de outros, as inúmeras vezes em que Israel ofereceu aos palestinos a condição de Estado, e eles recusaram repetidas vezes.

Mas há outra versão dessa história.

R: Sim, existe outra versão desta história, mas não é a correta. Eu estava envolvido, então eu sei do que estou falando.

Quero contar outra coisa. Certo dia, fui a uma reunião com uma ministra das relações exteriores muito inteligente. Foi há anos. Ela era uma das pessoas mais inteligentes que conheço, entrou na sala e iniciou a conversa dizendo-me: “Reconhecemos o direito de Israel de se defender”. E eu perguntei: “Por que você está dizendo isso?” E ela respondeu: “O que quer dizer?” Eu disse: “Você vai a uma reunião com o ministro das relações exteriores da França e diz a ele que reconhece o direito da França de se defender? Há algum outro país a quem você diga que tem o direito de se defender? Por que você está enfatizando o fato?” Eu não estava bravo com ela. Estava apenas curioso a respeito da pergunta. Por que é que ela sentiu a necessidade de me dizer que tenho o direito de me defender e de não morrer em silêncio? Você e eu conseguimos ir tão longe na nossa conversa, o que é um grande sucesso, sem mencionar a possibilidade de que talvez seja porque somos judeus. Mas talvez seja porque somos judeus.

Isto é algo que ouvi muito de judeus fora de Israel e, obviamente, dentro de Israel. Mas também conhecemos o outro lado disto, que é que muitos palestinos olham para o contexto da ocupação, olham para a forma como foram tratados e dizem que este contexto não é tão simples quanto saber quem é a vítima deste ciclo particular de violência.

Bem, eu não quero esse ciclo de violência. E nenhum israelense em sã consciência – temos a nossa cota de lunáticos, não vou defendê-los – mas a maioria dos israelenses não quer este ciclo de violência. E se alguém nos permitir uma separação dos palestinos – ou seja, se tivermos alguém com quem conversar do lado palestino sobre uma separação – haverá uma grande maioria de israelenses a favor desta separação.

O que você está ouvindo é frustração porque não consigo entender o fato de que, cinco minutos depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto, já estamos nos defendendo de pessoas que nos dizem: Bem, questionamos o seu direito de se defenderem, porque vocês fazem parte do mundo branco privilegiado e, portanto, não têm direito à legítima defesa. Não faz sentido para mim. Isso me frustra. E odeio a ideia de continuar dizendo a mim mesmo que estou feliz por meu pai não estar vivo para ver isso.

Toda a sua vida foi uma saída do porão do gueto de Budapeste, onde os nazistas o colocaram. E, se ele estivesse vivo agora, estaria trancado comigo e com minha filha com necessidades especiais no porão da minha casa, porque alguém está tentando nos matar novamente. O fato de não parecermos ser capazes de nos salvar de estarmos trancados em um porão cercados por pessoas que querem nos matar é muito, muito frustrante para o povo de Israel.

Esta é a minha última pergunta, uma pergunta sobre o futuro. Uma sondagem realizada pelo Israel Democracy Institute mostra que 63% do público judeu israelense não apoia atualmente um Estado palestino independente. Você diz que isso se deve à história, e isso pode muito bem ser verdade. E você deixou bem clara sua posição. Você quer ver o governo de Netanyahu renunciar. Você acredita em uma solução de dois estados. Mas parece que, mesmo que Bibi vá embora, a política dele continuará popular. Então, onde fica a oposição depois desta guerra, e a própria perspectiva de paz? Como você pretende trazer os israelenses para o seu lado?

A política pode ser, como vocês sabem muito bem, horrível, mas às vezes, muito raramente, também bonita. E é lindo quando você tem a oportunidade de mudar a opinião das pessoas, de conversar com elas, de poder comunicar a elas novas ideias. É sempre uma batalha de ideias. E é a única batalha pela qual vale a pena viver. Como eu disse e você citou, sou um patriota. E você está certa, patriotismo às vezes é dizer às pessoas o que elas não querem ouvir. Isso é o que vamos tentar fazer. Vamos tentar fazer com que o governo de Netanyahu desapareça, porque é desastroso, perigoso, irresponsável e, ainda por cima, disfuncional. E depois diremos aos israelenses: temos de tomar uma decisão sobre o nosso futuro, e esta decisão será baseada nas ideias que debati com você. Que, para continuarmos a ser o país mais forte do Oriente Médio, precisamos também continuar a ser a democracia mais forte do Oriente Médio. E, para sermos essa democracia, temos de iniciar a longa jornada, o primeiro passo da jornada de 1.600 quilômetros para nos separarmos dos palestinos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TEL AVIV - Desde o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro, que resultou na morte de mais de 1.000 israelenses e na captura de mais de 200 reféns, a resposta de Israel tem sido rápida e brutal. Mais de 30 mil palestinos foram mortos em Gaza, a maioria deles civis, de acordo com as autoridades locais. A maior parte da infraestrutura de Gaza foi destruída, e é cada vez maior a pressão internacional sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu para acabar com a guerra e evitar uma nova guerra com o Irã.

Neste momento, quis conversar com um dos críticos mais veementes de Netanyahu dentro de Israel: Yair Lapid, o líder oficial da oposição israelense. Ele é um ex-jornalista, apresentador de TV e ator que entrou na política israelense há mais de uma década, fundando um partido centrista chamado Yesh Atid. Ele se tornou brevemente primeiro-ministro de Israel em 2022 – na época, o The Atlantic o considerou “o homem que poderia acabar com a era Netanyahu” – e continua sendo membro do Knesset. Depois de 7 de outubro, ele se recusou a participar do gabinete de guerra de Netanyahu. Pediu novas eleições para substituir o atual governo e apoiou publicamente uma solução de dois Estados – algo que Netanyahu tem trabalhado ativamente para evitar.

Lapid e eu conversamos duas vezes este mês, logo depois que ele veio aos Estados Unidos para se encontrar com o secretário de Estado, Antony Blinken, e com o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer. Na nossa primeira conversa, Lapid deixou claro que se opõe a Netanyahu, mas não à forma como Israel está travando sua guerra. Quando voltamos a falar, pressionei-o a respeito de sua defesa da guerra e ele me explicou por que acha que Israel é tão incompreendido.

Líder da maioria democrata no Senado Chuck Schumer recebe líder da oposição israelense Yair Lapid em Washington, 9 de abril de 2024.  Foto: Jacquelyn Martin/Associated Press

Antes de nos aprofundarmos nos detalhes, você pode apenas me dizer, enquanto líder israelense, enquanto cidadão israelense, como se sente em relação a este momento na história de Israel? Vimos uma série de coisas sem precedentes acontecerem.

Como me sinto em relação a isso? Como israelense, estou mais preocupado do que nunca. Sinto a fragilidade da nossa sociedade. Encontro-me com as famílias de reféns e falo com elas sobre a dor, o medo e a agonia intermináveis que sentem. E, claro, não tenho como não imaginar como seria estar no lugar deles se meus filhos estivessem lá ou se minha mãe estivesse lá, detida por uma organização terrorista. E sou assombrado pelas lembranças do dia 7 de outubro, pelas implicações para a nossa segurança.

Enquanto líder político, estou preocupado, mas de uma forma diferente, porque não acredito que tenhamos a liderança certa para lidar com o momento. Sinto-me um pouco desconfortável ao debater isso em inglês com o New York Times, porque tradicionalmente costumávamos dizer, “Não vamos falar da política israelense ao tratar com a mídia internacional”, mas a situação é muito extrema. E muito dolorosa. E, além disso, me sinto incompreendido.

Você, pessoalmente? Ou o país?

Ambos, mas principalmente o país. Estamos travando uma guerra pela nossa existência. Não creio que as pessoas compreendam o nível de medo e angústia – estou me referindo à comunidade internacional, à mídia internacional. Para mim, é horrível ver essas imagens de jovens marchando nos campi americanos, gritando: “Do rio ao mar”. E aí você pergunta: vocês sabem de qual rio ou de qual mar estão falando? E eles não têm ideia. Estão nos colocando do lado dos bandidos sem nem saber o que aconteceu, sem saber o que estamos passando. Então, se achar que há certa ambiguidade nos sentimentos que estou descrevendo, você tem razão. São sentimentos ambíguos, mas nenhum deles é realmente bom.

Soldados israelenses perto da fronteira com a Faixa de Gaza, no sul de Israel, 1 de maio de 2024.  Foto: Ohad Zwigenberg/Associated Press

Quero perguntar o que acha de como Netanyahu tem conduzido as relações com o atual governo dos EUA. Pode-se argumentar que, em determinados momentos, o governo do primeiro-ministro quase tentou constranger o governo Biden. Estou pensando em quando o secretário de Estado Blinken foi a Tel Aviv e, no mesmo dia, foi anunciada uma nova expansão de assentamentos de colonos na Cisjordânia. Biden tem sido um verdadeiro amigo de Bibi, mas Bibi é amigo de Biden?

Não. E é reconfortante ver a forma como o presidente lidou com isso, porque ele foi capaz de sustentar a ideia de que apoiar Israel é o seu papel histórico como presidente americano. E ele o fez em um ano eleitoral, o que para mim é ainda mais impressionante, porque neste momento, parte do que há de tão perigoso na atual fase das relações é que… Deixe-me dizer desta forma: não acho que Israel será o motivo de alguém ganhar ou perder as eleições americanas. Mas, se o presidente Biden perder as eleições, muitas pessoas no Partido Democrata dirão que terá sido por causa de Israel. Ou, pelo menos, esta será uma das alegações. E então Israel, em vez de ser valioso em uma eleição ou uma vantagem, tornou-se um risco, o que é horrível.

Você culpa o primeiro-ministro Netanyahu ou a própria guerra? Porque temos visto um apaixonado movimento pró-Palestina aqui nos EUA que parece ter mudado fundamentalmente a forma como o público enxerga Israel.

Bem, é complicado falar em culpa. Em primeiro lugar, culpo um movimento islâmico radical cínico que está usando a falta de conhecimento dos jovens americanos, que estão comprando isso como parte de uma luta contínua entre opressores e oprimidos, ou entre brancos privilegiados e os não privilegiados. Continuamos dizendo a eles: Anne Frank não era uma criança branca privilegiada. E as coisas não são como na história que contam a vocês, e como é que vocês estão marchando a favor de pessoas que querem matar judeus simplesmente porque são judeus? Porque é assim que são o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica. E esses jovens os estão apoiando contra um país democrático. Isso é, para mim, inacreditável em muitos aspectos.

Mas também culpo um governo israelense que não compreende ou parece não se importar com o seu dever principal de facilitar o apoio daqueles que nos defendem nos Estados Unidos. Por exemplo, não garantir que a violência dos colonos seja restringida, não garantir que façamos o que precisa de ser feito em termos de explicar o que realmente está acontecendo na guerra em Gaza. E não fazer coisas simples como dizer: sim, nosso coração fica partido quando crianças morrem em Gaza. Porque crianças não deveriam morrer nas guerras dos adultos e porque não estamos em guerra com crianças. E tentamos fazer o máximo para evitar que inocentes sejam feridos. Esta é uma área muito densamente povoada. Esta é uma guerra muito cruel contra um inimigo que usa o seu próprio povo, os seus próprios filhos como escudos humanos, e as baixas são por vezes inevitáveis. Mas lamentamos. E o ridículo é que estamos fazendo o nosso melhor. As Forças de Defesa de Israel estão fazendo o seu melhor para evitar isto. E, no entanto, o governo não diz isso em voz alta, porque tem medo de algumas vozes populistas e ignorantes que podem dizer que estão sendo muito brandos na condução da guerra. Para mim, isso é simplesmente ultrajante.

Você diz que Israel lamenta a grande perda de vidas palestinas, mas um dos grandes problemas, não apenas aqui nos Estados Unidos, mas globalmente, é esse mesmo fato: que houve uma restrição da entrada de ajuda, que Israel tem usado bombardeios maciços na Faixa de Gaza que, como você observa, é densamente povoada. O fato de que Gaza foi arrasada. Você concorda com as medidas tomadas até agora e com a condução da guerra?

Bem, não há uma resposta simples. Basicamente, deveríamos ter empurrado mais ajuda para dentro de Gaza, e estamos fazendo isso agora, depois de muito tempo. Mas há algo a ser dito antes disso. Qual é a alternativa? Neste momento, ao envolvimento nesta guerra só há uma alternativa, e esta é sermos assassinados. Nunca pedimos esta guerra. Nunca quisemos esta guerra e só partimos para esta guerra porque os nossos filhos foram queimados vivos. Porque nossos idosos foram mortos. Porque ainda temos, mesmo neste momento, reféns nos túneis dos terroristas. Eles violaram mulheres e conquistaram aldeias. E mais do que isso, eles disseram abertamente – estou me referindo ao Hamas – que, se tiverem uma oportunidade, farão isso de novo. E, assim sendo, estamos em Gaza para garantir que isso nunca mais aconteça.

Ao ouvi-lo falar, ouço coisas que me lembram certos comentários que ouvi de Netanyahu.

Ah, agora começaram os insultos. [risos]

Você deliberadamente não aderiu ao gabinete de guerra. Pode me dizer por quê? Você lidera a oposição, e só de ouvi-lo falar de sua defesa da condução da guerra, fico me perguntando: em que sentido você faz oposição?

Parte disso acontece porque alguém tem de dizer em voz alta: temos de preservar nossa espinha dorsal democrática. Temos de garantir que estamos lidando com esta questão no mínimo da melhor forma possível e temos de compreender que o futuro reside também no debate desta questão com outros palestinos, como a Autoridade Palestina. Este país precisa de alguém que fale sobre o futuro em termos diferentes. Precisamos neste país de alguém que seja capaz de falar com o governo americano ou com a esfera política americana em uma língua diferente. E, além disso, sinto que o primeiro-ministro Netanyahu faz parte daquilo que nos levou à situação atual, ou tem uma enorme responsabilidade por isso. E sentar atrás dele e se tornar uma fachada ou legitimar seu cargo de primeiro-ministro não parece uma boa ideia.

Mas sou um patriota israelense. Penso que o Exército israelense está se comportando de uma forma honrosa em circunstâncias terríveis, por vezes impossíveis, e está fazendo o seu melhor para evitar ferir inocentes. E, portanto, sinto-me obrigado a defender a forma como as Forças de Defesa de Israel estão agindo. Por outro lado, quando algo terrível acontece, como quando Israel matou acidentalmente os funcionários da organização World Kitchen, serei o primeiro a dizer: ouçam, lamentamos. Isso não deveria ter acontecido. E exigir que haja uma investigação, exigir que haja resultados para essas investigações. Então eu acho que essa voz é necessária. Mas acho que fiz a coisa certa ficando fora do governo.

Você convocou novas eleições. Mas, enquanto isso, a situação com o Irã se agravou. Não é mais uma guerra indireta em que as duas partes evitam o conflito aberto. O que você acha que precisa acontecer? Ainda acha que Israel precisa de novas eleições?

Sim. É claro que não é ideal realizar eleições enquanto os combates continuam e não sabemos qual será o seu desfecho. Mas estamos lidando apenas com opções ruins agora, e temos lidado com elas desde 7 de outubro. Basicamente, não temos o governo certo para os desafios que enfrentamos. Portanto, temos de fazer um esforço e substituir este governo por um governo que possa lidar com a guerra, com os iranianos, com as relações com o governo americano, e recriar e rejuvenescer a aliança que temos com os estados sunitas moderados. E, para que isso aconteça, precisamos ter um debate que fale tanto sobre os iranianos como sobre os palestinos. Porque esta é a exigência deles e também é para o nosso bem. Precisamos ser capazes de lhes dizer: sim, vamos trabalhar com a Autoridade Palestina. E vamos começar por Gaza, porque temos de reconstruir Gaza e reabilitar Gaza.

Palestinos avaliam a destruição após ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza, 30 de maio de 2024. Foto: Abdel Kareem Hana/Associated Press

Então, o que deverá acontecer a Gaza e aos palestinos depois da guerra? Quem deve pagar pela reconstrução? Quem deveria governá-la? Para onde devem ir as pessoas desabrigadas?

Bem, deveríamos construir uma aliança entre, como eu disse, os estados sunitas moderados, a Autoridade Palestina, a comunidade internacional, os Estados Unidos, a União Europeia, quem quer que esteja demonstrando preocupação nestes dias, e Israel, a fim de começar a reconstrução e a substituição do Hamas. Porque enquanto o Hamas existir e estiver ativo e enquanto o Hamas tiver controle do território, não haverá futuro para o povo de Gaza. Eles têm que entender isso. Em 2021, apresentei um plano denominado Economia para a Segurança, que significava dar ao povo de Gaza um futuro econômico em troca de substituir o Hamas por algo mais positivo –

Eu só quero interromper um momento. Você está falando em algo que era uma ideia muito antiga. A ideia de dar prosperidade econômica aos palestinos tem sido cogitada há décadas. Mas muito pouco deste debate tem sido sobre a ocupação. Durante muitos anos, inclusive quando o senhor era primeiro-ministro, houve uma sensação de que, em se tratando dos palestinos, o status quo poderia simplesmente ser aceito e ignorado. A ideia de que os palestinos desejariam a sua própria autodeterminação, o seu próprio Estado, poderia ser posta de lado e que, de alguma forma, a prosperidade econômica poderia ser um substituto. Você acha que essa ideia estava equivocada? Você estava errado?

Bem, eu nunca disse isso, então não estava errado.

Bem, você acabou de dizer agora, que a economia…

Não, não. Você me perguntou especificamente sobre Gaza. O problema em Gaza é especificamente a reconstrução de Gaza. Mas eu sempre disse que a diferença entre os israelenses e os palestinos é que a principal preocupação dos israelenses é a segurança. A principal preocupação dos palestinos é o auto-reconhecimento e o respeito. E eu entendo isso. E entendo que, no final, o que precisamos é ter dois Estados, vivendo em paz, um ao lado do outro. Um deveria ser mais forte que o outro, e o outro deveria ser desmilitarizado. No longo prazo, apoio a ideia de que estes dois povos se separem, depois de implementadas todas as medidas de segurança. Eu quero me separar deles. Não é um favor que estou fazendo aos palestinos, é para o meu próprio bem. E a separação dos palestinos deveria resultar de uma posição de poder por causa dos acontecimentos horríveis que nos acometeram recentemente e não tão recentemente.

-/-

Quando voltei a ligar para Lapid, alguns dias depois, queria perguntar a ele mais a respeito do tipo de oposição que ele representa.

Enquanto conversávamos, o que ouvi é que, no que diz respeito à guerra, não há realmente muita oposição. Israel está sendo acusado de genocídio, de crimes de guerra. E enquanto conversamos, você defendeu a condução da guerra, e se referiu a si mesmo como um patriota israelense. Mas suponho que a minha pergunta seja: não pode o patriotismo também ser definido como o questionamento da condução desta guerra?

Claro que pode. Presumo que aquilo a que estava reagindo é o que sinto ser uma traição dos intelectuais. O que significa que os intelectuais do Ocidente, ou alguns deles, traíram a ideia de complexidade. Porque o que penso é que – e este é o meu dever como líder da oposição israelense, dizer isso ao governo israelense – é preciso lidar com esta guerra melhor do que estamos fazendo agora. Compreendemos, claro, a necessidade de defender o país, de defender o povo, de reagir ao que aconteceu em 7 de outubro e de eliminar toda a capacidade militar do Hamas. E, por outro lado, continuar sendo o que somos: uma democracia que dá o seu melhor na defesa da ideia de humanidade. E, como discutimos, está defendendo isso em circunstâncias nada menos que horríveis. E o diálogo que mantemos com o mundo exterior é feito com pessoas que entoam slogans que elas mesmas não compreendem de fato, ou que estão determinadas a transformar isto em uma história de um só lado.

Não, Israel não está cometendo genocídio. Não, Israel não está fazendo nada além de se defender em uma guerra que não queríamos. E estas não são declarações em defesa do governo. Esta é apenas a realidade das pessoas que estão sofrendo. O fato de me opor tanto ao governo não significa que deva me opor à ideia de legítima defesa.

O que estou pensando, na verdade, é exatamente o que significa, num momento como este, dizer efetivamente, que isso está errado, mesmo que você se preocupe com Israel e os israelenses. Anteriormente, você menosprezou os jovens americanos que marcham pelos direitos dos palestinos, disse que eles são ignorantes e estão enganados.

R: Não creio que estejam marchando pelos direitos dos palestinos. Acho que estão marchando contra os direitos dos palestinos. Penso que o que estão fazendo vai contra o interesse do povo palestino.

Protestos pró-palestinos na Universidade de Columbia, 30 de abril de 2024.  Foto: David Dee Delgado/Reuters

Isso não descarta as preocupações legítimas deles em relação às mortes de civis?

Bem, acho que eles deveriam conhecer os fatos. Acho que eles deveriam compreender que há uma razão pela qual tudo está acontecendo, e a razão é o Hamas. A razão não é Israel. Quero dizer, não ser capaz de rastrear a origem do que está acontecendo é uma total falta de… Não sei, dignidade intelectual, ou no mínimo curiosidade.

E, sabe, eu estava pensando depois da nossa primeira conversa. Estava tentando descobrir o que houve, porque disse a mim mesmo: em um momento ou outro, eu estava na defensiva e a entrevistadora estava na defensiva. Por que isso aconteceu? Então eu não sei de você, mas eu sei de mim. E a razão é porque me recuso a participar do concurso de quem é a maior vítima? Cansei de ser uma vítima. Cansei de ser uma vítima desde junho de 1945. Então a questão é que agora, para obter a compaixão e a empatia do mundo ocidental, ter que lembrá-los a cada cinco segundos que somos as vítimas nisso, para mim, é uma ideia horrível. Prefiro dizer a eles: escutem, estamos lutando por nossas vidas e faremos o que for necessário para vencer essa luta, porque paramos de ser vítimas.

Agora, a coisa mais comum a fazer é entrar em uma briga com os palestinos para saber quem está sofrendo mais. Mas isso é um prazer que não vou dar a ninguém. Talvez seja por isso que fiquei um pouco frustrado, porque parecia que eu tinha de provar que sou mais vítima do que os palestinos. Eu não sou vítima. Sou um cidadão orgulhoso de um grande país que luta pela sua vida, e em circunstâncias terríveis, enquanto tenta ao máximo não ferir os palestinos, porque eles estão vivendo aqui conosco e precisamos encontrar formas de garantir que eles também tenham um futuro.

Sempre me pareceu uma dissociação fundamental, porque Israel não sente que há reconhecimento suficiente da ameaça existencial que o país sofre. Você está articulando isso agora. E os críticos de Israel em relação à questão palestina querem que Israel veja que não pode ser uma verdadeira democracia com segurança real enquanto oprime e ocupa milhões de palestinos. Você consegue entender esse ponto de vista?

Claro. E já que você cobriu Israel, então você sabe, ao contrário de outros, as inúmeras vezes em que Israel ofereceu aos palestinos a condição de Estado, e eles recusaram repetidas vezes.

Mas há outra versão dessa história.

R: Sim, existe outra versão desta história, mas não é a correta. Eu estava envolvido, então eu sei do que estou falando.

Quero contar outra coisa. Certo dia, fui a uma reunião com uma ministra das relações exteriores muito inteligente. Foi há anos. Ela era uma das pessoas mais inteligentes que conheço, entrou na sala e iniciou a conversa dizendo-me: “Reconhecemos o direito de Israel de se defender”. E eu perguntei: “Por que você está dizendo isso?” E ela respondeu: “O que quer dizer?” Eu disse: “Você vai a uma reunião com o ministro das relações exteriores da França e diz a ele que reconhece o direito da França de se defender? Há algum outro país a quem você diga que tem o direito de se defender? Por que você está enfatizando o fato?” Eu não estava bravo com ela. Estava apenas curioso a respeito da pergunta. Por que é que ela sentiu a necessidade de me dizer que tenho o direito de me defender e de não morrer em silêncio? Você e eu conseguimos ir tão longe na nossa conversa, o que é um grande sucesso, sem mencionar a possibilidade de que talvez seja porque somos judeus. Mas talvez seja porque somos judeus.

Isto é algo que ouvi muito de judeus fora de Israel e, obviamente, dentro de Israel. Mas também conhecemos o outro lado disto, que é que muitos palestinos olham para o contexto da ocupação, olham para a forma como foram tratados e dizem que este contexto não é tão simples quanto saber quem é a vítima deste ciclo particular de violência.

Bem, eu não quero esse ciclo de violência. E nenhum israelense em sã consciência – temos a nossa cota de lunáticos, não vou defendê-los – mas a maioria dos israelenses não quer este ciclo de violência. E se alguém nos permitir uma separação dos palestinos – ou seja, se tivermos alguém com quem conversar do lado palestino sobre uma separação – haverá uma grande maioria de israelenses a favor desta separação.

O que você está ouvindo é frustração porque não consigo entender o fato de que, cinco minutos depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto, já estamos nos defendendo de pessoas que nos dizem: Bem, questionamos o seu direito de se defenderem, porque vocês fazem parte do mundo branco privilegiado e, portanto, não têm direito à legítima defesa. Não faz sentido para mim. Isso me frustra. E odeio a ideia de continuar dizendo a mim mesmo que estou feliz por meu pai não estar vivo para ver isso.

Toda a sua vida foi uma saída do porão do gueto de Budapeste, onde os nazistas o colocaram. E, se ele estivesse vivo agora, estaria trancado comigo e com minha filha com necessidades especiais no porão da minha casa, porque alguém está tentando nos matar novamente. O fato de não parecermos ser capazes de nos salvar de estarmos trancados em um porão cercados por pessoas que querem nos matar é muito, muito frustrante para o povo de Israel.

Esta é a minha última pergunta, uma pergunta sobre o futuro. Uma sondagem realizada pelo Israel Democracy Institute mostra que 63% do público judeu israelense não apoia atualmente um Estado palestino independente. Você diz que isso se deve à história, e isso pode muito bem ser verdade. E você deixou bem clara sua posição. Você quer ver o governo de Netanyahu renunciar. Você acredita em uma solução de dois estados. Mas parece que, mesmo que Bibi vá embora, a política dele continuará popular. Então, onde fica a oposição depois desta guerra, e a própria perspectiva de paz? Como você pretende trazer os israelenses para o seu lado?

A política pode ser, como vocês sabem muito bem, horrível, mas às vezes, muito raramente, também bonita. E é lindo quando você tem a oportunidade de mudar a opinião das pessoas, de conversar com elas, de poder comunicar a elas novas ideias. É sempre uma batalha de ideias. E é a única batalha pela qual vale a pena viver. Como eu disse e você citou, sou um patriota. E você está certa, patriotismo às vezes é dizer às pessoas o que elas não querem ouvir. Isso é o que vamos tentar fazer. Vamos tentar fazer com que o governo de Netanyahu desapareça, porque é desastroso, perigoso, irresponsável e, ainda por cima, disfuncional. E depois diremos aos israelenses: temos de tomar uma decisão sobre o nosso futuro, e esta decisão será baseada nas ideias que debati com você. Que, para continuarmos a ser o país mais forte do Oriente Médio, precisamos também continuar a ser a democracia mais forte do Oriente Médio. E, para sermos essa democracia, temos de iniciar a longa jornada, o primeiro passo da jornada de 1.600 quilômetros para nos separarmos dos palestinos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TEL AVIV - Desde o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro, que resultou na morte de mais de 1.000 israelenses e na captura de mais de 200 reféns, a resposta de Israel tem sido rápida e brutal. Mais de 30 mil palestinos foram mortos em Gaza, a maioria deles civis, de acordo com as autoridades locais. A maior parte da infraestrutura de Gaza foi destruída, e é cada vez maior a pressão internacional sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu para acabar com a guerra e evitar uma nova guerra com o Irã.

Neste momento, quis conversar com um dos críticos mais veementes de Netanyahu dentro de Israel: Yair Lapid, o líder oficial da oposição israelense. Ele é um ex-jornalista, apresentador de TV e ator que entrou na política israelense há mais de uma década, fundando um partido centrista chamado Yesh Atid. Ele se tornou brevemente primeiro-ministro de Israel em 2022 – na época, o The Atlantic o considerou “o homem que poderia acabar com a era Netanyahu” – e continua sendo membro do Knesset. Depois de 7 de outubro, ele se recusou a participar do gabinete de guerra de Netanyahu. Pediu novas eleições para substituir o atual governo e apoiou publicamente uma solução de dois Estados – algo que Netanyahu tem trabalhado ativamente para evitar.

Lapid e eu conversamos duas vezes este mês, logo depois que ele veio aos Estados Unidos para se encontrar com o secretário de Estado, Antony Blinken, e com o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer. Na nossa primeira conversa, Lapid deixou claro que se opõe a Netanyahu, mas não à forma como Israel está travando sua guerra. Quando voltamos a falar, pressionei-o a respeito de sua defesa da guerra e ele me explicou por que acha que Israel é tão incompreendido.

Líder da maioria democrata no Senado Chuck Schumer recebe líder da oposição israelense Yair Lapid em Washington, 9 de abril de 2024.  Foto: Jacquelyn Martin/Associated Press

Antes de nos aprofundarmos nos detalhes, você pode apenas me dizer, enquanto líder israelense, enquanto cidadão israelense, como se sente em relação a este momento na história de Israel? Vimos uma série de coisas sem precedentes acontecerem.

Como me sinto em relação a isso? Como israelense, estou mais preocupado do que nunca. Sinto a fragilidade da nossa sociedade. Encontro-me com as famílias de reféns e falo com elas sobre a dor, o medo e a agonia intermináveis que sentem. E, claro, não tenho como não imaginar como seria estar no lugar deles se meus filhos estivessem lá ou se minha mãe estivesse lá, detida por uma organização terrorista. E sou assombrado pelas lembranças do dia 7 de outubro, pelas implicações para a nossa segurança.

Enquanto líder político, estou preocupado, mas de uma forma diferente, porque não acredito que tenhamos a liderança certa para lidar com o momento. Sinto-me um pouco desconfortável ao debater isso em inglês com o New York Times, porque tradicionalmente costumávamos dizer, “Não vamos falar da política israelense ao tratar com a mídia internacional”, mas a situação é muito extrema. E muito dolorosa. E, além disso, me sinto incompreendido.

Você, pessoalmente? Ou o país?

Ambos, mas principalmente o país. Estamos travando uma guerra pela nossa existência. Não creio que as pessoas compreendam o nível de medo e angústia – estou me referindo à comunidade internacional, à mídia internacional. Para mim, é horrível ver essas imagens de jovens marchando nos campi americanos, gritando: “Do rio ao mar”. E aí você pergunta: vocês sabem de qual rio ou de qual mar estão falando? E eles não têm ideia. Estão nos colocando do lado dos bandidos sem nem saber o que aconteceu, sem saber o que estamos passando. Então, se achar que há certa ambiguidade nos sentimentos que estou descrevendo, você tem razão. São sentimentos ambíguos, mas nenhum deles é realmente bom.

Soldados israelenses perto da fronteira com a Faixa de Gaza, no sul de Israel, 1 de maio de 2024.  Foto: Ohad Zwigenberg/Associated Press

Quero perguntar o que acha de como Netanyahu tem conduzido as relações com o atual governo dos EUA. Pode-se argumentar que, em determinados momentos, o governo do primeiro-ministro quase tentou constranger o governo Biden. Estou pensando em quando o secretário de Estado Blinken foi a Tel Aviv e, no mesmo dia, foi anunciada uma nova expansão de assentamentos de colonos na Cisjordânia. Biden tem sido um verdadeiro amigo de Bibi, mas Bibi é amigo de Biden?

Não. E é reconfortante ver a forma como o presidente lidou com isso, porque ele foi capaz de sustentar a ideia de que apoiar Israel é o seu papel histórico como presidente americano. E ele o fez em um ano eleitoral, o que para mim é ainda mais impressionante, porque neste momento, parte do que há de tão perigoso na atual fase das relações é que… Deixe-me dizer desta forma: não acho que Israel será o motivo de alguém ganhar ou perder as eleições americanas. Mas, se o presidente Biden perder as eleições, muitas pessoas no Partido Democrata dirão que terá sido por causa de Israel. Ou, pelo menos, esta será uma das alegações. E então Israel, em vez de ser valioso em uma eleição ou uma vantagem, tornou-se um risco, o que é horrível.

Você culpa o primeiro-ministro Netanyahu ou a própria guerra? Porque temos visto um apaixonado movimento pró-Palestina aqui nos EUA que parece ter mudado fundamentalmente a forma como o público enxerga Israel.

Bem, é complicado falar em culpa. Em primeiro lugar, culpo um movimento islâmico radical cínico que está usando a falta de conhecimento dos jovens americanos, que estão comprando isso como parte de uma luta contínua entre opressores e oprimidos, ou entre brancos privilegiados e os não privilegiados. Continuamos dizendo a eles: Anne Frank não era uma criança branca privilegiada. E as coisas não são como na história que contam a vocês, e como é que vocês estão marchando a favor de pessoas que querem matar judeus simplesmente porque são judeus? Porque é assim que são o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica. E esses jovens os estão apoiando contra um país democrático. Isso é, para mim, inacreditável em muitos aspectos.

Mas também culpo um governo israelense que não compreende ou parece não se importar com o seu dever principal de facilitar o apoio daqueles que nos defendem nos Estados Unidos. Por exemplo, não garantir que a violência dos colonos seja restringida, não garantir que façamos o que precisa de ser feito em termos de explicar o que realmente está acontecendo na guerra em Gaza. E não fazer coisas simples como dizer: sim, nosso coração fica partido quando crianças morrem em Gaza. Porque crianças não deveriam morrer nas guerras dos adultos e porque não estamos em guerra com crianças. E tentamos fazer o máximo para evitar que inocentes sejam feridos. Esta é uma área muito densamente povoada. Esta é uma guerra muito cruel contra um inimigo que usa o seu próprio povo, os seus próprios filhos como escudos humanos, e as baixas são por vezes inevitáveis. Mas lamentamos. E o ridículo é que estamos fazendo o nosso melhor. As Forças de Defesa de Israel estão fazendo o seu melhor para evitar isto. E, no entanto, o governo não diz isso em voz alta, porque tem medo de algumas vozes populistas e ignorantes que podem dizer que estão sendo muito brandos na condução da guerra. Para mim, isso é simplesmente ultrajante.

Você diz que Israel lamenta a grande perda de vidas palestinas, mas um dos grandes problemas, não apenas aqui nos Estados Unidos, mas globalmente, é esse mesmo fato: que houve uma restrição da entrada de ajuda, que Israel tem usado bombardeios maciços na Faixa de Gaza que, como você observa, é densamente povoada. O fato de que Gaza foi arrasada. Você concorda com as medidas tomadas até agora e com a condução da guerra?

Bem, não há uma resposta simples. Basicamente, deveríamos ter empurrado mais ajuda para dentro de Gaza, e estamos fazendo isso agora, depois de muito tempo. Mas há algo a ser dito antes disso. Qual é a alternativa? Neste momento, ao envolvimento nesta guerra só há uma alternativa, e esta é sermos assassinados. Nunca pedimos esta guerra. Nunca quisemos esta guerra e só partimos para esta guerra porque os nossos filhos foram queimados vivos. Porque nossos idosos foram mortos. Porque ainda temos, mesmo neste momento, reféns nos túneis dos terroristas. Eles violaram mulheres e conquistaram aldeias. E mais do que isso, eles disseram abertamente – estou me referindo ao Hamas – que, se tiverem uma oportunidade, farão isso de novo. E, assim sendo, estamos em Gaza para garantir que isso nunca mais aconteça.

Ao ouvi-lo falar, ouço coisas que me lembram certos comentários que ouvi de Netanyahu.

Ah, agora começaram os insultos. [risos]

Você deliberadamente não aderiu ao gabinete de guerra. Pode me dizer por quê? Você lidera a oposição, e só de ouvi-lo falar de sua defesa da condução da guerra, fico me perguntando: em que sentido você faz oposição?

Parte disso acontece porque alguém tem de dizer em voz alta: temos de preservar nossa espinha dorsal democrática. Temos de garantir que estamos lidando com esta questão no mínimo da melhor forma possível e temos de compreender que o futuro reside também no debate desta questão com outros palestinos, como a Autoridade Palestina. Este país precisa de alguém que fale sobre o futuro em termos diferentes. Precisamos neste país de alguém que seja capaz de falar com o governo americano ou com a esfera política americana em uma língua diferente. E, além disso, sinto que o primeiro-ministro Netanyahu faz parte daquilo que nos levou à situação atual, ou tem uma enorme responsabilidade por isso. E sentar atrás dele e se tornar uma fachada ou legitimar seu cargo de primeiro-ministro não parece uma boa ideia.

Mas sou um patriota israelense. Penso que o Exército israelense está se comportando de uma forma honrosa em circunstâncias terríveis, por vezes impossíveis, e está fazendo o seu melhor para evitar ferir inocentes. E, portanto, sinto-me obrigado a defender a forma como as Forças de Defesa de Israel estão agindo. Por outro lado, quando algo terrível acontece, como quando Israel matou acidentalmente os funcionários da organização World Kitchen, serei o primeiro a dizer: ouçam, lamentamos. Isso não deveria ter acontecido. E exigir que haja uma investigação, exigir que haja resultados para essas investigações. Então eu acho que essa voz é necessária. Mas acho que fiz a coisa certa ficando fora do governo.

Você convocou novas eleições. Mas, enquanto isso, a situação com o Irã se agravou. Não é mais uma guerra indireta em que as duas partes evitam o conflito aberto. O que você acha que precisa acontecer? Ainda acha que Israel precisa de novas eleições?

Sim. É claro que não é ideal realizar eleições enquanto os combates continuam e não sabemos qual será o seu desfecho. Mas estamos lidando apenas com opções ruins agora, e temos lidado com elas desde 7 de outubro. Basicamente, não temos o governo certo para os desafios que enfrentamos. Portanto, temos de fazer um esforço e substituir este governo por um governo que possa lidar com a guerra, com os iranianos, com as relações com o governo americano, e recriar e rejuvenescer a aliança que temos com os estados sunitas moderados. E, para que isso aconteça, precisamos ter um debate que fale tanto sobre os iranianos como sobre os palestinos. Porque esta é a exigência deles e também é para o nosso bem. Precisamos ser capazes de lhes dizer: sim, vamos trabalhar com a Autoridade Palestina. E vamos começar por Gaza, porque temos de reconstruir Gaza e reabilitar Gaza.

Palestinos avaliam a destruição após ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza, 30 de maio de 2024. Foto: Abdel Kareem Hana/Associated Press

Então, o que deverá acontecer a Gaza e aos palestinos depois da guerra? Quem deve pagar pela reconstrução? Quem deveria governá-la? Para onde devem ir as pessoas desabrigadas?

Bem, deveríamos construir uma aliança entre, como eu disse, os estados sunitas moderados, a Autoridade Palestina, a comunidade internacional, os Estados Unidos, a União Europeia, quem quer que esteja demonstrando preocupação nestes dias, e Israel, a fim de começar a reconstrução e a substituição do Hamas. Porque enquanto o Hamas existir e estiver ativo e enquanto o Hamas tiver controle do território, não haverá futuro para o povo de Gaza. Eles têm que entender isso. Em 2021, apresentei um plano denominado Economia para a Segurança, que significava dar ao povo de Gaza um futuro econômico em troca de substituir o Hamas por algo mais positivo –

Eu só quero interromper um momento. Você está falando em algo que era uma ideia muito antiga. A ideia de dar prosperidade econômica aos palestinos tem sido cogitada há décadas. Mas muito pouco deste debate tem sido sobre a ocupação. Durante muitos anos, inclusive quando o senhor era primeiro-ministro, houve uma sensação de que, em se tratando dos palestinos, o status quo poderia simplesmente ser aceito e ignorado. A ideia de que os palestinos desejariam a sua própria autodeterminação, o seu próprio Estado, poderia ser posta de lado e que, de alguma forma, a prosperidade econômica poderia ser um substituto. Você acha que essa ideia estava equivocada? Você estava errado?

Bem, eu nunca disse isso, então não estava errado.

Bem, você acabou de dizer agora, que a economia…

Não, não. Você me perguntou especificamente sobre Gaza. O problema em Gaza é especificamente a reconstrução de Gaza. Mas eu sempre disse que a diferença entre os israelenses e os palestinos é que a principal preocupação dos israelenses é a segurança. A principal preocupação dos palestinos é o auto-reconhecimento e o respeito. E eu entendo isso. E entendo que, no final, o que precisamos é ter dois Estados, vivendo em paz, um ao lado do outro. Um deveria ser mais forte que o outro, e o outro deveria ser desmilitarizado. No longo prazo, apoio a ideia de que estes dois povos se separem, depois de implementadas todas as medidas de segurança. Eu quero me separar deles. Não é um favor que estou fazendo aos palestinos, é para o meu próprio bem. E a separação dos palestinos deveria resultar de uma posição de poder por causa dos acontecimentos horríveis que nos acometeram recentemente e não tão recentemente.

-/-

Quando voltei a ligar para Lapid, alguns dias depois, queria perguntar a ele mais a respeito do tipo de oposição que ele representa.

Enquanto conversávamos, o que ouvi é que, no que diz respeito à guerra, não há realmente muita oposição. Israel está sendo acusado de genocídio, de crimes de guerra. E enquanto conversamos, você defendeu a condução da guerra, e se referiu a si mesmo como um patriota israelense. Mas suponho que a minha pergunta seja: não pode o patriotismo também ser definido como o questionamento da condução desta guerra?

Claro que pode. Presumo que aquilo a que estava reagindo é o que sinto ser uma traição dos intelectuais. O que significa que os intelectuais do Ocidente, ou alguns deles, traíram a ideia de complexidade. Porque o que penso é que – e este é o meu dever como líder da oposição israelense, dizer isso ao governo israelense – é preciso lidar com esta guerra melhor do que estamos fazendo agora. Compreendemos, claro, a necessidade de defender o país, de defender o povo, de reagir ao que aconteceu em 7 de outubro e de eliminar toda a capacidade militar do Hamas. E, por outro lado, continuar sendo o que somos: uma democracia que dá o seu melhor na defesa da ideia de humanidade. E, como discutimos, está defendendo isso em circunstâncias nada menos que horríveis. E o diálogo que mantemos com o mundo exterior é feito com pessoas que entoam slogans que elas mesmas não compreendem de fato, ou que estão determinadas a transformar isto em uma história de um só lado.

Não, Israel não está cometendo genocídio. Não, Israel não está fazendo nada além de se defender em uma guerra que não queríamos. E estas não são declarações em defesa do governo. Esta é apenas a realidade das pessoas que estão sofrendo. O fato de me opor tanto ao governo não significa que deva me opor à ideia de legítima defesa.

O que estou pensando, na verdade, é exatamente o que significa, num momento como este, dizer efetivamente, que isso está errado, mesmo que você se preocupe com Israel e os israelenses. Anteriormente, você menosprezou os jovens americanos que marcham pelos direitos dos palestinos, disse que eles são ignorantes e estão enganados.

R: Não creio que estejam marchando pelos direitos dos palestinos. Acho que estão marchando contra os direitos dos palestinos. Penso que o que estão fazendo vai contra o interesse do povo palestino.

Protestos pró-palestinos na Universidade de Columbia, 30 de abril de 2024.  Foto: David Dee Delgado/Reuters

Isso não descarta as preocupações legítimas deles em relação às mortes de civis?

Bem, acho que eles deveriam conhecer os fatos. Acho que eles deveriam compreender que há uma razão pela qual tudo está acontecendo, e a razão é o Hamas. A razão não é Israel. Quero dizer, não ser capaz de rastrear a origem do que está acontecendo é uma total falta de… Não sei, dignidade intelectual, ou no mínimo curiosidade.

E, sabe, eu estava pensando depois da nossa primeira conversa. Estava tentando descobrir o que houve, porque disse a mim mesmo: em um momento ou outro, eu estava na defensiva e a entrevistadora estava na defensiva. Por que isso aconteceu? Então eu não sei de você, mas eu sei de mim. E a razão é porque me recuso a participar do concurso de quem é a maior vítima? Cansei de ser uma vítima. Cansei de ser uma vítima desde junho de 1945. Então a questão é que agora, para obter a compaixão e a empatia do mundo ocidental, ter que lembrá-los a cada cinco segundos que somos as vítimas nisso, para mim, é uma ideia horrível. Prefiro dizer a eles: escutem, estamos lutando por nossas vidas e faremos o que for necessário para vencer essa luta, porque paramos de ser vítimas.

Agora, a coisa mais comum a fazer é entrar em uma briga com os palestinos para saber quem está sofrendo mais. Mas isso é um prazer que não vou dar a ninguém. Talvez seja por isso que fiquei um pouco frustrado, porque parecia que eu tinha de provar que sou mais vítima do que os palestinos. Eu não sou vítima. Sou um cidadão orgulhoso de um grande país que luta pela sua vida, e em circunstâncias terríveis, enquanto tenta ao máximo não ferir os palestinos, porque eles estão vivendo aqui conosco e precisamos encontrar formas de garantir que eles também tenham um futuro.

Sempre me pareceu uma dissociação fundamental, porque Israel não sente que há reconhecimento suficiente da ameaça existencial que o país sofre. Você está articulando isso agora. E os críticos de Israel em relação à questão palestina querem que Israel veja que não pode ser uma verdadeira democracia com segurança real enquanto oprime e ocupa milhões de palestinos. Você consegue entender esse ponto de vista?

Claro. E já que você cobriu Israel, então você sabe, ao contrário de outros, as inúmeras vezes em que Israel ofereceu aos palestinos a condição de Estado, e eles recusaram repetidas vezes.

Mas há outra versão dessa história.

R: Sim, existe outra versão desta história, mas não é a correta. Eu estava envolvido, então eu sei do que estou falando.

Quero contar outra coisa. Certo dia, fui a uma reunião com uma ministra das relações exteriores muito inteligente. Foi há anos. Ela era uma das pessoas mais inteligentes que conheço, entrou na sala e iniciou a conversa dizendo-me: “Reconhecemos o direito de Israel de se defender”. E eu perguntei: “Por que você está dizendo isso?” E ela respondeu: “O que quer dizer?” Eu disse: “Você vai a uma reunião com o ministro das relações exteriores da França e diz a ele que reconhece o direito da França de se defender? Há algum outro país a quem você diga que tem o direito de se defender? Por que você está enfatizando o fato?” Eu não estava bravo com ela. Estava apenas curioso a respeito da pergunta. Por que é que ela sentiu a necessidade de me dizer que tenho o direito de me defender e de não morrer em silêncio? Você e eu conseguimos ir tão longe na nossa conversa, o que é um grande sucesso, sem mencionar a possibilidade de que talvez seja porque somos judeus. Mas talvez seja porque somos judeus.

Isto é algo que ouvi muito de judeus fora de Israel e, obviamente, dentro de Israel. Mas também conhecemos o outro lado disto, que é que muitos palestinos olham para o contexto da ocupação, olham para a forma como foram tratados e dizem que este contexto não é tão simples quanto saber quem é a vítima deste ciclo particular de violência.

Bem, eu não quero esse ciclo de violência. E nenhum israelense em sã consciência – temos a nossa cota de lunáticos, não vou defendê-los – mas a maioria dos israelenses não quer este ciclo de violência. E se alguém nos permitir uma separação dos palestinos – ou seja, se tivermos alguém com quem conversar do lado palestino sobre uma separação – haverá uma grande maioria de israelenses a favor desta separação.

O que você está ouvindo é frustração porque não consigo entender o fato de que, cinco minutos depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto, já estamos nos defendendo de pessoas que nos dizem: Bem, questionamos o seu direito de se defenderem, porque vocês fazem parte do mundo branco privilegiado e, portanto, não têm direito à legítima defesa. Não faz sentido para mim. Isso me frustra. E odeio a ideia de continuar dizendo a mim mesmo que estou feliz por meu pai não estar vivo para ver isso.

Toda a sua vida foi uma saída do porão do gueto de Budapeste, onde os nazistas o colocaram. E, se ele estivesse vivo agora, estaria trancado comigo e com minha filha com necessidades especiais no porão da minha casa, porque alguém está tentando nos matar novamente. O fato de não parecermos ser capazes de nos salvar de estarmos trancados em um porão cercados por pessoas que querem nos matar é muito, muito frustrante para o povo de Israel.

Esta é a minha última pergunta, uma pergunta sobre o futuro. Uma sondagem realizada pelo Israel Democracy Institute mostra que 63% do público judeu israelense não apoia atualmente um Estado palestino independente. Você diz que isso se deve à história, e isso pode muito bem ser verdade. E você deixou bem clara sua posição. Você quer ver o governo de Netanyahu renunciar. Você acredita em uma solução de dois estados. Mas parece que, mesmo que Bibi vá embora, a política dele continuará popular. Então, onde fica a oposição depois desta guerra, e a própria perspectiva de paz? Como você pretende trazer os israelenses para o seu lado?

A política pode ser, como vocês sabem muito bem, horrível, mas às vezes, muito raramente, também bonita. E é lindo quando você tem a oportunidade de mudar a opinião das pessoas, de conversar com elas, de poder comunicar a elas novas ideias. É sempre uma batalha de ideias. E é a única batalha pela qual vale a pena viver. Como eu disse e você citou, sou um patriota. E você está certa, patriotismo às vezes é dizer às pessoas o que elas não querem ouvir. Isso é o que vamos tentar fazer. Vamos tentar fazer com que o governo de Netanyahu desapareça, porque é desastroso, perigoso, irresponsável e, ainda por cima, disfuncional. E depois diremos aos israelenses: temos de tomar uma decisão sobre o nosso futuro, e esta decisão será baseada nas ideias que debati com você. Que, para continuarmos a ser o país mais forte do Oriente Médio, precisamos também continuar a ser a democracia mais forte do Oriente Médio. E, para sermos essa democracia, temos de iniciar a longa jornada, o primeiro passo da jornada de 1.600 quilômetros para nos separarmos dos palestinos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TEL AVIV - Desde o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro, que resultou na morte de mais de 1.000 israelenses e na captura de mais de 200 reféns, a resposta de Israel tem sido rápida e brutal. Mais de 30 mil palestinos foram mortos em Gaza, a maioria deles civis, de acordo com as autoridades locais. A maior parte da infraestrutura de Gaza foi destruída, e é cada vez maior a pressão internacional sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu para acabar com a guerra e evitar uma nova guerra com o Irã.

Neste momento, quis conversar com um dos críticos mais veementes de Netanyahu dentro de Israel: Yair Lapid, o líder oficial da oposição israelense. Ele é um ex-jornalista, apresentador de TV e ator que entrou na política israelense há mais de uma década, fundando um partido centrista chamado Yesh Atid. Ele se tornou brevemente primeiro-ministro de Israel em 2022 – na época, o The Atlantic o considerou “o homem que poderia acabar com a era Netanyahu” – e continua sendo membro do Knesset. Depois de 7 de outubro, ele se recusou a participar do gabinete de guerra de Netanyahu. Pediu novas eleições para substituir o atual governo e apoiou publicamente uma solução de dois Estados – algo que Netanyahu tem trabalhado ativamente para evitar.

Lapid e eu conversamos duas vezes este mês, logo depois que ele veio aos Estados Unidos para se encontrar com o secretário de Estado, Antony Blinken, e com o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer. Na nossa primeira conversa, Lapid deixou claro que se opõe a Netanyahu, mas não à forma como Israel está travando sua guerra. Quando voltamos a falar, pressionei-o a respeito de sua defesa da guerra e ele me explicou por que acha que Israel é tão incompreendido.

Líder da maioria democrata no Senado Chuck Schumer recebe líder da oposição israelense Yair Lapid em Washington, 9 de abril de 2024.  Foto: Jacquelyn Martin/Associated Press

Antes de nos aprofundarmos nos detalhes, você pode apenas me dizer, enquanto líder israelense, enquanto cidadão israelense, como se sente em relação a este momento na história de Israel? Vimos uma série de coisas sem precedentes acontecerem.

Como me sinto em relação a isso? Como israelense, estou mais preocupado do que nunca. Sinto a fragilidade da nossa sociedade. Encontro-me com as famílias de reféns e falo com elas sobre a dor, o medo e a agonia intermináveis que sentem. E, claro, não tenho como não imaginar como seria estar no lugar deles se meus filhos estivessem lá ou se minha mãe estivesse lá, detida por uma organização terrorista. E sou assombrado pelas lembranças do dia 7 de outubro, pelas implicações para a nossa segurança.

Enquanto líder político, estou preocupado, mas de uma forma diferente, porque não acredito que tenhamos a liderança certa para lidar com o momento. Sinto-me um pouco desconfortável ao debater isso em inglês com o New York Times, porque tradicionalmente costumávamos dizer, “Não vamos falar da política israelense ao tratar com a mídia internacional”, mas a situação é muito extrema. E muito dolorosa. E, além disso, me sinto incompreendido.

Você, pessoalmente? Ou o país?

Ambos, mas principalmente o país. Estamos travando uma guerra pela nossa existência. Não creio que as pessoas compreendam o nível de medo e angústia – estou me referindo à comunidade internacional, à mídia internacional. Para mim, é horrível ver essas imagens de jovens marchando nos campi americanos, gritando: “Do rio ao mar”. E aí você pergunta: vocês sabem de qual rio ou de qual mar estão falando? E eles não têm ideia. Estão nos colocando do lado dos bandidos sem nem saber o que aconteceu, sem saber o que estamos passando. Então, se achar que há certa ambiguidade nos sentimentos que estou descrevendo, você tem razão. São sentimentos ambíguos, mas nenhum deles é realmente bom.

Soldados israelenses perto da fronteira com a Faixa de Gaza, no sul de Israel, 1 de maio de 2024.  Foto: Ohad Zwigenberg/Associated Press

Quero perguntar o que acha de como Netanyahu tem conduzido as relações com o atual governo dos EUA. Pode-se argumentar que, em determinados momentos, o governo do primeiro-ministro quase tentou constranger o governo Biden. Estou pensando em quando o secretário de Estado Blinken foi a Tel Aviv e, no mesmo dia, foi anunciada uma nova expansão de assentamentos de colonos na Cisjordânia. Biden tem sido um verdadeiro amigo de Bibi, mas Bibi é amigo de Biden?

Não. E é reconfortante ver a forma como o presidente lidou com isso, porque ele foi capaz de sustentar a ideia de que apoiar Israel é o seu papel histórico como presidente americano. E ele o fez em um ano eleitoral, o que para mim é ainda mais impressionante, porque neste momento, parte do que há de tão perigoso na atual fase das relações é que… Deixe-me dizer desta forma: não acho que Israel será o motivo de alguém ganhar ou perder as eleições americanas. Mas, se o presidente Biden perder as eleições, muitas pessoas no Partido Democrata dirão que terá sido por causa de Israel. Ou, pelo menos, esta será uma das alegações. E então Israel, em vez de ser valioso em uma eleição ou uma vantagem, tornou-se um risco, o que é horrível.

Você culpa o primeiro-ministro Netanyahu ou a própria guerra? Porque temos visto um apaixonado movimento pró-Palestina aqui nos EUA que parece ter mudado fundamentalmente a forma como o público enxerga Israel.

Bem, é complicado falar em culpa. Em primeiro lugar, culpo um movimento islâmico radical cínico que está usando a falta de conhecimento dos jovens americanos, que estão comprando isso como parte de uma luta contínua entre opressores e oprimidos, ou entre brancos privilegiados e os não privilegiados. Continuamos dizendo a eles: Anne Frank não era uma criança branca privilegiada. E as coisas não são como na história que contam a vocês, e como é que vocês estão marchando a favor de pessoas que querem matar judeus simplesmente porque são judeus? Porque é assim que são o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica. E esses jovens os estão apoiando contra um país democrático. Isso é, para mim, inacreditável em muitos aspectos.

Mas também culpo um governo israelense que não compreende ou parece não se importar com o seu dever principal de facilitar o apoio daqueles que nos defendem nos Estados Unidos. Por exemplo, não garantir que a violência dos colonos seja restringida, não garantir que façamos o que precisa de ser feito em termos de explicar o que realmente está acontecendo na guerra em Gaza. E não fazer coisas simples como dizer: sim, nosso coração fica partido quando crianças morrem em Gaza. Porque crianças não deveriam morrer nas guerras dos adultos e porque não estamos em guerra com crianças. E tentamos fazer o máximo para evitar que inocentes sejam feridos. Esta é uma área muito densamente povoada. Esta é uma guerra muito cruel contra um inimigo que usa o seu próprio povo, os seus próprios filhos como escudos humanos, e as baixas são por vezes inevitáveis. Mas lamentamos. E o ridículo é que estamos fazendo o nosso melhor. As Forças de Defesa de Israel estão fazendo o seu melhor para evitar isto. E, no entanto, o governo não diz isso em voz alta, porque tem medo de algumas vozes populistas e ignorantes que podem dizer que estão sendo muito brandos na condução da guerra. Para mim, isso é simplesmente ultrajante.

Você diz que Israel lamenta a grande perda de vidas palestinas, mas um dos grandes problemas, não apenas aqui nos Estados Unidos, mas globalmente, é esse mesmo fato: que houve uma restrição da entrada de ajuda, que Israel tem usado bombardeios maciços na Faixa de Gaza que, como você observa, é densamente povoada. O fato de que Gaza foi arrasada. Você concorda com as medidas tomadas até agora e com a condução da guerra?

Bem, não há uma resposta simples. Basicamente, deveríamos ter empurrado mais ajuda para dentro de Gaza, e estamos fazendo isso agora, depois de muito tempo. Mas há algo a ser dito antes disso. Qual é a alternativa? Neste momento, ao envolvimento nesta guerra só há uma alternativa, e esta é sermos assassinados. Nunca pedimos esta guerra. Nunca quisemos esta guerra e só partimos para esta guerra porque os nossos filhos foram queimados vivos. Porque nossos idosos foram mortos. Porque ainda temos, mesmo neste momento, reféns nos túneis dos terroristas. Eles violaram mulheres e conquistaram aldeias. E mais do que isso, eles disseram abertamente – estou me referindo ao Hamas – que, se tiverem uma oportunidade, farão isso de novo. E, assim sendo, estamos em Gaza para garantir que isso nunca mais aconteça.

Ao ouvi-lo falar, ouço coisas que me lembram certos comentários que ouvi de Netanyahu.

Ah, agora começaram os insultos. [risos]

Você deliberadamente não aderiu ao gabinete de guerra. Pode me dizer por quê? Você lidera a oposição, e só de ouvi-lo falar de sua defesa da condução da guerra, fico me perguntando: em que sentido você faz oposição?

Parte disso acontece porque alguém tem de dizer em voz alta: temos de preservar nossa espinha dorsal democrática. Temos de garantir que estamos lidando com esta questão no mínimo da melhor forma possível e temos de compreender que o futuro reside também no debate desta questão com outros palestinos, como a Autoridade Palestina. Este país precisa de alguém que fale sobre o futuro em termos diferentes. Precisamos neste país de alguém que seja capaz de falar com o governo americano ou com a esfera política americana em uma língua diferente. E, além disso, sinto que o primeiro-ministro Netanyahu faz parte daquilo que nos levou à situação atual, ou tem uma enorme responsabilidade por isso. E sentar atrás dele e se tornar uma fachada ou legitimar seu cargo de primeiro-ministro não parece uma boa ideia.

Mas sou um patriota israelense. Penso que o Exército israelense está se comportando de uma forma honrosa em circunstâncias terríveis, por vezes impossíveis, e está fazendo o seu melhor para evitar ferir inocentes. E, portanto, sinto-me obrigado a defender a forma como as Forças de Defesa de Israel estão agindo. Por outro lado, quando algo terrível acontece, como quando Israel matou acidentalmente os funcionários da organização World Kitchen, serei o primeiro a dizer: ouçam, lamentamos. Isso não deveria ter acontecido. E exigir que haja uma investigação, exigir que haja resultados para essas investigações. Então eu acho que essa voz é necessária. Mas acho que fiz a coisa certa ficando fora do governo.

Você convocou novas eleições. Mas, enquanto isso, a situação com o Irã se agravou. Não é mais uma guerra indireta em que as duas partes evitam o conflito aberto. O que você acha que precisa acontecer? Ainda acha que Israel precisa de novas eleições?

Sim. É claro que não é ideal realizar eleições enquanto os combates continuam e não sabemos qual será o seu desfecho. Mas estamos lidando apenas com opções ruins agora, e temos lidado com elas desde 7 de outubro. Basicamente, não temos o governo certo para os desafios que enfrentamos. Portanto, temos de fazer um esforço e substituir este governo por um governo que possa lidar com a guerra, com os iranianos, com as relações com o governo americano, e recriar e rejuvenescer a aliança que temos com os estados sunitas moderados. E, para que isso aconteça, precisamos ter um debate que fale tanto sobre os iranianos como sobre os palestinos. Porque esta é a exigência deles e também é para o nosso bem. Precisamos ser capazes de lhes dizer: sim, vamos trabalhar com a Autoridade Palestina. E vamos começar por Gaza, porque temos de reconstruir Gaza e reabilitar Gaza.

Palestinos avaliam a destruição após ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza, 30 de maio de 2024. Foto: Abdel Kareem Hana/Associated Press

Então, o que deverá acontecer a Gaza e aos palestinos depois da guerra? Quem deve pagar pela reconstrução? Quem deveria governá-la? Para onde devem ir as pessoas desabrigadas?

Bem, deveríamos construir uma aliança entre, como eu disse, os estados sunitas moderados, a Autoridade Palestina, a comunidade internacional, os Estados Unidos, a União Europeia, quem quer que esteja demonstrando preocupação nestes dias, e Israel, a fim de começar a reconstrução e a substituição do Hamas. Porque enquanto o Hamas existir e estiver ativo e enquanto o Hamas tiver controle do território, não haverá futuro para o povo de Gaza. Eles têm que entender isso. Em 2021, apresentei um plano denominado Economia para a Segurança, que significava dar ao povo de Gaza um futuro econômico em troca de substituir o Hamas por algo mais positivo –

Eu só quero interromper um momento. Você está falando em algo que era uma ideia muito antiga. A ideia de dar prosperidade econômica aos palestinos tem sido cogitada há décadas. Mas muito pouco deste debate tem sido sobre a ocupação. Durante muitos anos, inclusive quando o senhor era primeiro-ministro, houve uma sensação de que, em se tratando dos palestinos, o status quo poderia simplesmente ser aceito e ignorado. A ideia de que os palestinos desejariam a sua própria autodeterminação, o seu próprio Estado, poderia ser posta de lado e que, de alguma forma, a prosperidade econômica poderia ser um substituto. Você acha que essa ideia estava equivocada? Você estava errado?

Bem, eu nunca disse isso, então não estava errado.

Bem, você acabou de dizer agora, que a economia…

Não, não. Você me perguntou especificamente sobre Gaza. O problema em Gaza é especificamente a reconstrução de Gaza. Mas eu sempre disse que a diferença entre os israelenses e os palestinos é que a principal preocupação dos israelenses é a segurança. A principal preocupação dos palestinos é o auto-reconhecimento e o respeito. E eu entendo isso. E entendo que, no final, o que precisamos é ter dois Estados, vivendo em paz, um ao lado do outro. Um deveria ser mais forte que o outro, e o outro deveria ser desmilitarizado. No longo prazo, apoio a ideia de que estes dois povos se separem, depois de implementadas todas as medidas de segurança. Eu quero me separar deles. Não é um favor que estou fazendo aos palestinos, é para o meu próprio bem. E a separação dos palestinos deveria resultar de uma posição de poder por causa dos acontecimentos horríveis que nos acometeram recentemente e não tão recentemente.

-/-

Quando voltei a ligar para Lapid, alguns dias depois, queria perguntar a ele mais a respeito do tipo de oposição que ele representa.

Enquanto conversávamos, o que ouvi é que, no que diz respeito à guerra, não há realmente muita oposição. Israel está sendo acusado de genocídio, de crimes de guerra. E enquanto conversamos, você defendeu a condução da guerra, e se referiu a si mesmo como um patriota israelense. Mas suponho que a minha pergunta seja: não pode o patriotismo também ser definido como o questionamento da condução desta guerra?

Claro que pode. Presumo que aquilo a que estava reagindo é o que sinto ser uma traição dos intelectuais. O que significa que os intelectuais do Ocidente, ou alguns deles, traíram a ideia de complexidade. Porque o que penso é que – e este é o meu dever como líder da oposição israelense, dizer isso ao governo israelense – é preciso lidar com esta guerra melhor do que estamos fazendo agora. Compreendemos, claro, a necessidade de defender o país, de defender o povo, de reagir ao que aconteceu em 7 de outubro e de eliminar toda a capacidade militar do Hamas. E, por outro lado, continuar sendo o que somos: uma democracia que dá o seu melhor na defesa da ideia de humanidade. E, como discutimos, está defendendo isso em circunstâncias nada menos que horríveis. E o diálogo que mantemos com o mundo exterior é feito com pessoas que entoam slogans que elas mesmas não compreendem de fato, ou que estão determinadas a transformar isto em uma história de um só lado.

Não, Israel não está cometendo genocídio. Não, Israel não está fazendo nada além de se defender em uma guerra que não queríamos. E estas não são declarações em defesa do governo. Esta é apenas a realidade das pessoas que estão sofrendo. O fato de me opor tanto ao governo não significa que deva me opor à ideia de legítima defesa.

O que estou pensando, na verdade, é exatamente o que significa, num momento como este, dizer efetivamente, que isso está errado, mesmo que você se preocupe com Israel e os israelenses. Anteriormente, você menosprezou os jovens americanos que marcham pelos direitos dos palestinos, disse que eles são ignorantes e estão enganados.

R: Não creio que estejam marchando pelos direitos dos palestinos. Acho que estão marchando contra os direitos dos palestinos. Penso que o que estão fazendo vai contra o interesse do povo palestino.

Protestos pró-palestinos na Universidade de Columbia, 30 de abril de 2024.  Foto: David Dee Delgado/Reuters

Isso não descarta as preocupações legítimas deles em relação às mortes de civis?

Bem, acho que eles deveriam conhecer os fatos. Acho que eles deveriam compreender que há uma razão pela qual tudo está acontecendo, e a razão é o Hamas. A razão não é Israel. Quero dizer, não ser capaz de rastrear a origem do que está acontecendo é uma total falta de… Não sei, dignidade intelectual, ou no mínimo curiosidade.

E, sabe, eu estava pensando depois da nossa primeira conversa. Estava tentando descobrir o que houve, porque disse a mim mesmo: em um momento ou outro, eu estava na defensiva e a entrevistadora estava na defensiva. Por que isso aconteceu? Então eu não sei de você, mas eu sei de mim. E a razão é porque me recuso a participar do concurso de quem é a maior vítima? Cansei de ser uma vítima. Cansei de ser uma vítima desde junho de 1945. Então a questão é que agora, para obter a compaixão e a empatia do mundo ocidental, ter que lembrá-los a cada cinco segundos que somos as vítimas nisso, para mim, é uma ideia horrível. Prefiro dizer a eles: escutem, estamos lutando por nossas vidas e faremos o que for necessário para vencer essa luta, porque paramos de ser vítimas.

Agora, a coisa mais comum a fazer é entrar em uma briga com os palestinos para saber quem está sofrendo mais. Mas isso é um prazer que não vou dar a ninguém. Talvez seja por isso que fiquei um pouco frustrado, porque parecia que eu tinha de provar que sou mais vítima do que os palestinos. Eu não sou vítima. Sou um cidadão orgulhoso de um grande país que luta pela sua vida, e em circunstâncias terríveis, enquanto tenta ao máximo não ferir os palestinos, porque eles estão vivendo aqui conosco e precisamos encontrar formas de garantir que eles também tenham um futuro.

Sempre me pareceu uma dissociação fundamental, porque Israel não sente que há reconhecimento suficiente da ameaça existencial que o país sofre. Você está articulando isso agora. E os críticos de Israel em relação à questão palestina querem que Israel veja que não pode ser uma verdadeira democracia com segurança real enquanto oprime e ocupa milhões de palestinos. Você consegue entender esse ponto de vista?

Claro. E já que você cobriu Israel, então você sabe, ao contrário de outros, as inúmeras vezes em que Israel ofereceu aos palestinos a condição de Estado, e eles recusaram repetidas vezes.

Mas há outra versão dessa história.

R: Sim, existe outra versão desta história, mas não é a correta. Eu estava envolvido, então eu sei do que estou falando.

Quero contar outra coisa. Certo dia, fui a uma reunião com uma ministra das relações exteriores muito inteligente. Foi há anos. Ela era uma das pessoas mais inteligentes que conheço, entrou na sala e iniciou a conversa dizendo-me: “Reconhecemos o direito de Israel de se defender”. E eu perguntei: “Por que você está dizendo isso?” E ela respondeu: “O que quer dizer?” Eu disse: “Você vai a uma reunião com o ministro das relações exteriores da França e diz a ele que reconhece o direito da França de se defender? Há algum outro país a quem você diga que tem o direito de se defender? Por que você está enfatizando o fato?” Eu não estava bravo com ela. Estava apenas curioso a respeito da pergunta. Por que é que ela sentiu a necessidade de me dizer que tenho o direito de me defender e de não morrer em silêncio? Você e eu conseguimos ir tão longe na nossa conversa, o que é um grande sucesso, sem mencionar a possibilidade de que talvez seja porque somos judeus. Mas talvez seja porque somos judeus.

Isto é algo que ouvi muito de judeus fora de Israel e, obviamente, dentro de Israel. Mas também conhecemos o outro lado disto, que é que muitos palestinos olham para o contexto da ocupação, olham para a forma como foram tratados e dizem que este contexto não é tão simples quanto saber quem é a vítima deste ciclo particular de violência.

Bem, eu não quero esse ciclo de violência. E nenhum israelense em sã consciência – temos a nossa cota de lunáticos, não vou defendê-los – mas a maioria dos israelenses não quer este ciclo de violência. E se alguém nos permitir uma separação dos palestinos – ou seja, se tivermos alguém com quem conversar do lado palestino sobre uma separação – haverá uma grande maioria de israelenses a favor desta separação.

O que você está ouvindo é frustração porque não consigo entender o fato de que, cinco minutos depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto, já estamos nos defendendo de pessoas que nos dizem: Bem, questionamos o seu direito de se defenderem, porque vocês fazem parte do mundo branco privilegiado e, portanto, não têm direito à legítima defesa. Não faz sentido para mim. Isso me frustra. E odeio a ideia de continuar dizendo a mim mesmo que estou feliz por meu pai não estar vivo para ver isso.

Toda a sua vida foi uma saída do porão do gueto de Budapeste, onde os nazistas o colocaram. E, se ele estivesse vivo agora, estaria trancado comigo e com minha filha com necessidades especiais no porão da minha casa, porque alguém está tentando nos matar novamente. O fato de não parecermos ser capazes de nos salvar de estarmos trancados em um porão cercados por pessoas que querem nos matar é muito, muito frustrante para o povo de Israel.

Esta é a minha última pergunta, uma pergunta sobre o futuro. Uma sondagem realizada pelo Israel Democracy Institute mostra que 63% do público judeu israelense não apoia atualmente um Estado palestino independente. Você diz que isso se deve à história, e isso pode muito bem ser verdade. E você deixou bem clara sua posição. Você quer ver o governo de Netanyahu renunciar. Você acredita em uma solução de dois estados. Mas parece que, mesmo que Bibi vá embora, a política dele continuará popular. Então, onde fica a oposição depois desta guerra, e a própria perspectiva de paz? Como você pretende trazer os israelenses para o seu lado?

A política pode ser, como vocês sabem muito bem, horrível, mas às vezes, muito raramente, também bonita. E é lindo quando você tem a oportunidade de mudar a opinião das pessoas, de conversar com elas, de poder comunicar a elas novas ideias. É sempre uma batalha de ideias. E é a única batalha pela qual vale a pena viver. Como eu disse e você citou, sou um patriota. E você está certa, patriotismo às vezes é dizer às pessoas o que elas não querem ouvir. Isso é o que vamos tentar fazer. Vamos tentar fazer com que o governo de Netanyahu desapareça, porque é desastroso, perigoso, irresponsável e, ainda por cima, disfuncional. E depois diremos aos israelenses: temos de tomar uma decisão sobre o nosso futuro, e esta decisão será baseada nas ideias que debati com você. Que, para continuarmos a ser o país mais forte do Oriente Médio, precisamos também continuar a ser a democracia mais forte do Oriente Médio. E, para sermos essa democracia, temos de iniciar a longa jornada, o primeiro passo da jornada de 1.600 quilômetros para nos separarmos dos palestinos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TEL AVIV - Desde o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro, que resultou na morte de mais de 1.000 israelenses e na captura de mais de 200 reféns, a resposta de Israel tem sido rápida e brutal. Mais de 30 mil palestinos foram mortos em Gaza, a maioria deles civis, de acordo com as autoridades locais. A maior parte da infraestrutura de Gaza foi destruída, e é cada vez maior a pressão internacional sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu para acabar com a guerra e evitar uma nova guerra com o Irã.

Neste momento, quis conversar com um dos críticos mais veementes de Netanyahu dentro de Israel: Yair Lapid, o líder oficial da oposição israelense. Ele é um ex-jornalista, apresentador de TV e ator que entrou na política israelense há mais de uma década, fundando um partido centrista chamado Yesh Atid. Ele se tornou brevemente primeiro-ministro de Israel em 2022 – na época, o The Atlantic o considerou “o homem que poderia acabar com a era Netanyahu” – e continua sendo membro do Knesset. Depois de 7 de outubro, ele se recusou a participar do gabinete de guerra de Netanyahu. Pediu novas eleições para substituir o atual governo e apoiou publicamente uma solução de dois Estados – algo que Netanyahu tem trabalhado ativamente para evitar.

Lapid e eu conversamos duas vezes este mês, logo depois que ele veio aos Estados Unidos para se encontrar com o secretário de Estado, Antony Blinken, e com o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer. Na nossa primeira conversa, Lapid deixou claro que se opõe a Netanyahu, mas não à forma como Israel está travando sua guerra. Quando voltamos a falar, pressionei-o a respeito de sua defesa da guerra e ele me explicou por que acha que Israel é tão incompreendido.

Líder da maioria democrata no Senado Chuck Schumer recebe líder da oposição israelense Yair Lapid em Washington, 9 de abril de 2024.  Foto: Jacquelyn Martin/Associated Press

Antes de nos aprofundarmos nos detalhes, você pode apenas me dizer, enquanto líder israelense, enquanto cidadão israelense, como se sente em relação a este momento na história de Israel? Vimos uma série de coisas sem precedentes acontecerem.

Como me sinto em relação a isso? Como israelense, estou mais preocupado do que nunca. Sinto a fragilidade da nossa sociedade. Encontro-me com as famílias de reféns e falo com elas sobre a dor, o medo e a agonia intermináveis que sentem. E, claro, não tenho como não imaginar como seria estar no lugar deles se meus filhos estivessem lá ou se minha mãe estivesse lá, detida por uma organização terrorista. E sou assombrado pelas lembranças do dia 7 de outubro, pelas implicações para a nossa segurança.

Enquanto líder político, estou preocupado, mas de uma forma diferente, porque não acredito que tenhamos a liderança certa para lidar com o momento. Sinto-me um pouco desconfortável ao debater isso em inglês com o New York Times, porque tradicionalmente costumávamos dizer, “Não vamos falar da política israelense ao tratar com a mídia internacional”, mas a situação é muito extrema. E muito dolorosa. E, além disso, me sinto incompreendido.

Você, pessoalmente? Ou o país?

Ambos, mas principalmente o país. Estamos travando uma guerra pela nossa existência. Não creio que as pessoas compreendam o nível de medo e angústia – estou me referindo à comunidade internacional, à mídia internacional. Para mim, é horrível ver essas imagens de jovens marchando nos campi americanos, gritando: “Do rio ao mar”. E aí você pergunta: vocês sabem de qual rio ou de qual mar estão falando? E eles não têm ideia. Estão nos colocando do lado dos bandidos sem nem saber o que aconteceu, sem saber o que estamos passando. Então, se achar que há certa ambiguidade nos sentimentos que estou descrevendo, você tem razão. São sentimentos ambíguos, mas nenhum deles é realmente bom.

Soldados israelenses perto da fronteira com a Faixa de Gaza, no sul de Israel, 1 de maio de 2024.  Foto: Ohad Zwigenberg/Associated Press

Quero perguntar o que acha de como Netanyahu tem conduzido as relações com o atual governo dos EUA. Pode-se argumentar que, em determinados momentos, o governo do primeiro-ministro quase tentou constranger o governo Biden. Estou pensando em quando o secretário de Estado Blinken foi a Tel Aviv e, no mesmo dia, foi anunciada uma nova expansão de assentamentos de colonos na Cisjordânia. Biden tem sido um verdadeiro amigo de Bibi, mas Bibi é amigo de Biden?

Não. E é reconfortante ver a forma como o presidente lidou com isso, porque ele foi capaz de sustentar a ideia de que apoiar Israel é o seu papel histórico como presidente americano. E ele o fez em um ano eleitoral, o que para mim é ainda mais impressionante, porque neste momento, parte do que há de tão perigoso na atual fase das relações é que… Deixe-me dizer desta forma: não acho que Israel será o motivo de alguém ganhar ou perder as eleições americanas. Mas, se o presidente Biden perder as eleições, muitas pessoas no Partido Democrata dirão que terá sido por causa de Israel. Ou, pelo menos, esta será uma das alegações. E então Israel, em vez de ser valioso em uma eleição ou uma vantagem, tornou-se um risco, o que é horrível.

Você culpa o primeiro-ministro Netanyahu ou a própria guerra? Porque temos visto um apaixonado movimento pró-Palestina aqui nos EUA que parece ter mudado fundamentalmente a forma como o público enxerga Israel.

Bem, é complicado falar em culpa. Em primeiro lugar, culpo um movimento islâmico radical cínico que está usando a falta de conhecimento dos jovens americanos, que estão comprando isso como parte de uma luta contínua entre opressores e oprimidos, ou entre brancos privilegiados e os não privilegiados. Continuamos dizendo a eles: Anne Frank não era uma criança branca privilegiada. E as coisas não são como na história que contam a vocês, e como é que vocês estão marchando a favor de pessoas que querem matar judeus simplesmente porque são judeus? Porque é assim que são o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica. E esses jovens os estão apoiando contra um país democrático. Isso é, para mim, inacreditável em muitos aspectos.

Mas também culpo um governo israelense que não compreende ou parece não se importar com o seu dever principal de facilitar o apoio daqueles que nos defendem nos Estados Unidos. Por exemplo, não garantir que a violência dos colonos seja restringida, não garantir que façamos o que precisa de ser feito em termos de explicar o que realmente está acontecendo na guerra em Gaza. E não fazer coisas simples como dizer: sim, nosso coração fica partido quando crianças morrem em Gaza. Porque crianças não deveriam morrer nas guerras dos adultos e porque não estamos em guerra com crianças. E tentamos fazer o máximo para evitar que inocentes sejam feridos. Esta é uma área muito densamente povoada. Esta é uma guerra muito cruel contra um inimigo que usa o seu próprio povo, os seus próprios filhos como escudos humanos, e as baixas são por vezes inevitáveis. Mas lamentamos. E o ridículo é que estamos fazendo o nosso melhor. As Forças de Defesa de Israel estão fazendo o seu melhor para evitar isto. E, no entanto, o governo não diz isso em voz alta, porque tem medo de algumas vozes populistas e ignorantes que podem dizer que estão sendo muito brandos na condução da guerra. Para mim, isso é simplesmente ultrajante.

Você diz que Israel lamenta a grande perda de vidas palestinas, mas um dos grandes problemas, não apenas aqui nos Estados Unidos, mas globalmente, é esse mesmo fato: que houve uma restrição da entrada de ajuda, que Israel tem usado bombardeios maciços na Faixa de Gaza que, como você observa, é densamente povoada. O fato de que Gaza foi arrasada. Você concorda com as medidas tomadas até agora e com a condução da guerra?

Bem, não há uma resposta simples. Basicamente, deveríamos ter empurrado mais ajuda para dentro de Gaza, e estamos fazendo isso agora, depois de muito tempo. Mas há algo a ser dito antes disso. Qual é a alternativa? Neste momento, ao envolvimento nesta guerra só há uma alternativa, e esta é sermos assassinados. Nunca pedimos esta guerra. Nunca quisemos esta guerra e só partimos para esta guerra porque os nossos filhos foram queimados vivos. Porque nossos idosos foram mortos. Porque ainda temos, mesmo neste momento, reféns nos túneis dos terroristas. Eles violaram mulheres e conquistaram aldeias. E mais do que isso, eles disseram abertamente – estou me referindo ao Hamas – que, se tiverem uma oportunidade, farão isso de novo. E, assim sendo, estamos em Gaza para garantir que isso nunca mais aconteça.

Ao ouvi-lo falar, ouço coisas que me lembram certos comentários que ouvi de Netanyahu.

Ah, agora começaram os insultos. [risos]

Você deliberadamente não aderiu ao gabinete de guerra. Pode me dizer por quê? Você lidera a oposição, e só de ouvi-lo falar de sua defesa da condução da guerra, fico me perguntando: em que sentido você faz oposição?

Parte disso acontece porque alguém tem de dizer em voz alta: temos de preservar nossa espinha dorsal democrática. Temos de garantir que estamos lidando com esta questão no mínimo da melhor forma possível e temos de compreender que o futuro reside também no debate desta questão com outros palestinos, como a Autoridade Palestina. Este país precisa de alguém que fale sobre o futuro em termos diferentes. Precisamos neste país de alguém que seja capaz de falar com o governo americano ou com a esfera política americana em uma língua diferente. E, além disso, sinto que o primeiro-ministro Netanyahu faz parte daquilo que nos levou à situação atual, ou tem uma enorme responsabilidade por isso. E sentar atrás dele e se tornar uma fachada ou legitimar seu cargo de primeiro-ministro não parece uma boa ideia.

Mas sou um patriota israelense. Penso que o Exército israelense está se comportando de uma forma honrosa em circunstâncias terríveis, por vezes impossíveis, e está fazendo o seu melhor para evitar ferir inocentes. E, portanto, sinto-me obrigado a defender a forma como as Forças de Defesa de Israel estão agindo. Por outro lado, quando algo terrível acontece, como quando Israel matou acidentalmente os funcionários da organização World Kitchen, serei o primeiro a dizer: ouçam, lamentamos. Isso não deveria ter acontecido. E exigir que haja uma investigação, exigir que haja resultados para essas investigações. Então eu acho que essa voz é necessária. Mas acho que fiz a coisa certa ficando fora do governo.

Você convocou novas eleições. Mas, enquanto isso, a situação com o Irã se agravou. Não é mais uma guerra indireta em que as duas partes evitam o conflito aberto. O que você acha que precisa acontecer? Ainda acha que Israel precisa de novas eleições?

Sim. É claro que não é ideal realizar eleições enquanto os combates continuam e não sabemos qual será o seu desfecho. Mas estamos lidando apenas com opções ruins agora, e temos lidado com elas desde 7 de outubro. Basicamente, não temos o governo certo para os desafios que enfrentamos. Portanto, temos de fazer um esforço e substituir este governo por um governo que possa lidar com a guerra, com os iranianos, com as relações com o governo americano, e recriar e rejuvenescer a aliança que temos com os estados sunitas moderados. E, para que isso aconteça, precisamos ter um debate que fale tanto sobre os iranianos como sobre os palestinos. Porque esta é a exigência deles e também é para o nosso bem. Precisamos ser capazes de lhes dizer: sim, vamos trabalhar com a Autoridade Palestina. E vamos começar por Gaza, porque temos de reconstruir Gaza e reabilitar Gaza.

Palestinos avaliam a destruição após ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza, 30 de maio de 2024. Foto: Abdel Kareem Hana/Associated Press

Então, o que deverá acontecer a Gaza e aos palestinos depois da guerra? Quem deve pagar pela reconstrução? Quem deveria governá-la? Para onde devem ir as pessoas desabrigadas?

Bem, deveríamos construir uma aliança entre, como eu disse, os estados sunitas moderados, a Autoridade Palestina, a comunidade internacional, os Estados Unidos, a União Europeia, quem quer que esteja demonstrando preocupação nestes dias, e Israel, a fim de começar a reconstrução e a substituição do Hamas. Porque enquanto o Hamas existir e estiver ativo e enquanto o Hamas tiver controle do território, não haverá futuro para o povo de Gaza. Eles têm que entender isso. Em 2021, apresentei um plano denominado Economia para a Segurança, que significava dar ao povo de Gaza um futuro econômico em troca de substituir o Hamas por algo mais positivo –

Eu só quero interromper um momento. Você está falando em algo que era uma ideia muito antiga. A ideia de dar prosperidade econômica aos palestinos tem sido cogitada há décadas. Mas muito pouco deste debate tem sido sobre a ocupação. Durante muitos anos, inclusive quando o senhor era primeiro-ministro, houve uma sensação de que, em se tratando dos palestinos, o status quo poderia simplesmente ser aceito e ignorado. A ideia de que os palestinos desejariam a sua própria autodeterminação, o seu próprio Estado, poderia ser posta de lado e que, de alguma forma, a prosperidade econômica poderia ser um substituto. Você acha que essa ideia estava equivocada? Você estava errado?

Bem, eu nunca disse isso, então não estava errado.

Bem, você acabou de dizer agora, que a economia…

Não, não. Você me perguntou especificamente sobre Gaza. O problema em Gaza é especificamente a reconstrução de Gaza. Mas eu sempre disse que a diferença entre os israelenses e os palestinos é que a principal preocupação dos israelenses é a segurança. A principal preocupação dos palestinos é o auto-reconhecimento e o respeito. E eu entendo isso. E entendo que, no final, o que precisamos é ter dois Estados, vivendo em paz, um ao lado do outro. Um deveria ser mais forte que o outro, e o outro deveria ser desmilitarizado. No longo prazo, apoio a ideia de que estes dois povos se separem, depois de implementadas todas as medidas de segurança. Eu quero me separar deles. Não é um favor que estou fazendo aos palestinos, é para o meu próprio bem. E a separação dos palestinos deveria resultar de uma posição de poder por causa dos acontecimentos horríveis que nos acometeram recentemente e não tão recentemente.

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Quando voltei a ligar para Lapid, alguns dias depois, queria perguntar a ele mais a respeito do tipo de oposição que ele representa.

Enquanto conversávamos, o que ouvi é que, no que diz respeito à guerra, não há realmente muita oposição. Israel está sendo acusado de genocídio, de crimes de guerra. E enquanto conversamos, você defendeu a condução da guerra, e se referiu a si mesmo como um patriota israelense. Mas suponho que a minha pergunta seja: não pode o patriotismo também ser definido como o questionamento da condução desta guerra?

Claro que pode. Presumo que aquilo a que estava reagindo é o que sinto ser uma traição dos intelectuais. O que significa que os intelectuais do Ocidente, ou alguns deles, traíram a ideia de complexidade. Porque o que penso é que – e este é o meu dever como líder da oposição israelense, dizer isso ao governo israelense – é preciso lidar com esta guerra melhor do que estamos fazendo agora. Compreendemos, claro, a necessidade de defender o país, de defender o povo, de reagir ao que aconteceu em 7 de outubro e de eliminar toda a capacidade militar do Hamas. E, por outro lado, continuar sendo o que somos: uma democracia que dá o seu melhor na defesa da ideia de humanidade. E, como discutimos, está defendendo isso em circunstâncias nada menos que horríveis. E o diálogo que mantemos com o mundo exterior é feito com pessoas que entoam slogans que elas mesmas não compreendem de fato, ou que estão determinadas a transformar isto em uma história de um só lado.

Não, Israel não está cometendo genocídio. Não, Israel não está fazendo nada além de se defender em uma guerra que não queríamos. E estas não são declarações em defesa do governo. Esta é apenas a realidade das pessoas que estão sofrendo. O fato de me opor tanto ao governo não significa que deva me opor à ideia de legítima defesa.

O que estou pensando, na verdade, é exatamente o que significa, num momento como este, dizer efetivamente, que isso está errado, mesmo que você se preocupe com Israel e os israelenses. Anteriormente, você menosprezou os jovens americanos que marcham pelos direitos dos palestinos, disse que eles são ignorantes e estão enganados.

R: Não creio que estejam marchando pelos direitos dos palestinos. Acho que estão marchando contra os direitos dos palestinos. Penso que o que estão fazendo vai contra o interesse do povo palestino.

Protestos pró-palestinos na Universidade de Columbia, 30 de abril de 2024.  Foto: David Dee Delgado/Reuters

Isso não descarta as preocupações legítimas deles em relação às mortes de civis?

Bem, acho que eles deveriam conhecer os fatos. Acho que eles deveriam compreender que há uma razão pela qual tudo está acontecendo, e a razão é o Hamas. A razão não é Israel. Quero dizer, não ser capaz de rastrear a origem do que está acontecendo é uma total falta de… Não sei, dignidade intelectual, ou no mínimo curiosidade.

E, sabe, eu estava pensando depois da nossa primeira conversa. Estava tentando descobrir o que houve, porque disse a mim mesmo: em um momento ou outro, eu estava na defensiva e a entrevistadora estava na defensiva. Por que isso aconteceu? Então eu não sei de você, mas eu sei de mim. E a razão é porque me recuso a participar do concurso de quem é a maior vítima? Cansei de ser uma vítima. Cansei de ser uma vítima desde junho de 1945. Então a questão é que agora, para obter a compaixão e a empatia do mundo ocidental, ter que lembrá-los a cada cinco segundos que somos as vítimas nisso, para mim, é uma ideia horrível. Prefiro dizer a eles: escutem, estamos lutando por nossas vidas e faremos o que for necessário para vencer essa luta, porque paramos de ser vítimas.

Agora, a coisa mais comum a fazer é entrar em uma briga com os palestinos para saber quem está sofrendo mais. Mas isso é um prazer que não vou dar a ninguém. Talvez seja por isso que fiquei um pouco frustrado, porque parecia que eu tinha de provar que sou mais vítima do que os palestinos. Eu não sou vítima. Sou um cidadão orgulhoso de um grande país que luta pela sua vida, e em circunstâncias terríveis, enquanto tenta ao máximo não ferir os palestinos, porque eles estão vivendo aqui conosco e precisamos encontrar formas de garantir que eles também tenham um futuro.

Sempre me pareceu uma dissociação fundamental, porque Israel não sente que há reconhecimento suficiente da ameaça existencial que o país sofre. Você está articulando isso agora. E os críticos de Israel em relação à questão palestina querem que Israel veja que não pode ser uma verdadeira democracia com segurança real enquanto oprime e ocupa milhões de palestinos. Você consegue entender esse ponto de vista?

Claro. E já que você cobriu Israel, então você sabe, ao contrário de outros, as inúmeras vezes em que Israel ofereceu aos palestinos a condição de Estado, e eles recusaram repetidas vezes.

Mas há outra versão dessa história.

R: Sim, existe outra versão desta história, mas não é a correta. Eu estava envolvido, então eu sei do que estou falando.

Quero contar outra coisa. Certo dia, fui a uma reunião com uma ministra das relações exteriores muito inteligente. Foi há anos. Ela era uma das pessoas mais inteligentes que conheço, entrou na sala e iniciou a conversa dizendo-me: “Reconhecemos o direito de Israel de se defender”. E eu perguntei: “Por que você está dizendo isso?” E ela respondeu: “O que quer dizer?” Eu disse: “Você vai a uma reunião com o ministro das relações exteriores da França e diz a ele que reconhece o direito da França de se defender? Há algum outro país a quem você diga que tem o direito de se defender? Por que você está enfatizando o fato?” Eu não estava bravo com ela. Estava apenas curioso a respeito da pergunta. Por que é que ela sentiu a necessidade de me dizer que tenho o direito de me defender e de não morrer em silêncio? Você e eu conseguimos ir tão longe na nossa conversa, o que é um grande sucesso, sem mencionar a possibilidade de que talvez seja porque somos judeus. Mas talvez seja porque somos judeus.

Isto é algo que ouvi muito de judeus fora de Israel e, obviamente, dentro de Israel. Mas também conhecemos o outro lado disto, que é que muitos palestinos olham para o contexto da ocupação, olham para a forma como foram tratados e dizem que este contexto não é tão simples quanto saber quem é a vítima deste ciclo particular de violência.

Bem, eu não quero esse ciclo de violência. E nenhum israelense em sã consciência – temos a nossa cota de lunáticos, não vou defendê-los – mas a maioria dos israelenses não quer este ciclo de violência. E se alguém nos permitir uma separação dos palestinos – ou seja, se tivermos alguém com quem conversar do lado palestino sobre uma separação – haverá uma grande maioria de israelenses a favor desta separação.

O que você está ouvindo é frustração porque não consigo entender o fato de que, cinco minutos depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto, já estamos nos defendendo de pessoas que nos dizem: Bem, questionamos o seu direito de se defenderem, porque vocês fazem parte do mundo branco privilegiado e, portanto, não têm direito à legítima defesa. Não faz sentido para mim. Isso me frustra. E odeio a ideia de continuar dizendo a mim mesmo que estou feliz por meu pai não estar vivo para ver isso.

Toda a sua vida foi uma saída do porão do gueto de Budapeste, onde os nazistas o colocaram. E, se ele estivesse vivo agora, estaria trancado comigo e com minha filha com necessidades especiais no porão da minha casa, porque alguém está tentando nos matar novamente. O fato de não parecermos ser capazes de nos salvar de estarmos trancados em um porão cercados por pessoas que querem nos matar é muito, muito frustrante para o povo de Israel.

Esta é a minha última pergunta, uma pergunta sobre o futuro. Uma sondagem realizada pelo Israel Democracy Institute mostra que 63% do público judeu israelense não apoia atualmente um Estado palestino independente. Você diz que isso se deve à história, e isso pode muito bem ser verdade. E você deixou bem clara sua posição. Você quer ver o governo de Netanyahu renunciar. Você acredita em uma solução de dois estados. Mas parece que, mesmo que Bibi vá embora, a política dele continuará popular. Então, onde fica a oposição depois desta guerra, e a própria perspectiva de paz? Como você pretende trazer os israelenses para o seu lado?

A política pode ser, como vocês sabem muito bem, horrível, mas às vezes, muito raramente, também bonita. E é lindo quando você tem a oportunidade de mudar a opinião das pessoas, de conversar com elas, de poder comunicar a elas novas ideias. É sempre uma batalha de ideias. E é a única batalha pela qual vale a pena viver. Como eu disse e você citou, sou um patriota. E você está certa, patriotismo às vezes é dizer às pessoas o que elas não querem ouvir. Isso é o que vamos tentar fazer. Vamos tentar fazer com que o governo de Netanyahu desapareça, porque é desastroso, perigoso, irresponsável e, ainda por cima, disfuncional. E depois diremos aos israelenses: temos de tomar uma decisão sobre o nosso futuro, e esta decisão será baseada nas ideias que debati com você. Que, para continuarmos a ser o país mais forte do Oriente Médio, precisamos também continuar a ser a democracia mais forte do Oriente Médio. E, para sermos essa democracia, temos de iniciar a longa jornada, o primeiro passo da jornada de 1.600 quilômetros para nos separarmos dos palestinos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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