“Agora não tenho pressão”, diz He Yun, uma ilustradora de 28 anos que se mudou para Jingdezhen, no leste da China, em busca de uma vida mais tranquila e com um sentido diferente, longe do estresse do dia a dia de trabalho nas grandes cidades.
Assim como ela, muitos outros jovens chineses, desempregados ou cansados de uma vida dedicada exclusivamente ao trabalho, vão a Jingdezhen, capital mundial da cerâmica, para aprender esta arte milenar.
A região com 1,6 milhão de habitantes se tornou atrativa pelos seus aluguéis baratos, um ritmo de vida mais lento e a proximidade com a natureza. “Vim porque nas redes sociais todo mundo dizia que era um lugar esplêndido para os amantes do artesanato, como eu, e que havia um ar de liberdade. Assim é”, contou He Yun à Agência France-Press.
“Quando eu estava desempregada, ficava em casa”, mas aqui “é fácil fazer amigos”, acrescenta ela, que decidiu se mudar para esta cidade após ter sido demitida de seu antigo trabalho.
Pagando um aluguel quase 15 vezes mais barato que em Pequim e Xangai, a ilustradora comemora ter mais controle sobre o seu tempo, no qual confecciona castiçais e colares de cerâmica em uma oficina com amigos e depois ainda consegue relaxar nas ribeiras de bairros vizinhos.
“Coloco os meus trabalhos no Xiaohongshu (equivalente ao Instagram na China), onde as pessoas entram em contato comigo para comprá-las. Mas vendo principalmente nos mercados”, explica sobre o seu modo de trabalho na nova cidade.
Juventude na China
Procurando um sentido
O desemprego entre jovens chineses alcançou o nível recorde, acima dos 20%, de acordo com os números oficiais.
Neste contexto, as redes sociais fizeram de Jingdezhen um refúgio para quem procura o estilo de vida denominado “tangping”, expressão que significa literalmente “deitar de costas”, mas também pode ser traduzida como “renúncia”: abrir mão de uma grande carreira ou de dinheiro em troca de uma vida simples.
A cidade possui uma escola de cerâmica, Dashu, onde muitas pessoas investem no treinamento que custa 4.500 yuans por mês (US$ 615 ou cerca de R$ 3.000), um preço muito acessível.
“Em duas semanas é possível produzir peças simples e vendê-las nos mercados”, diz Anna, diretora da escola.
Um dos alunos da instituição, Guo Yiyang conta que largou seu emprego bem remunerado como programador de computador em março.
“Nas grandes cidades (...) tudo o que você faz é trabalhar. Você não tem vida própria”, explica o jovem de 27 anos que “nunca mais” se vê trabalhando para outra pessoa.
Chen Jia também teve uma motivação parecida. “Estou procurando um sentido em minha vida. Muitos jovens de hoje não querem chegar ao trabalho em um horário fixo”, diz ela, que chegou a Jingdezhen em junho, após não se identificar com o seu primeiro emprego como professora de piano.
De acordo com a imprensa chinesa, 30 mil jovens moravam na cidade em 2022, mas poucos permanecem no local por um longo período.
Fugindo das das pressões da vida
Muitos jovens estão mudando da China não necessariamente por razões ideológicas, mas para escapar de uma cultura laboral ultracompetitiva, pressões familiares e oportunidades limitadas depois de viver na China sob restrições pandêmicas rígidas por três anos.
O Sudeste Asiático tornou-se um destino popular em razão de sua proximidade, do custo de vida relativamente baixo e do cenário tropical.
Não há levantamentos exatos sobre o número de jovens chineses deixando a China desde que o país encerrou as restrições pandêmicas e abriu suas fronteiras. Mas na popular plataforma chinesa de rede social Xiaohongshu, centenas de usuários têm debatido suas decisões de se mudar para a Tailândia.
Muitos obtêm vistos para estudar língua tailandesa enquanto pensam nos passos seguintes. Royce Heng, proprietário da Duke Language School, um instituto privado de ensino de línguas sediado em Bangcoc, afirmou que aproximadamente 180 chineses solicitam informações mensalmente sobre vistos e cursos.
A busca por oportunidades longe de casa é em parte motivada pelo índice de desemprego na China de cidadãos na faixa de 16 a 24 anos, que atingiu um pico recorde, de 21,3%, em julho. A escassez de bons empregos adiciona pressão a longas jornadas de trabalho.
Deixar a China tem se mostrado uma maneira cada vez mais popular de jovens lidarem com um período de mobilidade social descendente, afirmou a professora de sociologia Beverly Thompson, da Faculdade Siena, em Albany, Nova York.
“Quando estão na casa dos 20 anos, começo dos 30, eles podem ir para a Tailândia, ficar tirando selfies e trabalhando na praia por alguns anos — e sentem que têm uma ótima qualidade de vida”, afirmou Thomson. “Se esses nômades tivessem as oportunidades que esperam em seus países-natais, viajariam apenas de férias.” /AFP e AP