Na França, esquerda vence eleições e freia ascensão da direita radical com ajuda do centro


Bloco esquerdista surpreende e elege maior bancada, mas precisará fazer alianças para governar; coalizão de Macron fica em 2º lugar, e partido radical de direita de Marine Le Pen, em 3º

Por Paloma Varón
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL, PARIS - A Nova Frente Popular (NFP), coalizão de socialistas, comunistas, verdes e da esquerda radical, surpreendeu e ficou em primeiro lugar no segundo turno das eleições legislativas antecipadas na França. A vitória deixou o Reagrupamento Nacional (RN), o partido de direita radical liderado por Marine Le Pen e Jordan Bardella, em terceiro lugar, atrás da coalizão de centro liderada pelo presidente, Emmanuel Macron, que ficou em segundo.

Nenhum dos principais blocos políticos obteve maioria absoluta na Assembleia Nacional. A questão do futuro governo permanece sem solução após o segundo turno na noite de domingo, 7. Os acordos tácitos entre o governo de Emmanuel Macron, de centro, e a coalizão de esquerda, concentrando o voto no candidato com mais chances de derrotar o RN em cada circunscrição, frustraram a vitória da direita radical, mas não deram aos esquerdistas uma maioria absoluta, o que aumenta a incerteza sobre o futuro da França.

O pleito foi marcado pelo forte comparecimento às urnas, com 67% de participação, o maior desde 1981. Contra todas as expectativas, a NFP sai na frente e deve obter ao menos 181 assentos na Assembleia Nacional (podendo chegar a 192), seguida pela coalizão Juntos, do presidente Emmanuel Macron, com 166 cadeiras, e pela antes favorito Reagrupamento Nacional (RN), da direita radical, com 143 deputados.

continua após a publicidade
Milhares de franceses foram à Place de la République, em Paris, comemorar os resultados da eleição na França e a vitória da direita e do centro que barrou avanço da direita radical  Foto: Christophe Ena/AP

Para o cientista político e pesquisador John Crowley, o resultado foi “uma surpresa para todo mundo” e se deve, sem dúvida, às desistências de candidatos entre o primeiro e o segundo turnos para barrar o crescimento do RN nas urnas. “Não era óbvio que os votos do centro poderiam ir para a esquerda ou vice-versa, mas eles conseguiram. A estratégia da barragem deu certo e fez o RN perder assentos em relação às primeiras estimativas, que davam até a maioria absoluta para o partido de Bardella (289 cadeiras)”, diz o pesquisador.

Mas, de acordo com ele, a formação de um novo governo “vai ser extremamente complicada”. “A esquerda chegou na frente, mas longe de conseguir uma maioria. O presidente da República tem o poder de nomear o primeiro-ministro, ele pode nomear quem ele quiser. Provavelmente, haverá muita negociação nos próximos dias”, explica.

continua após a publicidade

Com isso, a França pode estar caminhando para um impasse político duradouro. O caminho imediato a seguir não está claro, disseram especialistas, mas o país pode estar caminhando para meses de instabilidade política, com Emmanuel Macron enfrentando um Parlamento dividido, incluindo dois blocos que se opõem firmemente ao presidente .

“Sem uma maioria absoluta, o governo ficará à mercê dos partidos de oposição que se unem” para derrubá-lo, disse Dominique Rousseau, professor emérito de direito público da Universidade Panthéon-Sorbonne, em Paris.

continua após a publicidade

Os resultados deixaram a Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento da França, dividida em três blocos principais com agendas conflitantes e, em alguns casos, com profunda animosidade entre si.

O grupo de partidos de esquerda chamado Nova Frente Popular, que inclui grupos da esquerda radical, conquistou o maior número de cadeiras, seguido pela aliança centrista de Macron e pelo Reagrupamento Nacional, a direita radical nacionalista e anti-imigração.

continua após a publicidade

No momento, nenhum dos três principais blocos parece ser capaz de trabalhar com os outros. Cada um deles poderia tentar reunir uma maioria de trabalho com os poucos partidos menores ou legisladores independentes que ocuparão o restante das cadeiras da câmara baixa. Mas sua capacidade de fazer isso é incerta.

“A cultura política francesa não é propícia ao comprometimento de longo prazo”, disse Samy Benzina, professor de direito público da Universidade de Poitiers, observando que as instituições da França são normalmente projetadas para produzir “maiorias claras que podem governar por conta própria”.

Ideias radicais de esquerda

continua após a publicidade

Com a vitória, a esquerda terá o benefício de tentar montar o governo. Embora ainda não tenham batido o martelo sobre a união, líderes do bloco esquerdista indicaram que poderiam se aliar ao centro para chegar aos 289 assentos necessários para ter maioria.

A viabilidade de um governo juntando as duas forças, entretanto, ainda é incerta. Ambos os blocos nutrem desavenças profundas em determinados tópicos, como a reforma da Previdência francesa, por exemplo.

Outrora poderosa no país sob o comando de um forte partido socialista, a esquerda francesa nos últimos anos foi reduzida a uma aliança frágil entre quatro partidos: comunistas, socialistas, os verdes e os radicais de esquerda. A coalizão foi formada pela primeira vez em 2022 e foi dominada por Jean-Luc Mélenchon. Três vezes candidato à presidência e ex-trotskista, Mélenchon foi relegado a um papel de “não-líder na nova aliança”, segundo outros membros do grupo.

continua após a publicidade
Jean-Luc Mélenchon (de gravata vermelha), o líder radical de esquerda do França Insubmissa, ao lado de outros integrantes da coalizão esquerdista vitoriosa na eleição para o Parlamento da França  Foto: Sameer Al-Doumy / AFP

Mas assim que o presidente Emmanuel Macron convocou novas eleições, ele encampou a liderança da coalizão. Foi o primeiro a discursar no domingo, 7, após as projeções de vitória da esquerda, e afirmou que Macron deverá admitir a derrota nas eleições e criar alguma relação com o NFP para formar um governo.

Mélenchon, de 72 anos, está na cena política francesa há décadas. Ex-membro do Partido Socialista, ocupou cargos ministeriais em governos anteriores. Até 2012, Mélenchon era um candidato marginal, mas o cenário político mudou radicalmente desde então, tornando-o popular entre os eleitores mais jovens, nas redes sociais e também com um canal popular no YouTube. Ele se tornou líder do França Insubmissa (LFI), um partido com ideias de esquerda mais radicais.

Ele se tornou uma figura divisiva na política francesa, atraindo tanto entusiasmo quanto críticas por suas propostas incendiárias de impostos e gastos do governo, sua retórica sobre luta de classes e suas posições controversas em política externa, especialmente em relação a Gaza. Críticos o acusam de antissemitismo, acusação que ele nega.

Desde o ataque de 7 de outubro a Israel, Mélenchon expressou descaradamente opiniões pró-palestinas, recusou-se a chamar o Hamas de organização terrorista e denunciou com veemência a operação militar de Israel em Gaza como “genocídio”. Ele classificou uma grande manifestação contra o antissemitismo, com a presença de dois ex-presidentes franceses, como um encontro para “os amigos do apoio incondicional ao massacre”.

Além de Mélenchon, outras lideranças da coalizão devem disputar o posto de primeiro-ministro. Marine Tondelier, a jovem líder dos Ecologistas, Raphael Glucksmann, cofundador do partido de centro-esquerda Place Publique e Laurent Berger, ex-líder sindical da poderosa Confederação Democrática Francesa do Trabalho (CFTD), além do próprio ex-presidente François Hollande.

O ex-primeiro-ministro Édouard Philippe se colocou à disposição para reunir um conjunto de forças políticas e formar um novo governo. Desde a dissolução da AN, tanto Philippe quanto outras lideranças de centro e da direita moderada se dissociaram da imagem de Macron para tentar assumir a liderança do campo governista.

O presidente Emmanuel Macron, que decidiu dissolver a AN na noite do dia 9 de junho, após a vitória do RN na França nas eleições europeias, preferiu não falar publicamente na noite deste domingo, 7.

O atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, eleito deputado pelo departamento Hauts-de-Seine disse que vai entregar a sua demissão na manhã desta segunda-feira, 8, mas que estaria disposto a ficar no cargo o tempo que fosse preciso.

Diante da dificuldade em se formar um governo sem maioria absoluta, Crowley acredita que – um fato inédito na tradição francesa – é possível que Macron espere passar o verão e os Jogos Olímpicos para nomear um novo primeiro-ministro. “Na tradição francesa, o primeiro-ministro é nomeado por volta do meio-dia de segunda-feira. Desta vez, eu acredito que nada vai se passar tão rapidamente. Ele vai ganhar tempo e deve formar um novo governo para a volta das férias, em setembro. A França faria algo que acontece com frequência em países como a Alemanha, a Espanha e os países nórdicos, que podem levar meses em negociações até a formação de um novo governo”, explica.

RN lamenta não poder “endireitar o país”

Qualificado em 441 zonas eleitorais no segundo turno, depois de já ter eleito 39 deputados desde o primeiro turno, o RN e os seus aliados pareciam capazes de obter a maioria na Assembleia Nacional pela primeira vez. Mas depois das inúmeras desistências ocorridas entre as duas rodadas, o partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella perdeu a aposta.

Jordan Bardella falou em nome de seu partido na noite de domingo. Ele saudou o resultado inédito de seu partido nas legislativas, mas lamentou que, com o “cordão sanitário” feito pela aliança entre o centro e a esquerda, seu partido não tenha conseguido a maioria para “endireitar o país”.

A líder da direita radical da França, Marine Le Pen, lamenta derrota de seu partido no segundo turno para o Parlamento francês: 'nossa vitória foi apenas adiada', disse  Foto: Louise Delmotte/AP

A reportagem do Estadão conversou com eleitores que votaram no domingo. Em Paris, o único distrito em que o RN tinha um candidato no segundo turno foi o 16º, graças a uma aliança local entre o partido de direita Os Republicanos (LR) e o RN, o que é algo inédito numa cidade que tem tradição de votar à esquerda – e o 16º distrito tem uma tradição de votar LR.

François Sétin, que vota no 16º há mais de 20 anos e é um leitor contumaz do LR, se disse surpreso com esta aliança e decidiu ir votar, junto com a sua família, no candidato governista do Juntos!, que concorria com o candidato LR-RN. “Nos sempre dizíamos que, se a direita não passasse no 16º, seria o fim, e desta vez nos deparamos com isso”, disse, decepcionado.

“Eu sou contra esta aliança, o RN não reflete nem um pouco os valores republicanos do LR. Aliás, eu até contesto o termo ‘extrema direita’ para o RN, porque acho que eles não têm nada a ver com a direita, são apenas extremistas”, afirma. Para ele, a dissolução da AN por Macron, que causou esta crise política, foi “um erro, uma heresia”.

A franco-argelina Barisa D., que também vota no 16º, conta que foi votar de manhã cedo e ficou inquieta ao ver a confusão das pessoas mais velhas ao verem o candidato do LR e do RN na mesma cédula. “Eu acho que eles ficaram confusos, porque têm o hábito de votar no LR, mas não no RN e não sabiam para quem votar, alguns pediam instruções aos mesários, tentando entender”, relata. / COM NYT

ENVIADA ESPECIAL, PARIS - A Nova Frente Popular (NFP), coalizão de socialistas, comunistas, verdes e da esquerda radical, surpreendeu e ficou em primeiro lugar no segundo turno das eleições legislativas antecipadas na França. A vitória deixou o Reagrupamento Nacional (RN), o partido de direita radical liderado por Marine Le Pen e Jordan Bardella, em terceiro lugar, atrás da coalizão de centro liderada pelo presidente, Emmanuel Macron, que ficou em segundo.

Nenhum dos principais blocos políticos obteve maioria absoluta na Assembleia Nacional. A questão do futuro governo permanece sem solução após o segundo turno na noite de domingo, 7. Os acordos tácitos entre o governo de Emmanuel Macron, de centro, e a coalizão de esquerda, concentrando o voto no candidato com mais chances de derrotar o RN em cada circunscrição, frustraram a vitória da direita radical, mas não deram aos esquerdistas uma maioria absoluta, o que aumenta a incerteza sobre o futuro da França.

O pleito foi marcado pelo forte comparecimento às urnas, com 67% de participação, o maior desde 1981. Contra todas as expectativas, a NFP sai na frente e deve obter ao menos 181 assentos na Assembleia Nacional (podendo chegar a 192), seguida pela coalizão Juntos, do presidente Emmanuel Macron, com 166 cadeiras, e pela antes favorito Reagrupamento Nacional (RN), da direita radical, com 143 deputados.

Milhares de franceses foram à Place de la République, em Paris, comemorar os resultados da eleição na França e a vitória da direita e do centro que barrou avanço da direita radical  Foto: Christophe Ena/AP

Para o cientista político e pesquisador John Crowley, o resultado foi “uma surpresa para todo mundo” e se deve, sem dúvida, às desistências de candidatos entre o primeiro e o segundo turnos para barrar o crescimento do RN nas urnas. “Não era óbvio que os votos do centro poderiam ir para a esquerda ou vice-versa, mas eles conseguiram. A estratégia da barragem deu certo e fez o RN perder assentos em relação às primeiras estimativas, que davam até a maioria absoluta para o partido de Bardella (289 cadeiras)”, diz o pesquisador.

Mas, de acordo com ele, a formação de um novo governo “vai ser extremamente complicada”. “A esquerda chegou na frente, mas longe de conseguir uma maioria. O presidente da República tem o poder de nomear o primeiro-ministro, ele pode nomear quem ele quiser. Provavelmente, haverá muita negociação nos próximos dias”, explica.

Com isso, a França pode estar caminhando para um impasse político duradouro. O caminho imediato a seguir não está claro, disseram especialistas, mas o país pode estar caminhando para meses de instabilidade política, com Emmanuel Macron enfrentando um Parlamento dividido, incluindo dois blocos que se opõem firmemente ao presidente .

“Sem uma maioria absoluta, o governo ficará à mercê dos partidos de oposição que se unem” para derrubá-lo, disse Dominique Rousseau, professor emérito de direito público da Universidade Panthéon-Sorbonne, em Paris.

Os resultados deixaram a Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento da França, dividida em três blocos principais com agendas conflitantes e, em alguns casos, com profunda animosidade entre si.

O grupo de partidos de esquerda chamado Nova Frente Popular, que inclui grupos da esquerda radical, conquistou o maior número de cadeiras, seguido pela aliança centrista de Macron e pelo Reagrupamento Nacional, a direita radical nacionalista e anti-imigração.

No momento, nenhum dos três principais blocos parece ser capaz de trabalhar com os outros. Cada um deles poderia tentar reunir uma maioria de trabalho com os poucos partidos menores ou legisladores independentes que ocuparão o restante das cadeiras da câmara baixa. Mas sua capacidade de fazer isso é incerta.

“A cultura política francesa não é propícia ao comprometimento de longo prazo”, disse Samy Benzina, professor de direito público da Universidade de Poitiers, observando que as instituições da França são normalmente projetadas para produzir “maiorias claras que podem governar por conta própria”.

Ideias radicais de esquerda

Com a vitória, a esquerda terá o benefício de tentar montar o governo. Embora ainda não tenham batido o martelo sobre a união, líderes do bloco esquerdista indicaram que poderiam se aliar ao centro para chegar aos 289 assentos necessários para ter maioria.

A viabilidade de um governo juntando as duas forças, entretanto, ainda é incerta. Ambos os blocos nutrem desavenças profundas em determinados tópicos, como a reforma da Previdência francesa, por exemplo.

Outrora poderosa no país sob o comando de um forte partido socialista, a esquerda francesa nos últimos anos foi reduzida a uma aliança frágil entre quatro partidos: comunistas, socialistas, os verdes e os radicais de esquerda. A coalizão foi formada pela primeira vez em 2022 e foi dominada por Jean-Luc Mélenchon. Três vezes candidato à presidência e ex-trotskista, Mélenchon foi relegado a um papel de “não-líder na nova aliança”, segundo outros membros do grupo.

Jean-Luc Mélenchon (de gravata vermelha), o líder radical de esquerda do França Insubmissa, ao lado de outros integrantes da coalizão esquerdista vitoriosa na eleição para o Parlamento da França  Foto: Sameer Al-Doumy / AFP

Mas assim que o presidente Emmanuel Macron convocou novas eleições, ele encampou a liderança da coalizão. Foi o primeiro a discursar no domingo, 7, após as projeções de vitória da esquerda, e afirmou que Macron deverá admitir a derrota nas eleições e criar alguma relação com o NFP para formar um governo.

Mélenchon, de 72 anos, está na cena política francesa há décadas. Ex-membro do Partido Socialista, ocupou cargos ministeriais em governos anteriores. Até 2012, Mélenchon era um candidato marginal, mas o cenário político mudou radicalmente desde então, tornando-o popular entre os eleitores mais jovens, nas redes sociais e também com um canal popular no YouTube. Ele se tornou líder do França Insubmissa (LFI), um partido com ideias de esquerda mais radicais.

Ele se tornou uma figura divisiva na política francesa, atraindo tanto entusiasmo quanto críticas por suas propostas incendiárias de impostos e gastos do governo, sua retórica sobre luta de classes e suas posições controversas em política externa, especialmente em relação a Gaza. Críticos o acusam de antissemitismo, acusação que ele nega.

Desde o ataque de 7 de outubro a Israel, Mélenchon expressou descaradamente opiniões pró-palestinas, recusou-se a chamar o Hamas de organização terrorista e denunciou com veemência a operação militar de Israel em Gaza como “genocídio”. Ele classificou uma grande manifestação contra o antissemitismo, com a presença de dois ex-presidentes franceses, como um encontro para “os amigos do apoio incondicional ao massacre”.

Além de Mélenchon, outras lideranças da coalizão devem disputar o posto de primeiro-ministro. Marine Tondelier, a jovem líder dos Ecologistas, Raphael Glucksmann, cofundador do partido de centro-esquerda Place Publique e Laurent Berger, ex-líder sindical da poderosa Confederação Democrática Francesa do Trabalho (CFTD), além do próprio ex-presidente François Hollande.

O ex-primeiro-ministro Édouard Philippe se colocou à disposição para reunir um conjunto de forças políticas e formar um novo governo. Desde a dissolução da AN, tanto Philippe quanto outras lideranças de centro e da direita moderada se dissociaram da imagem de Macron para tentar assumir a liderança do campo governista.

O presidente Emmanuel Macron, que decidiu dissolver a AN na noite do dia 9 de junho, após a vitória do RN na França nas eleições europeias, preferiu não falar publicamente na noite deste domingo, 7.

O atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, eleito deputado pelo departamento Hauts-de-Seine disse que vai entregar a sua demissão na manhã desta segunda-feira, 8, mas que estaria disposto a ficar no cargo o tempo que fosse preciso.

Diante da dificuldade em se formar um governo sem maioria absoluta, Crowley acredita que – um fato inédito na tradição francesa – é possível que Macron espere passar o verão e os Jogos Olímpicos para nomear um novo primeiro-ministro. “Na tradição francesa, o primeiro-ministro é nomeado por volta do meio-dia de segunda-feira. Desta vez, eu acredito que nada vai se passar tão rapidamente. Ele vai ganhar tempo e deve formar um novo governo para a volta das férias, em setembro. A França faria algo que acontece com frequência em países como a Alemanha, a Espanha e os países nórdicos, que podem levar meses em negociações até a formação de um novo governo”, explica.

RN lamenta não poder “endireitar o país”

Qualificado em 441 zonas eleitorais no segundo turno, depois de já ter eleito 39 deputados desde o primeiro turno, o RN e os seus aliados pareciam capazes de obter a maioria na Assembleia Nacional pela primeira vez. Mas depois das inúmeras desistências ocorridas entre as duas rodadas, o partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella perdeu a aposta.

Jordan Bardella falou em nome de seu partido na noite de domingo. Ele saudou o resultado inédito de seu partido nas legislativas, mas lamentou que, com o “cordão sanitário” feito pela aliança entre o centro e a esquerda, seu partido não tenha conseguido a maioria para “endireitar o país”.

A líder da direita radical da França, Marine Le Pen, lamenta derrota de seu partido no segundo turno para o Parlamento francês: 'nossa vitória foi apenas adiada', disse  Foto: Louise Delmotte/AP

A reportagem do Estadão conversou com eleitores que votaram no domingo. Em Paris, o único distrito em que o RN tinha um candidato no segundo turno foi o 16º, graças a uma aliança local entre o partido de direita Os Republicanos (LR) e o RN, o que é algo inédito numa cidade que tem tradição de votar à esquerda – e o 16º distrito tem uma tradição de votar LR.

François Sétin, que vota no 16º há mais de 20 anos e é um leitor contumaz do LR, se disse surpreso com esta aliança e decidiu ir votar, junto com a sua família, no candidato governista do Juntos!, que concorria com o candidato LR-RN. “Nos sempre dizíamos que, se a direita não passasse no 16º, seria o fim, e desta vez nos deparamos com isso”, disse, decepcionado.

“Eu sou contra esta aliança, o RN não reflete nem um pouco os valores republicanos do LR. Aliás, eu até contesto o termo ‘extrema direita’ para o RN, porque acho que eles não têm nada a ver com a direita, são apenas extremistas”, afirma. Para ele, a dissolução da AN por Macron, que causou esta crise política, foi “um erro, uma heresia”.

A franco-argelina Barisa D., que também vota no 16º, conta que foi votar de manhã cedo e ficou inquieta ao ver a confusão das pessoas mais velhas ao verem o candidato do LR e do RN na mesma cédula. “Eu acho que eles ficaram confusos, porque têm o hábito de votar no LR, mas não no RN e não sabiam para quem votar, alguns pediam instruções aos mesários, tentando entender”, relata. / COM NYT

ENVIADA ESPECIAL, PARIS - A Nova Frente Popular (NFP), coalizão de socialistas, comunistas, verdes e da esquerda radical, surpreendeu e ficou em primeiro lugar no segundo turno das eleições legislativas antecipadas na França. A vitória deixou o Reagrupamento Nacional (RN), o partido de direita radical liderado por Marine Le Pen e Jordan Bardella, em terceiro lugar, atrás da coalizão de centro liderada pelo presidente, Emmanuel Macron, que ficou em segundo.

Nenhum dos principais blocos políticos obteve maioria absoluta na Assembleia Nacional. A questão do futuro governo permanece sem solução após o segundo turno na noite de domingo, 7. Os acordos tácitos entre o governo de Emmanuel Macron, de centro, e a coalizão de esquerda, concentrando o voto no candidato com mais chances de derrotar o RN em cada circunscrição, frustraram a vitória da direita radical, mas não deram aos esquerdistas uma maioria absoluta, o que aumenta a incerteza sobre o futuro da França.

O pleito foi marcado pelo forte comparecimento às urnas, com 67% de participação, o maior desde 1981. Contra todas as expectativas, a NFP sai na frente e deve obter ao menos 181 assentos na Assembleia Nacional (podendo chegar a 192), seguida pela coalizão Juntos, do presidente Emmanuel Macron, com 166 cadeiras, e pela antes favorito Reagrupamento Nacional (RN), da direita radical, com 143 deputados.

Milhares de franceses foram à Place de la République, em Paris, comemorar os resultados da eleição na França e a vitória da direita e do centro que barrou avanço da direita radical  Foto: Christophe Ena/AP

Para o cientista político e pesquisador John Crowley, o resultado foi “uma surpresa para todo mundo” e se deve, sem dúvida, às desistências de candidatos entre o primeiro e o segundo turnos para barrar o crescimento do RN nas urnas. “Não era óbvio que os votos do centro poderiam ir para a esquerda ou vice-versa, mas eles conseguiram. A estratégia da barragem deu certo e fez o RN perder assentos em relação às primeiras estimativas, que davam até a maioria absoluta para o partido de Bardella (289 cadeiras)”, diz o pesquisador.

Mas, de acordo com ele, a formação de um novo governo “vai ser extremamente complicada”. “A esquerda chegou na frente, mas longe de conseguir uma maioria. O presidente da República tem o poder de nomear o primeiro-ministro, ele pode nomear quem ele quiser. Provavelmente, haverá muita negociação nos próximos dias”, explica.

Com isso, a França pode estar caminhando para um impasse político duradouro. O caminho imediato a seguir não está claro, disseram especialistas, mas o país pode estar caminhando para meses de instabilidade política, com Emmanuel Macron enfrentando um Parlamento dividido, incluindo dois blocos que se opõem firmemente ao presidente .

“Sem uma maioria absoluta, o governo ficará à mercê dos partidos de oposição que se unem” para derrubá-lo, disse Dominique Rousseau, professor emérito de direito público da Universidade Panthéon-Sorbonne, em Paris.

Os resultados deixaram a Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento da França, dividida em três blocos principais com agendas conflitantes e, em alguns casos, com profunda animosidade entre si.

O grupo de partidos de esquerda chamado Nova Frente Popular, que inclui grupos da esquerda radical, conquistou o maior número de cadeiras, seguido pela aliança centrista de Macron e pelo Reagrupamento Nacional, a direita radical nacionalista e anti-imigração.

No momento, nenhum dos três principais blocos parece ser capaz de trabalhar com os outros. Cada um deles poderia tentar reunir uma maioria de trabalho com os poucos partidos menores ou legisladores independentes que ocuparão o restante das cadeiras da câmara baixa. Mas sua capacidade de fazer isso é incerta.

“A cultura política francesa não é propícia ao comprometimento de longo prazo”, disse Samy Benzina, professor de direito público da Universidade de Poitiers, observando que as instituições da França são normalmente projetadas para produzir “maiorias claras que podem governar por conta própria”.

Ideias radicais de esquerda

Com a vitória, a esquerda terá o benefício de tentar montar o governo. Embora ainda não tenham batido o martelo sobre a união, líderes do bloco esquerdista indicaram que poderiam se aliar ao centro para chegar aos 289 assentos necessários para ter maioria.

A viabilidade de um governo juntando as duas forças, entretanto, ainda é incerta. Ambos os blocos nutrem desavenças profundas em determinados tópicos, como a reforma da Previdência francesa, por exemplo.

Outrora poderosa no país sob o comando de um forte partido socialista, a esquerda francesa nos últimos anos foi reduzida a uma aliança frágil entre quatro partidos: comunistas, socialistas, os verdes e os radicais de esquerda. A coalizão foi formada pela primeira vez em 2022 e foi dominada por Jean-Luc Mélenchon. Três vezes candidato à presidência e ex-trotskista, Mélenchon foi relegado a um papel de “não-líder na nova aliança”, segundo outros membros do grupo.

Jean-Luc Mélenchon (de gravata vermelha), o líder radical de esquerda do França Insubmissa, ao lado de outros integrantes da coalizão esquerdista vitoriosa na eleição para o Parlamento da França  Foto: Sameer Al-Doumy / AFP

Mas assim que o presidente Emmanuel Macron convocou novas eleições, ele encampou a liderança da coalizão. Foi o primeiro a discursar no domingo, 7, após as projeções de vitória da esquerda, e afirmou que Macron deverá admitir a derrota nas eleições e criar alguma relação com o NFP para formar um governo.

Mélenchon, de 72 anos, está na cena política francesa há décadas. Ex-membro do Partido Socialista, ocupou cargos ministeriais em governos anteriores. Até 2012, Mélenchon era um candidato marginal, mas o cenário político mudou radicalmente desde então, tornando-o popular entre os eleitores mais jovens, nas redes sociais e também com um canal popular no YouTube. Ele se tornou líder do França Insubmissa (LFI), um partido com ideias de esquerda mais radicais.

Ele se tornou uma figura divisiva na política francesa, atraindo tanto entusiasmo quanto críticas por suas propostas incendiárias de impostos e gastos do governo, sua retórica sobre luta de classes e suas posições controversas em política externa, especialmente em relação a Gaza. Críticos o acusam de antissemitismo, acusação que ele nega.

Desde o ataque de 7 de outubro a Israel, Mélenchon expressou descaradamente opiniões pró-palestinas, recusou-se a chamar o Hamas de organização terrorista e denunciou com veemência a operação militar de Israel em Gaza como “genocídio”. Ele classificou uma grande manifestação contra o antissemitismo, com a presença de dois ex-presidentes franceses, como um encontro para “os amigos do apoio incondicional ao massacre”.

Além de Mélenchon, outras lideranças da coalizão devem disputar o posto de primeiro-ministro. Marine Tondelier, a jovem líder dos Ecologistas, Raphael Glucksmann, cofundador do partido de centro-esquerda Place Publique e Laurent Berger, ex-líder sindical da poderosa Confederação Democrática Francesa do Trabalho (CFTD), além do próprio ex-presidente François Hollande.

O ex-primeiro-ministro Édouard Philippe se colocou à disposição para reunir um conjunto de forças políticas e formar um novo governo. Desde a dissolução da AN, tanto Philippe quanto outras lideranças de centro e da direita moderada se dissociaram da imagem de Macron para tentar assumir a liderança do campo governista.

O presidente Emmanuel Macron, que decidiu dissolver a AN na noite do dia 9 de junho, após a vitória do RN na França nas eleições europeias, preferiu não falar publicamente na noite deste domingo, 7.

O atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, eleito deputado pelo departamento Hauts-de-Seine disse que vai entregar a sua demissão na manhã desta segunda-feira, 8, mas que estaria disposto a ficar no cargo o tempo que fosse preciso.

Diante da dificuldade em se formar um governo sem maioria absoluta, Crowley acredita que – um fato inédito na tradição francesa – é possível que Macron espere passar o verão e os Jogos Olímpicos para nomear um novo primeiro-ministro. “Na tradição francesa, o primeiro-ministro é nomeado por volta do meio-dia de segunda-feira. Desta vez, eu acredito que nada vai se passar tão rapidamente. Ele vai ganhar tempo e deve formar um novo governo para a volta das férias, em setembro. A França faria algo que acontece com frequência em países como a Alemanha, a Espanha e os países nórdicos, que podem levar meses em negociações até a formação de um novo governo”, explica.

RN lamenta não poder “endireitar o país”

Qualificado em 441 zonas eleitorais no segundo turno, depois de já ter eleito 39 deputados desde o primeiro turno, o RN e os seus aliados pareciam capazes de obter a maioria na Assembleia Nacional pela primeira vez. Mas depois das inúmeras desistências ocorridas entre as duas rodadas, o partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella perdeu a aposta.

Jordan Bardella falou em nome de seu partido na noite de domingo. Ele saudou o resultado inédito de seu partido nas legislativas, mas lamentou que, com o “cordão sanitário” feito pela aliança entre o centro e a esquerda, seu partido não tenha conseguido a maioria para “endireitar o país”.

A líder da direita radical da França, Marine Le Pen, lamenta derrota de seu partido no segundo turno para o Parlamento francês: 'nossa vitória foi apenas adiada', disse  Foto: Louise Delmotte/AP

A reportagem do Estadão conversou com eleitores que votaram no domingo. Em Paris, o único distrito em que o RN tinha um candidato no segundo turno foi o 16º, graças a uma aliança local entre o partido de direita Os Republicanos (LR) e o RN, o que é algo inédito numa cidade que tem tradição de votar à esquerda – e o 16º distrito tem uma tradição de votar LR.

François Sétin, que vota no 16º há mais de 20 anos e é um leitor contumaz do LR, se disse surpreso com esta aliança e decidiu ir votar, junto com a sua família, no candidato governista do Juntos!, que concorria com o candidato LR-RN. “Nos sempre dizíamos que, se a direita não passasse no 16º, seria o fim, e desta vez nos deparamos com isso”, disse, decepcionado.

“Eu sou contra esta aliança, o RN não reflete nem um pouco os valores republicanos do LR. Aliás, eu até contesto o termo ‘extrema direita’ para o RN, porque acho que eles não têm nada a ver com a direita, são apenas extremistas”, afirma. Para ele, a dissolução da AN por Macron, que causou esta crise política, foi “um erro, uma heresia”.

A franco-argelina Barisa D., que também vota no 16º, conta que foi votar de manhã cedo e ficou inquieta ao ver a confusão das pessoas mais velhas ao verem o candidato do LR e do RN na mesma cédula. “Eu acho que eles ficaram confusos, porque têm o hábito de votar no LR, mas não no RN e não sabiam para quem votar, alguns pediam instruções aos mesários, tentando entender”, relata. / COM NYT

ENVIADA ESPECIAL, PARIS - A Nova Frente Popular (NFP), coalizão de socialistas, comunistas, verdes e da esquerda radical, surpreendeu e ficou em primeiro lugar no segundo turno das eleições legislativas antecipadas na França. A vitória deixou o Reagrupamento Nacional (RN), o partido de direita radical liderado por Marine Le Pen e Jordan Bardella, em terceiro lugar, atrás da coalizão de centro liderada pelo presidente, Emmanuel Macron, que ficou em segundo.

Nenhum dos principais blocos políticos obteve maioria absoluta na Assembleia Nacional. A questão do futuro governo permanece sem solução após o segundo turno na noite de domingo, 7. Os acordos tácitos entre o governo de Emmanuel Macron, de centro, e a coalizão de esquerda, concentrando o voto no candidato com mais chances de derrotar o RN em cada circunscrição, frustraram a vitória da direita radical, mas não deram aos esquerdistas uma maioria absoluta, o que aumenta a incerteza sobre o futuro da França.

O pleito foi marcado pelo forte comparecimento às urnas, com 67% de participação, o maior desde 1981. Contra todas as expectativas, a NFP sai na frente e deve obter ao menos 181 assentos na Assembleia Nacional (podendo chegar a 192), seguida pela coalizão Juntos, do presidente Emmanuel Macron, com 166 cadeiras, e pela antes favorito Reagrupamento Nacional (RN), da direita radical, com 143 deputados.

Milhares de franceses foram à Place de la République, em Paris, comemorar os resultados da eleição na França e a vitória da direita e do centro que barrou avanço da direita radical  Foto: Christophe Ena/AP

Para o cientista político e pesquisador John Crowley, o resultado foi “uma surpresa para todo mundo” e se deve, sem dúvida, às desistências de candidatos entre o primeiro e o segundo turnos para barrar o crescimento do RN nas urnas. “Não era óbvio que os votos do centro poderiam ir para a esquerda ou vice-versa, mas eles conseguiram. A estratégia da barragem deu certo e fez o RN perder assentos em relação às primeiras estimativas, que davam até a maioria absoluta para o partido de Bardella (289 cadeiras)”, diz o pesquisador.

Mas, de acordo com ele, a formação de um novo governo “vai ser extremamente complicada”. “A esquerda chegou na frente, mas longe de conseguir uma maioria. O presidente da República tem o poder de nomear o primeiro-ministro, ele pode nomear quem ele quiser. Provavelmente, haverá muita negociação nos próximos dias”, explica.

Com isso, a França pode estar caminhando para um impasse político duradouro. O caminho imediato a seguir não está claro, disseram especialistas, mas o país pode estar caminhando para meses de instabilidade política, com Emmanuel Macron enfrentando um Parlamento dividido, incluindo dois blocos que se opõem firmemente ao presidente .

“Sem uma maioria absoluta, o governo ficará à mercê dos partidos de oposição que se unem” para derrubá-lo, disse Dominique Rousseau, professor emérito de direito público da Universidade Panthéon-Sorbonne, em Paris.

Os resultados deixaram a Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento da França, dividida em três blocos principais com agendas conflitantes e, em alguns casos, com profunda animosidade entre si.

O grupo de partidos de esquerda chamado Nova Frente Popular, que inclui grupos da esquerda radical, conquistou o maior número de cadeiras, seguido pela aliança centrista de Macron e pelo Reagrupamento Nacional, a direita radical nacionalista e anti-imigração.

No momento, nenhum dos três principais blocos parece ser capaz de trabalhar com os outros. Cada um deles poderia tentar reunir uma maioria de trabalho com os poucos partidos menores ou legisladores independentes que ocuparão o restante das cadeiras da câmara baixa. Mas sua capacidade de fazer isso é incerta.

“A cultura política francesa não é propícia ao comprometimento de longo prazo”, disse Samy Benzina, professor de direito público da Universidade de Poitiers, observando que as instituições da França são normalmente projetadas para produzir “maiorias claras que podem governar por conta própria”.

Ideias radicais de esquerda

Com a vitória, a esquerda terá o benefício de tentar montar o governo. Embora ainda não tenham batido o martelo sobre a união, líderes do bloco esquerdista indicaram que poderiam se aliar ao centro para chegar aos 289 assentos necessários para ter maioria.

A viabilidade de um governo juntando as duas forças, entretanto, ainda é incerta. Ambos os blocos nutrem desavenças profundas em determinados tópicos, como a reforma da Previdência francesa, por exemplo.

Outrora poderosa no país sob o comando de um forte partido socialista, a esquerda francesa nos últimos anos foi reduzida a uma aliança frágil entre quatro partidos: comunistas, socialistas, os verdes e os radicais de esquerda. A coalizão foi formada pela primeira vez em 2022 e foi dominada por Jean-Luc Mélenchon. Três vezes candidato à presidência e ex-trotskista, Mélenchon foi relegado a um papel de “não-líder na nova aliança”, segundo outros membros do grupo.

Jean-Luc Mélenchon (de gravata vermelha), o líder radical de esquerda do França Insubmissa, ao lado de outros integrantes da coalizão esquerdista vitoriosa na eleição para o Parlamento da França  Foto: Sameer Al-Doumy / AFP

Mas assim que o presidente Emmanuel Macron convocou novas eleições, ele encampou a liderança da coalizão. Foi o primeiro a discursar no domingo, 7, após as projeções de vitória da esquerda, e afirmou que Macron deverá admitir a derrota nas eleições e criar alguma relação com o NFP para formar um governo.

Mélenchon, de 72 anos, está na cena política francesa há décadas. Ex-membro do Partido Socialista, ocupou cargos ministeriais em governos anteriores. Até 2012, Mélenchon era um candidato marginal, mas o cenário político mudou radicalmente desde então, tornando-o popular entre os eleitores mais jovens, nas redes sociais e também com um canal popular no YouTube. Ele se tornou líder do França Insubmissa (LFI), um partido com ideias de esquerda mais radicais.

Ele se tornou uma figura divisiva na política francesa, atraindo tanto entusiasmo quanto críticas por suas propostas incendiárias de impostos e gastos do governo, sua retórica sobre luta de classes e suas posições controversas em política externa, especialmente em relação a Gaza. Críticos o acusam de antissemitismo, acusação que ele nega.

Desde o ataque de 7 de outubro a Israel, Mélenchon expressou descaradamente opiniões pró-palestinas, recusou-se a chamar o Hamas de organização terrorista e denunciou com veemência a operação militar de Israel em Gaza como “genocídio”. Ele classificou uma grande manifestação contra o antissemitismo, com a presença de dois ex-presidentes franceses, como um encontro para “os amigos do apoio incondicional ao massacre”.

Além de Mélenchon, outras lideranças da coalizão devem disputar o posto de primeiro-ministro. Marine Tondelier, a jovem líder dos Ecologistas, Raphael Glucksmann, cofundador do partido de centro-esquerda Place Publique e Laurent Berger, ex-líder sindical da poderosa Confederação Democrática Francesa do Trabalho (CFTD), além do próprio ex-presidente François Hollande.

O ex-primeiro-ministro Édouard Philippe se colocou à disposição para reunir um conjunto de forças políticas e formar um novo governo. Desde a dissolução da AN, tanto Philippe quanto outras lideranças de centro e da direita moderada se dissociaram da imagem de Macron para tentar assumir a liderança do campo governista.

O presidente Emmanuel Macron, que decidiu dissolver a AN na noite do dia 9 de junho, após a vitória do RN na França nas eleições europeias, preferiu não falar publicamente na noite deste domingo, 7.

O atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, eleito deputado pelo departamento Hauts-de-Seine disse que vai entregar a sua demissão na manhã desta segunda-feira, 8, mas que estaria disposto a ficar no cargo o tempo que fosse preciso.

Diante da dificuldade em se formar um governo sem maioria absoluta, Crowley acredita que – um fato inédito na tradição francesa – é possível que Macron espere passar o verão e os Jogos Olímpicos para nomear um novo primeiro-ministro. “Na tradição francesa, o primeiro-ministro é nomeado por volta do meio-dia de segunda-feira. Desta vez, eu acredito que nada vai se passar tão rapidamente. Ele vai ganhar tempo e deve formar um novo governo para a volta das férias, em setembro. A França faria algo que acontece com frequência em países como a Alemanha, a Espanha e os países nórdicos, que podem levar meses em negociações até a formação de um novo governo”, explica.

RN lamenta não poder “endireitar o país”

Qualificado em 441 zonas eleitorais no segundo turno, depois de já ter eleito 39 deputados desde o primeiro turno, o RN e os seus aliados pareciam capazes de obter a maioria na Assembleia Nacional pela primeira vez. Mas depois das inúmeras desistências ocorridas entre as duas rodadas, o partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella perdeu a aposta.

Jordan Bardella falou em nome de seu partido na noite de domingo. Ele saudou o resultado inédito de seu partido nas legislativas, mas lamentou que, com o “cordão sanitário” feito pela aliança entre o centro e a esquerda, seu partido não tenha conseguido a maioria para “endireitar o país”.

A líder da direita radical da França, Marine Le Pen, lamenta derrota de seu partido no segundo turno para o Parlamento francês: 'nossa vitória foi apenas adiada', disse  Foto: Louise Delmotte/AP

A reportagem do Estadão conversou com eleitores que votaram no domingo. Em Paris, o único distrito em que o RN tinha um candidato no segundo turno foi o 16º, graças a uma aliança local entre o partido de direita Os Republicanos (LR) e o RN, o que é algo inédito numa cidade que tem tradição de votar à esquerda – e o 16º distrito tem uma tradição de votar LR.

François Sétin, que vota no 16º há mais de 20 anos e é um leitor contumaz do LR, se disse surpreso com esta aliança e decidiu ir votar, junto com a sua família, no candidato governista do Juntos!, que concorria com o candidato LR-RN. “Nos sempre dizíamos que, se a direita não passasse no 16º, seria o fim, e desta vez nos deparamos com isso”, disse, decepcionado.

“Eu sou contra esta aliança, o RN não reflete nem um pouco os valores republicanos do LR. Aliás, eu até contesto o termo ‘extrema direita’ para o RN, porque acho que eles não têm nada a ver com a direita, são apenas extremistas”, afirma. Para ele, a dissolução da AN por Macron, que causou esta crise política, foi “um erro, uma heresia”.

A franco-argelina Barisa D., que também vota no 16º, conta que foi votar de manhã cedo e ficou inquieta ao ver a confusão das pessoas mais velhas ao verem o candidato do LR e do RN na mesma cédula. “Eu acho que eles ficaram confusos, porque têm o hábito de votar no LR, mas não no RN e não sabiam para quem votar, alguns pediam instruções aos mesários, tentando entender”, relata. / COM NYT

ENVIADA ESPECIAL, PARIS - A Nova Frente Popular (NFP), coalizão de socialistas, comunistas, verdes e da esquerda radical, surpreendeu e ficou em primeiro lugar no segundo turno das eleições legislativas antecipadas na França. A vitória deixou o Reagrupamento Nacional (RN), o partido de direita radical liderado por Marine Le Pen e Jordan Bardella, em terceiro lugar, atrás da coalizão de centro liderada pelo presidente, Emmanuel Macron, que ficou em segundo.

Nenhum dos principais blocos políticos obteve maioria absoluta na Assembleia Nacional. A questão do futuro governo permanece sem solução após o segundo turno na noite de domingo, 7. Os acordos tácitos entre o governo de Emmanuel Macron, de centro, e a coalizão de esquerda, concentrando o voto no candidato com mais chances de derrotar o RN em cada circunscrição, frustraram a vitória da direita radical, mas não deram aos esquerdistas uma maioria absoluta, o que aumenta a incerteza sobre o futuro da França.

O pleito foi marcado pelo forte comparecimento às urnas, com 67% de participação, o maior desde 1981. Contra todas as expectativas, a NFP sai na frente e deve obter ao menos 181 assentos na Assembleia Nacional (podendo chegar a 192), seguida pela coalizão Juntos, do presidente Emmanuel Macron, com 166 cadeiras, e pela antes favorito Reagrupamento Nacional (RN), da direita radical, com 143 deputados.

Milhares de franceses foram à Place de la République, em Paris, comemorar os resultados da eleição na França e a vitória da direita e do centro que barrou avanço da direita radical  Foto: Christophe Ena/AP

Para o cientista político e pesquisador John Crowley, o resultado foi “uma surpresa para todo mundo” e se deve, sem dúvida, às desistências de candidatos entre o primeiro e o segundo turnos para barrar o crescimento do RN nas urnas. “Não era óbvio que os votos do centro poderiam ir para a esquerda ou vice-versa, mas eles conseguiram. A estratégia da barragem deu certo e fez o RN perder assentos em relação às primeiras estimativas, que davam até a maioria absoluta para o partido de Bardella (289 cadeiras)”, diz o pesquisador.

Mas, de acordo com ele, a formação de um novo governo “vai ser extremamente complicada”. “A esquerda chegou na frente, mas longe de conseguir uma maioria. O presidente da República tem o poder de nomear o primeiro-ministro, ele pode nomear quem ele quiser. Provavelmente, haverá muita negociação nos próximos dias”, explica.

Com isso, a França pode estar caminhando para um impasse político duradouro. O caminho imediato a seguir não está claro, disseram especialistas, mas o país pode estar caminhando para meses de instabilidade política, com Emmanuel Macron enfrentando um Parlamento dividido, incluindo dois blocos que se opõem firmemente ao presidente .

“Sem uma maioria absoluta, o governo ficará à mercê dos partidos de oposição que se unem” para derrubá-lo, disse Dominique Rousseau, professor emérito de direito público da Universidade Panthéon-Sorbonne, em Paris.

Os resultados deixaram a Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento da França, dividida em três blocos principais com agendas conflitantes e, em alguns casos, com profunda animosidade entre si.

O grupo de partidos de esquerda chamado Nova Frente Popular, que inclui grupos da esquerda radical, conquistou o maior número de cadeiras, seguido pela aliança centrista de Macron e pelo Reagrupamento Nacional, a direita radical nacionalista e anti-imigração.

No momento, nenhum dos três principais blocos parece ser capaz de trabalhar com os outros. Cada um deles poderia tentar reunir uma maioria de trabalho com os poucos partidos menores ou legisladores independentes que ocuparão o restante das cadeiras da câmara baixa. Mas sua capacidade de fazer isso é incerta.

“A cultura política francesa não é propícia ao comprometimento de longo prazo”, disse Samy Benzina, professor de direito público da Universidade de Poitiers, observando que as instituições da França são normalmente projetadas para produzir “maiorias claras que podem governar por conta própria”.

Ideias radicais de esquerda

Com a vitória, a esquerda terá o benefício de tentar montar o governo. Embora ainda não tenham batido o martelo sobre a união, líderes do bloco esquerdista indicaram que poderiam se aliar ao centro para chegar aos 289 assentos necessários para ter maioria.

A viabilidade de um governo juntando as duas forças, entretanto, ainda é incerta. Ambos os blocos nutrem desavenças profundas em determinados tópicos, como a reforma da Previdência francesa, por exemplo.

Outrora poderosa no país sob o comando de um forte partido socialista, a esquerda francesa nos últimos anos foi reduzida a uma aliança frágil entre quatro partidos: comunistas, socialistas, os verdes e os radicais de esquerda. A coalizão foi formada pela primeira vez em 2022 e foi dominada por Jean-Luc Mélenchon. Três vezes candidato à presidência e ex-trotskista, Mélenchon foi relegado a um papel de “não-líder na nova aliança”, segundo outros membros do grupo.

Jean-Luc Mélenchon (de gravata vermelha), o líder radical de esquerda do França Insubmissa, ao lado de outros integrantes da coalizão esquerdista vitoriosa na eleição para o Parlamento da França  Foto: Sameer Al-Doumy / AFP

Mas assim que o presidente Emmanuel Macron convocou novas eleições, ele encampou a liderança da coalizão. Foi o primeiro a discursar no domingo, 7, após as projeções de vitória da esquerda, e afirmou que Macron deverá admitir a derrota nas eleições e criar alguma relação com o NFP para formar um governo.

Mélenchon, de 72 anos, está na cena política francesa há décadas. Ex-membro do Partido Socialista, ocupou cargos ministeriais em governos anteriores. Até 2012, Mélenchon era um candidato marginal, mas o cenário político mudou radicalmente desde então, tornando-o popular entre os eleitores mais jovens, nas redes sociais e também com um canal popular no YouTube. Ele se tornou líder do França Insubmissa (LFI), um partido com ideias de esquerda mais radicais.

Ele se tornou uma figura divisiva na política francesa, atraindo tanto entusiasmo quanto críticas por suas propostas incendiárias de impostos e gastos do governo, sua retórica sobre luta de classes e suas posições controversas em política externa, especialmente em relação a Gaza. Críticos o acusam de antissemitismo, acusação que ele nega.

Desde o ataque de 7 de outubro a Israel, Mélenchon expressou descaradamente opiniões pró-palestinas, recusou-se a chamar o Hamas de organização terrorista e denunciou com veemência a operação militar de Israel em Gaza como “genocídio”. Ele classificou uma grande manifestação contra o antissemitismo, com a presença de dois ex-presidentes franceses, como um encontro para “os amigos do apoio incondicional ao massacre”.

Além de Mélenchon, outras lideranças da coalizão devem disputar o posto de primeiro-ministro. Marine Tondelier, a jovem líder dos Ecologistas, Raphael Glucksmann, cofundador do partido de centro-esquerda Place Publique e Laurent Berger, ex-líder sindical da poderosa Confederação Democrática Francesa do Trabalho (CFTD), além do próprio ex-presidente François Hollande.

O ex-primeiro-ministro Édouard Philippe se colocou à disposição para reunir um conjunto de forças políticas e formar um novo governo. Desde a dissolução da AN, tanto Philippe quanto outras lideranças de centro e da direita moderada se dissociaram da imagem de Macron para tentar assumir a liderança do campo governista.

O presidente Emmanuel Macron, que decidiu dissolver a AN na noite do dia 9 de junho, após a vitória do RN na França nas eleições europeias, preferiu não falar publicamente na noite deste domingo, 7.

O atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, eleito deputado pelo departamento Hauts-de-Seine disse que vai entregar a sua demissão na manhã desta segunda-feira, 8, mas que estaria disposto a ficar no cargo o tempo que fosse preciso.

Diante da dificuldade em se formar um governo sem maioria absoluta, Crowley acredita que – um fato inédito na tradição francesa – é possível que Macron espere passar o verão e os Jogos Olímpicos para nomear um novo primeiro-ministro. “Na tradição francesa, o primeiro-ministro é nomeado por volta do meio-dia de segunda-feira. Desta vez, eu acredito que nada vai se passar tão rapidamente. Ele vai ganhar tempo e deve formar um novo governo para a volta das férias, em setembro. A França faria algo que acontece com frequência em países como a Alemanha, a Espanha e os países nórdicos, que podem levar meses em negociações até a formação de um novo governo”, explica.

RN lamenta não poder “endireitar o país”

Qualificado em 441 zonas eleitorais no segundo turno, depois de já ter eleito 39 deputados desde o primeiro turno, o RN e os seus aliados pareciam capazes de obter a maioria na Assembleia Nacional pela primeira vez. Mas depois das inúmeras desistências ocorridas entre as duas rodadas, o partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella perdeu a aposta.

Jordan Bardella falou em nome de seu partido na noite de domingo. Ele saudou o resultado inédito de seu partido nas legislativas, mas lamentou que, com o “cordão sanitário” feito pela aliança entre o centro e a esquerda, seu partido não tenha conseguido a maioria para “endireitar o país”.

A líder da direita radical da França, Marine Le Pen, lamenta derrota de seu partido no segundo turno para o Parlamento francês: 'nossa vitória foi apenas adiada', disse  Foto: Louise Delmotte/AP

A reportagem do Estadão conversou com eleitores que votaram no domingo. Em Paris, o único distrito em que o RN tinha um candidato no segundo turno foi o 16º, graças a uma aliança local entre o partido de direita Os Republicanos (LR) e o RN, o que é algo inédito numa cidade que tem tradição de votar à esquerda – e o 16º distrito tem uma tradição de votar LR.

François Sétin, que vota no 16º há mais de 20 anos e é um leitor contumaz do LR, se disse surpreso com esta aliança e decidiu ir votar, junto com a sua família, no candidato governista do Juntos!, que concorria com o candidato LR-RN. “Nos sempre dizíamos que, se a direita não passasse no 16º, seria o fim, e desta vez nos deparamos com isso”, disse, decepcionado.

“Eu sou contra esta aliança, o RN não reflete nem um pouco os valores republicanos do LR. Aliás, eu até contesto o termo ‘extrema direita’ para o RN, porque acho que eles não têm nada a ver com a direita, são apenas extremistas”, afirma. Para ele, a dissolução da AN por Macron, que causou esta crise política, foi “um erro, uma heresia”.

A franco-argelina Barisa D., que também vota no 16º, conta que foi votar de manhã cedo e ficou inquieta ao ver a confusão das pessoas mais velhas ao verem o candidato do LR e do RN na mesma cédula. “Eu acho que eles ficaram confusos, porque têm o hábito de votar no LR, mas não no RN e não sabiam para quem votar, alguns pediam instruções aos mesários, tentando entender”, relata. / COM NYT

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.