Não fosse pelas eleições antecipadas de 30 de junho, este deveria ter sido um momento de celebração para Paris. Raramente a Cidade das Luzes brilhou tão intensamente. Dentro de um mês, a capital da França receberá o mundo na 33ª edição dos Jogos Olímpicos. Novas linhas de trem transportarão os atletas para novos locais reluzentes, percorrendo um lugar que redescobriu sua vibração. Outrora em perigo de se tornar um local atrasado, com alguns bons museus, mas uma cozinha antiquada e muitos grafites, Paris é agora um centro para empresas de tecnologia e um centro bancário que começa a rivalizar com Londres, conforme atrai talento e capital vindos do outro lado do canal. Culinária fusion, ciclovias, liceus internacionais, espaços para startups, moda pop-up: Paris voltou a ser cool. E não apenas Paris. A renovação urbana, impulsionada por uma boa combinação de investimento público e iniciativa privada, está dando as caras em Lyon, em Dijon e até mesmo na outrora suja Lille.
Grande parte do crédito por essas mudanças cabe a Emmanuel Macron. Os sete anos dele como presidente testemunharam um esforço sustentado para transformar a França em uma economia moderna e favorável aos negócios. Ele reformou o emprego para encorajar os patrões a contratar trabalhadores. Desde que se mudou para o Eliseu, em 2017, foram criados 2 milhões de empregos e mais de 6 milhões de empresas. Ele cortou os impostos para as empresas, além dos impostos sufocantes sobre a riqueza. Impulsionou a educação e começou a reformar o sistema de pensões insustentável. O crescimento da França está acima da média da zona euro, e as taxas de pobreza estão abaixo dela.
Seria de se pensar que os eleitores recompensariam esse histórico. Em vez disso, a aliança Ensemble, de Macron, está a caminho da humilhação em 30 de junho: um analista coloca a sua probabilidade de formar uma maioria em 0%. Como resultado, as reformas de Macron poderão em breve começar a desmoronar, e isso reflete um problema para os governantes centristas em todo o mundo, que foi melhor descrito por Jean-Claude Juncker, antigo primeiro-ministro de Luxemburgo e presidente da Comissão Europeia: “Todos sabemos o que fazer, mas não sabemos como ser reeleitos depois de o termos feito”.
Uma razão para a reação contra Macron é a sua própria decisão precipitada de convocar eleições parlamentares antecipadas para domingo. Isto aconteceu três anos antes do necessário e apenas três semanas depois de a oposição de extrema-direita, o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen, o ter derrotado nas eleições europeias, normalmente vistas apenas como um voto de protesto. Notavelmente, a sua ação também uniu a rebelde oposição de esquerda, que vai desde a tradicional centro-esquerda socialista até o radical partido França Insubmissa, liderado por um antigo trotskista. O Reagrupamento Nacional e a aliança de esquerda, conhecida como Nova Frente Popular, estão em primeiro e segundo lugares, respectivamente. Em uma disputa em dois turnos, muitos dos candidatos de Macron provavelmente serão eliminados da disputa após o primeiro turno.
Mas a má escolha do momento não pode explicar o fato central destas eleições. Apesar dos benefícios que as reformas de Macron trouxeram, os eleitores franceses querem desmantelá-las. O Reagrupamento Nacional está determinado a reverter a reforma das pensões e a restaurar o imposto sobre a riqueza, e promete reduzir o IVA nas contas de energia e combustível. Também promete reprimir a imigração, deportar “islamistas”, proibir o uso do véu em locais públicos e reintroduzir controles nas fronteiras com outros países da União Europeia. Nada disso condiz com o clima aberto ao investimento que Macron criou. O rigor orçamental não tem sido o ponto forte de Macron – a França registra um déficit orçamental anual de 5% e está sentada sobre uma dívida pública equivalente a cerca de 110% do PIB – mais uma razão para acreditar que as despesas adicionais prometidas pela extrema direita causariam sérios danos para a economia. A Nova Frente Popular, de extrema-esquerda, tem menos probabilidades de ganhar o poder, mas a sua plataforma seria ainda mais prejudicial.
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Retrocesso nas reformas
O resultado mais provável, um parlamento sem maioria formada, provavelmente levará a um retrocesso nas reformas. As regras significam que não podem ser convocadas novas eleições durante pelo menos um ano e, durante esse período, a França poderia ficar sem governo, nem legislação, e talvez nenhum novo orçamento aprovado. Macron permanecerá presidente; o mandato dele só termina em 2027, altura em que Le Pen pretende sucedê-lo. Embora tenha amplos poderes executivos em defesa e política externa, o presidente tem poderes limitados na política interna, que é da responsabilidade do governo, respondendo perante o parlamento. Ele pode tentar impor um governo tecnocrata, mas o parlamento poderia simplesmente impedi-lo com seus votos. A reforma precisa de pressão constante, mas isso se dissiparia instantaneamente.
Os danos internos serão provavelmente agravados pelos danos causados à Europa. A UE raramente esteve tão sem rumo. A coligação governante da Alemanha está no ponto de ruptura, com todos os seus três partidos derrotados nas eleições europeias pela Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita, que esteve em aliança com Le Pen até azedar, mesmo para o paladar dela. Olaf Scholz, o chanceler, revelou-se incapaz de exercer liderança na Europa, mesmo nos seus melhores dias, e não tem havido muitos dias assim. A lista de obstáculos é enorme: Rússia; expansão da UE para estabilizar os Balcãs e financiar a Ucrânia; manter as políticas relativas às alterações climáticas no bom caminho; imigração. Nada funciona na UE a menos que seja movido pelo motor franco-alemão, mas um dos seus cilindros está quebrado e o outro está foutu.
Como um presidente como Macron, que trouxe ao seu país os frutos da reforma, chegou a tal ponto? Em parte, é porque Juncker tem razão. É habitual zombar dos políticos, mas ser capaz de persuadir os eleitores de que vale a pena uma mudança dolorosa é uma virtude incompreendida e extremamente subestimada. Em parte porque, embora Paris e outras grandes cidades tenham prosperado, o mesmo não vale para grande parte da França. As percepções de desigualdade estão conduzindo a política para a extrema direita em grande parte do mundo democrático.
A falácia do centro perdido
Macron também caiu em armadilhas, algumas das quais ele mesmo criou. Os legados da covid-19 e da inflação tornam este um momento péssimo para enfrentar os eleitores. Uma das razões pelas quais Macron se esforçou para lidar melhor com eles é que escolheu construir uma presidência olímpica. Ele acreditava que o poder do cargo poderia unir o país, mas, em vez disso, é visto como arrogante e inacessível. Seu outro erro foi não deixar uma oposição no centro. Um axioma da política democrática é que os eleitores se cansam dos titulares. Quando o fazem, recorrem à alternativa. Na França, como em outros lugares, essa alternativa poderia causar graves danos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL