Na Rússia, vastos estoques de armamento da era soviética estão se esgotando


Talvez o país tenha que reduzir a intensidade da sua ofensiva na Ucrânia

Por The Economist
Atualização:

Durante muito tempo, pareceu que uma guerra de atrito entre a Ucrânia e uma Rússia com cinco vezes a sua população só poderia terminar de uma maneira. Mas a tão alardeada ofensiva russa contra Kharkiv, no norte, que começou em maio, está fracassando. Seus avanços em outros locais ao longo da linha de frente, especialmente na região de Donbass, foram estrategicamente triviais e alcançados apenas a um custo enorme. A questão agora é menos se a Ucrânia conseguirá permanecer na luta e mais por quanto tempo poderá a Rússia manter o atual ritmo das operações.

A questão principal não é o pessoal. A Rússia parece ser capaz de continuar a encontrar mais 25 mil soldados por mês para manter cerca de 470 mil homens na frente, embora esteja pagando mais por eles. A produção de mísseis para atacar a infraestrutura ucraniana também está aumentando. Mas, apesar de toda a conversa de que a Rússia se tornou uma economia de guerra, com cerca de 8% do seu PIB dedicado a gastos militares, o país só é capaz de substituir as suas impressionantes perdas de tanques, veículos blindados de infantaria e artilharia recorrendo ao seu estoque e renovando equipamento construído na era soviética. Por maiores que sejam esses estoques, eles não são infinitos.

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De acordo com a maioria das estimativas de inteligência, após os primeiros dois anos de guerra, a Rússia perdeu cerca de 3 mil tanques e 5 mil outros veículos blindados. Oryx, um site holandês de inteligência de livre acesso, estima em 3.235 o número de perdas de tanques russos para as quais possui evidências fotográficas ou de vídeo, mas sugere que o número real seria “significativamente maior”.

Imagem mostra tanques soviéticos modelo E-34 em desfile militar no Dia da Vitória de 2023. Rússia está ficando com estoques da época soviética cada vez menores Foto: Pelagia Tikhonova/Moscow News Agency via AP

Aleksandr Golts, analista do Centro de Estudos da Europa Oriental de Estocolmo, diz que Vladimir Putin tem de agradecer ao antigo Politburo pelos enormes arsenais que foram acumulados durante a Guerra Fria. Ele diz que os líderes soviéticos sabiam que o equipamento militar ocidental era muito mais avançado do que o seu, por isso optaram pela massa, produzindo milhares de veículos blindados em tempos de paz, em caso de guerra. Antes do desaparecimento da União Soviética, diz Golts, a URSS tinha tantos veículos blindados quanto o restante do mundo somado.

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Quando o então ministro da defesa, Sergei Shoigu, se vangloriou, em dezembro de 2023, de que 1.530 tanques haviam sido entregues ao longo do ano, ele omitiu a informação de que quase 85% deles, segundo avaliação do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, um centro de pesquisas de Londres, não eram tanques novos, mas antigos (principalmente modelo T-72, também T-62 e até alguns T-55 que datam de logo após a 2.ª Guerra Mundial) que foram retirados do armazenamento, ganharam uma mão de tinta e algum polimento.

Desde o início da invasão, cerca de 175 tanques modelo T-90m, razoavelmente modernos, foram enviados para a linha de frente. O IIEE estima que a produção anual este ano poderá se aproximar de 90 peças. No entanto, Michael Gjerstad, analista do IIEE, argumenta que a maioria dos T-90m são, na verdade, atualizações dos antigos T-90a. Conforme esses números diminuem, a produção dos recém-construídos T-90m este ano poderá ser de apenas 28 unidades. Pavel Luzin, especialista em capacidade militar russa do Centro de Análise de Política Europeia, com sede em Washington, avalia que a Rússia pode construir apenas 30 unidades de novos tanques por ano. Quando os ucranianos capturaram um T-90m supostamente novo no ano passado, descobriram que o seu canhão tinha sido fabricado em 1992.

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Luzin calcula que a capacidade da Rússia para construir novos tanques ou veículos de combate de infantaria, ou mesmo para renovar os antigos, é dificultada pelo acesso a peças de reposição. Armazéns de componentes para a produção de tanques que antes da guerra se destinavam a ser utilizados em 2025 já foram empregados, enquanto equipamentos cruciais, como aquecedores de combustível para motores diesel, sistemas elétricos de alta tensão e imagens térmicas infravermelhas para identificar alvos, foram todos anteriormente importados da Europa; sua venda está agora bloqueada por sanções. A falta de rolamentos de alta qualidade também é um gargalo. Às vezes, alternativas chinesas estão disponíveis, mas diz-se que elas não atendem aos padrões de qualidade anteriores.

Esses não são os únicos problemas quando se trata de construir novos veículos blindados ou de tentar modernizar os antigos. Na verdade, a produção de ligas metálicas diminuiu nos dois anos mais recentes, diz Luzin. A maior parte da soldadura nas fábricas de armas ainda é feita à mão e, apesar das fábricas supostamente trabalharem em turnos triplos, Luzin diz que as empresas estão com dificuldades para recrutar trabalhadores suficientes. Dependem também em grande parte de maquinário importado há anos da Alemanha e da Suécia, boa parte do qual é agora antigo e de difícil manutenção.

A desvantagem de um fogo tão intenso tem sido o desgaste dos canhões. Em algumas áreas altamente contestadas, os canhões dos obuses precisam ser substituídos após apenas alguns meses.

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Além disso, a antiga cadeia de abastecimento de armamento soviético já não existe. Ucrânia, Geórgia e Alemanha Oriental eram centros importantes de fabricação de armas e componentes soviéticos. Ironicamente, Kharkiv foi o principal produtor de torres para tanques T-72. O número de trabalhadores no complexo militar-industrial da Rússia também caiu drasticamente, diz Luzin, de cerca de 10 milhões para 2 milhões, sem qualquer mudança radical na automação que compensasse isso.

Outra preocupação é a produção de canhões de artilharia. Por enquanto, com a ajuda da Coreia do Norte, a Rússia parece ter munições suficientes, provavelmente cerca de 3 milhões este ano – o suficiente para superar os ucranianos até recentemente em uma proporção de pelo menos 5 para 1, e muito mais em alguns locais. Mas a desvantagem de um fogo tão intenso tem sido o desgaste dos canhões. Em algumas áreas altamente contestadas, os canhões dos obuses precisam ser substituídos após apenas alguns meses.

Questão de canhões

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No entanto, diz Luzin, existem apenas duas fábricas que possuem as sofisticadas máquinas de forja rotativa fabricadas na Áustria (a última foi importada em 2017) necessárias para fabricar os canhões. Cada uma delas pode produzir apenas cerca de 100 canhões por ano, em comparação com os milhares necessários. A Rússia nunca fabricou as suas próprias máquinas de forjar; importou-as dos Estados Unidos na década de 1930 e saqueou-as da Alemanha depois da guerra.

A solução tem sido canibalizar os canhões da antiga artilharia rebocada e encaixá-los em obuses autopropulsados. Richard Vereker, analista de livre acesso, acredita que até o início deste ano cerca de 4.800 canhões foram trocados. Por quanto tempo os russos poderão continuar a fazer isto depende da condição dos cerca de 7.000 que ainda restam. Gjerstad diz que, com sistemas de foguetes de lançamento múltiplo, como o TOS-1a, rajadas de fogo muito mais curtas já foram usadas para prolongar a vida útil do canhão.

Mas o maior problema emergente diz respeito aos tanques e veículos de combate de infantaria, que ainda são cruciais para quaisquer operações terrestres ofensivas em grande escala. Embora o IIEE tenha estimado que em fevereiro deste ano a Rússia pudesse ter cerca de 3.200 tanques armazenados para o uso, Gjerstad diz que até 70% deles “não se moveram um centímetro desde o início da guerra”. Uma grande proporção dos T-72 foram armazenados a descoberto desde o início da década de 1990 e provavelmente estão em condições muito precárias.

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Tanto Golts como Luzin reconhecem que, dadas as atuais taxas de atrito, a renovação dos tanques e veículos de infantaria russos a partir do seu armazenamento terá atingido um “ponto crítico de exaustão” no segundo semestre do próximo ano. Gjerstad calcula alguns meses além disso. Mas os russos não vão querer chegar à beira do precipício, quando, de repente, terão apenas poucos tanques novos para enviar para a frente. O novo ministro da defesa, Andrei Belousov, parece estar concentrado em aumentar a produção de drones.

A menos que algo mude, antes do final deste ano, as forças russas poderão ter de ajustar sua postura para uma atitude muito mais defensiva, diz Gjerstad. Isso pode até se tornar aparente antes do fim do verão no hemisfério norte. O interesse de Putin em um cessar-fogo temporário poderá aumentar em breve. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Durante muito tempo, pareceu que uma guerra de atrito entre a Ucrânia e uma Rússia com cinco vezes a sua população só poderia terminar de uma maneira. Mas a tão alardeada ofensiva russa contra Kharkiv, no norte, que começou em maio, está fracassando. Seus avanços em outros locais ao longo da linha de frente, especialmente na região de Donbass, foram estrategicamente triviais e alcançados apenas a um custo enorme. A questão agora é menos se a Ucrânia conseguirá permanecer na luta e mais por quanto tempo poderá a Rússia manter o atual ritmo das operações.

A questão principal não é o pessoal. A Rússia parece ser capaz de continuar a encontrar mais 25 mil soldados por mês para manter cerca de 470 mil homens na frente, embora esteja pagando mais por eles. A produção de mísseis para atacar a infraestrutura ucraniana também está aumentando. Mas, apesar de toda a conversa de que a Rússia se tornou uma economia de guerra, com cerca de 8% do seu PIB dedicado a gastos militares, o país só é capaz de substituir as suas impressionantes perdas de tanques, veículos blindados de infantaria e artilharia recorrendo ao seu estoque e renovando equipamento construído na era soviética. Por maiores que sejam esses estoques, eles não são infinitos.

De acordo com a maioria das estimativas de inteligência, após os primeiros dois anos de guerra, a Rússia perdeu cerca de 3 mil tanques e 5 mil outros veículos blindados. Oryx, um site holandês de inteligência de livre acesso, estima em 3.235 o número de perdas de tanques russos para as quais possui evidências fotográficas ou de vídeo, mas sugere que o número real seria “significativamente maior”.

Imagem mostra tanques soviéticos modelo E-34 em desfile militar no Dia da Vitória de 2023. Rússia está ficando com estoques da época soviética cada vez menores Foto: Pelagia Tikhonova/Moscow News Agency via AP

Aleksandr Golts, analista do Centro de Estudos da Europa Oriental de Estocolmo, diz que Vladimir Putin tem de agradecer ao antigo Politburo pelos enormes arsenais que foram acumulados durante a Guerra Fria. Ele diz que os líderes soviéticos sabiam que o equipamento militar ocidental era muito mais avançado do que o seu, por isso optaram pela massa, produzindo milhares de veículos blindados em tempos de paz, em caso de guerra. Antes do desaparecimento da União Soviética, diz Golts, a URSS tinha tantos veículos blindados quanto o restante do mundo somado.

Quando o então ministro da defesa, Sergei Shoigu, se vangloriou, em dezembro de 2023, de que 1.530 tanques haviam sido entregues ao longo do ano, ele omitiu a informação de que quase 85% deles, segundo avaliação do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, um centro de pesquisas de Londres, não eram tanques novos, mas antigos (principalmente modelo T-72, também T-62 e até alguns T-55 que datam de logo após a 2.ª Guerra Mundial) que foram retirados do armazenamento, ganharam uma mão de tinta e algum polimento.

Desde o início da invasão, cerca de 175 tanques modelo T-90m, razoavelmente modernos, foram enviados para a linha de frente. O IIEE estima que a produção anual este ano poderá se aproximar de 90 peças. No entanto, Michael Gjerstad, analista do IIEE, argumenta que a maioria dos T-90m são, na verdade, atualizações dos antigos T-90a. Conforme esses números diminuem, a produção dos recém-construídos T-90m este ano poderá ser de apenas 28 unidades. Pavel Luzin, especialista em capacidade militar russa do Centro de Análise de Política Europeia, com sede em Washington, avalia que a Rússia pode construir apenas 30 unidades de novos tanques por ano. Quando os ucranianos capturaram um T-90m supostamente novo no ano passado, descobriram que o seu canhão tinha sido fabricado em 1992.

Luzin calcula que a capacidade da Rússia para construir novos tanques ou veículos de combate de infantaria, ou mesmo para renovar os antigos, é dificultada pelo acesso a peças de reposição. Armazéns de componentes para a produção de tanques que antes da guerra se destinavam a ser utilizados em 2025 já foram empregados, enquanto equipamentos cruciais, como aquecedores de combustível para motores diesel, sistemas elétricos de alta tensão e imagens térmicas infravermelhas para identificar alvos, foram todos anteriormente importados da Europa; sua venda está agora bloqueada por sanções. A falta de rolamentos de alta qualidade também é um gargalo. Às vezes, alternativas chinesas estão disponíveis, mas diz-se que elas não atendem aos padrões de qualidade anteriores.

Esses não são os únicos problemas quando se trata de construir novos veículos blindados ou de tentar modernizar os antigos. Na verdade, a produção de ligas metálicas diminuiu nos dois anos mais recentes, diz Luzin. A maior parte da soldadura nas fábricas de armas ainda é feita à mão e, apesar das fábricas supostamente trabalharem em turnos triplos, Luzin diz que as empresas estão com dificuldades para recrutar trabalhadores suficientes. Dependem também em grande parte de maquinário importado há anos da Alemanha e da Suécia, boa parte do qual é agora antigo e de difícil manutenção.

A desvantagem de um fogo tão intenso tem sido o desgaste dos canhões. Em algumas áreas altamente contestadas, os canhões dos obuses precisam ser substituídos após apenas alguns meses.

Além disso, a antiga cadeia de abastecimento de armamento soviético já não existe. Ucrânia, Geórgia e Alemanha Oriental eram centros importantes de fabricação de armas e componentes soviéticos. Ironicamente, Kharkiv foi o principal produtor de torres para tanques T-72. O número de trabalhadores no complexo militar-industrial da Rússia também caiu drasticamente, diz Luzin, de cerca de 10 milhões para 2 milhões, sem qualquer mudança radical na automação que compensasse isso.

Outra preocupação é a produção de canhões de artilharia. Por enquanto, com a ajuda da Coreia do Norte, a Rússia parece ter munições suficientes, provavelmente cerca de 3 milhões este ano – o suficiente para superar os ucranianos até recentemente em uma proporção de pelo menos 5 para 1, e muito mais em alguns locais. Mas a desvantagem de um fogo tão intenso tem sido o desgaste dos canhões. Em algumas áreas altamente contestadas, os canhões dos obuses precisam ser substituídos após apenas alguns meses.

Questão de canhões

No entanto, diz Luzin, existem apenas duas fábricas que possuem as sofisticadas máquinas de forja rotativa fabricadas na Áustria (a última foi importada em 2017) necessárias para fabricar os canhões. Cada uma delas pode produzir apenas cerca de 100 canhões por ano, em comparação com os milhares necessários. A Rússia nunca fabricou as suas próprias máquinas de forjar; importou-as dos Estados Unidos na década de 1930 e saqueou-as da Alemanha depois da guerra.

A solução tem sido canibalizar os canhões da antiga artilharia rebocada e encaixá-los em obuses autopropulsados. Richard Vereker, analista de livre acesso, acredita que até o início deste ano cerca de 4.800 canhões foram trocados. Por quanto tempo os russos poderão continuar a fazer isto depende da condição dos cerca de 7.000 que ainda restam. Gjerstad diz que, com sistemas de foguetes de lançamento múltiplo, como o TOS-1a, rajadas de fogo muito mais curtas já foram usadas para prolongar a vida útil do canhão.

Mas o maior problema emergente diz respeito aos tanques e veículos de combate de infantaria, que ainda são cruciais para quaisquer operações terrestres ofensivas em grande escala. Embora o IIEE tenha estimado que em fevereiro deste ano a Rússia pudesse ter cerca de 3.200 tanques armazenados para o uso, Gjerstad diz que até 70% deles “não se moveram um centímetro desde o início da guerra”. Uma grande proporção dos T-72 foram armazenados a descoberto desde o início da década de 1990 e provavelmente estão em condições muito precárias.

Tanto Golts como Luzin reconhecem que, dadas as atuais taxas de atrito, a renovação dos tanques e veículos de infantaria russos a partir do seu armazenamento terá atingido um “ponto crítico de exaustão” no segundo semestre do próximo ano. Gjerstad calcula alguns meses além disso. Mas os russos não vão querer chegar à beira do precipício, quando, de repente, terão apenas poucos tanques novos para enviar para a frente. O novo ministro da defesa, Andrei Belousov, parece estar concentrado em aumentar a produção de drones.

A menos que algo mude, antes do final deste ano, as forças russas poderão ter de ajustar sua postura para uma atitude muito mais defensiva, diz Gjerstad. Isso pode até se tornar aparente antes do fim do verão no hemisfério norte. O interesse de Putin em um cessar-fogo temporário poderá aumentar em breve. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Durante muito tempo, pareceu que uma guerra de atrito entre a Ucrânia e uma Rússia com cinco vezes a sua população só poderia terminar de uma maneira. Mas a tão alardeada ofensiva russa contra Kharkiv, no norte, que começou em maio, está fracassando. Seus avanços em outros locais ao longo da linha de frente, especialmente na região de Donbass, foram estrategicamente triviais e alcançados apenas a um custo enorme. A questão agora é menos se a Ucrânia conseguirá permanecer na luta e mais por quanto tempo poderá a Rússia manter o atual ritmo das operações.

A questão principal não é o pessoal. A Rússia parece ser capaz de continuar a encontrar mais 25 mil soldados por mês para manter cerca de 470 mil homens na frente, embora esteja pagando mais por eles. A produção de mísseis para atacar a infraestrutura ucraniana também está aumentando. Mas, apesar de toda a conversa de que a Rússia se tornou uma economia de guerra, com cerca de 8% do seu PIB dedicado a gastos militares, o país só é capaz de substituir as suas impressionantes perdas de tanques, veículos blindados de infantaria e artilharia recorrendo ao seu estoque e renovando equipamento construído na era soviética. Por maiores que sejam esses estoques, eles não são infinitos.

De acordo com a maioria das estimativas de inteligência, após os primeiros dois anos de guerra, a Rússia perdeu cerca de 3 mil tanques e 5 mil outros veículos blindados. Oryx, um site holandês de inteligência de livre acesso, estima em 3.235 o número de perdas de tanques russos para as quais possui evidências fotográficas ou de vídeo, mas sugere que o número real seria “significativamente maior”.

Imagem mostra tanques soviéticos modelo E-34 em desfile militar no Dia da Vitória de 2023. Rússia está ficando com estoques da época soviética cada vez menores Foto: Pelagia Tikhonova/Moscow News Agency via AP

Aleksandr Golts, analista do Centro de Estudos da Europa Oriental de Estocolmo, diz que Vladimir Putin tem de agradecer ao antigo Politburo pelos enormes arsenais que foram acumulados durante a Guerra Fria. Ele diz que os líderes soviéticos sabiam que o equipamento militar ocidental era muito mais avançado do que o seu, por isso optaram pela massa, produzindo milhares de veículos blindados em tempos de paz, em caso de guerra. Antes do desaparecimento da União Soviética, diz Golts, a URSS tinha tantos veículos blindados quanto o restante do mundo somado.

Quando o então ministro da defesa, Sergei Shoigu, se vangloriou, em dezembro de 2023, de que 1.530 tanques haviam sido entregues ao longo do ano, ele omitiu a informação de que quase 85% deles, segundo avaliação do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, um centro de pesquisas de Londres, não eram tanques novos, mas antigos (principalmente modelo T-72, também T-62 e até alguns T-55 que datam de logo após a 2.ª Guerra Mundial) que foram retirados do armazenamento, ganharam uma mão de tinta e algum polimento.

Desde o início da invasão, cerca de 175 tanques modelo T-90m, razoavelmente modernos, foram enviados para a linha de frente. O IIEE estima que a produção anual este ano poderá se aproximar de 90 peças. No entanto, Michael Gjerstad, analista do IIEE, argumenta que a maioria dos T-90m são, na verdade, atualizações dos antigos T-90a. Conforme esses números diminuem, a produção dos recém-construídos T-90m este ano poderá ser de apenas 28 unidades. Pavel Luzin, especialista em capacidade militar russa do Centro de Análise de Política Europeia, com sede em Washington, avalia que a Rússia pode construir apenas 30 unidades de novos tanques por ano. Quando os ucranianos capturaram um T-90m supostamente novo no ano passado, descobriram que o seu canhão tinha sido fabricado em 1992.

Luzin calcula que a capacidade da Rússia para construir novos tanques ou veículos de combate de infantaria, ou mesmo para renovar os antigos, é dificultada pelo acesso a peças de reposição. Armazéns de componentes para a produção de tanques que antes da guerra se destinavam a ser utilizados em 2025 já foram empregados, enquanto equipamentos cruciais, como aquecedores de combustível para motores diesel, sistemas elétricos de alta tensão e imagens térmicas infravermelhas para identificar alvos, foram todos anteriormente importados da Europa; sua venda está agora bloqueada por sanções. A falta de rolamentos de alta qualidade também é um gargalo. Às vezes, alternativas chinesas estão disponíveis, mas diz-se que elas não atendem aos padrões de qualidade anteriores.

Esses não são os únicos problemas quando se trata de construir novos veículos blindados ou de tentar modernizar os antigos. Na verdade, a produção de ligas metálicas diminuiu nos dois anos mais recentes, diz Luzin. A maior parte da soldadura nas fábricas de armas ainda é feita à mão e, apesar das fábricas supostamente trabalharem em turnos triplos, Luzin diz que as empresas estão com dificuldades para recrutar trabalhadores suficientes. Dependem também em grande parte de maquinário importado há anos da Alemanha e da Suécia, boa parte do qual é agora antigo e de difícil manutenção.

A desvantagem de um fogo tão intenso tem sido o desgaste dos canhões. Em algumas áreas altamente contestadas, os canhões dos obuses precisam ser substituídos após apenas alguns meses.

Além disso, a antiga cadeia de abastecimento de armamento soviético já não existe. Ucrânia, Geórgia e Alemanha Oriental eram centros importantes de fabricação de armas e componentes soviéticos. Ironicamente, Kharkiv foi o principal produtor de torres para tanques T-72. O número de trabalhadores no complexo militar-industrial da Rússia também caiu drasticamente, diz Luzin, de cerca de 10 milhões para 2 milhões, sem qualquer mudança radical na automação que compensasse isso.

Outra preocupação é a produção de canhões de artilharia. Por enquanto, com a ajuda da Coreia do Norte, a Rússia parece ter munições suficientes, provavelmente cerca de 3 milhões este ano – o suficiente para superar os ucranianos até recentemente em uma proporção de pelo menos 5 para 1, e muito mais em alguns locais. Mas a desvantagem de um fogo tão intenso tem sido o desgaste dos canhões. Em algumas áreas altamente contestadas, os canhões dos obuses precisam ser substituídos após apenas alguns meses.

Questão de canhões

No entanto, diz Luzin, existem apenas duas fábricas que possuem as sofisticadas máquinas de forja rotativa fabricadas na Áustria (a última foi importada em 2017) necessárias para fabricar os canhões. Cada uma delas pode produzir apenas cerca de 100 canhões por ano, em comparação com os milhares necessários. A Rússia nunca fabricou as suas próprias máquinas de forjar; importou-as dos Estados Unidos na década de 1930 e saqueou-as da Alemanha depois da guerra.

A solução tem sido canibalizar os canhões da antiga artilharia rebocada e encaixá-los em obuses autopropulsados. Richard Vereker, analista de livre acesso, acredita que até o início deste ano cerca de 4.800 canhões foram trocados. Por quanto tempo os russos poderão continuar a fazer isto depende da condição dos cerca de 7.000 que ainda restam. Gjerstad diz que, com sistemas de foguetes de lançamento múltiplo, como o TOS-1a, rajadas de fogo muito mais curtas já foram usadas para prolongar a vida útil do canhão.

Mas o maior problema emergente diz respeito aos tanques e veículos de combate de infantaria, que ainda são cruciais para quaisquer operações terrestres ofensivas em grande escala. Embora o IIEE tenha estimado que em fevereiro deste ano a Rússia pudesse ter cerca de 3.200 tanques armazenados para o uso, Gjerstad diz que até 70% deles “não se moveram um centímetro desde o início da guerra”. Uma grande proporção dos T-72 foram armazenados a descoberto desde o início da década de 1990 e provavelmente estão em condições muito precárias.

Tanto Golts como Luzin reconhecem que, dadas as atuais taxas de atrito, a renovação dos tanques e veículos de infantaria russos a partir do seu armazenamento terá atingido um “ponto crítico de exaustão” no segundo semestre do próximo ano. Gjerstad calcula alguns meses além disso. Mas os russos não vão querer chegar à beira do precipício, quando, de repente, terão apenas poucos tanques novos para enviar para a frente. O novo ministro da defesa, Andrei Belousov, parece estar concentrado em aumentar a produção de drones.

A menos que algo mude, antes do final deste ano, as forças russas poderão ter de ajustar sua postura para uma atitude muito mais defensiva, diz Gjerstad. Isso pode até se tornar aparente antes do fim do verão no hemisfério norte. O interesse de Putin em um cessar-fogo temporário poderá aumentar em breve. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Durante muito tempo, pareceu que uma guerra de atrito entre a Ucrânia e uma Rússia com cinco vezes a sua população só poderia terminar de uma maneira. Mas a tão alardeada ofensiva russa contra Kharkiv, no norte, que começou em maio, está fracassando. Seus avanços em outros locais ao longo da linha de frente, especialmente na região de Donbass, foram estrategicamente triviais e alcançados apenas a um custo enorme. A questão agora é menos se a Ucrânia conseguirá permanecer na luta e mais por quanto tempo poderá a Rússia manter o atual ritmo das operações.

A questão principal não é o pessoal. A Rússia parece ser capaz de continuar a encontrar mais 25 mil soldados por mês para manter cerca de 470 mil homens na frente, embora esteja pagando mais por eles. A produção de mísseis para atacar a infraestrutura ucraniana também está aumentando. Mas, apesar de toda a conversa de que a Rússia se tornou uma economia de guerra, com cerca de 8% do seu PIB dedicado a gastos militares, o país só é capaz de substituir as suas impressionantes perdas de tanques, veículos blindados de infantaria e artilharia recorrendo ao seu estoque e renovando equipamento construído na era soviética. Por maiores que sejam esses estoques, eles não são infinitos.

De acordo com a maioria das estimativas de inteligência, após os primeiros dois anos de guerra, a Rússia perdeu cerca de 3 mil tanques e 5 mil outros veículos blindados. Oryx, um site holandês de inteligência de livre acesso, estima em 3.235 o número de perdas de tanques russos para as quais possui evidências fotográficas ou de vídeo, mas sugere que o número real seria “significativamente maior”.

Imagem mostra tanques soviéticos modelo E-34 em desfile militar no Dia da Vitória de 2023. Rússia está ficando com estoques da época soviética cada vez menores Foto: Pelagia Tikhonova/Moscow News Agency via AP

Aleksandr Golts, analista do Centro de Estudos da Europa Oriental de Estocolmo, diz que Vladimir Putin tem de agradecer ao antigo Politburo pelos enormes arsenais que foram acumulados durante a Guerra Fria. Ele diz que os líderes soviéticos sabiam que o equipamento militar ocidental era muito mais avançado do que o seu, por isso optaram pela massa, produzindo milhares de veículos blindados em tempos de paz, em caso de guerra. Antes do desaparecimento da União Soviética, diz Golts, a URSS tinha tantos veículos blindados quanto o restante do mundo somado.

Quando o então ministro da defesa, Sergei Shoigu, se vangloriou, em dezembro de 2023, de que 1.530 tanques haviam sido entregues ao longo do ano, ele omitiu a informação de que quase 85% deles, segundo avaliação do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, um centro de pesquisas de Londres, não eram tanques novos, mas antigos (principalmente modelo T-72, também T-62 e até alguns T-55 que datam de logo após a 2.ª Guerra Mundial) que foram retirados do armazenamento, ganharam uma mão de tinta e algum polimento.

Desde o início da invasão, cerca de 175 tanques modelo T-90m, razoavelmente modernos, foram enviados para a linha de frente. O IIEE estima que a produção anual este ano poderá se aproximar de 90 peças. No entanto, Michael Gjerstad, analista do IIEE, argumenta que a maioria dos T-90m são, na verdade, atualizações dos antigos T-90a. Conforme esses números diminuem, a produção dos recém-construídos T-90m este ano poderá ser de apenas 28 unidades. Pavel Luzin, especialista em capacidade militar russa do Centro de Análise de Política Europeia, com sede em Washington, avalia que a Rússia pode construir apenas 30 unidades de novos tanques por ano. Quando os ucranianos capturaram um T-90m supostamente novo no ano passado, descobriram que o seu canhão tinha sido fabricado em 1992.

Luzin calcula que a capacidade da Rússia para construir novos tanques ou veículos de combate de infantaria, ou mesmo para renovar os antigos, é dificultada pelo acesso a peças de reposição. Armazéns de componentes para a produção de tanques que antes da guerra se destinavam a ser utilizados em 2025 já foram empregados, enquanto equipamentos cruciais, como aquecedores de combustível para motores diesel, sistemas elétricos de alta tensão e imagens térmicas infravermelhas para identificar alvos, foram todos anteriormente importados da Europa; sua venda está agora bloqueada por sanções. A falta de rolamentos de alta qualidade também é um gargalo. Às vezes, alternativas chinesas estão disponíveis, mas diz-se que elas não atendem aos padrões de qualidade anteriores.

Esses não são os únicos problemas quando se trata de construir novos veículos blindados ou de tentar modernizar os antigos. Na verdade, a produção de ligas metálicas diminuiu nos dois anos mais recentes, diz Luzin. A maior parte da soldadura nas fábricas de armas ainda é feita à mão e, apesar das fábricas supostamente trabalharem em turnos triplos, Luzin diz que as empresas estão com dificuldades para recrutar trabalhadores suficientes. Dependem também em grande parte de maquinário importado há anos da Alemanha e da Suécia, boa parte do qual é agora antigo e de difícil manutenção.

A desvantagem de um fogo tão intenso tem sido o desgaste dos canhões. Em algumas áreas altamente contestadas, os canhões dos obuses precisam ser substituídos após apenas alguns meses.

Além disso, a antiga cadeia de abastecimento de armamento soviético já não existe. Ucrânia, Geórgia e Alemanha Oriental eram centros importantes de fabricação de armas e componentes soviéticos. Ironicamente, Kharkiv foi o principal produtor de torres para tanques T-72. O número de trabalhadores no complexo militar-industrial da Rússia também caiu drasticamente, diz Luzin, de cerca de 10 milhões para 2 milhões, sem qualquer mudança radical na automação que compensasse isso.

Outra preocupação é a produção de canhões de artilharia. Por enquanto, com a ajuda da Coreia do Norte, a Rússia parece ter munições suficientes, provavelmente cerca de 3 milhões este ano – o suficiente para superar os ucranianos até recentemente em uma proporção de pelo menos 5 para 1, e muito mais em alguns locais. Mas a desvantagem de um fogo tão intenso tem sido o desgaste dos canhões. Em algumas áreas altamente contestadas, os canhões dos obuses precisam ser substituídos após apenas alguns meses.

Questão de canhões

No entanto, diz Luzin, existem apenas duas fábricas que possuem as sofisticadas máquinas de forja rotativa fabricadas na Áustria (a última foi importada em 2017) necessárias para fabricar os canhões. Cada uma delas pode produzir apenas cerca de 100 canhões por ano, em comparação com os milhares necessários. A Rússia nunca fabricou as suas próprias máquinas de forjar; importou-as dos Estados Unidos na década de 1930 e saqueou-as da Alemanha depois da guerra.

A solução tem sido canibalizar os canhões da antiga artilharia rebocada e encaixá-los em obuses autopropulsados. Richard Vereker, analista de livre acesso, acredita que até o início deste ano cerca de 4.800 canhões foram trocados. Por quanto tempo os russos poderão continuar a fazer isto depende da condição dos cerca de 7.000 que ainda restam. Gjerstad diz que, com sistemas de foguetes de lançamento múltiplo, como o TOS-1a, rajadas de fogo muito mais curtas já foram usadas para prolongar a vida útil do canhão.

Mas o maior problema emergente diz respeito aos tanques e veículos de combate de infantaria, que ainda são cruciais para quaisquer operações terrestres ofensivas em grande escala. Embora o IIEE tenha estimado que em fevereiro deste ano a Rússia pudesse ter cerca de 3.200 tanques armazenados para o uso, Gjerstad diz que até 70% deles “não se moveram um centímetro desde o início da guerra”. Uma grande proporção dos T-72 foram armazenados a descoberto desde o início da década de 1990 e provavelmente estão em condições muito precárias.

Tanto Golts como Luzin reconhecem que, dadas as atuais taxas de atrito, a renovação dos tanques e veículos de infantaria russos a partir do seu armazenamento terá atingido um “ponto crítico de exaustão” no segundo semestre do próximo ano. Gjerstad calcula alguns meses além disso. Mas os russos não vão querer chegar à beira do precipício, quando, de repente, terão apenas poucos tanques novos para enviar para a frente. O novo ministro da defesa, Andrei Belousov, parece estar concentrado em aumentar a produção de drones.

A menos que algo mude, antes do final deste ano, as forças russas poderão ter de ajustar sua postura para uma atitude muito mais defensiva, diz Gjerstad. Isso pode até se tornar aparente antes do fim do verão no hemisfério norte. O interesse de Putin em um cessar-fogo temporário poderá aumentar em breve. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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