Na Venezuela, oposição chega às eleições como favorita pela primeira vez em 25 anos


Depois de tentar diferentes estratégias fracassadas em eleições passadas, oposição se une para derrotar o chavismo em um processo eleitoral marcado por irregularidades

Por Carolina Marins
Atualização:

A Venezuela vai às urnas neste domingo, 28, nas eleições mais decisivas do país em 25 anos. Pela primeira vez, a oposição é a favorita para vencer, embora haja dúvidas se a ditadura de Nicolás Maduro respeitará os resultados.

As principais pesquisas de intenção de votos indicam uma vitória confortável a Edmundo González Urrutia, candidato da oposição sob respaldo da principal líder antichavista, a ex-deputada María Corina Machado, que foi impedida de participar da disputa.

Urrutia, que concorre pela coalizão da Plataforma Unitária (PU), tem mais de 50% dos votos. Enquanto Maduro aparece com 20%, valor próximo às estimativas de aprovação do governo nos últimos anos.

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Ao longo deste ano, o chavismo tem imposto novas regras e modificado outras na intenção de dificultar o processo eleitoral. O caso mais emblemático foi a inabilitação de Corina Machado, que havia ganhado as eleições primárias de sua chapa com mais de 90% dos votos.

“Existe um Estado, ou seja, existe uma estrutura jurídica e política que será manipulada para impedir que as pessoas participem das eleições, seja mudando as seções eleitorais, seja impedindo as pessoas de votar, seja manipulando a questão das testemunhas eleitorais, tudo isso é familiar ao chavismo, mas desta vez é uma luta existencial para eles”, afirma a cientista política venezuelana e professora no Valencia College da Flórida María Isabel Puerta Riera.

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Os opositores Edmundo González Urrutia (esq.) e María Corina Machado (centro) em evento de campanha em Zulia, Venezuela Foto: Raul Arboleda/AFP

União opositora

A oposição vai para disputa contra o chavismo unida pela primeira vez em 11 anos. Em disputas presidenciais anteriores, os líderes opositores já tentaram as mais diferentes estratégias, nenhuma bem sucedida.

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O momento em que a oposição esteve mais perto de vencer o chavismo foi em 2013, logo após a morte de Hugo Chávez, quando houve eleições para determinar seu substituto. Maduro, então vice de Chávez, disputou aquela eleição com Henrique Capriles, que esteve muito perto de ganhar. No fim, Maduro venceu por 50% a 49%, em um resultado contestado por Capriles.

Em 2018, a estratégia foi um boicote ao pleito, o que resultou na reeleição de Maduro por ampla margem.

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Para 2024 a oposição recuperou a estratégia de 2013 e também em 2015, quando levou a maioria da Assembleia Nacional. A estratégia, então, foi irem unidos sob o nome de Maria Corina Machado - ou quem fosse que ela escolhesse - para derrotar o chavismo.

A união, que resultou na Plataforma Unitária, tem agora novos desafios a serem observados no dia de amanhã. “A primeira coisa é conseguir a mobilização, porque há dois fatores: um é a complacência e a certeza de que se está na liderança e vão vencer de qualquer maneira. Isso pode ser fatal”, observa Puerta Riera

“Mas há outro aspecto, que é o medo, sobretudo naqueles que dependem do governo, seja para trabalhar, seja para comer ou para serviços. [Os chavistas] chegaram ao extremo de dizer que se você não votar neles, eles vão tirar sua casa, bens materiais, serviços etc. Isso é algo que, na minha opinião, tem um enorme impacto sobre as pessoas, especialmente nos setores mais vulneráveis da sociedade.”

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Apoiador segura imagem de Hugo Chávez durante ato de apoio a Nicolás Maduro em Caracas Foto: Fernando Vergara/AP

Os desafios do dia

Segundo levantamento das organizações Alerta Venezuela, Espacio Público e Voto Joven, cerca de 25% da população venezuelana que estaria apta para votar não poderá participar do pleito deste ano. Isso porque houve mudança nas regras e milhões de venezuelanos que vivem no exterior não conseguiram se registrar.

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O CNE divulgou que mais de 21 milhões de pessoas estão habilitadas para votar este ano. O número, segundo as organizações, indica que mais de 5 milhões de pessoas ficaram de fora. “Não pode haver eleições autênticas ou livres sem um quarto da população eleitoral”, denunciaram as entidades em um documento.

Também há denúncias de mudanças arbitrárias de locais de votação dos eleitores, sem a devida comunicação, ou para locais muito distantes de onde moram atualmente. Outra denúncia é de inscrição de mesários.

“A seleção dos membros das seções eleitorais não foi informada adequadamente”, denunciou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano Carlos Medina. “Na Venezuela, os cidadãos são selecionados aleatoriamente para compor o grupo de pessoas que trabalharão na seção eleitoral atendendo aos eleitores. Mas o que aconteceu? As pessoas que foram selecionadas não são devidamente informadas e, consequentemente, como não sabem disso, não comparecem às seções eleitorais.”

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, em evento de fechamento de campanha em Zulia Foto: Raul Arboleda/AFP

Sem mesários, não há como realizar eleições naquela seção. E o temor é que estas ausências ocorram justamente em zonas que favoreçam a oposição.

“Não é de se excluir que haja irregularidades neste domingo, o processo em alguns lugares talvez seja mais lento do que o normal”, opina o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco. “É exatamente isso que o chavismo quer fazer, que poucas pessoas votem e que, que as testemunhas da mesa tenham dificuldades para estar presentes e também manipular os resultados dessas urnas em algumas partes do país.”

“Eles não precisam usar mecanismos fraudulentos para impedir que as pessoas votem ou para inibir a participação” concorda Puerta Riera. “O que eles precisam fazer é, em em determinadas seções eleitorais, diminuir o número de votos, e também impedir que as pessoas votem mudando as seções eleitorais e manipulando os registros eleitorais, e eles não precisam fazer isso em todos os lugares, mas em locais importantes.”

A fraude não é mudar o voto, é deteriorar as condições para que as eleições sejam livres e democráticas.

María Isabel Puerta Riera, cientista política venezuelana

O caminho até aqui

A realização destas eleições foi acordada entre a ditadura de Nicolás Maduro e a oposição venezuelana nos chamados Acordos de Barbados, que teve atuação importante do Brasil, para garantir um pleito livre e justo ainda este ano. Em troca, a Venezuela receberia o levantamento de algumas sanções por parte dos EUA e da União Europeia.

O acordo, porém, começou a ruir já em janeiro quando o Supremo Tribunal de Justiça do país confirmou a inabilitação de Maria Corina de concorrer a cargos públicos por 15 anos. A decisão resultou na reimposição das sanções.

Durante meses a oposição entrou em um impasse sobre quem deveria substituir a líder opositora, já que ninguém atraía tanto apelo quanto seu nome. A própria Maria Corina durante semanas considerou desafiar o bloqueio chavista e se colocar na disputa, correndo o risco de minar a chance opositora de uma vitória.

Edmundo González Urrutia e María Corina Machado durante coletiva de imprensa no fechamento de campanha Foto: Cristian Hernandez/AP

Na época, analistas avaliaram que deixar a oposição brigar internamente pela vaga de Maria Corina era justamente o objetivo de Maduro ao provocar a fragmentação dos votos opositores.

Nos últimos dias para a definição de candidatos frente ao Conselho Nacional Eleitoral, a oposição entrou em um consenso pelo nome de Corina Yoris para a vaga. Professora e filósofa, a homônima de Maria Corina surgia como candidata ideal ao receber o respaldo da líder ao mesmo tempo que não possuía atuação política anterior a ponto de provocar rejeição.

A candidatura de Yoris, porém, naufragou no dia da inscrição de seu nome no sistema. Por razões desconhecidas até os dias de hoje, a oposição não conseguiu inserir o nome da professora no sistema e decidiu, de última hora, inserir o nome do diplomata Edmundo González Urrutia.

Outra fratura se abriu na oposição para substituir, em uma janela curta de tempo aberta pelo CNE, o nome de Urrutia por de alguém mais conhecido. Mas, em uma estratégia elogiada mais tarde por analistas políticos, a oposição decidiu manter o nome do embaixador, para surpresa do regime.

Um diplomata de carreira, González Urrutia é visto por muitos como um negociador habilidoso, capaz de conduzir, em caso de vitória da oposição, as conversas para uma transição de governo. Com o respaldo de Maria Corina, o embaixador utilizou as poucas semanas que teve entre o fim de abril e os dias de hoje para percorrer o país e se fazer conhecido.

Outro obstáculo surgiu poucos dias depois da definição dos candidatos. Em uma mudança de regras denunciada como irregular por organizações nacionais e internacionais, o CNE passou a exigir documentos adicionais para registrar novos eleitores, além de dificultar os registros dos quase 8 milhões de venezuelanos que vivem no exterior.

O último movimento foi mudar as regras e dificultar o credenciamento de testemunhas eleitorais, figura semelhante ao fiscal de urna dos partidos no Brasil. Considerados essenciais para a oposição garantir a lisura do processo eleitoral, o CNE não estava aceitando os nomes dos 90 mil voluntários enviados pela oposição até os últimos minutos do credenciamento.

“As estratégias que eles estão desenvolvendo é usar o Conselho Nacional Eleitoral para tentar impedir a votação maciça do povo venezuelano para tentar ganhar as eleições de forma fraudulenta, porque no final, mesmo que os votos no final do processo sejam contados corretamente, o processo chega a esse dia em um contexto fraudulento”, afirma o opositor e ex-presidente do CNE Andrés Caleca.

A Venezuela vai às urnas neste domingo, 28, nas eleições mais decisivas do país em 25 anos. Pela primeira vez, a oposição é a favorita para vencer, embora haja dúvidas se a ditadura de Nicolás Maduro respeitará os resultados.

As principais pesquisas de intenção de votos indicam uma vitória confortável a Edmundo González Urrutia, candidato da oposição sob respaldo da principal líder antichavista, a ex-deputada María Corina Machado, que foi impedida de participar da disputa.

Urrutia, que concorre pela coalizão da Plataforma Unitária (PU), tem mais de 50% dos votos. Enquanto Maduro aparece com 20%, valor próximo às estimativas de aprovação do governo nos últimos anos.

Ao longo deste ano, o chavismo tem imposto novas regras e modificado outras na intenção de dificultar o processo eleitoral. O caso mais emblemático foi a inabilitação de Corina Machado, que havia ganhado as eleições primárias de sua chapa com mais de 90% dos votos.

“Existe um Estado, ou seja, existe uma estrutura jurídica e política que será manipulada para impedir que as pessoas participem das eleições, seja mudando as seções eleitorais, seja impedindo as pessoas de votar, seja manipulando a questão das testemunhas eleitorais, tudo isso é familiar ao chavismo, mas desta vez é uma luta existencial para eles”, afirma a cientista política venezuelana e professora no Valencia College da Flórida María Isabel Puerta Riera.

Os opositores Edmundo González Urrutia (esq.) e María Corina Machado (centro) em evento de campanha em Zulia, Venezuela Foto: Raul Arboleda/AFP

União opositora

A oposição vai para disputa contra o chavismo unida pela primeira vez em 11 anos. Em disputas presidenciais anteriores, os líderes opositores já tentaram as mais diferentes estratégias, nenhuma bem sucedida.

O momento em que a oposição esteve mais perto de vencer o chavismo foi em 2013, logo após a morte de Hugo Chávez, quando houve eleições para determinar seu substituto. Maduro, então vice de Chávez, disputou aquela eleição com Henrique Capriles, que esteve muito perto de ganhar. No fim, Maduro venceu por 50% a 49%, em um resultado contestado por Capriles.

Em 2018, a estratégia foi um boicote ao pleito, o que resultou na reeleição de Maduro por ampla margem.

Para 2024 a oposição recuperou a estratégia de 2013 e também em 2015, quando levou a maioria da Assembleia Nacional. A estratégia, então, foi irem unidos sob o nome de Maria Corina Machado - ou quem fosse que ela escolhesse - para derrotar o chavismo.

A união, que resultou na Plataforma Unitária, tem agora novos desafios a serem observados no dia de amanhã. “A primeira coisa é conseguir a mobilização, porque há dois fatores: um é a complacência e a certeza de que se está na liderança e vão vencer de qualquer maneira. Isso pode ser fatal”, observa Puerta Riera

“Mas há outro aspecto, que é o medo, sobretudo naqueles que dependem do governo, seja para trabalhar, seja para comer ou para serviços. [Os chavistas] chegaram ao extremo de dizer que se você não votar neles, eles vão tirar sua casa, bens materiais, serviços etc. Isso é algo que, na minha opinião, tem um enorme impacto sobre as pessoas, especialmente nos setores mais vulneráveis da sociedade.”

Apoiador segura imagem de Hugo Chávez durante ato de apoio a Nicolás Maduro em Caracas Foto: Fernando Vergara/AP

Os desafios do dia

Segundo levantamento das organizações Alerta Venezuela, Espacio Público e Voto Joven, cerca de 25% da população venezuelana que estaria apta para votar não poderá participar do pleito deste ano. Isso porque houve mudança nas regras e milhões de venezuelanos que vivem no exterior não conseguiram se registrar.

O CNE divulgou que mais de 21 milhões de pessoas estão habilitadas para votar este ano. O número, segundo as organizações, indica que mais de 5 milhões de pessoas ficaram de fora. “Não pode haver eleições autênticas ou livres sem um quarto da população eleitoral”, denunciaram as entidades em um documento.

Também há denúncias de mudanças arbitrárias de locais de votação dos eleitores, sem a devida comunicação, ou para locais muito distantes de onde moram atualmente. Outra denúncia é de inscrição de mesários.

“A seleção dos membros das seções eleitorais não foi informada adequadamente”, denunciou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano Carlos Medina. “Na Venezuela, os cidadãos são selecionados aleatoriamente para compor o grupo de pessoas que trabalharão na seção eleitoral atendendo aos eleitores. Mas o que aconteceu? As pessoas que foram selecionadas não são devidamente informadas e, consequentemente, como não sabem disso, não comparecem às seções eleitorais.”

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, em evento de fechamento de campanha em Zulia Foto: Raul Arboleda/AFP

Sem mesários, não há como realizar eleições naquela seção. E o temor é que estas ausências ocorram justamente em zonas que favoreçam a oposição.

“Não é de se excluir que haja irregularidades neste domingo, o processo em alguns lugares talvez seja mais lento do que o normal”, opina o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco. “É exatamente isso que o chavismo quer fazer, que poucas pessoas votem e que, que as testemunhas da mesa tenham dificuldades para estar presentes e também manipular os resultados dessas urnas em algumas partes do país.”

“Eles não precisam usar mecanismos fraudulentos para impedir que as pessoas votem ou para inibir a participação” concorda Puerta Riera. “O que eles precisam fazer é, em em determinadas seções eleitorais, diminuir o número de votos, e também impedir que as pessoas votem mudando as seções eleitorais e manipulando os registros eleitorais, e eles não precisam fazer isso em todos os lugares, mas em locais importantes.”

A fraude não é mudar o voto, é deteriorar as condições para que as eleições sejam livres e democráticas.

María Isabel Puerta Riera, cientista política venezuelana

O caminho até aqui

A realização destas eleições foi acordada entre a ditadura de Nicolás Maduro e a oposição venezuelana nos chamados Acordos de Barbados, que teve atuação importante do Brasil, para garantir um pleito livre e justo ainda este ano. Em troca, a Venezuela receberia o levantamento de algumas sanções por parte dos EUA e da União Europeia.

O acordo, porém, começou a ruir já em janeiro quando o Supremo Tribunal de Justiça do país confirmou a inabilitação de Maria Corina de concorrer a cargos públicos por 15 anos. A decisão resultou na reimposição das sanções.

Durante meses a oposição entrou em um impasse sobre quem deveria substituir a líder opositora, já que ninguém atraía tanto apelo quanto seu nome. A própria Maria Corina durante semanas considerou desafiar o bloqueio chavista e se colocar na disputa, correndo o risco de minar a chance opositora de uma vitória.

Edmundo González Urrutia e María Corina Machado durante coletiva de imprensa no fechamento de campanha Foto: Cristian Hernandez/AP

Na época, analistas avaliaram que deixar a oposição brigar internamente pela vaga de Maria Corina era justamente o objetivo de Maduro ao provocar a fragmentação dos votos opositores.

Nos últimos dias para a definição de candidatos frente ao Conselho Nacional Eleitoral, a oposição entrou em um consenso pelo nome de Corina Yoris para a vaga. Professora e filósofa, a homônima de Maria Corina surgia como candidata ideal ao receber o respaldo da líder ao mesmo tempo que não possuía atuação política anterior a ponto de provocar rejeição.

A candidatura de Yoris, porém, naufragou no dia da inscrição de seu nome no sistema. Por razões desconhecidas até os dias de hoje, a oposição não conseguiu inserir o nome da professora no sistema e decidiu, de última hora, inserir o nome do diplomata Edmundo González Urrutia.

Outra fratura se abriu na oposição para substituir, em uma janela curta de tempo aberta pelo CNE, o nome de Urrutia por de alguém mais conhecido. Mas, em uma estratégia elogiada mais tarde por analistas políticos, a oposição decidiu manter o nome do embaixador, para surpresa do regime.

Um diplomata de carreira, González Urrutia é visto por muitos como um negociador habilidoso, capaz de conduzir, em caso de vitória da oposição, as conversas para uma transição de governo. Com o respaldo de Maria Corina, o embaixador utilizou as poucas semanas que teve entre o fim de abril e os dias de hoje para percorrer o país e se fazer conhecido.

Outro obstáculo surgiu poucos dias depois da definição dos candidatos. Em uma mudança de regras denunciada como irregular por organizações nacionais e internacionais, o CNE passou a exigir documentos adicionais para registrar novos eleitores, além de dificultar os registros dos quase 8 milhões de venezuelanos que vivem no exterior.

O último movimento foi mudar as regras e dificultar o credenciamento de testemunhas eleitorais, figura semelhante ao fiscal de urna dos partidos no Brasil. Considerados essenciais para a oposição garantir a lisura do processo eleitoral, o CNE não estava aceitando os nomes dos 90 mil voluntários enviados pela oposição até os últimos minutos do credenciamento.

“As estratégias que eles estão desenvolvendo é usar o Conselho Nacional Eleitoral para tentar impedir a votação maciça do povo venezuelano para tentar ganhar as eleições de forma fraudulenta, porque no final, mesmo que os votos no final do processo sejam contados corretamente, o processo chega a esse dia em um contexto fraudulento”, afirma o opositor e ex-presidente do CNE Andrés Caleca.

A Venezuela vai às urnas neste domingo, 28, nas eleições mais decisivas do país em 25 anos. Pela primeira vez, a oposição é a favorita para vencer, embora haja dúvidas se a ditadura de Nicolás Maduro respeitará os resultados.

As principais pesquisas de intenção de votos indicam uma vitória confortável a Edmundo González Urrutia, candidato da oposição sob respaldo da principal líder antichavista, a ex-deputada María Corina Machado, que foi impedida de participar da disputa.

Urrutia, que concorre pela coalizão da Plataforma Unitária (PU), tem mais de 50% dos votos. Enquanto Maduro aparece com 20%, valor próximo às estimativas de aprovação do governo nos últimos anos.

Ao longo deste ano, o chavismo tem imposto novas regras e modificado outras na intenção de dificultar o processo eleitoral. O caso mais emblemático foi a inabilitação de Corina Machado, que havia ganhado as eleições primárias de sua chapa com mais de 90% dos votos.

“Existe um Estado, ou seja, existe uma estrutura jurídica e política que será manipulada para impedir que as pessoas participem das eleições, seja mudando as seções eleitorais, seja impedindo as pessoas de votar, seja manipulando a questão das testemunhas eleitorais, tudo isso é familiar ao chavismo, mas desta vez é uma luta existencial para eles”, afirma a cientista política venezuelana e professora no Valencia College da Flórida María Isabel Puerta Riera.

Os opositores Edmundo González Urrutia (esq.) e María Corina Machado (centro) em evento de campanha em Zulia, Venezuela Foto: Raul Arboleda/AFP

União opositora

A oposição vai para disputa contra o chavismo unida pela primeira vez em 11 anos. Em disputas presidenciais anteriores, os líderes opositores já tentaram as mais diferentes estratégias, nenhuma bem sucedida.

O momento em que a oposição esteve mais perto de vencer o chavismo foi em 2013, logo após a morte de Hugo Chávez, quando houve eleições para determinar seu substituto. Maduro, então vice de Chávez, disputou aquela eleição com Henrique Capriles, que esteve muito perto de ganhar. No fim, Maduro venceu por 50% a 49%, em um resultado contestado por Capriles.

Em 2018, a estratégia foi um boicote ao pleito, o que resultou na reeleição de Maduro por ampla margem.

Para 2024 a oposição recuperou a estratégia de 2013 e também em 2015, quando levou a maioria da Assembleia Nacional. A estratégia, então, foi irem unidos sob o nome de Maria Corina Machado - ou quem fosse que ela escolhesse - para derrotar o chavismo.

A união, que resultou na Plataforma Unitária, tem agora novos desafios a serem observados no dia de amanhã. “A primeira coisa é conseguir a mobilização, porque há dois fatores: um é a complacência e a certeza de que se está na liderança e vão vencer de qualquer maneira. Isso pode ser fatal”, observa Puerta Riera

“Mas há outro aspecto, que é o medo, sobretudo naqueles que dependem do governo, seja para trabalhar, seja para comer ou para serviços. [Os chavistas] chegaram ao extremo de dizer que se você não votar neles, eles vão tirar sua casa, bens materiais, serviços etc. Isso é algo que, na minha opinião, tem um enorme impacto sobre as pessoas, especialmente nos setores mais vulneráveis da sociedade.”

Apoiador segura imagem de Hugo Chávez durante ato de apoio a Nicolás Maduro em Caracas Foto: Fernando Vergara/AP

Os desafios do dia

Segundo levantamento das organizações Alerta Venezuela, Espacio Público e Voto Joven, cerca de 25% da população venezuelana que estaria apta para votar não poderá participar do pleito deste ano. Isso porque houve mudança nas regras e milhões de venezuelanos que vivem no exterior não conseguiram se registrar.

O CNE divulgou que mais de 21 milhões de pessoas estão habilitadas para votar este ano. O número, segundo as organizações, indica que mais de 5 milhões de pessoas ficaram de fora. “Não pode haver eleições autênticas ou livres sem um quarto da população eleitoral”, denunciaram as entidades em um documento.

Também há denúncias de mudanças arbitrárias de locais de votação dos eleitores, sem a devida comunicação, ou para locais muito distantes de onde moram atualmente. Outra denúncia é de inscrição de mesários.

“A seleção dos membros das seções eleitorais não foi informada adequadamente”, denunciou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano Carlos Medina. “Na Venezuela, os cidadãos são selecionados aleatoriamente para compor o grupo de pessoas que trabalharão na seção eleitoral atendendo aos eleitores. Mas o que aconteceu? As pessoas que foram selecionadas não são devidamente informadas e, consequentemente, como não sabem disso, não comparecem às seções eleitorais.”

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, em evento de fechamento de campanha em Zulia Foto: Raul Arboleda/AFP

Sem mesários, não há como realizar eleições naquela seção. E o temor é que estas ausências ocorram justamente em zonas que favoreçam a oposição.

“Não é de se excluir que haja irregularidades neste domingo, o processo em alguns lugares talvez seja mais lento do que o normal”, opina o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco. “É exatamente isso que o chavismo quer fazer, que poucas pessoas votem e que, que as testemunhas da mesa tenham dificuldades para estar presentes e também manipular os resultados dessas urnas em algumas partes do país.”

“Eles não precisam usar mecanismos fraudulentos para impedir que as pessoas votem ou para inibir a participação” concorda Puerta Riera. “O que eles precisam fazer é, em em determinadas seções eleitorais, diminuir o número de votos, e também impedir que as pessoas votem mudando as seções eleitorais e manipulando os registros eleitorais, e eles não precisam fazer isso em todos os lugares, mas em locais importantes.”

A fraude não é mudar o voto, é deteriorar as condições para que as eleições sejam livres e democráticas.

María Isabel Puerta Riera, cientista política venezuelana

O caminho até aqui

A realização destas eleições foi acordada entre a ditadura de Nicolás Maduro e a oposição venezuelana nos chamados Acordos de Barbados, que teve atuação importante do Brasil, para garantir um pleito livre e justo ainda este ano. Em troca, a Venezuela receberia o levantamento de algumas sanções por parte dos EUA e da União Europeia.

O acordo, porém, começou a ruir já em janeiro quando o Supremo Tribunal de Justiça do país confirmou a inabilitação de Maria Corina de concorrer a cargos públicos por 15 anos. A decisão resultou na reimposição das sanções.

Durante meses a oposição entrou em um impasse sobre quem deveria substituir a líder opositora, já que ninguém atraía tanto apelo quanto seu nome. A própria Maria Corina durante semanas considerou desafiar o bloqueio chavista e se colocar na disputa, correndo o risco de minar a chance opositora de uma vitória.

Edmundo González Urrutia e María Corina Machado durante coletiva de imprensa no fechamento de campanha Foto: Cristian Hernandez/AP

Na época, analistas avaliaram que deixar a oposição brigar internamente pela vaga de Maria Corina era justamente o objetivo de Maduro ao provocar a fragmentação dos votos opositores.

Nos últimos dias para a definição de candidatos frente ao Conselho Nacional Eleitoral, a oposição entrou em um consenso pelo nome de Corina Yoris para a vaga. Professora e filósofa, a homônima de Maria Corina surgia como candidata ideal ao receber o respaldo da líder ao mesmo tempo que não possuía atuação política anterior a ponto de provocar rejeição.

A candidatura de Yoris, porém, naufragou no dia da inscrição de seu nome no sistema. Por razões desconhecidas até os dias de hoje, a oposição não conseguiu inserir o nome da professora no sistema e decidiu, de última hora, inserir o nome do diplomata Edmundo González Urrutia.

Outra fratura se abriu na oposição para substituir, em uma janela curta de tempo aberta pelo CNE, o nome de Urrutia por de alguém mais conhecido. Mas, em uma estratégia elogiada mais tarde por analistas políticos, a oposição decidiu manter o nome do embaixador, para surpresa do regime.

Um diplomata de carreira, González Urrutia é visto por muitos como um negociador habilidoso, capaz de conduzir, em caso de vitória da oposição, as conversas para uma transição de governo. Com o respaldo de Maria Corina, o embaixador utilizou as poucas semanas que teve entre o fim de abril e os dias de hoje para percorrer o país e se fazer conhecido.

Outro obstáculo surgiu poucos dias depois da definição dos candidatos. Em uma mudança de regras denunciada como irregular por organizações nacionais e internacionais, o CNE passou a exigir documentos adicionais para registrar novos eleitores, além de dificultar os registros dos quase 8 milhões de venezuelanos que vivem no exterior.

O último movimento foi mudar as regras e dificultar o credenciamento de testemunhas eleitorais, figura semelhante ao fiscal de urna dos partidos no Brasil. Considerados essenciais para a oposição garantir a lisura do processo eleitoral, o CNE não estava aceitando os nomes dos 90 mil voluntários enviados pela oposição até os últimos minutos do credenciamento.

“As estratégias que eles estão desenvolvendo é usar o Conselho Nacional Eleitoral para tentar impedir a votação maciça do povo venezuelano para tentar ganhar as eleições de forma fraudulenta, porque no final, mesmo que os votos no final do processo sejam contados corretamente, o processo chega a esse dia em um contexto fraudulento”, afirma o opositor e ex-presidente do CNE Andrés Caleca.

A Venezuela vai às urnas neste domingo, 28, nas eleições mais decisivas do país em 25 anos. Pela primeira vez, a oposição é a favorita para vencer, embora haja dúvidas se a ditadura de Nicolás Maduro respeitará os resultados.

As principais pesquisas de intenção de votos indicam uma vitória confortável a Edmundo González Urrutia, candidato da oposição sob respaldo da principal líder antichavista, a ex-deputada María Corina Machado, que foi impedida de participar da disputa.

Urrutia, que concorre pela coalizão da Plataforma Unitária (PU), tem mais de 50% dos votos. Enquanto Maduro aparece com 20%, valor próximo às estimativas de aprovação do governo nos últimos anos.

Ao longo deste ano, o chavismo tem imposto novas regras e modificado outras na intenção de dificultar o processo eleitoral. O caso mais emblemático foi a inabilitação de Corina Machado, que havia ganhado as eleições primárias de sua chapa com mais de 90% dos votos.

“Existe um Estado, ou seja, existe uma estrutura jurídica e política que será manipulada para impedir que as pessoas participem das eleições, seja mudando as seções eleitorais, seja impedindo as pessoas de votar, seja manipulando a questão das testemunhas eleitorais, tudo isso é familiar ao chavismo, mas desta vez é uma luta existencial para eles”, afirma a cientista política venezuelana e professora no Valencia College da Flórida María Isabel Puerta Riera.

Os opositores Edmundo González Urrutia (esq.) e María Corina Machado (centro) em evento de campanha em Zulia, Venezuela Foto: Raul Arboleda/AFP

União opositora

A oposição vai para disputa contra o chavismo unida pela primeira vez em 11 anos. Em disputas presidenciais anteriores, os líderes opositores já tentaram as mais diferentes estratégias, nenhuma bem sucedida.

O momento em que a oposição esteve mais perto de vencer o chavismo foi em 2013, logo após a morte de Hugo Chávez, quando houve eleições para determinar seu substituto. Maduro, então vice de Chávez, disputou aquela eleição com Henrique Capriles, que esteve muito perto de ganhar. No fim, Maduro venceu por 50% a 49%, em um resultado contestado por Capriles.

Em 2018, a estratégia foi um boicote ao pleito, o que resultou na reeleição de Maduro por ampla margem.

Para 2024 a oposição recuperou a estratégia de 2013 e também em 2015, quando levou a maioria da Assembleia Nacional. A estratégia, então, foi irem unidos sob o nome de Maria Corina Machado - ou quem fosse que ela escolhesse - para derrotar o chavismo.

A união, que resultou na Plataforma Unitária, tem agora novos desafios a serem observados no dia de amanhã. “A primeira coisa é conseguir a mobilização, porque há dois fatores: um é a complacência e a certeza de que se está na liderança e vão vencer de qualquer maneira. Isso pode ser fatal”, observa Puerta Riera

“Mas há outro aspecto, que é o medo, sobretudo naqueles que dependem do governo, seja para trabalhar, seja para comer ou para serviços. [Os chavistas] chegaram ao extremo de dizer que se você não votar neles, eles vão tirar sua casa, bens materiais, serviços etc. Isso é algo que, na minha opinião, tem um enorme impacto sobre as pessoas, especialmente nos setores mais vulneráveis da sociedade.”

Apoiador segura imagem de Hugo Chávez durante ato de apoio a Nicolás Maduro em Caracas Foto: Fernando Vergara/AP

Os desafios do dia

Segundo levantamento das organizações Alerta Venezuela, Espacio Público e Voto Joven, cerca de 25% da população venezuelana que estaria apta para votar não poderá participar do pleito deste ano. Isso porque houve mudança nas regras e milhões de venezuelanos que vivem no exterior não conseguiram se registrar.

O CNE divulgou que mais de 21 milhões de pessoas estão habilitadas para votar este ano. O número, segundo as organizações, indica que mais de 5 milhões de pessoas ficaram de fora. “Não pode haver eleições autênticas ou livres sem um quarto da população eleitoral”, denunciaram as entidades em um documento.

Também há denúncias de mudanças arbitrárias de locais de votação dos eleitores, sem a devida comunicação, ou para locais muito distantes de onde moram atualmente. Outra denúncia é de inscrição de mesários.

“A seleção dos membros das seções eleitorais não foi informada adequadamente”, denunciou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano Carlos Medina. “Na Venezuela, os cidadãos são selecionados aleatoriamente para compor o grupo de pessoas que trabalharão na seção eleitoral atendendo aos eleitores. Mas o que aconteceu? As pessoas que foram selecionadas não são devidamente informadas e, consequentemente, como não sabem disso, não comparecem às seções eleitorais.”

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, em evento de fechamento de campanha em Zulia Foto: Raul Arboleda/AFP

Sem mesários, não há como realizar eleições naquela seção. E o temor é que estas ausências ocorram justamente em zonas que favoreçam a oposição.

“Não é de se excluir que haja irregularidades neste domingo, o processo em alguns lugares talvez seja mais lento do que o normal”, opina o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco. “É exatamente isso que o chavismo quer fazer, que poucas pessoas votem e que, que as testemunhas da mesa tenham dificuldades para estar presentes e também manipular os resultados dessas urnas em algumas partes do país.”

“Eles não precisam usar mecanismos fraudulentos para impedir que as pessoas votem ou para inibir a participação” concorda Puerta Riera. “O que eles precisam fazer é, em em determinadas seções eleitorais, diminuir o número de votos, e também impedir que as pessoas votem mudando as seções eleitorais e manipulando os registros eleitorais, e eles não precisam fazer isso em todos os lugares, mas em locais importantes.”

A fraude não é mudar o voto, é deteriorar as condições para que as eleições sejam livres e democráticas.

María Isabel Puerta Riera, cientista política venezuelana

O caminho até aqui

A realização destas eleições foi acordada entre a ditadura de Nicolás Maduro e a oposição venezuelana nos chamados Acordos de Barbados, que teve atuação importante do Brasil, para garantir um pleito livre e justo ainda este ano. Em troca, a Venezuela receberia o levantamento de algumas sanções por parte dos EUA e da União Europeia.

O acordo, porém, começou a ruir já em janeiro quando o Supremo Tribunal de Justiça do país confirmou a inabilitação de Maria Corina de concorrer a cargos públicos por 15 anos. A decisão resultou na reimposição das sanções.

Durante meses a oposição entrou em um impasse sobre quem deveria substituir a líder opositora, já que ninguém atraía tanto apelo quanto seu nome. A própria Maria Corina durante semanas considerou desafiar o bloqueio chavista e se colocar na disputa, correndo o risco de minar a chance opositora de uma vitória.

Edmundo González Urrutia e María Corina Machado durante coletiva de imprensa no fechamento de campanha Foto: Cristian Hernandez/AP

Na época, analistas avaliaram que deixar a oposição brigar internamente pela vaga de Maria Corina era justamente o objetivo de Maduro ao provocar a fragmentação dos votos opositores.

Nos últimos dias para a definição de candidatos frente ao Conselho Nacional Eleitoral, a oposição entrou em um consenso pelo nome de Corina Yoris para a vaga. Professora e filósofa, a homônima de Maria Corina surgia como candidata ideal ao receber o respaldo da líder ao mesmo tempo que não possuía atuação política anterior a ponto de provocar rejeição.

A candidatura de Yoris, porém, naufragou no dia da inscrição de seu nome no sistema. Por razões desconhecidas até os dias de hoje, a oposição não conseguiu inserir o nome da professora no sistema e decidiu, de última hora, inserir o nome do diplomata Edmundo González Urrutia.

Outra fratura se abriu na oposição para substituir, em uma janela curta de tempo aberta pelo CNE, o nome de Urrutia por de alguém mais conhecido. Mas, em uma estratégia elogiada mais tarde por analistas políticos, a oposição decidiu manter o nome do embaixador, para surpresa do regime.

Um diplomata de carreira, González Urrutia é visto por muitos como um negociador habilidoso, capaz de conduzir, em caso de vitória da oposição, as conversas para uma transição de governo. Com o respaldo de Maria Corina, o embaixador utilizou as poucas semanas que teve entre o fim de abril e os dias de hoje para percorrer o país e se fazer conhecido.

Outro obstáculo surgiu poucos dias depois da definição dos candidatos. Em uma mudança de regras denunciada como irregular por organizações nacionais e internacionais, o CNE passou a exigir documentos adicionais para registrar novos eleitores, além de dificultar os registros dos quase 8 milhões de venezuelanos que vivem no exterior.

O último movimento foi mudar as regras e dificultar o credenciamento de testemunhas eleitorais, figura semelhante ao fiscal de urna dos partidos no Brasil. Considerados essenciais para a oposição garantir a lisura do processo eleitoral, o CNE não estava aceitando os nomes dos 90 mil voluntários enviados pela oposição até os últimos minutos do credenciamento.

“As estratégias que eles estão desenvolvendo é usar o Conselho Nacional Eleitoral para tentar impedir a votação maciça do povo venezuelano para tentar ganhar as eleições de forma fraudulenta, porque no final, mesmo que os votos no final do processo sejam contados corretamente, o processo chega a esse dia em um contexto fraudulento”, afirma o opositor e ex-presidente do CNE Andrés Caleca.

A Venezuela vai às urnas neste domingo, 28, nas eleições mais decisivas do país em 25 anos. Pela primeira vez, a oposição é a favorita para vencer, embora haja dúvidas se a ditadura de Nicolás Maduro respeitará os resultados.

As principais pesquisas de intenção de votos indicam uma vitória confortável a Edmundo González Urrutia, candidato da oposição sob respaldo da principal líder antichavista, a ex-deputada María Corina Machado, que foi impedida de participar da disputa.

Urrutia, que concorre pela coalizão da Plataforma Unitária (PU), tem mais de 50% dos votos. Enquanto Maduro aparece com 20%, valor próximo às estimativas de aprovação do governo nos últimos anos.

Ao longo deste ano, o chavismo tem imposto novas regras e modificado outras na intenção de dificultar o processo eleitoral. O caso mais emblemático foi a inabilitação de Corina Machado, que havia ganhado as eleições primárias de sua chapa com mais de 90% dos votos.

“Existe um Estado, ou seja, existe uma estrutura jurídica e política que será manipulada para impedir que as pessoas participem das eleições, seja mudando as seções eleitorais, seja impedindo as pessoas de votar, seja manipulando a questão das testemunhas eleitorais, tudo isso é familiar ao chavismo, mas desta vez é uma luta existencial para eles”, afirma a cientista política venezuelana e professora no Valencia College da Flórida María Isabel Puerta Riera.

Os opositores Edmundo González Urrutia (esq.) e María Corina Machado (centro) em evento de campanha em Zulia, Venezuela Foto: Raul Arboleda/AFP

União opositora

A oposição vai para disputa contra o chavismo unida pela primeira vez em 11 anos. Em disputas presidenciais anteriores, os líderes opositores já tentaram as mais diferentes estratégias, nenhuma bem sucedida.

O momento em que a oposição esteve mais perto de vencer o chavismo foi em 2013, logo após a morte de Hugo Chávez, quando houve eleições para determinar seu substituto. Maduro, então vice de Chávez, disputou aquela eleição com Henrique Capriles, que esteve muito perto de ganhar. No fim, Maduro venceu por 50% a 49%, em um resultado contestado por Capriles.

Em 2018, a estratégia foi um boicote ao pleito, o que resultou na reeleição de Maduro por ampla margem.

Para 2024 a oposição recuperou a estratégia de 2013 e também em 2015, quando levou a maioria da Assembleia Nacional. A estratégia, então, foi irem unidos sob o nome de Maria Corina Machado - ou quem fosse que ela escolhesse - para derrotar o chavismo.

A união, que resultou na Plataforma Unitária, tem agora novos desafios a serem observados no dia de amanhã. “A primeira coisa é conseguir a mobilização, porque há dois fatores: um é a complacência e a certeza de que se está na liderança e vão vencer de qualquer maneira. Isso pode ser fatal”, observa Puerta Riera

“Mas há outro aspecto, que é o medo, sobretudo naqueles que dependem do governo, seja para trabalhar, seja para comer ou para serviços. [Os chavistas] chegaram ao extremo de dizer que se você não votar neles, eles vão tirar sua casa, bens materiais, serviços etc. Isso é algo que, na minha opinião, tem um enorme impacto sobre as pessoas, especialmente nos setores mais vulneráveis da sociedade.”

Apoiador segura imagem de Hugo Chávez durante ato de apoio a Nicolás Maduro em Caracas Foto: Fernando Vergara/AP

Os desafios do dia

Segundo levantamento das organizações Alerta Venezuela, Espacio Público e Voto Joven, cerca de 25% da população venezuelana que estaria apta para votar não poderá participar do pleito deste ano. Isso porque houve mudança nas regras e milhões de venezuelanos que vivem no exterior não conseguiram se registrar.

O CNE divulgou que mais de 21 milhões de pessoas estão habilitadas para votar este ano. O número, segundo as organizações, indica que mais de 5 milhões de pessoas ficaram de fora. “Não pode haver eleições autênticas ou livres sem um quarto da população eleitoral”, denunciaram as entidades em um documento.

Também há denúncias de mudanças arbitrárias de locais de votação dos eleitores, sem a devida comunicação, ou para locais muito distantes de onde moram atualmente. Outra denúncia é de inscrição de mesários.

“A seleção dos membros das seções eleitorais não foi informada adequadamente”, denunciou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano Carlos Medina. “Na Venezuela, os cidadãos são selecionados aleatoriamente para compor o grupo de pessoas que trabalharão na seção eleitoral atendendo aos eleitores. Mas o que aconteceu? As pessoas que foram selecionadas não são devidamente informadas e, consequentemente, como não sabem disso, não comparecem às seções eleitorais.”

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, em evento de fechamento de campanha em Zulia Foto: Raul Arboleda/AFP

Sem mesários, não há como realizar eleições naquela seção. E o temor é que estas ausências ocorram justamente em zonas que favoreçam a oposição.

“Não é de se excluir que haja irregularidades neste domingo, o processo em alguns lugares talvez seja mais lento do que o normal”, opina o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco. “É exatamente isso que o chavismo quer fazer, que poucas pessoas votem e que, que as testemunhas da mesa tenham dificuldades para estar presentes e também manipular os resultados dessas urnas em algumas partes do país.”

“Eles não precisam usar mecanismos fraudulentos para impedir que as pessoas votem ou para inibir a participação” concorda Puerta Riera. “O que eles precisam fazer é, em em determinadas seções eleitorais, diminuir o número de votos, e também impedir que as pessoas votem mudando as seções eleitorais e manipulando os registros eleitorais, e eles não precisam fazer isso em todos os lugares, mas em locais importantes.”

A fraude não é mudar o voto, é deteriorar as condições para que as eleições sejam livres e democráticas.

María Isabel Puerta Riera, cientista política venezuelana

O caminho até aqui

A realização destas eleições foi acordada entre a ditadura de Nicolás Maduro e a oposição venezuelana nos chamados Acordos de Barbados, que teve atuação importante do Brasil, para garantir um pleito livre e justo ainda este ano. Em troca, a Venezuela receberia o levantamento de algumas sanções por parte dos EUA e da União Europeia.

O acordo, porém, começou a ruir já em janeiro quando o Supremo Tribunal de Justiça do país confirmou a inabilitação de Maria Corina de concorrer a cargos públicos por 15 anos. A decisão resultou na reimposição das sanções.

Durante meses a oposição entrou em um impasse sobre quem deveria substituir a líder opositora, já que ninguém atraía tanto apelo quanto seu nome. A própria Maria Corina durante semanas considerou desafiar o bloqueio chavista e se colocar na disputa, correndo o risco de minar a chance opositora de uma vitória.

Edmundo González Urrutia e María Corina Machado durante coletiva de imprensa no fechamento de campanha Foto: Cristian Hernandez/AP

Na época, analistas avaliaram que deixar a oposição brigar internamente pela vaga de Maria Corina era justamente o objetivo de Maduro ao provocar a fragmentação dos votos opositores.

Nos últimos dias para a definição de candidatos frente ao Conselho Nacional Eleitoral, a oposição entrou em um consenso pelo nome de Corina Yoris para a vaga. Professora e filósofa, a homônima de Maria Corina surgia como candidata ideal ao receber o respaldo da líder ao mesmo tempo que não possuía atuação política anterior a ponto de provocar rejeição.

A candidatura de Yoris, porém, naufragou no dia da inscrição de seu nome no sistema. Por razões desconhecidas até os dias de hoje, a oposição não conseguiu inserir o nome da professora no sistema e decidiu, de última hora, inserir o nome do diplomata Edmundo González Urrutia.

Outra fratura se abriu na oposição para substituir, em uma janela curta de tempo aberta pelo CNE, o nome de Urrutia por de alguém mais conhecido. Mas, em uma estratégia elogiada mais tarde por analistas políticos, a oposição decidiu manter o nome do embaixador, para surpresa do regime.

Um diplomata de carreira, González Urrutia é visto por muitos como um negociador habilidoso, capaz de conduzir, em caso de vitória da oposição, as conversas para uma transição de governo. Com o respaldo de Maria Corina, o embaixador utilizou as poucas semanas que teve entre o fim de abril e os dias de hoje para percorrer o país e se fazer conhecido.

Outro obstáculo surgiu poucos dias depois da definição dos candidatos. Em uma mudança de regras denunciada como irregular por organizações nacionais e internacionais, o CNE passou a exigir documentos adicionais para registrar novos eleitores, além de dificultar os registros dos quase 8 milhões de venezuelanos que vivem no exterior.

O último movimento foi mudar as regras e dificultar o credenciamento de testemunhas eleitorais, figura semelhante ao fiscal de urna dos partidos no Brasil. Considerados essenciais para a oposição garantir a lisura do processo eleitoral, o CNE não estava aceitando os nomes dos 90 mil voluntários enviados pela oposição até os últimos minutos do credenciamento.

“As estratégias que eles estão desenvolvendo é usar o Conselho Nacional Eleitoral para tentar impedir a votação maciça do povo venezuelano para tentar ganhar as eleições de forma fraudulenta, porque no final, mesmo que os votos no final do processo sejam contados corretamente, o processo chega a esse dia em um contexto fraudulento”, afirma o opositor e ex-presidente do CNE Andrés Caleca.

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