Nacionalismo na Índia cresce e maioria da população já vê China como inimiga


Países possuem conflitos históricos na fronteira, obrigando Nova Délhi a estreitar relações com os Estados Unidos por questões de segurança, mas tem uma forte relação comercial e dialogam no grupo dos Brics

Por Daniel Gateno

Os dois países com as maiores populações do mundo possuem uma relação multifacetada e complexa. Por um lado, Índia e China têm laços econômicos fortes e uma parceira no grupo dos Brics, junto com Brasil, África do Sul e Rússia. Por outro, Nova Délhi e Pequim possuem uma disputa territorial histórica que vem escalando nos últimos anos, fazendo com que a Índia se esforce para reforçar a segurança do país e reduzir a influencia chinesa no Indo-Pacífico.

As nações compartilham uma fronteira de mais de 3.440 quilômetros. A demarcação nunca foi delineada propriamente e tem reivindicações de territórios de ambos os lados, que levou a uma guerra em 1962.

Pequim e Nova Délhi viveram momentos de relativa estabilidade nas fronteiras até junho de 2020, quando as potencias asiáticas se enfrentaram no primeiro confronto com mortes entre os dois países em 45 anos no Vale de Galwan, na região indiana de Labakh, que é reivindicada pela China. Segundo o governo indiano, 20 soldados da Índia foram mortos. Do lado chinês, o número de mortes não é certo, mas diversos veículos relatam que quatro soldados da China vieram a óbito. Após este incidente, outras escaramuças na fronteira entre os dois países ocorreram, mas sem relatos de mortes.

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Um aviso da fronteira entre China e Índia em Bumla, no estado indiano de Arunachal Pradesh  Foto: Adnan Abidi / REUTERS

As relações vêm se deteriorando e a Índia já sinalizou que está tentando reduzir a influencia de Pequim em seu território. Após o incidente mais grave em 45 anos na fronteira entre os dois países, o governo indiano anunciou uma proibição a aplicativos chineses que já chega a mais de 200, com a justificativa de que promovem desinformação e uma ameaça a segurança indiana.

De acordo com uma pesquisa encomendada pela empresa de consultoria Morning Consult, a maioria da população indiana enxerga a China como maior ameaça a segurança do país. 43% dos votantes optaram por Pequim, enquanto apenas 13% citaram o Paquistão, país que também tem disputas territoriais com Nova Délhi.

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Para Nishant Rajeev, pesquisador indiano do centro de relações internacionais da Universidade de Nanyang, em Singapura, a chegada de Narendra Modi como primeiro-ministro da Índia em 2014 fez com que o país fosse mais duro com a China na fronteira.

Um caminhão indiano passa por uma estrada próxima da fronteira entre Índia e China, no estado de Arunachal Pradesh  Foto: Frank Jack Daniel / REUTERS

Histórico

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Os dois países tem uma disputa histórica nas fronteiras e divergência sobre os territórios. Depois da partilha da Índia feita pelo império britânico em 1947, que levou a independência da Índia e Paquistão, a China passou a questionar a fronteira existente na região, principalmente após a anexação do Tibete por Pequim em 1950.

Após reprimir a revolta do Tibete em 1959, as escaramuças ficaram mais recorrentes na fronteira com a Índia, levando a uma invasão do exército chinês em 1962. Os confrontos resultaram em uma derrota expressiva de Nova Délhi até o cessar-fogo unilateral anunciado pela China, principalmente por conta de pressões dos Estados Unidos.

Após a derrota dos indianos, a China confirmou o seu controle sobre a área de Aksai Chin, que fica no lado oeste da fronteira e tem uma importância estratégica porque liga a província chinesa de Xinjiang ao oeste do Tibete. A Índia reivindica estes territórios, assim como a China reivindica o estado indiano de Arunachal Pradesh, região chamada de “Tibete do Sul” por Pequim.

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Fronteiras

Os dois países discordam sobre a delimitação territorial da chamada Linha de Controle Real, que é a fronteira entre as duas potencias asiáticas. Essa demarcação foi feita após o cessar-fogo da guerra travada pelos dois países em 1962.

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Apesar do acordo costurado entre Índia e China pelo reconhecimento da fronteira em 1993, a área é questionada principalmente por ser de difícil acesso, com grandes altitudes, rios e picos nevados, o que dificulta uma demarcação e possibilita que ambos os países tenham a sua própria versão sobre onde termina a soberania territorial de cada país.

“Esse conflito das fronteiras acaba sendo uma herança da colonização britânica, as fronteiras foram mal delineadas e como é uma região de montanhas, sem população, ficou difícil de conversar. Para a China, a visão da Índia sobre esta questão é colonialista”, aponta Renato Peneluppi, pesquisador brasileiro associado do Centro para a China e Globalização, um think thank chinês. Peneluppi aponta que a escalada dos atritos na região começou com o inicio do governo de Narendra Modi, que foi eleito com uma retórica nacionalista e quis ser mais duro com a China. “Os governos anteriores eram mais próximos da China, Modi foi eleito na onda de direita que elegeu Bolsonaro no Brasil, ele quis sinalizar uma postura firme contra Pequim”, completa o analista.

Soldados do exército indiano carregam o caixão do coronel Santosh Babu, morto em um confronto de fronteira com tropas chinesas na região de Ladakh Foto: Idrees Mohammed / REUTERS
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Os conflitos mais recentes ocorreram por conta de construções de infraestrutura de ambos os países em regiões próximas da fronteira, além de exercícios militares chineses em áreas que Nova Délhi considera como seu território.

Para o coordenador do curso de relações internacionais da ESPM-SP, Alexandre Uehara, os investimentos feitos por ambos os governos nas fronteiras estão sendo feitos para reforçar as reivindicações e que a participação da Índia no Diálogo de Segurança Quadrilateral, conhecido como Quad, junto com Estados Unidos, Japão e Austrália, é uma forma de se defender da China.

A China tem buscado se posicionar de maneira mais firme em relação aos demais países na região asiática. As próprias ações de Pequim no mar do Sul da China mostram essa disposição”, acrescentou o professor.

Estados Unidos

O avanço nas relações entre os Estados Unidos e a Índia tem sido importante no esforço mutuo de reduzir o papel de Pequim no Índo-Pacífico.

“Nova Délhi se preocupa com a dominação chinesa na Ásia e o relacionamento com os Estados Unidos e com o Quad é uma forma de equilibrar o poder”, aponta Nishant Rajeev. “Os EUA estão dispostos a apoiar a Índia e fornecer equipamento militar que o país necessita”, completou o pesquisador.

A Índia tem se tornado cada vez mais atraente aos Estados Unidos. Washington enxerga em Nova Délhi um enorme potencial de crescimento e com muita mão de obra. Em 2023, a Índia passou a China com o país mais populoso do mundo e é a quinta maior economia do mundo.

O PIB indiano é projetado para ultrapassar o japonês e o alemão em 2028. A Goldman Sachs prevê ainda que o PIB da Índia ultrapasse a zona do euro em 2051 e o dos Estados Unidos em 2071.

O momento positivo da relação entre Washington e Nova Délhi foi evidenciado pela visita do primeiro-ministro indiano Narendra Modi aos Estados Unidos na semana passada.

Os Estados Unidos querem fortalecer a indústria de defesa indiana e aumentar a cooperação militar entre os dois países em uma tentativa de afastar Nova Délhi de sua longa dependência da Rússia no setor de defesa.

Os dois líderes anunciaram iniciativas que promovem a cooperação em telecomunicações, semicondutores, inteligência artificial e outras áreas. Modi concordou em assinar os Acordos de Artemis - princípios que regem a exploração pacífica da lua e Marte.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante a visita do político indiano a Washington  Foto: Evan Vucci / AP

Além de se encontrar com o presidente americano, Joe Biden, Modi também entrou para a lista seleta de líderes estrangeiros que compareceram a uma sessão conjunta do Congresso mais de uma vez. Além do primeiro-ministro da Índia, apenas Winston Churchill, Nelson Mandela e Volodmir Zelenski haviam estado duas vezes em uma sessão conjunta.

Relações diplomáticas

Apesar dos atritos entre os dois países, a possibilidade de guerra é baixa, segundo Nishant Rajeev. “Ambos os lados mostraram uma vontade de negociar pelos canais diplomáticos. Não é de interesse de nenhum dos países que a guerra ocorra e a China tem outras prioridades, como o conflito com Taiwan “, avalia o pesquisador indiano.

Para o especialista, Nova Délhi não vê sentido em entrar em uma guerra com a China porque existe uma disparidade muito grande em relação à capacidade militar e de poder geopolítico. O fato de os dois países possuírem uma bomba atômica também reduz a probabilidade de uma guerra.

Em meio às escaramuças, China e Índia realizam reuniões por meio do Mecanismo de Trabalho para Consulta e Coordenação de Assuntos da Fronteira, que foi criado em 2012 para melhorar a comunicação de Pequim e Nova Délhi sobre o assunto.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente da China, Xi Jinping, trocam presentes em Mamallapuram, nos arredores de Chennai, Índia, em 12 de outubro de 2019 Foto: Assessoria de imprensa do governo da Índia / REUTERS

A última reunião do grupo ocorreu no começo de junho em Nova Délhi, sinalizando que os dois países estão se esforçando para reduzir as tensões na fronteira.

“Os dois lados revisaram a situação da fronteira e discutiram propostas para a redução das tensões de uma forma franca e aberta. O restabelecimento da paz e tranquilidade criará condições para a normalização das relações bilaterais”, apontou o Ministério das Relações Exteriores da Índia.

A relação multifacetada entre os dois países permite que eles tenham problemas na fronteira, mas consigam deixar de lado as diferenças na esfera econômica. O comércio entre os dois países ultrapassou a cifra de US$ 100 bilhões pela primeira vez no final de 2022, segundo dados oficiais. Em 2021, o valor havia sido de US$ 69,38 bilhões.

“Precisamos entender que são povos milenares, que sempre tiveram uma tradição de encontro, uma questão cultural. O fato da religião budista ter adeptos na China vem dessa troca com a Índia”, avalia Peneluppi.

Brics

Além de terem fortes relações comerciais, Índia e China participam do Brics, organização de países emergentes que também incluí Brasil, África do Sul e a Rússia.

Para o pesquisador da Universidade de Nanyang, em Singapura, os interesses econômicos de China e Índia de estarem no Brics fazem com que qualquer embate sobre a fronteira seja reduzido.

Reunião do Brics em Brasília em 2019 com o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa  Foto: Pavel Golovkin/ REUTERS

“A Índia sempre teve a disputa de fronteira com a China. Eram impasses frequentes, mas os dois países sempre conversaram e conseguiram resolver. A China contínua sendo um dos maiores parceiros comerciais da Índia. Quando se trata especificamente de Brics, a Índia tem um interesse em estar no Brics, não quer que o grupo seja tomado por uma agenda chinesa”

De acordo com Uehara, professor da ESPM-SP, o Brics não pauta a questão de segurança e é mais focado em status internacional e relações econômicas. “São países que tem interesses muito diferentes na questão segurança, então o foco não é esse”, acrescentou o especialista.

Os dois países com as maiores populações do mundo possuem uma relação multifacetada e complexa. Por um lado, Índia e China têm laços econômicos fortes e uma parceira no grupo dos Brics, junto com Brasil, África do Sul e Rússia. Por outro, Nova Délhi e Pequim possuem uma disputa territorial histórica que vem escalando nos últimos anos, fazendo com que a Índia se esforce para reforçar a segurança do país e reduzir a influencia chinesa no Indo-Pacífico.

As nações compartilham uma fronteira de mais de 3.440 quilômetros. A demarcação nunca foi delineada propriamente e tem reivindicações de territórios de ambos os lados, que levou a uma guerra em 1962.

Pequim e Nova Délhi viveram momentos de relativa estabilidade nas fronteiras até junho de 2020, quando as potencias asiáticas se enfrentaram no primeiro confronto com mortes entre os dois países em 45 anos no Vale de Galwan, na região indiana de Labakh, que é reivindicada pela China. Segundo o governo indiano, 20 soldados da Índia foram mortos. Do lado chinês, o número de mortes não é certo, mas diversos veículos relatam que quatro soldados da China vieram a óbito. Após este incidente, outras escaramuças na fronteira entre os dois países ocorreram, mas sem relatos de mortes.

Um aviso da fronteira entre China e Índia em Bumla, no estado indiano de Arunachal Pradesh  Foto: Adnan Abidi / REUTERS

As relações vêm se deteriorando e a Índia já sinalizou que está tentando reduzir a influencia de Pequim em seu território. Após o incidente mais grave em 45 anos na fronteira entre os dois países, o governo indiano anunciou uma proibição a aplicativos chineses que já chega a mais de 200, com a justificativa de que promovem desinformação e uma ameaça a segurança indiana.

De acordo com uma pesquisa encomendada pela empresa de consultoria Morning Consult, a maioria da população indiana enxerga a China como maior ameaça a segurança do país. 43% dos votantes optaram por Pequim, enquanto apenas 13% citaram o Paquistão, país que também tem disputas territoriais com Nova Délhi.

Para Nishant Rajeev, pesquisador indiano do centro de relações internacionais da Universidade de Nanyang, em Singapura, a chegada de Narendra Modi como primeiro-ministro da Índia em 2014 fez com que o país fosse mais duro com a China na fronteira.

Um caminhão indiano passa por uma estrada próxima da fronteira entre Índia e China, no estado de Arunachal Pradesh  Foto: Frank Jack Daniel / REUTERS

Histórico

Os dois países tem uma disputa histórica nas fronteiras e divergência sobre os territórios. Depois da partilha da Índia feita pelo império britânico em 1947, que levou a independência da Índia e Paquistão, a China passou a questionar a fronteira existente na região, principalmente após a anexação do Tibete por Pequim em 1950.

Após reprimir a revolta do Tibete em 1959, as escaramuças ficaram mais recorrentes na fronteira com a Índia, levando a uma invasão do exército chinês em 1962. Os confrontos resultaram em uma derrota expressiva de Nova Délhi até o cessar-fogo unilateral anunciado pela China, principalmente por conta de pressões dos Estados Unidos.

Após a derrota dos indianos, a China confirmou o seu controle sobre a área de Aksai Chin, que fica no lado oeste da fronteira e tem uma importância estratégica porque liga a província chinesa de Xinjiang ao oeste do Tibete. A Índia reivindica estes territórios, assim como a China reivindica o estado indiano de Arunachal Pradesh, região chamada de “Tibete do Sul” por Pequim.

Fronteiras

Os dois países discordam sobre a delimitação territorial da chamada Linha de Controle Real, que é a fronteira entre as duas potencias asiáticas. Essa demarcação foi feita após o cessar-fogo da guerra travada pelos dois países em 1962.

Apesar do acordo costurado entre Índia e China pelo reconhecimento da fronteira em 1993, a área é questionada principalmente por ser de difícil acesso, com grandes altitudes, rios e picos nevados, o que dificulta uma demarcação e possibilita que ambos os países tenham a sua própria versão sobre onde termina a soberania territorial de cada país.

“Esse conflito das fronteiras acaba sendo uma herança da colonização britânica, as fronteiras foram mal delineadas e como é uma região de montanhas, sem população, ficou difícil de conversar. Para a China, a visão da Índia sobre esta questão é colonialista”, aponta Renato Peneluppi, pesquisador brasileiro associado do Centro para a China e Globalização, um think thank chinês. Peneluppi aponta que a escalada dos atritos na região começou com o inicio do governo de Narendra Modi, que foi eleito com uma retórica nacionalista e quis ser mais duro com a China. “Os governos anteriores eram mais próximos da China, Modi foi eleito na onda de direita que elegeu Bolsonaro no Brasil, ele quis sinalizar uma postura firme contra Pequim”, completa o analista.

Soldados do exército indiano carregam o caixão do coronel Santosh Babu, morto em um confronto de fronteira com tropas chinesas na região de Ladakh Foto: Idrees Mohammed / REUTERS

Os conflitos mais recentes ocorreram por conta de construções de infraestrutura de ambos os países em regiões próximas da fronteira, além de exercícios militares chineses em áreas que Nova Délhi considera como seu território.

Para o coordenador do curso de relações internacionais da ESPM-SP, Alexandre Uehara, os investimentos feitos por ambos os governos nas fronteiras estão sendo feitos para reforçar as reivindicações e que a participação da Índia no Diálogo de Segurança Quadrilateral, conhecido como Quad, junto com Estados Unidos, Japão e Austrália, é uma forma de se defender da China.

A China tem buscado se posicionar de maneira mais firme em relação aos demais países na região asiática. As próprias ações de Pequim no mar do Sul da China mostram essa disposição”, acrescentou o professor.

Estados Unidos

O avanço nas relações entre os Estados Unidos e a Índia tem sido importante no esforço mutuo de reduzir o papel de Pequim no Índo-Pacífico.

“Nova Délhi se preocupa com a dominação chinesa na Ásia e o relacionamento com os Estados Unidos e com o Quad é uma forma de equilibrar o poder”, aponta Nishant Rajeev. “Os EUA estão dispostos a apoiar a Índia e fornecer equipamento militar que o país necessita”, completou o pesquisador.

A Índia tem se tornado cada vez mais atraente aos Estados Unidos. Washington enxerga em Nova Délhi um enorme potencial de crescimento e com muita mão de obra. Em 2023, a Índia passou a China com o país mais populoso do mundo e é a quinta maior economia do mundo.

O PIB indiano é projetado para ultrapassar o japonês e o alemão em 2028. A Goldman Sachs prevê ainda que o PIB da Índia ultrapasse a zona do euro em 2051 e o dos Estados Unidos em 2071.

O momento positivo da relação entre Washington e Nova Délhi foi evidenciado pela visita do primeiro-ministro indiano Narendra Modi aos Estados Unidos na semana passada.

Os Estados Unidos querem fortalecer a indústria de defesa indiana e aumentar a cooperação militar entre os dois países em uma tentativa de afastar Nova Délhi de sua longa dependência da Rússia no setor de defesa.

Os dois líderes anunciaram iniciativas que promovem a cooperação em telecomunicações, semicondutores, inteligência artificial e outras áreas. Modi concordou em assinar os Acordos de Artemis - princípios que regem a exploração pacífica da lua e Marte.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante a visita do político indiano a Washington  Foto: Evan Vucci / AP

Além de se encontrar com o presidente americano, Joe Biden, Modi também entrou para a lista seleta de líderes estrangeiros que compareceram a uma sessão conjunta do Congresso mais de uma vez. Além do primeiro-ministro da Índia, apenas Winston Churchill, Nelson Mandela e Volodmir Zelenski haviam estado duas vezes em uma sessão conjunta.

Relações diplomáticas

Apesar dos atritos entre os dois países, a possibilidade de guerra é baixa, segundo Nishant Rajeev. “Ambos os lados mostraram uma vontade de negociar pelos canais diplomáticos. Não é de interesse de nenhum dos países que a guerra ocorra e a China tem outras prioridades, como o conflito com Taiwan “, avalia o pesquisador indiano.

Para o especialista, Nova Délhi não vê sentido em entrar em uma guerra com a China porque existe uma disparidade muito grande em relação à capacidade militar e de poder geopolítico. O fato de os dois países possuírem uma bomba atômica também reduz a probabilidade de uma guerra.

Em meio às escaramuças, China e Índia realizam reuniões por meio do Mecanismo de Trabalho para Consulta e Coordenação de Assuntos da Fronteira, que foi criado em 2012 para melhorar a comunicação de Pequim e Nova Délhi sobre o assunto.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente da China, Xi Jinping, trocam presentes em Mamallapuram, nos arredores de Chennai, Índia, em 12 de outubro de 2019 Foto: Assessoria de imprensa do governo da Índia / REUTERS

A última reunião do grupo ocorreu no começo de junho em Nova Délhi, sinalizando que os dois países estão se esforçando para reduzir as tensões na fronteira.

“Os dois lados revisaram a situação da fronteira e discutiram propostas para a redução das tensões de uma forma franca e aberta. O restabelecimento da paz e tranquilidade criará condições para a normalização das relações bilaterais”, apontou o Ministério das Relações Exteriores da Índia.

A relação multifacetada entre os dois países permite que eles tenham problemas na fronteira, mas consigam deixar de lado as diferenças na esfera econômica. O comércio entre os dois países ultrapassou a cifra de US$ 100 bilhões pela primeira vez no final de 2022, segundo dados oficiais. Em 2021, o valor havia sido de US$ 69,38 bilhões.

“Precisamos entender que são povos milenares, que sempre tiveram uma tradição de encontro, uma questão cultural. O fato da religião budista ter adeptos na China vem dessa troca com a Índia”, avalia Peneluppi.

Brics

Além de terem fortes relações comerciais, Índia e China participam do Brics, organização de países emergentes que também incluí Brasil, África do Sul e a Rússia.

Para o pesquisador da Universidade de Nanyang, em Singapura, os interesses econômicos de China e Índia de estarem no Brics fazem com que qualquer embate sobre a fronteira seja reduzido.

Reunião do Brics em Brasília em 2019 com o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa  Foto: Pavel Golovkin/ REUTERS

“A Índia sempre teve a disputa de fronteira com a China. Eram impasses frequentes, mas os dois países sempre conversaram e conseguiram resolver. A China contínua sendo um dos maiores parceiros comerciais da Índia. Quando se trata especificamente de Brics, a Índia tem um interesse em estar no Brics, não quer que o grupo seja tomado por uma agenda chinesa”

De acordo com Uehara, professor da ESPM-SP, o Brics não pauta a questão de segurança e é mais focado em status internacional e relações econômicas. “São países que tem interesses muito diferentes na questão segurança, então o foco não é esse”, acrescentou o especialista.

Os dois países com as maiores populações do mundo possuem uma relação multifacetada e complexa. Por um lado, Índia e China têm laços econômicos fortes e uma parceira no grupo dos Brics, junto com Brasil, África do Sul e Rússia. Por outro, Nova Délhi e Pequim possuem uma disputa territorial histórica que vem escalando nos últimos anos, fazendo com que a Índia se esforce para reforçar a segurança do país e reduzir a influencia chinesa no Indo-Pacífico.

As nações compartilham uma fronteira de mais de 3.440 quilômetros. A demarcação nunca foi delineada propriamente e tem reivindicações de territórios de ambos os lados, que levou a uma guerra em 1962.

Pequim e Nova Délhi viveram momentos de relativa estabilidade nas fronteiras até junho de 2020, quando as potencias asiáticas se enfrentaram no primeiro confronto com mortes entre os dois países em 45 anos no Vale de Galwan, na região indiana de Labakh, que é reivindicada pela China. Segundo o governo indiano, 20 soldados da Índia foram mortos. Do lado chinês, o número de mortes não é certo, mas diversos veículos relatam que quatro soldados da China vieram a óbito. Após este incidente, outras escaramuças na fronteira entre os dois países ocorreram, mas sem relatos de mortes.

Um aviso da fronteira entre China e Índia em Bumla, no estado indiano de Arunachal Pradesh  Foto: Adnan Abidi / REUTERS

As relações vêm se deteriorando e a Índia já sinalizou que está tentando reduzir a influencia de Pequim em seu território. Após o incidente mais grave em 45 anos na fronteira entre os dois países, o governo indiano anunciou uma proibição a aplicativos chineses que já chega a mais de 200, com a justificativa de que promovem desinformação e uma ameaça a segurança indiana.

De acordo com uma pesquisa encomendada pela empresa de consultoria Morning Consult, a maioria da população indiana enxerga a China como maior ameaça a segurança do país. 43% dos votantes optaram por Pequim, enquanto apenas 13% citaram o Paquistão, país que também tem disputas territoriais com Nova Délhi.

Para Nishant Rajeev, pesquisador indiano do centro de relações internacionais da Universidade de Nanyang, em Singapura, a chegada de Narendra Modi como primeiro-ministro da Índia em 2014 fez com que o país fosse mais duro com a China na fronteira.

Um caminhão indiano passa por uma estrada próxima da fronteira entre Índia e China, no estado de Arunachal Pradesh  Foto: Frank Jack Daniel / REUTERS

Histórico

Os dois países tem uma disputa histórica nas fronteiras e divergência sobre os territórios. Depois da partilha da Índia feita pelo império britânico em 1947, que levou a independência da Índia e Paquistão, a China passou a questionar a fronteira existente na região, principalmente após a anexação do Tibete por Pequim em 1950.

Após reprimir a revolta do Tibete em 1959, as escaramuças ficaram mais recorrentes na fronteira com a Índia, levando a uma invasão do exército chinês em 1962. Os confrontos resultaram em uma derrota expressiva de Nova Délhi até o cessar-fogo unilateral anunciado pela China, principalmente por conta de pressões dos Estados Unidos.

Após a derrota dos indianos, a China confirmou o seu controle sobre a área de Aksai Chin, que fica no lado oeste da fronteira e tem uma importância estratégica porque liga a província chinesa de Xinjiang ao oeste do Tibete. A Índia reivindica estes territórios, assim como a China reivindica o estado indiano de Arunachal Pradesh, região chamada de “Tibete do Sul” por Pequim.

Fronteiras

Os dois países discordam sobre a delimitação territorial da chamada Linha de Controle Real, que é a fronteira entre as duas potencias asiáticas. Essa demarcação foi feita após o cessar-fogo da guerra travada pelos dois países em 1962.

Apesar do acordo costurado entre Índia e China pelo reconhecimento da fronteira em 1993, a área é questionada principalmente por ser de difícil acesso, com grandes altitudes, rios e picos nevados, o que dificulta uma demarcação e possibilita que ambos os países tenham a sua própria versão sobre onde termina a soberania territorial de cada país.

“Esse conflito das fronteiras acaba sendo uma herança da colonização britânica, as fronteiras foram mal delineadas e como é uma região de montanhas, sem população, ficou difícil de conversar. Para a China, a visão da Índia sobre esta questão é colonialista”, aponta Renato Peneluppi, pesquisador brasileiro associado do Centro para a China e Globalização, um think thank chinês. Peneluppi aponta que a escalada dos atritos na região começou com o inicio do governo de Narendra Modi, que foi eleito com uma retórica nacionalista e quis ser mais duro com a China. “Os governos anteriores eram mais próximos da China, Modi foi eleito na onda de direita que elegeu Bolsonaro no Brasil, ele quis sinalizar uma postura firme contra Pequim”, completa o analista.

Soldados do exército indiano carregam o caixão do coronel Santosh Babu, morto em um confronto de fronteira com tropas chinesas na região de Ladakh Foto: Idrees Mohammed / REUTERS

Os conflitos mais recentes ocorreram por conta de construções de infraestrutura de ambos os países em regiões próximas da fronteira, além de exercícios militares chineses em áreas que Nova Délhi considera como seu território.

Para o coordenador do curso de relações internacionais da ESPM-SP, Alexandre Uehara, os investimentos feitos por ambos os governos nas fronteiras estão sendo feitos para reforçar as reivindicações e que a participação da Índia no Diálogo de Segurança Quadrilateral, conhecido como Quad, junto com Estados Unidos, Japão e Austrália, é uma forma de se defender da China.

A China tem buscado se posicionar de maneira mais firme em relação aos demais países na região asiática. As próprias ações de Pequim no mar do Sul da China mostram essa disposição”, acrescentou o professor.

Estados Unidos

O avanço nas relações entre os Estados Unidos e a Índia tem sido importante no esforço mutuo de reduzir o papel de Pequim no Índo-Pacífico.

“Nova Délhi se preocupa com a dominação chinesa na Ásia e o relacionamento com os Estados Unidos e com o Quad é uma forma de equilibrar o poder”, aponta Nishant Rajeev. “Os EUA estão dispostos a apoiar a Índia e fornecer equipamento militar que o país necessita”, completou o pesquisador.

A Índia tem se tornado cada vez mais atraente aos Estados Unidos. Washington enxerga em Nova Délhi um enorme potencial de crescimento e com muita mão de obra. Em 2023, a Índia passou a China com o país mais populoso do mundo e é a quinta maior economia do mundo.

O PIB indiano é projetado para ultrapassar o japonês e o alemão em 2028. A Goldman Sachs prevê ainda que o PIB da Índia ultrapasse a zona do euro em 2051 e o dos Estados Unidos em 2071.

O momento positivo da relação entre Washington e Nova Délhi foi evidenciado pela visita do primeiro-ministro indiano Narendra Modi aos Estados Unidos na semana passada.

Os Estados Unidos querem fortalecer a indústria de defesa indiana e aumentar a cooperação militar entre os dois países em uma tentativa de afastar Nova Délhi de sua longa dependência da Rússia no setor de defesa.

Os dois líderes anunciaram iniciativas que promovem a cooperação em telecomunicações, semicondutores, inteligência artificial e outras áreas. Modi concordou em assinar os Acordos de Artemis - princípios que regem a exploração pacífica da lua e Marte.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante a visita do político indiano a Washington  Foto: Evan Vucci / AP

Além de se encontrar com o presidente americano, Joe Biden, Modi também entrou para a lista seleta de líderes estrangeiros que compareceram a uma sessão conjunta do Congresso mais de uma vez. Além do primeiro-ministro da Índia, apenas Winston Churchill, Nelson Mandela e Volodmir Zelenski haviam estado duas vezes em uma sessão conjunta.

Relações diplomáticas

Apesar dos atritos entre os dois países, a possibilidade de guerra é baixa, segundo Nishant Rajeev. “Ambos os lados mostraram uma vontade de negociar pelos canais diplomáticos. Não é de interesse de nenhum dos países que a guerra ocorra e a China tem outras prioridades, como o conflito com Taiwan “, avalia o pesquisador indiano.

Para o especialista, Nova Délhi não vê sentido em entrar em uma guerra com a China porque existe uma disparidade muito grande em relação à capacidade militar e de poder geopolítico. O fato de os dois países possuírem uma bomba atômica também reduz a probabilidade de uma guerra.

Em meio às escaramuças, China e Índia realizam reuniões por meio do Mecanismo de Trabalho para Consulta e Coordenação de Assuntos da Fronteira, que foi criado em 2012 para melhorar a comunicação de Pequim e Nova Délhi sobre o assunto.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente da China, Xi Jinping, trocam presentes em Mamallapuram, nos arredores de Chennai, Índia, em 12 de outubro de 2019 Foto: Assessoria de imprensa do governo da Índia / REUTERS

A última reunião do grupo ocorreu no começo de junho em Nova Délhi, sinalizando que os dois países estão se esforçando para reduzir as tensões na fronteira.

“Os dois lados revisaram a situação da fronteira e discutiram propostas para a redução das tensões de uma forma franca e aberta. O restabelecimento da paz e tranquilidade criará condições para a normalização das relações bilaterais”, apontou o Ministério das Relações Exteriores da Índia.

A relação multifacetada entre os dois países permite que eles tenham problemas na fronteira, mas consigam deixar de lado as diferenças na esfera econômica. O comércio entre os dois países ultrapassou a cifra de US$ 100 bilhões pela primeira vez no final de 2022, segundo dados oficiais. Em 2021, o valor havia sido de US$ 69,38 bilhões.

“Precisamos entender que são povos milenares, que sempre tiveram uma tradição de encontro, uma questão cultural. O fato da religião budista ter adeptos na China vem dessa troca com a Índia”, avalia Peneluppi.

Brics

Além de terem fortes relações comerciais, Índia e China participam do Brics, organização de países emergentes que também incluí Brasil, África do Sul e a Rússia.

Para o pesquisador da Universidade de Nanyang, em Singapura, os interesses econômicos de China e Índia de estarem no Brics fazem com que qualquer embate sobre a fronteira seja reduzido.

Reunião do Brics em Brasília em 2019 com o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa  Foto: Pavel Golovkin/ REUTERS

“A Índia sempre teve a disputa de fronteira com a China. Eram impasses frequentes, mas os dois países sempre conversaram e conseguiram resolver. A China contínua sendo um dos maiores parceiros comerciais da Índia. Quando se trata especificamente de Brics, a Índia tem um interesse em estar no Brics, não quer que o grupo seja tomado por uma agenda chinesa”

De acordo com Uehara, professor da ESPM-SP, o Brics não pauta a questão de segurança e é mais focado em status internacional e relações econômicas. “São países que tem interesses muito diferentes na questão segurança, então o foco não é esse”, acrescentou o especialista.

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