A Armênia afirma que já recebeu mais de 50 mil pessoas que deixaram o Nagorno-Karabakh, desde que o Azerbaijão dominou o enclave montanhoso com uma ofensiva militar relâmpago. Em apenas um dia, o enclave que foi palco de décadas de conflito e duas guerras saiu do controle dos armênios étnicos para o governo azerbaijano, um movimento que, além do impacto humanitário, muda a dinâmica de poder na região e coloca em xeque a influência Rússia sobre o Cáucaso.
Com a perda do Nagorno-Karabakh, os armênios agora questionam se Moscou pode de fato proteger a região, onde diferentes interesses geopolíticos se encontram. Especialmente no momento em que o Kremlin está concentrado em sua própria guerra, na Ucrânia. O sentimento de derrota e o fluxo de dezenas de milhares de refugiados, que não param de chegar desde a semana passada, ameaçam desestabilizar a Armênia, que vinha buscando estabelecer laços com o Ocidente apesar da herança soviética e da relação histórica com Moscou.
Ao mesmo tempo em que a influência da Rússia passa a ser questionada, outro ator de peso na região emerge, a Turquia. Sob o comando de Recep Tayyip Erdogan, Ancara tem adotado uma política externa cada vez mais assertiva e, recentemente, passou a apoiar o Azerbaijão, inclusive com ajuda militar.
Veja abaixo os principais pontos para entender a disputa pelo Nagorno-Karabakh, uma região de maioria armênia, mas reconhecida internacionalmente como território do Azerbaijão.
As raízes do conflito
Com uma política de dividir para governar, a antiga União Soviética incorporou ao Azerbaijão a região habitada majoritariamente por armênios, ainda na década de 1920. Quase sete décadas depois, quando o regime começava a dar sinais de fraqueza, o Nagorno-Karabakh declarou independência para se juntar à Armênia. Com o colapso da URSS, em 1992, os dois Países, que até então eram repúblicas soviéticas entraram em confronto direto, uma guerra que deixou entre 20 e 30 mil mortos, apontam as estimativas.
A Armênia saiu vitoriosa do conflito, encerrado em 1994, com o domínio sobre o Nagorno-Karabakh e mais sete distritos ao redor, totalizando 20% do território azerbaijano. Desde então, foram décadas de domínio dos armênios, que criaram a autoproclamada república de Artsaque no enclave montanhoso. Esse governo autônomo nunca foi reconhecido pela comunidade internacional, que vê o território como parte do Azerbaijão e vários episódios violentos foram registrados nesses quase 30 anos de tensão constante.
A segunda guerra no Nagorno-Karabakh
Até que, em 2020, uma ofensiva azerbaijana para retomar o Nagorno-Karabakh deu início a segunda guerra, dessa vez com armas mais modernas, como drones, a batalha foi ainda mais sangrenta. Mais de 7 mil combatentes e 170 civis morreram em 44 dias de conflito, segundo o International Crisis Group (ICG), uma organização não governamental voltada à resolução de confrontos armados.
A guerra de seis semanas terminou com intermédio da Rússia, que costurou um cessar-fogo e mandou 2 mil soldados em missão de paz para região. Com isso, Moscou estabeleceu uma presença militar no Azerbaijão e aumentou a dependência da Armênia, reforçando a influência sobre as ex-repúblicas soviéticas do Cáucaso.
No acordo para encerrar a batalha, os armênios concordaram em devolver parte do território que haviam dominado, mas mantiveram a autoproclamada república de Artsaque. Mais uma vez, os dois lados baixaram as armas, mas a tensão continuou.
A nova escalada
O conflito dava sinais de escalada desde o ano passado, enquanto a Rússia se concentrava em sua própria guerra contra Ucrânia. Em setembro, o governo azerbaijano assumiu a responsabilidade por ataques no Nagorno-Karabakh sob a alegação que os armênios estariam minando a fronteira. Uma acusação que o outro lado negou.
Na época, Laurence Broers, membro do programa Rússia e Eurásia da Chatham House observou a correlação entre os ataques e a invasão da Ucrânia, quando o Kremlin sofria uma das maiores derrotas da guerra, a perda de Kharkiv.
“A escalada ocorre quando, primeiro, a Rússia está distraída como me nenhum momento com o colapso da frente de batalha em Kharkiv e, segundo, a ação ofensiva contra Armênia pode surfar na onda global de repulsa à Rússia, já que os dois são formalmente aliados”, disse na época em publicação no Twitter (agora chamado X).
O analista, que há 20 anos estuda a região do Cáucaso notou ainda que o Azerbaijão contava com uma “influência sem precedentes” em todas as frentes. Isso porque Moscou, cada vez mais isolada, dependia do apoio azerbaijano e suas rotas terrestres para fazer comércio com a Ásia e driblar a sanções do Ocidente.
Em dezembro, veio mais um sinal de agravamento da disputa: os bloqueios nas estradas que ligam a Armênia ao Nagorno-Karabakh. De um lado os azerbaijanos alegavam que a rota era usada para um esquema de mineração ilegal além do fornecimento de armas para os separatistas do enclave montanhoso, acusações que a Armênia negou.
O bloqueio isolou as cerca de 120 mil pessoas que viviam no Nagorno-Karabakh e passaram a enfrentar escassez de alimentos e combustíveis enquanto o governo separatista negava a rota alternativa oferecida pelo Azerbaijão, solução vista como estratégia de controle. Se o fechamento das estradas foi um teste para a missão de paz, a Rússia falhou tendo em vista que a crise se estendeu por dez meses, até a ofensiva da semana passada.
Azerbaijão assume o controle
No dia 19 de setembro, o Azerbaijão anunciou a operação, que definiu como ação contra o terrorismo, com armas de precisão para atingir instalações militares enquanto os separatistas declararam que a capital da autoproclamada república estava sob intenso bombardeio. No dia seguinte, os armênios confirmaram 200 mortos, incluindo dez civis vítimas da ofensiva — números que não foram verificados por fontes independentes — e anunciaram que estavam baixando as armas.
Cercados, com postos estratégicos controlados pelas forças azerbaijanas, os separatistas concordaram em negociar um cessar-fogo, com a promessa que os direitos dos armênios que vivem no Nagorno-Karabakh seriam respeitados. Apesar das garantias, milhares de pessoas temem represálias e tem cruzado a fronteira nos últimos dias.
Em discurso no fim de semana, o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan denunciou que havia “ameaça de limpeza étnica” na região se mecanismos de proteção não fossem adotados. O governo negou participação no cessar-fogo enquanto enfrentava protestos de milhares de pessoas que se reuniram na capital Yerevan e acusaram o primeiro-ministro de falhar na disputa.
Do outro lado, o presidente azerbaijano, Ilham Aliyev, celebrou: “Karabakh é Azerbaijão”.
Agora, a mudança de comando no enclave montanhoso tente a alterar a dinâmica de poder na região. Além da Turquia e da Rússia, os Estados Unidos também vinham buscando mais influência sobre o Cáucaso e as antigas repúblicas soviéticas. Enquanto a Europa, por sua vez, pede por negociações e mandou observadores para fronteira, mas já recorreu ao Azerbaijão como parceiro energético para compensar a perda das fontes russas./COM INFORMAÇÕES DE NEW YORK TIMES E W. POST