BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender o regime de Nicolás Maduro na Venezuela, em entrevista coletiva após a reunião com países sul-americanos em Brasília nesta terça-feira, 30. A jornalistas, Lula disse não ser possível que não exista o mínimo de democracia na Venezuela. Mais cedo, o petista foi criticado pelos presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, por dizer que Maduro e o chavismo são vítima de uma narrativa de que na Venezuela há abusos de direitos humanos.
Questionado se não há nada de errado na Venezuela, onde a crise econômica levou 7 milhões de pessoas a fugirem para outros países da América do Sul, a hiperinflação dizimou a economia do país e Acnur e nmais de 7 mil pessoas foram vítimas de execuções extrajudiciais, Lula disse que não poderia dizer se havia problemas, porque a última vez em que visitou o país foi no velório de Hugo Chávez, morto em 2013.
“Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela”, disse Lula. “O chavismo disputou 29 eleições e perdeu duas.”
De fato, o chavismo perdeu duas eleições desde que chegou ao poder, em 1999. A primeira foi o referendo para retirar os limites de reeleição em 2007. Mas Chávez colocou a medida em votação dois anos depois e venceu. Em 2015, a oposição venceu as eleições legislativas, mas resposta do governo Nicolás Maduro, que àquela altura controlava o Judiciário e a Corte Eleitoral, foi impugnar deputados eleitos pela oposição e assim impedir que ela obtivesse a maioria qualificada no Congresso.
Nos anos seguintes, os trabalhos do Legislativo foram anulados por decreto, depois que Maduro declarou o órgão “em desacato”. A medida foi interpretada à época pela Organização dos Estados americanos (OEA), como um golpe de Estado.
‘Tranquilidade na Venezuela’
O presidente afirmou ainda que seu assessor de assuntos internacionais, Celso Amorim, esteve recentemente na Venezuela e testemunhou uma tranquilidade “nunca vista” entre oposição, empresários, governo e movimentos sociais. Ele disse que para formar uma opinião era preciso ir ver de perto a situação, mas desconversou quando questionado se pretendia então visitar o país vizinho.
O presidente voltou a dizer que falou em “narrativa” porque diz ter sido alvo de uma campanha de “demonização” política no passado, assim como teria ocorrido com Hugo Chávez.
Desde o ano passado, a crise política venezuelana perdeu intensidade. Isso ocorreu porque, em meio à necessidade de encontrar fornecedores de petróleo por causa da Guerra na Ucrânia, os Estados Unidos e a União Europeia sinalizaram que poderiam levantar as sanções caso Maduro concordasse em reformas democráticas. Em paralelo, tímidas reformas econômicas colaboraram para uma certa estabilização da economia.
Críticas a Lula e Maduro
Sobre as críticas dos presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, às suas declarações sobre uma narrativa prejudicial à Venezuela, Lula disse que as críticas foram feitas no limite da democracia e que não sabe o que eles leram. “A região está mais plural e precisamos aprender a conviver com a pluralidade”, afirmou Lula, segundo quem em outras cúpulas havia uma irmandade entre líderes de esquerda, que já não se verifica mais. “A mesma exigência que fazem para a Venezuela não fazem para a Arábia Saudita. A Venezuela merece respeito.”
Mais cedo, os presidentes do Chile, Gabriel Boric, de centro-esquerda, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou, de centro-direita, reagiram com críticas à defesa do regime venezuelano feita pelo presidente brasileiro.
“Não se pode fazer vista grossa a princípios importantes. Discordo do que Lula disse ontem. Não é uma construção narrativa, é uma realidade e tive a oportunidade de ver em centenas de milhares de venezuelanos que vivem na nossa pátria”, afirmou Boric, cobrando respeito aos direitos humanos.
Lacalle Pou, por sua vez, se disse surpreso com as declarações de Lula. “Fiquei surpreso quando se disse que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Vocês sabem o que nós pensamos da Venezuela e do governo da Venezuela”, reagiu o uruguaio. “Se há tantos grupos no mundo tentando mediar a volta da democracia plena na Venezuela, para que haja respeito aos direitos humanos, para que não haja presos políticos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com um dedo. Vamos dar o nome que tem e vamos ajudar.”
Lula no entanto, reafirmou sua tese. “Todo mundo sabe o que eu falo e o que eu penso. Quando se quer destruir alguém na política de constrói uma narrativa. Quem construir a narrativa primeiro ganha”, disse. “Desde que Chávez tomou posse, foi construída uma narrativa que determina que ele é um demônio e ai começaram a jogar todo mundo contra ele.”
Política externa em xeque
Para analistas, a posição de Lula prejudica o Brasil e coloca o País como aliado do regime chavista. Em sua conta no Twitter, Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão, escreveu: “A retórica incrivelmente bajuladora de Lula em relação ao venezuelano Nicolás Maduro – cuja repressão sistemática e abusos de direitos humanos estão bem documentados – é muito mais prejudicial à reputação internacional do governo brasileiro do que qualquer outra coisa que Lula tenha dito ou feito até agora”, afirmou em sua conta no Twitter.
Stuenkel também escreveu que “ao abraçar explicitamente a linha oficial do governo Maduro, Lula se posicionou como um dos principais aliados da Venezuela – e a maioria dos outros aliados da Venezuela são regimes autocráticos. Isso basicamente exclui o Brasil de qualquer papel potencial de mediação na Venezuela”.
Já o jornalista venezuelano e colunista do Estadão Moisés Naím, perguntou: “Lula acredita honestamente que o colapso da Venezuela e o sofrimento de milhões de pessoas se deve ao que ele chama de ‘narrativa construída?’. Quem conta uma história tendenciosa sobre as causas da nossa tragédia é ele e Lula sabe disso”, afirmou.