A advogada Cláudia Chater, de 60 anos, embarcou para Beirute no dia 17 deste mês sem imaginar que milhares de pagers explodiriam no Líbano poucas horas depois. Ao chegar à capital libanesa depois de dois dias de viagem, a guerra de Israel contra a milícia xiita Hezbollah havia piorado. Cláudia antecipou a volta para este domingo, 29, mas as bombas israelenses ficaram cada vez mais próximas do aeroporto e o voo foi cancelado. “Agora eu não sei mais como sair daqui”, declarou ao Estadão nesta segunda-feira, 30.
Filha de imigrantes libaneses, Cláudia vive em Brasília e foi ao Líbano para rever familiares. Havia sete anos que ela não os via. Decidiu ir mesmo com a guerra de Israel e Hezbollah em curso porque acreditava que os ataques estavam restritos ao sul, distante de Aaoukar, um subúrbio próximo a Beirute. O local, onde fica a Embaixada dos Estados Unidos no Líbano, de fato não foi atacado, mas Cláudia percebeu que as bombas estavam mais próximas do que ela pensava. “A casa de meus parentes fica em cima da montanha. Daqui vemos a fumaça, escutamos as bombas e os aviões israelenses voando baixo, é assustador”, disse.
Apesar de estar em um local considerado seguro, a brasileira afirma que a sensação de medo cresce à medida que ela se sente presa no país. Israel continua com os bombardeios nos arredores, incluindo Beirute e locais próximos ao aeroporto. Foi em um desses ataques que o país matou o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, na sexta. A maioria das companhias aéreas cancelaram os voos para o país. Somente uma companhia, de nacionalidade libanesa, continua operando.
Sem certeza do retorno, a brasileira esperava orientações do Itamaraty e procura outros meios de sair, como na travessia de barco pelo Mar Mediterrâneo até a Grécia, o país da União Europeia mais próximo. Nesta segunda, ela inscreveu os dados em uma consulta da Embaixada do Brasil em Beirute para identificar os brasileiros interessados em deixar o país. Segundo o Itamaraty, a comunidade brasileira no Líbano tem cerca de 20 mil pessoas.
Mais tarde, na noite desta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou que o governo promova um voo de repatriação de brasileiros, segundo a diplomacia brasileira. “A operação, coordenada pelo Itamaraty e pelo Ministério da Defesa, terá a data anunciada nos próximos dias, após análise das condições de segurança para o voo”, disse o Itamaraty, em nota.
Uma condição para a missão de repatriação não ter sido ser acelerada é o funcionamento do aeroporto de Beirute, que continua aberto apesar de voos cancelados diariamente. A orientação atual da embaixada, até então, era de que os brasileiros que pudessem sair do país saíssem por essa via.
No entanto, essa não é uma opção viável na realidade por causa dos bombardeios e as incertezas do espaço aéreo. “Não me sinto segura para ir ao aeroporto e correr os riscos de ter um novo voo cancelado ou sair do país pela estrada”, disse Cláudia. “A sensação é que não temos como sair por conta própria”.
Bombas e apagão na estrada
Os riscos relatados por Cláudia foram vividos na última semana por milhares de civis do Líbano que estavam em áreas bombardeadas e foram forçados a deixar as suas casas. Dentre elas, estava outra brasileira filha de libaneses, Fátima Cheaitou, de 26 anos. No Líbano desde julho, ela estava na casa de seus pais, próximo a cidade de Tiro, mais ao sul do país.
No dia 23, Fátima precisou deixar a casa após receber um aviso de Israel de que a área seria bombardeada. “Quando o aviso chegou, já estavam bombardeando. Tivemos 15 minutos para sair de nossa casa. Soubemos que a casa do nosso vizinho foi bombardeada. Se demorássemos mais um pouco para sair, teríamos ficado presos”, disse.
A brasileira deixou o local com seus pais. Outros parentes que moraram na região também precisaram sair de suas casas. Todos pegaram estrada para Beirute ou para o norte, onde os bombardeios são mais raros. No caminho, viram incêndios causados por bombas na margem da estrada em meio a um apagão na rede telefônica. Não tinham como se comunicar com os parentes, enquanto dirigiam em uma estrada congestionada pelos milhares de carros.
A travessia foi registrada por Fátima nas redes sociais, onde é influencer. Com 70 mil seguidores no Instagram e 124 mil no YouTube, a brasileira-libanesa, como se descreve, ganhou popularidade mostrando a cultura muçulmana. Seu vídeo viralizou ao mostrar os longos congestionamentos e as bombas nos arredores.
A viagem da brasileira até Beirute durou dez horas, oito a mais que o normal. “É desesperador você dirigir escutando o som de bombas e sem saber se sua vó ou seus tios estão bem. Você pensa que não vai aguentar mais, que é uma pressão muito grande, mas você precisa seguir em frente para viver”, contou. Na capital libanesa, ela conseguiu um voo para Paris, na França, onde cursa mestrado em artes visuais há dois anos, e saiu do país com os pais no dia 26.
No dia seguinte, Israel matou o líder xiita Nasrallah. Em Paris, Fátima viu as notícias dos bombardeios na região próxima a Beirute e conversou com a reportagem antes da confirmação da morte do maior chefe do Hezbollah. “Quando eu estava em Beirute, teve um ataque. Ficamos aflitos porque imaginávamos que era uma área segura. Não foi um ataque total, mas foi algo que causa medo. Na quarta-feira também”, disse. “Fico preocupada com meus avós e tios, que continuam no país, com minhas amigas e amigos, e não consigo desligar das notícias. Não há mais lugar seguro e eles não tem como sair”.
Casas destruídas e noite fantasma
Fátima Cheaitou nasceu e viveu em São Paulo até os 18 anos, quando foi para o Líbano. Morou na casa dos pais, próximo aos parentes, na região de Tiro, durante seis anos, antes de ir para Paris cursar o mestrado. Pretendia voltar ao país no fim do curso, mas a destruição da guerra mudou tudo. “Minha cidade está destruída”, disse.
“Sabemos que tudo está destruído e bombardeado na região. É muito triste, você não sabe se a sua casa vai continuar lá. Você não sabe se você consegue voltar para aquele lugar”, acrescentou. “Sinto isso em algumas coisas bem bobas’ o meu restaurante preferido não tem mais nada, não existe mais. Existe essa sensação, de não sabermos se vamos voltar.”
Os últimos dias na cidade foram como um pesadelo, descreve. Os cidadãos eram acordados com sons de bombas nos arredores. “Você vai ouvindo uma atrás da outra, você vai escutando e isso assusta porque é muito próximo. E da minha casa você vê a fumaça em todos os lugares. A casa inteira treme nesses momentos”, contou.
Nas regiões não-bombardeadas, como Aaoukar, o medo se materializa de outras formas. Cláudia Chater descreve o local como fantasma à noite, com restaurantes e ruas fechadas e pessoas trancadas em casa. “É muito diferente do que eu vi há sete anos, quando vim da última vez no Líbano. Havia uma vida na rua por aqui”, disse no fim da entrevista. Horas depois, à meia-noite no Líbano, a brasileira retornou o contato para avisar de novas bombas na região.