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A portas fechadas, 41 delegações passam horas discutindo cada palavra do comunicado oficial do G-20 para superar atritos antes da chegada dos presidentes
ENVIADO AO RIO - São quatro dias de reuniões fechadas que podem passar de doze horas discutindo cada palavra, com consultas disparadas por telefone a países de todos os cantos do mundo. A última das quatro reuniões de negociadores diplomáticos do G-20, os “sherpas”, está sendo concluída nesta sexta-feira, dia 15, em um hotel anexo ao Aeroporto Santos Dumont, no Rio.
“Sherpa” é o apelido dado, no jargão diplomático das cúpulas globais, aos embaixadores que lideram as negociações em nome dos países. O termo vem do povo do Tibet que habita as montanhas do Himalaia. No meio esportivo, eles servem como guias e carregadores de mochilas e equipamentos dos alpinistas.
Na diplomacia, os sherpas conduzem as tratativas prévias ao longo do ano e tentam encontrar acordos sobre temas prioritários da agenda global, antes que os líderes entrem em cena. Eles preparam o terreno para a realização da Cúpula, nos dias 18 e 19, no Rio.
Sem acordos, a discussão já avança ao longo da noite desta sexta e pode ser retomada neste sábado, dia 16, indo além do previsto no cronograma oficial. Isso é um sinal de dificuldades diplomáticas entre as delegações. Uma das delegações que complicaram entendimentos foi a da Argentina.
O objetivo central desta reunião no Rio é destravar qualquer impasse e levar à chancela dos líderes políticos - presidentes e primeiros-ministros - a proposta de uma declaração conjunta já de comum acordo. Por isso, cada vírgula é analisada.
Nem sempre uma declaração final é assinada por todos, o que costuma ser visto como fracasso diplomático. Uma ou mais delegações podem impedir o consenso, o que significa que as 20 principais economias do mundo não conseguem se entender sobre os rumos do planeta. É o que tem feito a Argentina de Javier Milei, representada nas reuniões de sherpas pelo ex-senador Federico Pinedo.
Em socorro ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da França, Emmanuel Macron, vai a Buenos Aires tentar convencer Milei a mudar a postura de barrar acordos por resistência ideológica a temas da agenda 2030 da ONU, como mudança do clima e gênero.
Geopolítica no sapato
O maior problema no Rio é a geopolítica. A mensagem final do G-20 caminha para uma declaração indireta, sem mencionar Israel e Rússia, ao abordar as guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia. O termo “guerra” também deve ficar de fora - a tendência é a adoção da referência mais genérica “conflito”. A se confirmar, seria um retrocesso já que na versão final do ano passado, na Índia, havia a clara menção à guerra na Ucrânia.
Delegações europeias, insatisfeitas, estão se opondo, mas há quem entenda que a introdução da discussão sobre a guerra em Gaza, iniciada após a Cúpula de 2023, e a tentativa de abordar até os ataques ao Líbano levam a uma barganha entre delegações.
Como o assunto polariza e chegou a derrubar duas declarações em reuniões prévias no Rio e em São Paulo, a chancelaria brasileira sugeriu no início do G-20 que o tema fosse tratado apenas por chanceleres e líderes. O acordo foi alcançado em julho e levou os grupos de trabalho discutir temas específicos de suas áreas - como energia, meio ambiente, empoderamento feminino, saúde - nas demais reuniões. Foram 125 ao longo do ano.
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A discussão sobre inteligência artificial também é quente. Outro foco de debates é o financiamento climático, que opõe países ricos e em desenvolvimento sobre quem deve pagar a conta. Os sub-sherpas, assessores diretos, coordenam a redação e algumas reuniões paralelas.
Na plenária, eles se sentam à mesa retangular decorada com arranjos florais e frutas. O Brasil media as discussões e tem dez assentos. Os outros países que compõem a chamada troika - aqueles que exercem a presidência rotativa do G-20 com, no formato antecessor, atual e sucessor - têm quatro. Os demais, apenas dois. A Rússia foi estrategicamente posicionada entre México e Turquia.
Em cima da hora, há muita barganha e sugestões de nova redação - a quantidade de mudanças propostas na última hora motivou queixas na delegação de Angola. Ao todo, 41 sherpas vêm participando com suas equipes. Quem deseja falar levanta a placa com nome do seu país.
Hora do descanso
Os sherpas também costumam confraternizar, mas não houve uma programação cultural desta vez porque já haviam visitado o Rio antes. Um grupo foi visitar o Cristo Redentor, no Corcovado. O sherpa da Noruega, Henrik Harboe, disse que foi tomar chope na mureta da Urca, programa típico carioca com vista da Praia de Botafogo e da Baía de Guanabara.
O sherpa da Índia, Amitabh Kant, circulou e impressionou-se com a variedade de frutas brasileiras e com os grafismos em pedras portuguesas da orla. “O único prazer em meio às negociações intensas e difíceis durante as reuniões do G-20 no Brasil são as caminhadas matinais no calçadão do Rio. Funcionam lindamente em harmonia com a praia e a cidade”, disse o indiano.
Anfitrião no ano passado, quando a Índia presidiu o G-20, Kant levou os sherpas a um hotel de Luxo em Nuh, em Haryana, a 1h30 de carro da região central de Nova Délhi. O local costuma ser recomendado para retiros. Ofereceu uma sessão matinal de ioga para aliviar o estresse.
Na ocasião, os jornais indianos retrataram os sherpas como heróis, depois que conseguiram na última hora chegar a um consenso sobre o teor da declaração. O problema também era como se referir á Rússia, que acabou poupada. O premiê Narendra Modi e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva intercederam para obter o aval de todos.
O momento de descontração, no Rio, foi um jantar no renomado restaurante de carnes Giuseppe Grill, no Leblon. Os sherpas puderam apreciar cortes maturados, peixes frescos e brindar em um salão reservado no subsolo.