Netanyahu está lutando duas guerras - e pode não vencer nenhuma delas; leia a análise


O primeiro-ministro israelense mergulha em outra batalha: os procedimentos do julgamento sobre as acusações de envolvimento em corrupção a que ele responde foram retomados na segunda-feira

Por Ishaan Tharoor

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, está travando duas guerras. À frente de um gabinete de guerra, ele lidera a operação contra o grupo terrorista Hamas após seu ataque no sul israelense, o dia mais sangrento para os judeus desde o Holocausto. Mas depois de quase dois meses de conflito e mais de 15 mil palestinos mortos em Gaza, Netanyahu mergulha em outra batalha: os procedimentos do julgamento sobre as acusações de envolvimento em corrupção a que o primeiro-ministro responde foram retomados na segunda-feira, 4.

A retomada dos processos ocorreu após o ministro da Justiça de Israel, Yariv Levin, declarar o fim da situação de emergência no Judiciário israelense na sexta-feira, 1. Os tribunais tinham parado o andamento de casos não urgentes após o ataque do Hamas de 7 de outubro, mas agora pelo menos teoricamente o primeiro-ministro há muito na função está de volta ao banco dos réus. Netanyahu não compareceu à audiência, mas provavelmente será convocado a prestar depoimento durante a exposição dos argumentos da defesa, na primavera (Hemisfério Norte).

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“Netanyahu foi acusado de chantagem, fraude e quebra de confiança no fim de 2019, tornando-se o primeiro premiê israelense a ser indiciado enquanto ocupa a função. Netanyahu nega todas as acusações e as qualifica como ‘caça às bruxas’”, noticiaram meus colegas. “Ele foi indiciado em outros dois casos em Israel.”

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de coletiva de imprensa em Tel-Aviv, Israel  Foto: Abir Sultan/Reuters

Os imbróglios jurídicos de Netanyahu obscurecem a política israelense há cerca de uma década. São os subtextos das campanhas furiosas do primeiro-ministro contra o Judiciário do país e a mídia independente. E provavelmente motivaram a busca de Netanyahu por se perpetuar no poder com uma possível imunidade, levando-o a arquitetar seu retorno à função após as eleições de 2022 comandando a coalizão de governo mais extremista de direita na história de Israel. Ele só pode ser forçado a renunciar se for condenado, o que poderia levar anos.

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Após o ataque de 7 de outubro, Netanyahu tem se posicionado de forma ainda mais ostensiva. Furioso e traumatizado com o morticínio do Hamas, que também sequestrou mais de 200 israelenses, o público de Israel clamou por uma ação dura. Mas muitos israelenses também atribuem a Netanyahu responsabilidade pelo dia mais sangrento do Estado judaico e ressentem-se de sua tentativa de colocar a culpa no establishment de defesa israelense. A fricção visível entre o gabinete de Netanyahu e as famílias agoniadas dos reféns também ressoou na sociedade israelense.

Renúncia

Nos dias recentes, manifestantes voltaram a protestar diante da residência de Netanyahu, pedindo sua renúncia. Pesquisas mostram que a vasta maioria dos israelenses querem sua destituição imediata ou assim que cessem as hostilidades. Na segunda-feira, o líder da oposição, Yair Lapid, pediu novamente a renúncia do primeiro-ministro. “Aquele que fracassou não pode continuar”, postou Lapid nas redes sociais. “Aquele cujo nome está marcado pelo desastre, que perdeu a confiança do Exército e do povo, deveria ter a decência de partir.”

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Israelenses marcham até Tel-Aviv para protestarem pela libertação dos reféns que estão na Faixa de Gaza após o ataque do grupo terrorista Hamas  Foto: Ohad Zwigenberg/ AP

Lapid, que ocupou a função de primeiro-ministro brevemente em 2022, como parte de uma coalizão anti-Netanyahu que acabou ruindo, também disse a repórteres que, se a maré mudasse e o premiê perdesse o cargo, Netanyahu pediria sua “cabeça numa bandeja”. Lapid aventou a possibilidade de entrar em um governo de unidade liderado pelo partido Likud, de Netanyahu, mas sem sua presença. O ex-primeiro ministro Ehud Barak também se uniu ao coro, declarando à emissora de TV britânica Channel 4 que, “em um país normal, (Netanyahu) teria renunciado em 8 de outubro”.

Agora, em meio a uma crise arrebatadora, Netanyahu luta pelo que sobrou de sua carreira política ao mesmo tempo que tenta derrotar o Hamas satisfatoriamente. Os desfechos em ambas as frentes parecem inquietantes para o primeiro-ministro. Especialistas têm dificuldade para imaginar como Netanyahu poderia sobreviver no cargo após a guerra — até a venerada ex-primeira-ministra Golda Meir teve de se curvar e partir depois do choque da Guerra do Yom Kippur, em 1973. E também poderá se provar difícil para Israel alcançar o tipo maximalista de vitória pretendido pelos aliados de extrema direita de Netanyahu.

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Depois de arrasar o norte de Gaza, Israel avança com sua campanha no sul do território sitiado. O crescente número de mortes e a ampla devastação enfureceram governos árabes e deixaram preocupados os aliados ocidentais de Israel. No fim de semana, o presidente francês, Emmanuel Macron, colocou em dúvida se a “destruição do Hamas” é “possível” e afirmou que essa tarefa exigiria uma década de guerra.

Soldados israelenses participam de operações dentro da Faixa de Gaza  Foto: Atef Safadi/EFE

Faixa de Gaza

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Autoridades dos Estados Unidos esperam que Israel consiga frear sua operação numa questão de semanas. Os americanos alertaram Netanyahu a respeito de conter as baixas civis — com pouco efeito concreto — e trabalham privadamente no sentido de forjar algum tipo de acordo pós-guerra com mediação. Nessa frente, Netanyahu parece discordar do governo Biden, que quer a Autoridade Palestina restituída no governo da Faixa da Gaza. Netanyahu descartou essa possibilidade anteriormente, e seu governo ventilou planos para legisladores americanos de forçar governos árabes a abrigar a população de Gaza.

Conforme as batalhas rugem, não há nenhuma perspectiva clara sobre o que Israel realmente quer quando a poeira assentar. “Os israelenses dizem que não querem voltar a ocupar Gaza. Mas estão discutindo incrementos em segurança como uma zona-tampão ao longo de sua fronteira com Israel e acesso ao território de forças israelenses durante um período de transição que revogaria alguns elementos de autonomia dos moradores de Gaza”, noticiaram meus colegas. “O governo Biden se opõe fervorosamente a qualquer restrição sobre a maneira que os cidadãos de Gaza podem usar seu território e gostaria que as forças israelenses abrissem mão da responsabilidade, possivelmente em favor de uma força internacional formada por nações árabes, pela segurança do território.”

Alguns na coalizão de Netanyahu veem as coisas de forma diferente e têm pedido abertamente a remoção da população palestina de Gaza. O primeiro-ministro esperava marcar seu legado com os acordos de normalização de relações entre Israel e um grupo de monarquias árabes, mas esses governos podem considerar tóxico demais envolver-se proximamente com um Estado de Israel liderado por Netanyahu e seus aliados de extrema direita.

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Netanyahu e o Hamas dependiam um do outro. Ambos podem estar de saída.

Conforme noticiaram meus colegas, Netanyahu passou anos tolerando tacitamente a existência do Hamas em Gaza. O cisma da facção com a liderança displicente da Autoridade Palestina afundou o movimento pelo Estado palestino em uma crise prolongada e minou todo o impulso que havia pela solução de dois Estados — que ninguém na direita israelense parece querer. Netanyahu ajudou a perpetuar esse status quo permitindo a transferência de fundos catarianos para Gaza, entre outras medidas no sentido de aliviar a pressão sobre o grupo islamista. Agora esse arranjo pode levar Netanyahu ao seu ocaso.

“As relações assimétricas de poder entre Israel, uma potência militar formidável, e o Hamas, uma organização terrorista não estatal, são evidentes”, observou o ex-cônsul-geral israelense em Nova York Alon Pinkas. “O Hamas pode declarar vitória mesmo se conseguir apenas levantar uma única bandeira. Para Israel, somente um triunfo militar decisivo que degrade militarmente o Hamas e o incapacite politicamente será suficiente.  Netanyahu sabe muito bem disso, o que torna equilibrar as pressões doméstica e americana uma tarefa intratável.”

“É a expiração de uma estranha aliança”, disse o historiador israelense Adam Raz aos meus colegas. “O Hamas não será o governo de Gaza. E acho que podemos assumir que Netanyahu se aproxima do fim de sua carreira política.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, está travando duas guerras. À frente de um gabinete de guerra, ele lidera a operação contra o grupo terrorista Hamas após seu ataque no sul israelense, o dia mais sangrento para os judeus desde o Holocausto. Mas depois de quase dois meses de conflito e mais de 15 mil palestinos mortos em Gaza, Netanyahu mergulha em outra batalha: os procedimentos do julgamento sobre as acusações de envolvimento em corrupção a que o primeiro-ministro responde foram retomados na segunda-feira, 4.

A retomada dos processos ocorreu após o ministro da Justiça de Israel, Yariv Levin, declarar o fim da situação de emergência no Judiciário israelense na sexta-feira, 1. Os tribunais tinham parado o andamento de casos não urgentes após o ataque do Hamas de 7 de outubro, mas agora pelo menos teoricamente o primeiro-ministro há muito na função está de volta ao banco dos réus. Netanyahu não compareceu à audiência, mas provavelmente será convocado a prestar depoimento durante a exposição dos argumentos da defesa, na primavera (Hemisfério Norte).

“Netanyahu foi acusado de chantagem, fraude e quebra de confiança no fim de 2019, tornando-se o primeiro premiê israelense a ser indiciado enquanto ocupa a função. Netanyahu nega todas as acusações e as qualifica como ‘caça às bruxas’”, noticiaram meus colegas. “Ele foi indiciado em outros dois casos em Israel.”

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de coletiva de imprensa em Tel-Aviv, Israel  Foto: Abir Sultan/Reuters

Os imbróglios jurídicos de Netanyahu obscurecem a política israelense há cerca de uma década. São os subtextos das campanhas furiosas do primeiro-ministro contra o Judiciário do país e a mídia independente. E provavelmente motivaram a busca de Netanyahu por se perpetuar no poder com uma possível imunidade, levando-o a arquitetar seu retorno à função após as eleições de 2022 comandando a coalizão de governo mais extremista de direita na história de Israel. Ele só pode ser forçado a renunciar se for condenado, o que poderia levar anos.

Após o ataque de 7 de outubro, Netanyahu tem se posicionado de forma ainda mais ostensiva. Furioso e traumatizado com o morticínio do Hamas, que também sequestrou mais de 200 israelenses, o público de Israel clamou por uma ação dura. Mas muitos israelenses também atribuem a Netanyahu responsabilidade pelo dia mais sangrento do Estado judaico e ressentem-se de sua tentativa de colocar a culpa no establishment de defesa israelense. A fricção visível entre o gabinete de Netanyahu e as famílias agoniadas dos reféns também ressoou na sociedade israelense.

Renúncia

Nos dias recentes, manifestantes voltaram a protestar diante da residência de Netanyahu, pedindo sua renúncia. Pesquisas mostram que a vasta maioria dos israelenses querem sua destituição imediata ou assim que cessem as hostilidades. Na segunda-feira, o líder da oposição, Yair Lapid, pediu novamente a renúncia do primeiro-ministro. “Aquele que fracassou não pode continuar”, postou Lapid nas redes sociais. “Aquele cujo nome está marcado pelo desastre, que perdeu a confiança do Exército e do povo, deveria ter a decência de partir.”

Israelenses marcham até Tel-Aviv para protestarem pela libertação dos reféns que estão na Faixa de Gaza após o ataque do grupo terrorista Hamas  Foto: Ohad Zwigenberg/ AP

Lapid, que ocupou a função de primeiro-ministro brevemente em 2022, como parte de uma coalizão anti-Netanyahu que acabou ruindo, também disse a repórteres que, se a maré mudasse e o premiê perdesse o cargo, Netanyahu pediria sua “cabeça numa bandeja”. Lapid aventou a possibilidade de entrar em um governo de unidade liderado pelo partido Likud, de Netanyahu, mas sem sua presença. O ex-primeiro ministro Ehud Barak também se uniu ao coro, declarando à emissora de TV britânica Channel 4 que, “em um país normal, (Netanyahu) teria renunciado em 8 de outubro”.

Agora, em meio a uma crise arrebatadora, Netanyahu luta pelo que sobrou de sua carreira política ao mesmo tempo que tenta derrotar o Hamas satisfatoriamente. Os desfechos em ambas as frentes parecem inquietantes para o primeiro-ministro. Especialistas têm dificuldade para imaginar como Netanyahu poderia sobreviver no cargo após a guerra — até a venerada ex-primeira-ministra Golda Meir teve de se curvar e partir depois do choque da Guerra do Yom Kippur, em 1973. E também poderá se provar difícil para Israel alcançar o tipo maximalista de vitória pretendido pelos aliados de extrema direita de Netanyahu.

Depois de arrasar o norte de Gaza, Israel avança com sua campanha no sul do território sitiado. O crescente número de mortes e a ampla devastação enfureceram governos árabes e deixaram preocupados os aliados ocidentais de Israel. No fim de semana, o presidente francês, Emmanuel Macron, colocou em dúvida se a “destruição do Hamas” é “possível” e afirmou que essa tarefa exigiria uma década de guerra.

Soldados israelenses participam de operações dentro da Faixa de Gaza  Foto: Atef Safadi/EFE

Faixa de Gaza

Autoridades dos Estados Unidos esperam que Israel consiga frear sua operação numa questão de semanas. Os americanos alertaram Netanyahu a respeito de conter as baixas civis — com pouco efeito concreto — e trabalham privadamente no sentido de forjar algum tipo de acordo pós-guerra com mediação. Nessa frente, Netanyahu parece discordar do governo Biden, que quer a Autoridade Palestina restituída no governo da Faixa da Gaza. Netanyahu descartou essa possibilidade anteriormente, e seu governo ventilou planos para legisladores americanos de forçar governos árabes a abrigar a população de Gaza.

Conforme as batalhas rugem, não há nenhuma perspectiva clara sobre o que Israel realmente quer quando a poeira assentar. “Os israelenses dizem que não querem voltar a ocupar Gaza. Mas estão discutindo incrementos em segurança como uma zona-tampão ao longo de sua fronteira com Israel e acesso ao território de forças israelenses durante um período de transição que revogaria alguns elementos de autonomia dos moradores de Gaza”, noticiaram meus colegas. “O governo Biden se opõe fervorosamente a qualquer restrição sobre a maneira que os cidadãos de Gaza podem usar seu território e gostaria que as forças israelenses abrissem mão da responsabilidade, possivelmente em favor de uma força internacional formada por nações árabes, pela segurança do território.”

Alguns na coalizão de Netanyahu veem as coisas de forma diferente e têm pedido abertamente a remoção da população palestina de Gaza. O primeiro-ministro esperava marcar seu legado com os acordos de normalização de relações entre Israel e um grupo de monarquias árabes, mas esses governos podem considerar tóxico demais envolver-se proximamente com um Estado de Israel liderado por Netanyahu e seus aliados de extrema direita.

Netanyahu e o Hamas dependiam um do outro. Ambos podem estar de saída.

Conforme noticiaram meus colegas, Netanyahu passou anos tolerando tacitamente a existência do Hamas em Gaza. O cisma da facção com a liderança displicente da Autoridade Palestina afundou o movimento pelo Estado palestino em uma crise prolongada e minou todo o impulso que havia pela solução de dois Estados — que ninguém na direita israelense parece querer. Netanyahu ajudou a perpetuar esse status quo permitindo a transferência de fundos catarianos para Gaza, entre outras medidas no sentido de aliviar a pressão sobre o grupo islamista. Agora esse arranjo pode levar Netanyahu ao seu ocaso.

“As relações assimétricas de poder entre Israel, uma potência militar formidável, e o Hamas, uma organização terrorista não estatal, são evidentes”, observou o ex-cônsul-geral israelense em Nova York Alon Pinkas. “O Hamas pode declarar vitória mesmo se conseguir apenas levantar uma única bandeira. Para Israel, somente um triunfo militar decisivo que degrade militarmente o Hamas e o incapacite politicamente será suficiente.  Netanyahu sabe muito bem disso, o que torna equilibrar as pressões doméstica e americana uma tarefa intratável.”

“É a expiração de uma estranha aliança”, disse o historiador israelense Adam Raz aos meus colegas. “O Hamas não será o governo de Gaza. E acho que podemos assumir que Netanyahu se aproxima do fim de sua carreira política.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, está travando duas guerras. À frente de um gabinete de guerra, ele lidera a operação contra o grupo terrorista Hamas após seu ataque no sul israelense, o dia mais sangrento para os judeus desde o Holocausto. Mas depois de quase dois meses de conflito e mais de 15 mil palestinos mortos em Gaza, Netanyahu mergulha em outra batalha: os procedimentos do julgamento sobre as acusações de envolvimento em corrupção a que o primeiro-ministro responde foram retomados na segunda-feira, 4.

A retomada dos processos ocorreu após o ministro da Justiça de Israel, Yariv Levin, declarar o fim da situação de emergência no Judiciário israelense na sexta-feira, 1. Os tribunais tinham parado o andamento de casos não urgentes após o ataque do Hamas de 7 de outubro, mas agora pelo menos teoricamente o primeiro-ministro há muito na função está de volta ao banco dos réus. Netanyahu não compareceu à audiência, mas provavelmente será convocado a prestar depoimento durante a exposição dos argumentos da defesa, na primavera (Hemisfério Norte).

“Netanyahu foi acusado de chantagem, fraude e quebra de confiança no fim de 2019, tornando-se o primeiro premiê israelense a ser indiciado enquanto ocupa a função. Netanyahu nega todas as acusações e as qualifica como ‘caça às bruxas’”, noticiaram meus colegas. “Ele foi indiciado em outros dois casos em Israel.”

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de coletiva de imprensa em Tel-Aviv, Israel  Foto: Abir Sultan/Reuters

Os imbróglios jurídicos de Netanyahu obscurecem a política israelense há cerca de uma década. São os subtextos das campanhas furiosas do primeiro-ministro contra o Judiciário do país e a mídia independente. E provavelmente motivaram a busca de Netanyahu por se perpetuar no poder com uma possível imunidade, levando-o a arquitetar seu retorno à função após as eleições de 2022 comandando a coalizão de governo mais extremista de direita na história de Israel. Ele só pode ser forçado a renunciar se for condenado, o que poderia levar anos.

Após o ataque de 7 de outubro, Netanyahu tem se posicionado de forma ainda mais ostensiva. Furioso e traumatizado com o morticínio do Hamas, que também sequestrou mais de 200 israelenses, o público de Israel clamou por uma ação dura. Mas muitos israelenses também atribuem a Netanyahu responsabilidade pelo dia mais sangrento do Estado judaico e ressentem-se de sua tentativa de colocar a culpa no establishment de defesa israelense. A fricção visível entre o gabinete de Netanyahu e as famílias agoniadas dos reféns também ressoou na sociedade israelense.

Renúncia

Nos dias recentes, manifestantes voltaram a protestar diante da residência de Netanyahu, pedindo sua renúncia. Pesquisas mostram que a vasta maioria dos israelenses querem sua destituição imediata ou assim que cessem as hostilidades. Na segunda-feira, o líder da oposição, Yair Lapid, pediu novamente a renúncia do primeiro-ministro. “Aquele que fracassou não pode continuar”, postou Lapid nas redes sociais. “Aquele cujo nome está marcado pelo desastre, que perdeu a confiança do Exército e do povo, deveria ter a decência de partir.”

Israelenses marcham até Tel-Aviv para protestarem pela libertação dos reféns que estão na Faixa de Gaza após o ataque do grupo terrorista Hamas  Foto: Ohad Zwigenberg/ AP

Lapid, que ocupou a função de primeiro-ministro brevemente em 2022, como parte de uma coalizão anti-Netanyahu que acabou ruindo, também disse a repórteres que, se a maré mudasse e o premiê perdesse o cargo, Netanyahu pediria sua “cabeça numa bandeja”. Lapid aventou a possibilidade de entrar em um governo de unidade liderado pelo partido Likud, de Netanyahu, mas sem sua presença. O ex-primeiro ministro Ehud Barak também se uniu ao coro, declarando à emissora de TV britânica Channel 4 que, “em um país normal, (Netanyahu) teria renunciado em 8 de outubro”.

Agora, em meio a uma crise arrebatadora, Netanyahu luta pelo que sobrou de sua carreira política ao mesmo tempo que tenta derrotar o Hamas satisfatoriamente. Os desfechos em ambas as frentes parecem inquietantes para o primeiro-ministro. Especialistas têm dificuldade para imaginar como Netanyahu poderia sobreviver no cargo após a guerra — até a venerada ex-primeira-ministra Golda Meir teve de se curvar e partir depois do choque da Guerra do Yom Kippur, em 1973. E também poderá se provar difícil para Israel alcançar o tipo maximalista de vitória pretendido pelos aliados de extrema direita de Netanyahu.

Depois de arrasar o norte de Gaza, Israel avança com sua campanha no sul do território sitiado. O crescente número de mortes e a ampla devastação enfureceram governos árabes e deixaram preocupados os aliados ocidentais de Israel. No fim de semana, o presidente francês, Emmanuel Macron, colocou em dúvida se a “destruição do Hamas” é “possível” e afirmou que essa tarefa exigiria uma década de guerra.

Soldados israelenses participam de operações dentro da Faixa de Gaza  Foto: Atef Safadi/EFE

Faixa de Gaza

Autoridades dos Estados Unidos esperam que Israel consiga frear sua operação numa questão de semanas. Os americanos alertaram Netanyahu a respeito de conter as baixas civis — com pouco efeito concreto — e trabalham privadamente no sentido de forjar algum tipo de acordo pós-guerra com mediação. Nessa frente, Netanyahu parece discordar do governo Biden, que quer a Autoridade Palestina restituída no governo da Faixa da Gaza. Netanyahu descartou essa possibilidade anteriormente, e seu governo ventilou planos para legisladores americanos de forçar governos árabes a abrigar a população de Gaza.

Conforme as batalhas rugem, não há nenhuma perspectiva clara sobre o que Israel realmente quer quando a poeira assentar. “Os israelenses dizem que não querem voltar a ocupar Gaza. Mas estão discutindo incrementos em segurança como uma zona-tampão ao longo de sua fronteira com Israel e acesso ao território de forças israelenses durante um período de transição que revogaria alguns elementos de autonomia dos moradores de Gaza”, noticiaram meus colegas. “O governo Biden se opõe fervorosamente a qualquer restrição sobre a maneira que os cidadãos de Gaza podem usar seu território e gostaria que as forças israelenses abrissem mão da responsabilidade, possivelmente em favor de uma força internacional formada por nações árabes, pela segurança do território.”

Alguns na coalizão de Netanyahu veem as coisas de forma diferente e têm pedido abertamente a remoção da população palestina de Gaza. O primeiro-ministro esperava marcar seu legado com os acordos de normalização de relações entre Israel e um grupo de monarquias árabes, mas esses governos podem considerar tóxico demais envolver-se proximamente com um Estado de Israel liderado por Netanyahu e seus aliados de extrema direita.

Netanyahu e o Hamas dependiam um do outro. Ambos podem estar de saída.

Conforme noticiaram meus colegas, Netanyahu passou anos tolerando tacitamente a existência do Hamas em Gaza. O cisma da facção com a liderança displicente da Autoridade Palestina afundou o movimento pelo Estado palestino em uma crise prolongada e minou todo o impulso que havia pela solução de dois Estados — que ninguém na direita israelense parece querer. Netanyahu ajudou a perpetuar esse status quo permitindo a transferência de fundos catarianos para Gaza, entre outras medidas no sentido de aliviar a pressão sobre o grupo islamista. Agora esse arranjo pode levar Netanyahu ao seu ocaso.

“As relações assimétricas de poder entre Israel, uma potência militar formidável, e o Hamas, uma organização terrorista não estatal, são evidentes”, observou o ex-cônsul-geral israelense em Nova York Alon Pinkas. “O Hamas pode declarar vitória mesmo se conseguir apenas levantar uma única bandeira. Para Israel, somente um triunfo militar decisivo que degrade militarmente o Hamas e o incapacite politicamente será suficiente.  Netanyahu sabe muito bem disso, o que torna equilibrar as pressões doméstica e americana uma tarefa intratável.”

“É a expiração de uma estranha aliança”, disse o historiador israelense Adam Raz aos meus colegas. “O Hamas não será o governo de Gaza. E acho que podemos assumir que Netanyahu se aproxima do fim de sua carreira política.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, está travando duas guerras. À frente de um gabinete de guerra, ele lidera a operação contra o grupo terrorista Hamas após seu ataque no sul israelense, o dia mais sangrento para os judeus desde o Holocausto. Mas depois de quase dois meses de conflito e mais de 15 mil palestinos mortos em Gaza, Netanyahu mergulha em outra batalha: os procedimentos do julgamento sobre as acusações de envolvimento em corrupção a que o primeiro-ministro responde foram retomados na segunda-feira, 4.

A retomada dos processos ocorreu após o ministro da Justiça de Israel, Yariv Levin, declarar o fim da situação de emergência no Judiciário israelense na sexta-feira, 1. Os tribunais tinham parado o andamento de casos não urgentes após o ataque do Hamas de 7 de outubro, mas agora pelo menos teoricamente o primeiro-ministro há muito na função está de volta ao banco dos réus. Netanyahu não compareceu à audiência, mas provavelmente será convocado a prestar depoimento durante a exposição dos argumentos da defesa, na primavera (Hemisfério Norte).

“Netanyahu foi acusado de chantagem, fraude e quebra de confiança no fim de 2019, tornando-se o primeiro premiê israelense a ser indiciado enquanto ocupa a função. Netanyahu nega todas as acusações e as qualifica como ‘caça às bruxas’”, noticiaram meus colegas. “Ele foi indiciado em outros dois casos em Israel.”

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de coletiva de imprensa em Tel-Aviv, Israel  Foto: Abir Sultan/Reuters

Os imbróglios jurídicos de Netanyahu obscurecem a política israelense há cerca de uma década. São os subtextos das campanhas furiosas do primeiro-ministro contra o Judiciário do país e a mídia independente. E provavelmente motivaram a busca de Netanyahu por se perpetuar no poder com uma possível imunidade, levando-o a arquitetar seu retorno à função após as eleições de 2022 comandando a coalizão de governo mais extremista de direita na história de Israel. Ele só pode ser forçado a renunciar se for condenado, o que poderia levar anos.

Após o ataque de 7 de outubro, Netanyahu tem se posicionado de forma ainda mais ostensiva. Furioso e traumatizado com o morticínio do Hamas, que também sequestrou mais de 200 israelenses, o público de Israel clamou por uma ação dura. Mas muitos israelenses também atribuem a Netanyahu responsabilidade pelo dia mais sangrento do Estado judaico e ressentem-se de sua tentativa de colocar a culpa no establishment de defesa israelense. A fricção visível entre o gabinete de Netanyahu e as famílias agoniadas dos reféns também ressoou na sociedade israelense.

Renúncia

Nos dias recentes, manifestantes voltaram a protestar diante da residência de Netanyahu, pedindo sua renúncia. Pesquisas mostram que a vasta maioria dos israelenses querem sua destituição imediata ou assim que cessem as hostilidades. Na segunda-feira, o líder da oposição, Yair Lapid, pediu novamente a renúncia do primeiro-ministro. “Aquele que fracassou não pode continuar”, postou Lapid nas redes sociais. “Aquele cujo nome está marcado pelo desastre, que perdeu a confiança do Exército e do povo, deveria ter a decência de partir.”

Israelenses marcham até Tel-Aviv para protestarem pela libertação dos reféns que estão na Faixa de Gaza após o ataque do grupo terrorista Hamas  Foto: Ohad Zwigenberg/ AP

Lapid, que ocupou a função de primeiro-ministro brevemente em 2022, como parte de uma coalizão anti-Netanyahu que acabou ruindo, também disse a repórteres que, se a maré mudasse e o premiê perdesse o cargo, Netanyahu pediria sua “cabeça numa bandeja”. Lapid aventou a possibilidade de entrar em um governo de unidade liderado pelo partido Likud, de Netanyahu, mas sem sua presença. O ex-primeiro ministro Ehud Barak também se uniu ao coro, declarando à emissora de TV britânica Channel 4 que, “em um país normal, (Netanyahu) teria renunciado em 8 de outubro”.

Agora, em meio a uma crise arrebatadora, Netanyahu luta pelo que sobrou de sua carreira política ao mesmo tempo que tenta derrotar o Hamas satisfatoriamente. Os desfechos em ambas as frentes parecem inquietantes para o primeiro-ministro. Especialistas têm dificuldade para imaginar como Netanyahu poderia sobreviver no cargo após a guerra — até a venerada ex-primeira-ministra Golda Meir teve de se curvar e partir depois do choque da Guerra do Yom Kippur, em 1973. E também poderá se provar difícil para Israel alcançar o tipo maximalista de vitória pretendido pelos aliados de extrema direita de Netanyahu.

Depois de arrasar o norte de Gaza, Israel avança com sua campanha no sul do território sitiado. O crescente número de mortes e a ampla devastação enfureceram governos árabes e deixaram preocupados os aliados ocidentais de Israel. No fim de semana, o presidente francês, Emmanuel Macron, colocou em dúvida se a “destruição do Hamas” é “possível” e afirmou que essa tarefa exigiria uma década de guerra.

Soldados israelenses participam de operações dentro da Faixa de Gaza  Foto: Atef Safadi/EFE

Faixa de Gaza

Autoridades dos Estados Unidos esperam que Israel consiga frear sua operação numa questão de semanas. Os americanos alertaram Netanyahu a respeito de conter as baixas civis — com pouco efeito concreto — e trabalham privadamente no sentido de forjar algum tipo de acordo pós-guerra com mediação. Nessa frente, Netanyahu parece discordar do governo Biden, que quer a Autoridade Palestina restituída no governo da Faixa da Gaza. Netanyahu descartou essa possibilidade anteriormente, e seu governo ventilou planos para legisladores americanos de forçar governos árabes a abrigar a população de Gaza.

Conforme as batalhas rugem, não há nenhuma perspectiva clara sobre o que Israel realmente quer quando a poeira assentar. “Os israelenses dizem que não querem voltar a ocupar Gaza. Mas estão discutindo incrementos em segurança como uma zona-tampão ao longo de sua fronteira com Israel e acesso ao território de forças israelenses durante um período de transição que revogaria alguns elementos de autonomia dos moradores de Gaza”, noticiaram meus colegas. “O governo Biden se opõe fervorosamente a qualquer restrição sobre a maneira que os cidadãos de Gaza podem usar seu território e gostaria que as forças israelenses abrissem mão da responsabilidade, possivelmente em favor de uma força internacional formada por nações árabes, pela segurança do território.”

Alguns na coalizão de Netanyahu veem as coisas de forma diferente e têm pedido abertamente a remoção da população palestina de Gaza. O primeiro-ministro esperava marcar seu legado com os acordos de normalização de relações entre Israel e um grupo de monarquias árabes, mas esses governos podem considerar tóxico demais envolver-se proximamente com um Estado de Israel liderado por Netanyahu e seus aliados de extrema direita.

Netanyahu e o Hamas dependiam um do outro. Ambos podem estar de saída.

Conforme noticiaram meus colegas, Netanyahu passou anos tolerando tacitamente a existência do Hamas em Gaza. O cisma da facção com a liderança displicente da Autoridade Palestina afundou o movimento pelo Estado palestino em uma crise prolongada e minou todo o impulso que havia pela solução de dois Estados — que ninguém na direita israelense parece querer. Netanyahu ajudou a perpetuar esse status quo permitindo a transferência de fundos catarianos para Gaza, entre outras medidas no sentido de aliviar a pressão sobre o grupo islamista. Agora esse arranjo pode levar Netanyahu ao seu ocaso.

“As relações assimétricas de poder entre Israel, uma potência militar formidável, e o Hamas, uma organização terrorista não estatal, são evidentes”, observou o ex-cônsul-geral israelense em Nova York Alon Pinkas. “O Hamas pode declarar vitória mesmo se conseguir apenas levantar uma única bandeira. Para Israel, somente um triunfo militar decisivo que degrade militarmente o Hamas e o incapacite politicamente será suficiente.  Netanyahu sabe muito bem disso, o que torna equilibrar as pressões doméstica e americana uma tarefa intratável.”

“É a expiração de uma estranha aliança”, disse o historiador israelense Adam Raz aos meus colegas. “O Hamas não será o governo de Gaza. E acho que podemos assumir que Netanyahu se aproxima do fim de sua carreira política.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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