No Equador, disparada na criminalidade devasta o país, mas há esperança de paz; leia a análise


Os homicídios perpetrados tão proximamente às eleições gerais do Equador, marcadas para o domingo, 20, mostraram que ninguém está seguro no Equador

Por Will Freeman

THE NEW YORK TIMES - Em 14 de agosto, o candidato ao Congresso do Equador e líder político local Pedro Briones foi morto a tiros. O assassinato ocorreu menos de uma semana depois do candidato à presidência Fernando Villavicencio, crítico veemente da corrupção, ser morto a tiros quando deixava um evento de campanha na capital do país, Quito. Os homicídios perpetrados tão proximamente às eleições gerais do Equador, marcadas para o domingo, 20, chocaram os equatorianos, foram objeto de condenações globais e mostraram que ninguém — nem mesmo um candidato à presidência — está seguro no Equador.

O jornalista investigativo Christian Zurita, ex-colega de trabalho e amigo próximo de Villavicencio, foi escolhido por seu partido político para concorrer em seu lugar.

O que acontecerá a seguir é incerto, mas é evidente que a intensa polarização política no Equador não ajudará a resolver a crise de violência que lhe acomete.

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Jornalista e candidato a presidência do Equador Christian Zurita acena para apoiadores  Foto: Martin Bernetti/AFP

O ataque contra Briones está sob investigação, e seis colombianos foram presos em conexão à morte de Villavicencio. A maneira que o sistema de Justiça criminal do Equador lidar com as investigações em andamento será um teste decisivo para a nação. Políticos equatorianos e seus parceiros internacionais precisarão reunir vontade política e recursos para concluir uma investigação independente e ampla a respeito dos assassinatos. Se as autoridades processarem uns poucos matadores de aluguel e não passarem disso, os grupos criminosos ficarão ainda mais insolentes. Mas se empreender um caminho mais longo e árduo — capturando e trazendo à Justiça os indivíduos que planejaram e encomendaram essas mortes e expondo os laços do crime organizado com setores do Estado — o país poderá se afastar um pouco da beira do abismo.

Como cientista político com foco na América Latina, eu trabalhei e vivi em países como Colômbia e Guatemala, onde décadas atrás gangues e grupos criminosos organizados disseminavam caos à medida que ganhavam poder. Apesar do Equador ter evitado historicamente violência alimentada pelo narcotráfico e conflitos armados como os que assolaram seus vizinhos latino-americanos durante a segunda metade do século 20, o país possui todos os adereços de um paraíso de narcotraficantes, encravado entre os dois maiores produtores de coca do mundo, Peru e Colômbia. E a economia equatoriana tem usado dólares como moeda corrente desde 2000, tornando o país mais atraente para lavadores de dinheiro.

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A desmobilização, em 2017, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que havia muito controlavam as rotas de narcotráfico através do Equador, criou um vácuo que atualmente novos cartéis e gangues lutam para preencher. Anteriormente este ano, eu testemunhei a maneira que a violência está reescrevendo as regras do cotidiano. O índice de homicídios no Equador é atualmente o quarto mais elevado na América Latina, e o número de crimes de extorsão saltou de forma alarmante. Como resultado, ruas anteriormente cheias de vitalidade se esvaziaram, e os comércios pararam de funcionar à noite. Certo dia, eu vi um vendedor e seus chefes em torno de um smartphone assistindo — e aplaudindo — vídeos de justiceiros agindo contra suspeitos de integrar gangues. Muitas pessoas com quem conversei disseram-me que planejavam emigrar. Desde outubro, mais de 77 mil equatorianos chegaram à fronteira entre México e Estados Unidos: um aumento de quase oito vezes em relação a 2020.

A polícia deixa a prisão El Inca em Quito, Equador, quinta-feira, 8 de junho de 2023. A polícia interveio na prisão para libertar quatro advogados que estavam detidos por presos que exigiam uma transferência para outra prisão, segundo o subcomandante da polícia Foto: Dolores Ochoa/ AP

Violência

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Más políticas deixaram o Equador pessimamente equipado para enfrentar a elevação nos índices de violência. O populista Rafael Correa, que ocupou a presidência do país de 2007 a 2017, deu os primeiros passos em falso. É verdadeiro que algumas das medidas aplicadas por seu governo ajudaram a cortar o índice de homicídios a baixas recorde. Mas Correa também eliminou a unidade de investigações especiais da polícia, fechou uma base militar dos EUA que fornecia ao Equador equipamento para monitorar seu espaço aéreo e vastas águas territoriais e dobrou a população carcerária, criando um campo fértil para o surgimento de gangues. Seus sucessores também se atrapalharam.

O ex-presidente Lenín Moreno expurgou muitos dos colaboradores que Correa tinha nomeado para cargos no Executivo e no Judiciário e se saiu vencedor de um referendo que reinstituiu limites a mandatos presidenciais abolidos por seu antecessor. O Judiciário abriu investigações sobre suspeitas de corrupção nos anos que Correa ocupou a presidência. Correístas que alegavam ser vítimas de perseguição política nos tribunais se radicalizaram, enquanto autoridades críticas ao ex-presidente, como Moreno, argumentavam que estavam reconstruindo pesos e contrapesos erodidos sob Correa. Conforme esse embate político transcorria, as gangues transformaram as superlotadas prisões equatorianas em centros de comando da criminalidade e começaram a se infiltrar em instituições do governo e nas Forças Armadas.

Guillermo Lasso, o atual presidente do Equador, foi apanhado por uma batalha com os apoiadores de Correa na Assembleia Nacional, que Lasso dissolveu por decreto em maio. O presidente equatoriano determinou estados de emergência e chegou a colocar tropas nas ruas para combater gangues e cartéis. Mas o controle do crime organizado sobre o país apenas cresceu. De forma alarmante, o cunhado de Lasso — no passado um de seus conselheiros mais próximos — está sob investigação por supostos laços com a máfia albanesa. Em março, um empresário envolvido no caso foi encontrado morto.

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O presidente do Equador, Guillermo Lasso, participa da cerimonia de comemoração da independência do Equador  Foto: Juan Diego Montenegro/ AP

A elevação nos índices de criminalidade no Equador é um fenômeno transnacional, com cartéis mexicanos, grupos colombianos e venezuelanos e a máfia albanesa lutando para controlar o comércio de drogas e enfraquecendo o Estado. Ainda que imaginar o caminho adiante possa parecer assustador, não é impossível. Para combater o crime organizado e a violência, as autoridades precisam extirpar a corrupção, investigar as relações de políticos nacionais e locais e perseguir lavadores de dinheiro e contatos dos criminosos no Estado.

Trata-se de uma tarefa difícil em um país cujas instituições estão cada vez mais cooptadas pelo crime. E que requererá cooperação contínua e coragem de policiais, promotores de Justiça, juízes e políticos. Mas isso já foi feito antes. A Colômbia poderia servir de modelo. A partir de 2006, o governo daquele país começou a dar passos para investigar, processar e sentenciar mais de 60 legisladores que ajudavam e eram cúmplices de paramilitares narcotraficantes.

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O presidente Lasso convidou o FBI (polícia federal dos EUA) e a polícia colombiana para colaborar na investigação do assassinato de Villavicencio. Mas para que o esforço seja verdadeiramente eficaz, a colaboração neste caso e em outros deve continuar ao longo do próximo governo e além, independentemente de quem vencer no domingo.

Os líderes do Equador devem resistir à tentação de delegar qualquer combate ao crime inteiramente às Forças Armadas ou de usar apenas poder de fogo para confrontar cartéis e gangues. Essa estratégia provou-se ineficaz em países como México e com frequência fez a violência piorar. Em vez disso, os líderes equatorianos devem apoiar a independência dos promotores de Justiça, dos tribunais e da polícia.

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As Forças Armadas do Equador, uma das instituições mais apreciadas no país, não são destinadas a conduzir investigações criminais, localizar lavadores de dinheiro ou expor servidores públicos corruptos. Essas atribuições cabem a instituições civis, como a polícia e o Judiciário. Ainda que essas instituições não estejam imunes à corrupção e à politização em seus quadros, elas ainda não se corromperam totalmente.

A polarização abriu fendas profundas entre os apoiadores de Correa e seus oponentes, incluindo Villavicencio. Na semana passada, políticos de ambos os lados resolveram culpar uns aos outros pela deterioração da situação de segurança. Para avançar, eles devem se unir em torno de um propósito comum: investigar laços de grupos criminosos com ocupantes de cargos públicos sem buscar proteger integrantes de seus próprios campos. Quem quer que vença a próxima eleição presidencial deve olhar além das divisões políticas e colocar o país acima de seu partido.

O assassinato de Villavicencio marca um ponto de inflexão. Mas ainda há tempo para agir antes que o Equador descambe ainda mais pelo caminho que Colômbia e Mexico percorreram. É isso o que Villavicencio teria desejado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Will Freeman é pesquisador de estudos latino-americanos do Council on Foreign Relations. Seu foco é entender por que democracias em desenvolvimento são bem-sucedidas ou fracassam no sentido de acabar com a impunidade em grandes esquemas de corrupção

THE NEW YORK TIMES - Em 14 de agosto, o candidato ao Congresso do Equador e líder político local Pedro Briones foi morto a tiros. O assassinato ocorreu menos de uma semana depois do candidato à presidência Fernando Villavicencio, crítico veemente da corrupção, ser morto a tiros quando deixava um evento de campanha na capital do país, Quito. Os homicídios perpetrados tão proximamente às eleições gerais do Equador, marcadas para o domingo, 20, chocaram os equatorianos, foram objeto de condenações globais e mostraram que ninguém — nem mesmo um candidato à presidência — está seguro no Equador.

O jornalista investigativo Christian Zurita, ex-colega de trabalho e amigo próximo de Villavicencio, foi escolhido por seu partido político para concorrer em seu lugar.

O que acontecerá a seguir é incerto, mas é evidente que a intensa polarização política no Equador não ajudará a resolver a crise de violência que lhe acomete.

Jornalista e candidato a presidência do Equador Christian Zurita acena para apoiadores  Foto: Martin Bernetti/AFP

O ataque contra Briones está sob investigação, e seis colombianos foram presos em conexão à morte de Villavicencio. A maneira que o sistema de Justiça criminal do Equador lidar com as investigações em andamento será um teste decisivo para a nação. Políticos equatorianos e seus parceiros internacionais precisarão reunir vontade política e recursos para concluir uma investigação independente e ampla a respeito dos assassinatos. Se as autoridades processarem uns poucos matadores de aluguel e não passarem disso, os grupos criminosos ficarão ainda mais insolentes. Mas se empreender um caminho mais longo e árduo — capturando e trazendo à Justiça os indivíduos que planejaram e encomendaram essas mortes e expondo os laços do crime organizado com setores do Estado — o país poderá se afastar um pouco da beira do abismo.

Como cientista político com foco na América Latina, eu trabalhei e vivi em países como Colômbia e Guatemala, onde décadas atrás gangues e grupos criminosos organizados disseminavam caos à medida que ganhavam poder. Apesar do Equador ter evitado historicamente violência alimentada pelo narcotráfico e conflitos armados como os que assolaram seus vizinhos latino-americanos durante a segunda metade do século 20, o país possui todos os adereços de um paraíso de narcotraficantes, encravado entre os dois maiores produtores de coca do mundo, Peru e Colômbia. E a economia equatoriana tem usado dólares como moeda corrente desde 2000, tornando o país mais atraente para lavadores de dinheiro.

A desmobilização, em 2017, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que havia muito controlavam as rotas de narcotráfico através do Equador, criou um vácuo que atualmente novos cartéis e gangues lutam para preencher. Anteriormente este ano, eu testemunhei a maneira que a violência está reescrevendo as regras do cotidiano. O índice de homicídios no Equador é atualmente o quarto mais elevado na América Latina, e o número de crimes de extorsão saltou de forma alarmante. Como resultado, ruas anteriormente cheias de vitalidade se esvaziaram, e os comércios pararam de funcionar à noite. Certo dia, eu vi um vendedor e seus chefes em torno de um smartphone assistindo — e aplaudindo — vídeos de justiceiros agindo contra suspeitos de integrar gangues. Muitas pessoas com quem conversei disseram-me que planejavam emigrar. Desde outubro, mais de 77 mil equatorianos chegaram à fronteira entre México e Estados Unidos: um aumento de quase oito vezes em relação a 2020.

A polícia deixa a prisão El Inca em Quito, Equador, quinta-feira, 8 de junho de 2023. A polícia interveio na prisão para libertar quatro advogados que estavam detidos por presos que exigiam uma transferência para outra prisão, segundo o subcomandante da polícia Foto: Dolores Ochoa/ AP

Violência

Más políticas deixaram o Equador pessimamente equipado para enfrentar a elevação nos índices de violência. O populista Rafael Correa, que ocupou a presidência do país de 2007 a 2017, deu os primeiros passos em falso. É verdadeiro que algumas das medidas aplicadas por seu governo ajudaram a cortar o índice de homicídios a baixas recorde. Mas Correa também eliminou a unidade de investigações especiais da polícia, fechou uma base militar dos EUA que fornecia ao Equador equipamento para monitorar seu espaço aéreo e vastas águas territoriais e dobrou a população carcerária, criando um campo fértil para o surgimento de gangues. Seus sucessores também se atrapalharam.

O ex-presidente Lenín Moreno expurgou muitos dos colaboradores que Correa tinha nomeado para cargos no Executivo e no Judiciário e se saiu vencedor de um referendo que reinstituiu limites a mandatos presidenciais abolidos por seu antecessor. O Judiciário abriu investigações sobre suspeitas de corrupção nos anos que Correa ocupou a presidência. Correístas que alegavam ser vítimas de perseguição política nos tribunais se radicalizaram, enquanto autoridades críticas ao ex-presidente, como Moreno, argumentavam que estavam reconstruindo pesos e contrapesos erodidos sob Correa. Conforme esse embate político transcorria, as gangues transformaram as superlotadas prisões equatorianas em centros de comando da criminalidade e começaram a se infiltrar em instituições do governo e nas Forças Armadas.

Guillermo Lasso, o atual presidente do Equador, foi apanhado por uma batalha com os apoiadores de Correa na Assembleia Nacional, que Lasso dissolveu por decreto em maio. O presidente equatoriano determinou estados de emergência e chegou a colocar tropas nas ruas para combater gangues e cartéis. Mas o controle do crime organizado sobre o país apenas cresceu. De forma alarmante, o cunhado de Lasso — no passado um de seus conselheiros mais próximos — está sob investigação por supostos laços com a máfia albanesa. Em março, um empresário envolvido no caso foi encontrado morto.

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, participa da cerimonia de comemoração da independência do Equador  Foto: Juan Diego Montenegro/ AP

A elevação nos índices de criminalidade no Equador é um fenômeno transnacional, com cartéis mexicanos, grupos colombianos e venezuelanos e a máfia albanesa lutando para controlar o comércio de drogas e enfraquecendo o Estado. Ainda que imaginar o caminho adiante possa parecer assustador, não é impossível. Para combater o crime organizado e a violência, as autoridades precisam extirpar a corrupção, investigar as relações de políticos nacionais e locais e perseguir lavadores de dinheiro e contatos dos criminosos no Estado.

Trata-se de uma tarefa difícil em um país cujas instituições estão cada vez mais cooptadas pelo crime. E que requererá cooperação contínua e coragem de policiais, promotores de Justiça, juízes e políticos. Mas isso já foi feito antes. A Colômbia poderia servir de modelo. A partir de 2006, o governo daquele país começou a dar passos para investigar, processar e sentenciar mais de 60 legisladores que ajudavam e eram cúmplices de paramilitares narcotraficantes.

O presidente Lasso convidou o FBI (polícia federal dos EUA) e a polícia colombiana para colaborar na investigação do assassinato de Villavicencio. Mas para que o esforço seja verdadeiramente eficaz, a colaboração neste caso e em outros deve continuar ao longo do próximo governo e além, independentemente de quem vencer no domingo.

Os líderes do Equador devem resistir à tentação de delegar qualquer combate ao crime inteiramente às Forças Armadas ou de usar apenas poder de fogo para confrontar cartéis e gangues. Essa estratégia provou-se ineficaz em países como México e com frequência fez a violência piorar. Em vez disso, os líderes equatorianos devem apoiar a independência dos promotores de Justiça, dos tribunais e da polícia.

As Forças Armadas do Equador, uma das instituições mais apreciadas no país, não são destinadas a conduzir investigações criminais, localizar lavadores de dinheiro ou expor servidores públicos corruptos. Essas atribuições cabem a instituições civis, como a polícia e o Judiciário. Ainda que essas instituições não estejam imunes à corrupção e à politização em seus quadros, elas ainda não se corromperam totalmente.

A polarização abriu fendas profundas entre os apoiadores de Correa e seus oponentes, incluindo Villavicencio. Na semana passada, políticos de ambos os lados resolveram culpar uns aos outros pela deterioração da situação de segurança. Para avançar, eles devem se unir em torno de um propósito comum: investigar laços de grupos criminosos com ocupantes de cargos públicos sem buscar proteger integrantes de seus próprios campos. Quem quer que vença a próxima eleição presidencial deve olhar além das divisões políticas e colocar o país acima de seu partido.

O assassinato de Villavicencio marca um ponto de inflexão. Mas ainda há tempo para agir antes que o Equador descambe ainda mais pelo caminho que Colômbia e Mexico percorreram. É isso o que Villavicencio teria desejado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Will Freeman é pesquisador de estudos latino-americanos do Council on Foreign Relations. Seu foco é entender por que democracias em desenvolvimento são bem-sucedidas ou fracassam no sentido de acabar com a impunidade em grandes esquemas de corrupção

THE NEW YORK TIMES - Em 14 de agosto, o candidato ao Congresso do Equador e líder político local Pedro Briones foi morto a tiros. O assassinato ocorreu menos de uma semana depois do candidato à presidência Fernando Villavicencio, crítico veemente da corrupção, ser morto a tiros quando deixava um evento de campanha na capital do país, Quito. Os homicídios perpetrados tão proximamente às eleições gerais do Equador, marcadas para o domingo, 20, chocaram os equatorianos, foram objeto de condenações globais e mostraram que ninguém — nem mesmo um candidato à presidência — está seguro no Equador.

O jornalista investigativo Christian Zurita, ex-colega de trabalho e amigo próximo de Villavicencio, foi escolhido por seu partido político para concorrer em seu lugar.

O que acontecerá a seguir é incerto, mas é evidente que a intensa polarização política no Equador não ajudará a resolver a crise de violência que lhe acomete.

Jornalista e candidato a presidência do Equador Christian Zurita acena para apoiadores  Foto: Martin Bernetti/AFP

O ataque contra Briones está sob investigação, e seis colombianos foram presos em conexão à morte de Villavicencio. A maneira que o sistema de Justiça criminal do Equador lidar com as investigações em andamento será um teste decisivo para a nação. Políticos equatorianos e seus parceiros internacionais precisarão reunir vontade política e recursos para concluir uma investigação independente e ampla a respeito dos assassinatos. Se as autoridades processarem uns poucos matadores de aluguel e não passarem disso, os grupos criminosos ficarão ainda mais insolentes. Mas se empreender um caminho mais longo e árduo — capturando e trazendo à Justiça os indivíduos que planejaram e encomendaram essas mortes e expondo os laços do crime organizado com setores do Estado — o país poderá se afastar um pouco da beira do abismo.

Como cientista político com foco na América Latina, eu trabalhei e vivi em países como Colômbia e Guatemala, onde décadas atrás gangues e grupos criminosos organizados disseminavam caos à medida que ganhavam poder. Apesar do Equador ter evitado historicamente violência alimentada pelo narcotráfico e conflitos armados como os que assolaram seus vizinhos latino-americanos durante a segunda metade do século 20, o país possui todos os adereços de um paraíso de narcotraficantes, encravado entre os dois maiores produtores de coca do mundo, Peru e Colômbia. E a economia equatoriana tem usado dólares como moeda corrente desde 2000, tornando o país mais atraente para lavadores de dinheiro.

A desmobilização, em 2017, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que havia muito controlavam as rotas de narcotráfico através do Equador, criou um vácuo que atualmente novos cartéis e gangues lutam para preencher. Anteriormente este ano, eu testemunhei a maneira que a violência está reescrevendo as regras do cotidiano. O índice de homicídios no Equador é atualmente o quarto mais elevado na América Latina, e o número de crimes de extorsão saltou de forma alarmante. Como resultado, ruas anteriormente cheias de vitalidade se esvaziaram, e os comércios pararam de funcionar à noite. Certo dia, eu vi um vendedor e seus chefes em torno de um smartphone assistindo — e aplaudindo — vídeos de justiceiros agindo contra suspeitos de integrar gangues. Muitas pessoas com quem conversei disseram-me que planejavam emigrar. Desde outubro, mais de 77 mil equatorianos chegaram à fronteira entre México e Estados Unidos: um aumento de quase oito vezes em relação a 2020.

A polícia deixa a prisão El Inca em Quito, Equador, quinta-feira, 8 de junho de 2023. A polícia interveio na prisão para libertar quatro advogados que estavam detidos por presos que exigiam uma transferência para outra prisão, segundo o subcomandante da polícia Foto: Dolores Ochoa/ AP

Violência

Más políticas deixaram o Equador pessimamente equipado para enfrentar a elevação nos índices de violência. O populista Rafael Correa, que ocupou a presidência do país de 2007 a 2017, deu os primeiros passos em falso. É verdadeiro que algumas das medidas aplicadas por seu governo ajudaram a cortar o índice de homicídios a baixas recorde. Mas Correa também eliminou a unidade de investigações especiais da polícia, fechou uma base militar dos EUA que fornecia ao Equador equipamento para monitorar seu espaço aéreo e vastas águas territoriais e dobrou a população carcerária, criando um campo fértil para o surgimento de gangues. Seus sucessores também se atrapalharam.

O ex-presidente Lenín Moreno expurgou muitos dos colaboradores que Correa tinha nomeado para cargos no Executivo e no Judiciário e se saiu vencedor de um referendo que reinstituiu limites a mandatos presidenciais abolidos por seu antecessor. O Judiciário abriu investigações sobre suspeitas de corrupção nos anos que Correa ocupou a presidência. Correístas que alegavam ser vítimas de perseguição política nos tribunais se radicalizaram, enquanto autoridades críticas ao ex-presidente, como Moreno, argumentavam que estavam reconstruindo pesos e contrapesos erodidos sob Correa. Conforme esse embate político transcorria, as gangues transformaram as superlotadas prisões equatorianas em centros de comando da criminalidade e começaram a se infiltrar em instituições do governo e nas Forças Armadas.

Guillermo Lasso, o atual presidente do Equador, foi apanhado por uma batalha com os apoiadores de Correa na Assembleia Nacional, que Lasso dissolveu por decreto em maio. O presidente equatoriano determinou estados de emergência e chegou a colocar tropas nas ruas para combater gangues e cartéis. Mas o controle do crime organizado sobre o país apenas cresceu. De forma alarmante, o cunhado de Lasso — no passado um de seus conselheiros mais próximos — está sob investigação por supostos laços com a máfia albanesa. Em março, um empresário envolvido no caso foi encontrado morto.

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, participa da cerimonia de comemoração da independência do Equador  Foto: Juan Diego Montenegro/ AP

A elevação nos índices de criminalidade no Equador é um fenômeno transnacional, com cartéis mexicanos, grupos colombianos e venezuelanos e a máfia albanesa lutando para controlar o comércio de drogas e enfraquecendo o Estado. Ainda que imaginar o caminho adiante possa parecer assustador, não é impossível. Para combater o crime organizado e a violência, as autoridades precisam extirpar a corrupção, investigar as relações de políticos nacionais e locais e perseguir lavadores de dinheiro e contatos dos criminosos no Estado.

Trata-se de uma tarefa difícil em um país cujas instituições estão cada vez mais cooptadas pelo crime. E que requererá cooperação contínua e coragem de policiais, promotores de Justiça, juízes e políticos. Mas isso já foi feito antes. A Colômbia poderia servir de modelo. A partir de 2006, o governo daquele país começou a dar passos para investigar, processar e sentenciar mais de 60 legisladores que ajudavam e eram cúmplices de paramilitares narcotraficantes.

O presidente Lasso convidou o FBI (polícia federal dos EUA) e a polícia colombiana para colaborar na investigação do assassinato de Villavicencio. Mas para que o esforço seja verdadeiramente eficaz, a colaboração neste caso e em outros deve continuar ao longo do próximo governo e além, independentemente de quem vencer no domingo.

Os líderes do Equador devem resistir à tentação de delegar qualquer combate ao crime inteiramente às Forças Armadas ou de usar apenas poder de fogo para confrontar cartéis e gangues. Essa estratégia provou-se ineficaz em países como México e com frequência fez a violência piorar. Em vez disso, os líderes equatorianos devem apoiar a independência dos promotores de Justiça, dos tribunais e da polícia.

As Forças Armadas do Equador, uma das instituições mais apreciadas no país, não são destinadas a conduzir investigações criminais, localizar lavadores de dinheiro ou expor servidores públicos corruptos. Essas atribuições cabem a instituições civis, como a polícia e o Judiciário. Ainda que essas instituições não estejam imunes à corrupção e à politização em seus quadros, elas ainda não se corromperam totalmente.

A polarização abriu fendas profundas entre os apoiadores de Correa e seus oponentes, incluindo Villavicencio. Na semana passada, políticos de ambos os lados resolveram culpar uns aos outros pela deterioração da situação de segurança. Para avançar, eles devem se unir em torno de um propósito comum: investigar laços de grupos criminosos com ocupantes de cargos públicos sem buscar proteger integrantes de seus próprios campos. Quem quer que vença a próxima eleição presidencial deve olhar além das divisões políticas e colocar o país acima de seu partido.

O assassinato de Villavicencio marca um ponto de inflexão. Mas ainda há tempo para agir antes que o Equador descambe ainda mais pelo caminho que Colômbia e Mexico percorreram. É isso o que Villavicencio teria desejado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Will Freeman é pesquisador de estudos latino-americanos do Council on Foreign Relations. Seu foco é entender por que democracias em desenvolvimento são bem-sucedidas ou fracassam no sentido de acabar com a impunidade em grandes esquemas de corrupção

THE NEW YORK TIMES - Em 14 de agosto, o candidato ao Congresso do Equador e líder político local Pedro Briones foi morto a tiros. O assassinato ocorreu menos de uma semana depois do candidato à presidência Fernando Villavicencio, crítico veemente da corrupção, ser morto a tiros quando deixava um evento de campanha na capital do país, Quito. Os homicídios perpetrados tão proximamente às eleições gerais do Equador, marcadas para o domingo, 20, chocaram os equatorianos, foram objeto de condenações globais e mostraram que ninguém — nem mesmo um candidato à presidência — está seguro no Equador.

O jornalista investigativo Christian Zurita, ex-colega de trabalho e amigo próximo de Villavicencio, foi escolhido por seu partido político para concorrer em seu lugar.

O que acontecerá a seguir é incerto, mas é evidente que a intensa polarização política no Equador não ajudará a resolver a crise de violência que lhe acomete.

Jornalista e candidato a presidência do Equador Christian Zurita acena para apoiadores  Foto: Martin Bernetti/AFP

O ataque contra Briones está sob investigação, e seis colombianos foram presos em conexão à morte de Villavicencio. A maneira que o sistema de Justiça criminal do Equador lidar com as investigações em andamento será um teste decisivo para a nação. Políticos equatorianos e seus parceiros internacionais precisarão reunir vontade política e recursos para concluir uma investigação independente e ampla a respeito dos assassinatos. Se as autoridades processarem uns poucos matadores de aluguel e não passarem disso, os grupos criminosos ficarão ainda mais insolentes. Mas se empreender um caminho mais longo e árduo — capturando e trazendo à Justiça os indivíduos que planejaram e encomendaram essas mortes e expondo os laços do crime organizado com setores do Estado — o país poderá se afastar um pouco da beira do abismo.

Como cientista político com foco na América Latina, eu trabalhei e vivi em países como Colômbia e Guatemala, onde décadas atrás gangues e grupos criminosos organizados disseminavam caos à medida que ganhavam poder. Apesar do Equador ter evitado historicamente violência alimentada pelo narcotráfico e conflitos armados como os que assolaram seus vizinhos latino-americanos durante a segunda metade do século 20, o país possui todos os adereços de um paraíso de narcotraficantes, encravado entre os dois maiores produtores de coca do mundo, Peru e Colômbia. E a economia equatoriana tem usado dólares como moeda corrente desde 2000, tornando o país mais atraente para lavadores de dinheiro.

A desmobilização, em 2017, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que havia muito controlavam as rotas de narcotráfico através do Equador, criou um vácuo que atualmente novos cartéis e gangues lutam para preencher. Anteriormente este ano, eu testemunhei a maneira que a violência está reescrevendo as regras do cotidiano. O índice de homicídios no Equador é atualmente o quarto mais elevado na América Latina, e o número de crimes de extorsão saltou de forma alarmante. Como resultado, ruas anteriormente cheias de vitalidade se esvaziaram, e os comércios pararam de funcionar à noite. Certo dia, eu vi um vendedor e seus chefes em torno de um smartphone assistindo — e aplaudindo — vídeos de justiceiros agindo contra suspeitos de integrar gangues. Muitas pessoas com quem conversei disseram-me que planejavam emigrar. Desde outubro, mais de 77 mil equatorianos chegaram à fronteira entre México e Estados Unidos: um aumento de quase oito vezes em relação a 2020.

A polícia deixa a prisão El Inca em Quito, Equador, quinta-feira, 8 de junho de 2023. A polícia interveio na prisão para libertar quatro advogados que estavam detidos por presos que exigiam uma transferência para outra prisão, segundo o subcomandante da polícia Foto: Dolores Ochoa/ AP

Violência

Más políticas deixaram o Equador pessimamente equipado para enfrentar a elevação nos índices de violência. O populista Rafael Correa, que ocupou a presidência do país de 2007 a 2017, deu os primeiros passos em falso. É verdadeiro que algumas das medidas aplicadas por seu governo ajudaram a cortar o índice de homicídios a baixas recorde. Mas Correa também eliminou a unidade de investigações especiais da polícia, fechou uma base militar dos EUA que fornecia ao Equador equipamento para monitorar seu espaço aéreo e vastas águas territoriais e dobrou a população carcerária, criando um campo fértil para o surgimento de gangues. Seus sucessores também se atrapalharam.

O ex-presidente Lenín Moreno expurgou muitos dos colaboradores que Correa tinha nomeado para cargos no Executivo e no Judiciário e se saiu vencedor de um referendo que reinstituiu limites a mandatos presidenciais abolidos por seu antecessor. O Judiciário abriu investigações sobre suspeitas de corrupção nos anos que Correa ocupou a presidência. Correístas que alegavam ser vítimas de perseguição política nos tribunais se radicalizaram, enquanto autoridades críticas ao ex-presidente, como Moreno, argumentavam que estavam reconstruindo pesos e contrapesos erodidos sob Correa. Conforme esse embate político transcorria, as gangues transformaram as superlotadas prisões equatorianas em centros de comando da criminalidade e começaram a se infiltrar em instituições do governo e nas Forças Armadas.

Guillermo Lasso, o atual presidente do Equador, foi apanhado por uma batalha com os apoiadores de Correa na Assembleia Nacional, que Lasso dissolveu por decreto em maio. O presidente equatoriano determinou estados de emergência e chegou a colocar tropas nas ruas para combater gangues e cartéis. Mas o controle do crime organizado sobre o país apenas cresceu. De forma alarmante, o cunhado de Lasso — no passado um de seus conselheiros mais próximos — está sob investigação por supostos laços com a máfia albanesa. Em março, um empresário envolvido no caso foi encontrado morto.

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, participa da cerimonia de comemoração da independência do Equador  Foto: Juan Diego Montenegro/ AP

A elevação nos índices de criminalidade no Equador é um fenômeno transnacional, com cartéis mexicanos, grupos colombianos e venezuelanos e a máfia albanesa lutando para controlar o comércio de drogas e enfraquecendo o Estado. Ainda que imaginar o caminho adiante possa parecer assustador, não é impossível. Para combater o crime organizado e a violência, as autoridades precisam extirpar a corrupção, investigar as relações de políticos nacionais e locais e perseguir lavadores de dinheiro e contatos dos criminosos no Estado.

Trata-se de uma tarefa difícil em um país cujas instituições estão cada vez mais cooptadas pelo crime. E que requererá cooperação contínua e coragem de policiais, promotores de Justiça, juízes e políticos. Mas isso já foi feito antes. A Colômbia poderia servir de modelo. A partir de 2006, o governo daquele país começou a dar passos para investigar, processar e sentenciar mais de 60 legisladores que ajudavam e eram cúmplices de paramilitares narcotraficantes.

O presidente Lasso convidou o FBI (polícia federal dos EUA) e a polícia colombiana para colaborar na investigação do assassinato de Villavicencio. Mas para que o esforço seja verdadeiramente eficaz, a colaboração neste caso e em outros deve continuar ao longo do próximo governo e além, independentemente de quem vencer no domingo.

Os líderes do Equador devem resistir à tentação de delegar qualquer combate ao crime inteiramente às Forças Armadas ou de usar apenas poder de fogo para confrontar cartéis e gangues. Essa estratégia provou-se ineficaz em países como México e com frequência fez a violência piorar. Em vez disso, os líderes equatorianos devem apoiar a independência dos promotores de Justiça, dos tribunais e da polícia.

As Forças Armadas do Equador, uma das instituições mais apreciadas no país, não são destinadas a conduzir investigações criminais, localizar lavadores de dinheiro ou expor servidores públicos corruptos. Essas atribuições cabem a instituições civis, como a polícia e o Judiciário. Ainda que essas instituições não estejam imunes à corrupção e à politização em seus quadros, elas ainda não se corromperam totalmente.

A polarização abriu fendas profundas entre os apoiadores de Correa e seus oponentes, incluindo Villavicencio. Na semana passada, políticos de ambos os lados resolveram culpar uns aos outros pela deterioração da situação de segurança. Para avançar, eles devem se unir em torno de um propósito comum: investigar laços de grupos criminosos com ocupantes de cargos públicos sem buscar proteger integrantes de seus próprios campos. Quem quer que vença a próxima eleição presidencial deve olhar além das divisões políticas e colocar o país acima de seu partido.

O assassinato de Villavicencio marca um ponto de inflexão. Mas ainda há tempo para agir antes que o Equador descambe ainda mais pelo caminho que Colômbia e Mexico percorreram. É isso o que Villavicencio teria desejado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Will Freeman é pesquisador de estudos latino-americanos do Council on Foreign Relations. Seu foco é entender por que democracias em desenvolvimento são bem-sucedidas ou fracassam no sentido de acabar com a impunidade em grandes esquemas de corrupção

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