Esse não era o “Joe Velhote”. Era o “Joe Forte”. Talvez o “Joe Raivoso”. Pode ter sido o “Joe Gritão”. Com certeza, era o “Joe pronto para o jogo”.
Em um discurso sobre o Estado da União em um ano eleitoral, o presidente dos EUA, Joe Biden, fez um dos discursos mais assertivos e desafiadores que qualquer presidente já proferiu na tribuna do Congresso, enfrentando provocação igualmente violenta de seus oponentes republicanos.
Foi um espetáculo extraordinário, que exemplificou a natureza violenta da política americana moderna, deixou claro o quanto Washington se distanciou dos dias de discursos presidenciais decorosos voltados para os livros de história. Biden atacou repetidas vezes seu oponente na eleição de novembro e os legisladores da oposição sentados à sua frente. Os republicanos zombaram e vaiaram. Os democratas gritavam: “Mais quatro anos!”, como se fosse um comício de campanha.
Mas esse era o ponto. Frustrado com toda a conversa fiada sobre sua idade e determinado a dissipar as dúvidas dos eleitores, Biden, 81 anos, usou a plataforma mais proeminente deste ano eleitoral, com provavelmente o maior público de televisão e internet a quem ele se dirigirá antes de novembro, para demonstrar sua resistência, sua vitalidade, sua capacidade e, sim, sua irritação. Desafiador e impetuoso, ele dispensou as convenções do formato para enfrentar diretamente o ex-presidente Donald Trump, e tentou fazer da eleição um referendo sobre seu antecessor e não sobre si mesmo.
Embora não tenha usado o nome de Donald Trump nenhuma vez, Biden se referiu ao “meu antecessor” 13 vezes e denunciou sem pudor “vocês nesta sala” por serem lacaios do ex-presidente, bloqueando a ajuda à Ucrânia e um acordo bipartidário para diminuir a crise de imigração na fronteira por motivos políticos. Todas as vezes que eles zombavam ou interrompiam, ele dava o melhor de si, zombando de seus argumentos e desafiando-os a aprovar leis importantes.
Ele estava tão empolgado, tão ansioso para começar, que passou por cima do presidente da Câmara dos Deputados, Mike Johnson, abrindo seu discurso sem deixar que o neófito líder republicano fizesse a tradicional apresentação de “alto privilégio e distinta honra”. Biden gritou suas falas, claramente com a intenção de usar o volume para demonstrar vigor. O texto preparado por seus assessores continha 80 pontos de exclamação - e Biden certamente acrescentou mais à medida que avançava.
“Meu antecessor e alguns de vocês aqui procuram enterrar a verdade sobre o dia 6 de janeiro!”, declarou ele sobre o ataque de 2021 ao Capitólio instigado por Trump.
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“Nós os impedimos 50 vezes antes e vamos impedi-los novamente!”, prometeu ele sobre os esforços republicanos para revogar o Affordable Care Act [também conhecido como Obamacare, criado com o objetivo de fazer uma ampla reforma e permitir acesso a saúde para a maioria dos americanos].
“Meu Deus, que outra liberdade vocês tirariam?”, ele exigiu depois de condenar a revogação de Roe v. Wade [uma decisão judicial que permitia abortos nos EUA] pelos juízes nomeados por Trump para a Suprema Corte.
Se o subtexto do discurso de 68 minutos era acalmar os democratas e os independentes preocupados com o fato de ele ser velho demais para tentar outro mandato, Biden abordou o assunto explicitamente no final, referindo-se a “outras pessoas da minha idade”, ou seja, Donald Trump, que tem 77 anos e também tem momentos de confusão pública e lapsos de memória.
“Meus concidadãos americanos, o problema que nossa nação enfrenta não é a idade que temos, mas a idade de nossas ideias”, disse Biden. “O ódio, a raiva, a vingança e a revanche são as ideias mais antigas. Mas não se pode liderar os Estados Unidos com ideias antigas que só nos levam para trás. Para liderar os Estados Unidos, a terra das possibilidades, é preciso ter uma visão do futuro e do que pode e deve ser feito.”
O discurso do presidente pareceu incomodar Trump. “Esse pode ter sido o discurso mais raivoso, menos compassivo e pior já feito sobre o Estado da União”, escreveu Trump em seu site de mídia social, incluindo seu próprio ponto de exclamação. “Foi uma vergonha para o nosso país!”
Para muitos que estavam assistindo, o discurso provavelmente gerou uma impressão diferente das que Biden deixa em aparições públicas, quando parece frágil e hesitante. Embora ele tenha errado suas falas em alguns momentos e interrompido o discurso para tossir algumas vezes, ele se mostrou muito mais imponente e energizado, tranquilizando seus apoiadores.
Mais do que a maioria dos presidentes em tais ocasiões, ele se afastou do texto preparado no teleprompter para improvisar falas - às vezes de forma curiosa, como quando falou sobre barras do chocolate Snickers “com 10% menos Snickers”, outras vezes de forma agressiva, como quando respondeu aos membros mais turbulentos da plateia.
Em um determinado momento, Biden quase repetiu o discurso sobre o Estado da União do ano passado, quando virou o jogo contra os republicanos que protestavam contra suas afirmações sobre os planos deles para minar a Previdência Social. “Os republicanos podem cortar a Previdência Social e conceder mais incentivos fiscais aos ricos”, disse ele dessa vez, momento em que os legisladores do Partido Republicano interromperam com vaias e gritos.
“Vocês não querem outro corte de impostos de US$ 2 trilhões?”, disse ele com um sorriso no rosto. “Pensei que fosse esse o plano de vocês. Bem, é bom ouvir isso.”
Em outro momento, quando ele invocou o acordo bipartidário para tentar minimizar a crise de imigração na fronteira, rejeitado pelos republicanos, a deputada Marjorie Taylor Greene gritou sobre o caso de Laken Riley, uma estudante universitária de enfermagem de 22 anos da Geórgia que foi morta no mês passado, segundo as autoridades, por um imigrante venezuelano que havia entrado ilegalmente no país. “Diga o nome dela!”, ela gritou.
Greene, a orgulhosa republicana da Geórgia que costumava defender as teorias da conspiração QAnon, apareceu usando um boné vermelho Make America Great Again e uma camiseta “Say Her Name”. Biden a chamou de blefe e interrompeu seu discurso para segurar um botão “Say Her Name” que havia sido dado a ele. Ele continuou a dizer o nome de Riley - embora tenha errado ao chamá-la de “Lincoln” em vez de “Laken”.
Ele acrescentou que “meu coração está com a família dela”, mas perguntou “quantos milhares” foram mortos por pessoas que vivem legalmente nos Estados Unidos e argumentou que a aprovação do projeto de lei da fronteira reduziria as travessias ilegais. “Aprovem esse projeto de lei”, disse ele aos republicanos. “Precisamos agir agora”.
Biden, que começou a participar de discursos sobre o Estado da União no início dos anos 1970, quando era um jovem senador, estava claramente confortável e gostou do retorno ao Capitólio. Ele demorou a entrar na Câmara, apertando as mãos e conversando com os legisladores, até mesmo fazendo uma careta para Greene quando viu seu chapéu. Da mesma forma, ele permaneceu por muito tempo após o discurso, relembrando os melhores momentos com os democratas que o cercaram no plenário.
Sem amarras e resoluto, Biden parecia gostar do confronto. Embora tenha se vangloriado de suas realizações e feito a ladainha usual de pronunciamentos sobre políticas, como os presidentes costumam fazer, ele não abusou de aspirações e nem usou grandes floreios retóricos.
Mencionou apenas de passagem sua “agenda de unidade” em um discurso quase sem unidade. Em vez disso, ele transmitiu a impressão de um candidato ansioso por uma boa briga, mais combativo até do que o sempre belicoso Donald Trump fez no mesmo cenário há quatro anos.
“Não vamos nos afastar”, disse Biden no início de seu discurso. “Não nos curvaremos. Eu não vou me curvar.”
Naquele momento, ele estava falando especificamente da luta contra a Rússia. Mas parecia estar se referindo também à luta por sua própria presidência.
* Peter Baker cobriu 23 discursos sobre o Estado da União. Ele fez a reportagem de Washington.
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