KUPYANSK — Durante quase um ano depois de a Ucrânia ter liberado cidades ao longo da estrada para Kupyansk, no nordeste da região de Kharkiv, que ficou marcada pela guerra, moradores mal sussurravam o medo de uma segunda ocupação russa. Eles agora estão falando em voz alta.
Durante meses, a Rússia esmurrou Kupyansk, um centro ferroviário estratégico tomado no início de 2022 e retomado pela Ucrânia sete meses depois. De posições a leste do rio Oskil, que corta a cidade, a Rússia nunca perdeu totalmente Kupyansk de vista.
Nos últimos tempos, a Ucrânia pediu a moradores que deixassem a região — de novo — e não apenas de Kupyansk, mas também de dezenas de vilarejos a oeste, um sinal sombrio que Kiev teme que russos possam avançar. No sábado, eles toaram controle do pequeno povoado de Krokhmalne, a sudeste da cidade, trazendo-os um pouco mais perto do rio.
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Embora Kiev tenha tentado minimizar a importância da perda, dizendo que o vilarejo era o lar de apenas cinco famílias antes da guerra, o desenvolvimento e as ordens de retirada estimularam o medo de que tropas ucranianas estejam se preparando para ceder ainda mais terreno.
“É muito assustador”, disse Diana Shapovalova, de 34 anos, uma das últimas ginecologistas que ainda trabalham na área. “Nós estamos prontos para sair. Temos todas as nossas coisas prontas. Nossas crianças sabem que elas precisam estar prontas”, disse. “Nós vivemos em um lugar perigoso.”
O rio que corta Kupyansk poderia servir como uma defesa natural em caso de um avanço russo mais distante. Mas a Rússia já tomou a cidade antes, e uma recente avaliação do Instituto de Estudo Para Guerra, um grupo de pesquisa com sede em Washington, determinou que Moscou enviou para a área soldados que parecem estar “menos degradados” do que os destacados em outros locais. A Ucrânia, por sua vez, está reforçando suas defesas.
O contra-ataque surpresa da Ucrânia nessa região pegou o mundo de surpresa no outono europeu de 2022, enquanto as forças russas fugiram em massa das cidades que elas haviam ocupado por meses com pouca briga. Kiev tinha esperança de uma vitória parecida quando lançou outra contraofensiva no último verão, focando largamente no sul. Mas os esforços falharam, e agora são os russos que parecem estar na ofensiva enquanto a ajuda para a Ucrânia está estagnada em Washington e Bruxelas.
Diana Shapovalova mora na pequena cidade de Shevchenkove, mas sem nenhum ginecologista em Kupyansk, seus pacientes costumam viajar longos e perigosos trajetos do leste do rio para vê-la. Ela também trata vítimas de traumas e soldados feridos antes de serem encaminhados para hospitais maiores.
Civis que se deslocam do front são obrigados a parar em Shevchenkove para serem entrevistas pela polícia e por agentes de inteligência, que checam seus celulares e investigam qualquer potencial laço com as tropas russas. Apesar das ordens de retirada das famílias, menos que uma dúzia de pessoas — a maioria idosos — passam por lá a cada dia, disse um policial na cidade, que falou sob a condição de anonimato porque sua família está vivendo sob ocupação russa.
No mês passado, ele disse, houve um crescimento na artilharia, nas bombas aéreas e mísseis guiados em Kupyansk e arredores. “Não houve um dia em que nada atingiu a área”, conta. “Há muitos feridos, e muitos de soldados e civis mortos.”
Svitlana Perepadia, de 54 anos, diretora do hospital onde Diana trabalha, disse que ela também está “com muito medo” de que a Rússia poderia reocupar a área. Mas seus pacientes frequentemente se recusam a fugir “até que eles deparem com uma situação em que uma bomba cai em seu vizinho ou em seu jardim.”
Esse é o caso de Nastya Pryimenko, que recebeu a ordem de saída da região para seu vilarejo, Hrushivka, no dia 16 de janeiro, enquanto iniciava a 15ª semana de gravidez. A região já está sob o alcance de algumas artilharias russas e já foi atingida antes. Mas para considerar deixar sua casa, disse ela, “provavelmente seria necessário que os russos se mudassem para muito perto da aldeia ou algo aterrissasse perto da minha casa”.
Por enquanto, eles ainda estão a 24 quilômetros de distância. Embora muitos locais já deixaram o vilarejo, o local ainda parece seguro e normal para Nastya. Uma mulher da região está até oferecendo serviço de manicure, inclusive.
Nastya, de 24 anos, conhece os horrores da ocupação em primeira pessoa. Sua família enterrou os documentos militares de seu pai perto do lago da cidade, temendo que as tropas russas pudessem encontrá-los e retaliar. A casa de seu vizinho foi saqueada. Ela fugiu em julho de 2022, com medo de que os soldados russos pudessem estuprá-la. Ela só voltou uma semana após a libertação, quando um ataque russo vindo do outro lado do rio matou sua avó materna.
Foi durante a viagem de volta para casa para enterrar sua avó que ela conheceu o charmoso instrutor de dança ruivo, que virou soldado, chamado Roman, que ajudou a liberar Hrushivka do controle russo. Eles se casaram em março e ele agora está servindo na região de Donetsk, na mesma brigada que o pai dela, enquanto ela permanece em casa com seus avós paternos.
Nastya disse que ela dúvida que as forças ucranianas iriam ceder Kupyansk. Ter parentes no exército também reforçou a convicção de sua família de que eles não precisam deixar a região. “Se algo acontecer, eles dirão a nós ‘saiam’”, disse sua avó, Nadiia Svichkar, de 63 anos.
O bebê nasce em julho. “Nós esperamos que até lá, tudo isso acabe”, disse a jovem. “Eu não quero que meu bebê conheça a guerra.”
Mais adiante na estrada, outros estão céticos. “Eu estou mais assustada com a segunda ocupação do que qualquer ataque direto”, disse Claudia, de 75 anos, que falou na condição de não usar seu sobrenome, no caso de os russos voltarem. “Não acreditávamos que chegaria a esse ponto. Temos medo pelas outras pessoas e temos medo por nós mesmos.”
Claudia vive em Starovirivka, que é vizinha de Hrushivka mas em um diferente distrito que ainda não está sendo esvaziado. Mesmo assim, o som distante de artilharias sendo disparadas ainda soa no fundo, e ela está se preparando par ao pior. Na manhã de domingo, depois de uma noite de fortes bombardeios no rio, Svitlana, a diretora do hospital, pegou seu celular e leu em voz alta que a Rússia havia tomado Krokhmalne.
“Nós precisamos de mais armamentos”, disse Claudia, segurando as lágrimas. “Nós precisamos imediatamente.”
Mais perto de Kupyansk, na vila de Nechvolodivka, onde um homem foi morto no ataque do dia 7 de janeiro, Ivan Baydak, de 74 anos, disse que ele presumia que a ordem foi dada porque a “linha poderia se mover”. Baydak confia nos militares ucranianos, mas se as forças podem segurar o front é uma “questão mais difícil”. “Nós não temos equipamentos”, ele disse. “Nos falta mão de obra.”
Iryna Kurylova, de 31 anos, que está grávida de oito meses, esperou até o último minuto para deixar o lado oeste do rio. Ela também visitou nenhum médico desde que estava com 5 meses de gestação, evitando a perigosa travessia do rio para Shevchenkove.
A pedido de Diana, sua ginecologista, ela finalmente deixou a cidade de Kharkiv em dezembro em meio ao medo de que ela poderia perder a custódia de seus dois filhos mais velhos, de 9 e 7 anos.
“Se eu não estivesse grávida, eu não teria saído”, disse. Sua família acostumou-se aos bombardeios e ela pensa que os civis estão sendo retirados apenas para evitar que simpatizantes russos entre eles partilhem informações sobre os movimentos das tropas ucranianas.
Diana convenceu outra paciente, Iryna Kasyanova, de 32 anos, a deixar a região do outro lado do rio algumas semanas antes de ela parir seu filho, em setembro. Antes disso, a mãe evitava dirigir por Kupyansk a caminho das consultas, temendo que pudesse ser morta. Ela agora está ficando com sua família e animais de estimação em uma casa em Shevchenkove, que pertence a família de Diana. No seu vilarejo, apenas 20 pessoas permanecem de 3 mil que uma vez viveram ali.
Diana teme que que em breve até mesmo Shevchenkove não se sinta longe suficiente da frente para segurança. A médica já fugiu da ocupação russa com a família em junho de 2022, mudando-se para Ohio, onde trabalhou como faxineira. Quando ela voltou para casa e para a sua carreira, ela pensou que a provação deles havia acabado. Agora, ela não tem certeza.
“Ainda acreditamos no exército”, disse ela. “Mas acreditar cegamente não é suficiente quando ouvimos os assobios dos projéteis e das explosões.”