No Quênia, rei Charles se depara com manifestações por reparações pelos abusos coloniais britânicos


Quenianos mais velhos querem um pedido de desculpas e reparações, os mais jovens querem o reconhecimento dos alegados abusos mais recentes cometidos por empresas e tropas britânicas

Por Abdi Latif Dahir

THE NEW YORK TIMES - Aos 86 anos, com as mãos enrugadas apoiadas numa bengala enquanto caminhava lentamente por seu pequeno terreno diante do Monte Quênia, Joseph Mwangi recordou-se com amargor dos anos que passou lutando contra o governo colonial britânico no Quênia.

Sete décadas atrás, Mwangi acampava com rebeldes Mau Mau naquela montanha e nas florestas, enfrentando frio, chuva, leões e elefantes. Ele contou que foi baleado duas vezes pelas tropas britânicas e quase morreu. E quando as forças coloniais eventualmente o capturaram, afirmou ele, os britânicos o torturaram e o sentenciaram a dois anos de trabalhos forçados.

“As forças britânicas foram realmente duras conosco. Foram terríveis”, afirmou Mwangi, que serviu diretamente sob ordens do lendário líder da insurreição, Dedan Kimathi. “Agora nós queremos um pedido de desculpas e dinheiro pelo que eles fizeram.”

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O rei Carlos III chega à Biblioteca Eastland em Nairóbi em 31 de outubro de 2023 em uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia Foto: Patrick Meinhardt/AFP

O nefasto passado colonial do Quênia fez-se presente conforme o rei Charles III iniciou oficialmente uma visita de quatro dias à nação da África Oriental nesta terça-feira, em sua primeira visita de Estado a um país da Commonwealth desde que foi coroado, no ano passado, e primeira visita como rei a um país africano.

Charles e a rainha Camilla aterrissaram num Quênia em que muitas comunidades ainda choram mortes e lidam com a dor da perda de parentes submetidos às décadas de controle colonial britânico, de 1895 a 1963. O rei é pressionado por grupos de defesa de direitos humanos, anciões e ativistas para retratar-se em nome de seu país por injustiças históricas, desculpar-se e pagar reparações para indivíduos que sofreram tortura e foram removidos de suas terras ancestrais.

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Sua família tem uma relação próxima com o Quênia. Sua mãe, a rainha Elizabeth II, visitava a reserva de vida selvagem de Treetops, em 1952, quando soube que seu pai tinha morrido e que ela iria suceder-lhe como monarca. Naquele ano, os britânicos lançaram uma campanha sangrenta, que duraria oito anos, para esmagar o movimento de independência do Quênia, liderado pelos rebeldes Mau Mau.

Ainda há cerca de 400 soldados britânicos estacionados no Quênia para treinamento. Também tem sido pedido ao rei Charles que aborde os abusos que alguns desses militares cometeram ao longo dos anos. O tema é tão sensível que na segunda-feira a polícia queniana impediu a realização de uma conferência de imprensa destinada a transmitir informações a respeito dessas acusações.

Joseph Macharia Mwangi, um dos últimos veteranos sobreviventes da sangrenta rebelião Mau Mau contra as forças coloniais britânicas na década de 1950, em sua casa nos arredores de Nyeri, Quênia Foto: Patrick Meinhardt/NYT
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O rei encara uma geração mais jovem de quenianos, alguns apáticos, outros acolhedores, mas muitos críticos em relação à monarquia depois de aprender a respeito de seu legado sombrio e cruel. Muitos quenianos viram com bons olhos outras ex-colônias britânicas, como Barbados, cortar os laços com a monarquia ou considerar fazê-lo, como a Jamaica.

O Quênia é uma república, e Charles não possui nenhuma função oficial de governo, mas o país pertence à Commonwealth, que é liderada pelo rei. A Commonwealth, que abrange 56 países em 5 continentes, nasceu das cinzas do Império Britânico.

O Palácio de Buckingham afirmou que o rei “reconhecerá os aspectos mais dolorosos” da história de ambos os países e “aprofundará seu entendimento sobre violações sofridas” durante a intensa contrainsurgência, de 1952 a 1960.

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O Reino Unido nunca se desculpou diretamente pelos abusos que cometeu no Quênia, mas já expressou arrependimento. Após um processo judicial, Londres pagou cerca de 20 milhões de libras (US$ 24,3 milhões) uma década atrás para mais de 5 mil indivíduos que sofreram abusos durante a insurreição Mau Mau. Mwangi não era um deles.

“Há muitas dores e danos que não foram reconhecidos e que eles se recusam a reconhecer”, afirmou a escritora queniana Aleya Kassam, cofundadora do estúdio de conteúdo feminista LAM Sisterhood, que produz peças de teatro, podcasts e musicais sobre mulheres, incluindo as que se envolveram nos movimentos de libertação do Quênia.

“Eu senti raiva simplesmente quando aprendi a respeito dessa história sombria e percebi o quanto ela ainda está presente”, afirmou ela, acrescentando, “Eu não acho que ele (o rei) deveria se sentir à vontade aqui de nenhuma maneira”.

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Jovens num contêiner de carga representando diferentes líderes africanos, em Githurai, Quênia, em 29 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Mas para Charles a visita é uma chance de melhorar a relação do Reino Unido com o Quênia, um parceiro econômico e aliado militar crítico numa região turbulenta.

O rei comparecerá a um jantar de Estado oferecido pelo presidente queniano, William Ruto, e visitará uma base naval na cidade costeira de Mombasa. Defensor da natureza há longa data, Charles visitará o Parque Nacional de Nairóbi e comparecerá a um evento em celebração à vida da ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Wangari Maathai na Floresta Karura, que ela ajudou a proteger de empreendedores imobiliários antes de morrer, em 2011.

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“Eu admiro a maneira que ele usou sua influência em apoio a temas relacionados a sustentabilidade e defesa do meio ambiente por décadas. E isso tem de ser reconhecido”, afirmou Wanjira Mathai, filha de Wangari Maathai e também ativista ambiental.

Wanjira Maathai afirmou que Charles e sua mãe eram bons amigos e passavam horas conversando nos corredores de conferências ou tomando chá no escritório dele, falando sobre sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas. “Então, para ele, é muito pessoal vir aqui e honrar o legado dela”, afirmou Wanjira Maathai, que se encontrará com o rei durante sua visita.

O rei Carlos III e a rainha Camilla iniciam uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia em 31 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/AFP

Nesta terça-feira, Charles e Camilla visitaram um novo museu dedicado à história do Quênia erguido no local em que o país foi declarado independente, em 1963. Ele assentiu com a cabeça algumas vezes, caminhando com as mãos para trás, conforme passou diante de artefatos que documentam o legado colonial britânico, incluindo o período de estado de emergência em que o governo britânico prendia qualquer indivíduo suspeito de pertencer ao movimento Mau Mau ou auxiliá-lo.

Milhões de pessoas, principalmente da etnia Kikuyu, que possui a maior presença no Quênia, foram submetidas a opressão nesse período, confinadas, forçadas a deixar suas casas ou colocadas em campos de detenção ou vilarejos cercados por arame farpado e trincheiras com lanças afiadas. Muitas pessoas foram torturadas, estupradas, obrigadas a realizar trabalhos forçados e abandonadas para morrer de doença e fome.

A repressão dividiu os Kikuyu. Quem colaborava com as autoridades coloniais ganhava grandes faixas de terra, e seus herdeiros continuam a se beneficiar até hoje.

“Houve muita agonia nesses vilarejos”, afirmou Jane Wangechi, de 96 anos, que trabalhou como espiã e cozinheira para o movimento Mau Mau. Wangechi afirmou que sua família passou três anos em vilarejos de detenção e que nesse período ela perdeu dois tios e um primo.

O rei também encara pedidos de reconhecimento por outros abusos e injustiças, velhos e novos.

Jane Wangechi, era espiã e cozinheira dos rebeldes Mau Mau antes de as forças coloniais britânicas transferirem a sua família para aldeias de detenção durante três anos Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Por todo o Vale do Rift, anciões de etnia Nandi pedem ao governo britânico que devolva a cabeça do líder espiritual e combatente anticolonialista Koitalel Arap Samoei. Os anciões Nandi afirmam que Samoei foi decapitado por um oficial militar britânico no fim do século 19 e enviada para a Inglaterra como um troféu. Os Nandi são parte da tribo Kalenjin, de Ruto.

Os líderes do grupo étnico Kipsigis também querem compensação por terem sido removidos à força de suas terras férteis, o que abriu caminho para os colonos brancos e o estabelecimento de lucrativas fazendas de abacaxi. Este ano, uma reportagem da BBC sobre abusos sexuais ocorridos em fazendas de chá de empresas britânicas causaram indignação e tensões sobre as terras quenianas.

A visita de Charles também faz ressurgir ressentimentos sobre a conduta dos soldados britânicos presentes atualmente no Quênia.

A unidade de treinamento foi acusada de abusar sexualmente de mulheres, causar um incêndio devastador e usar produtos químicos nocivos.

Além disso, um soldado britânico é suspeito do assassinato da trabalhadora sexual Agnes Wanjiru, em 2012, mas nunca foi preso nem indiciado. Um acordo entre os países isenta soldados britânicos de ações penais. Alguns legisladores querem mudar isso. Em agosto, o Parlamento queniano lançou uma investigação sobre atividades de soldados britânicos.

“Agnes nunca descansou em paz”, afirmou em entrevista uma sobrinha, Esther Muchiri. “Nós não estamos pedindo nenhum tratamento especial do rei. Nós só queremos Justiça.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um visitante inspeciona capacetes usados pelas forças coloniais britânicas em um novo museu dedicado à história do Quênia, no local onde o país foi declarado independente em 1963 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

THE NEW YORK TIMES - Aos 86 anos, com as mãos enrugadas apoiadas numa bengala enquanto caminhava lentamente por seu pequeno terreno diante do Monte Quênia, Joseph Mwangi recordou-se com amargor dos anos que passou lutando contra o governo colonial britânico no Quênia.

Sete décadas atrás, Mwangi acampava com rebeldes Mau Mau naquela montanha e nas florestas, enfrentando frio, chuva, leões e elefantes. Ele contou que foi baleado duas vezes pelas tropas britânicas e quase morreu. E quando as forças coloniais eventualmente o capturaram, afirmou ele, os britânicos o torturaram e o sentenciaram a dois anos de trabalhos forçados.

“As forças britânicas foram realmente duras conosco. Foram terríveis”, afirmou Mwangi, que serviu diretamente sob ordens do lendário líder da insurreição, Dedan Kimathi. “Agora nós queremos um pedido de desculpas e dinheiro pelo que eles fizeram.”

O rei Carlos III chega à Biblioteca Eastland em Nairóbi em 31 de outubro de 2023 em uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia Foto: Patrick Meinhardt/AFP

O nefasto passado colonial do Quênia fez-se presente conforme o rei Charles III iniciou oficialmente uma visita de quatro dias à nação da África Oriental nesta terça-feira, em sua primeira visita de Estado a um país da Commonwealth desde que foi coroado, no ano passado, e primeira visita como rei a um país africano.

Charles e a rainha Camilla aterrissaram num Quênia em que muitas comunidades ainda choram mortes e lidam com a dor da perda de parentes submetidos às décadas de controle colonial britânico, de 1895 a 1963. O rei é pressionado por grupos de defesa de direitos humanos, anciões e ativistas para retratar-se em nome de seu país por injustiças históricas, desculpar-se e pagar reparações para indivíduos que sofreram tortura e foram removidos de suas terras ancestrais.

Sua família tem uma relação próxima com o Quênia. Sua mãe, a rainha Elizabeth II, visitava a reserva de vida selvagem de Treetops, em 1952, quando soube que seu pai tinha morrido e que ela iria suceder-lhe como monarca. Naquele ano, os britânicos lançaram uma campanha sangrenta, que duraria oito anos, para esmagar o movimento de independência do Quênia, liderado pelos rebeldes Mau Mau.

Ainda há cerca de 400 soldados britânicos estacionados no Quênia para treinamento. Também tem sido pedido ao rei Charles que aborde os abusos que alguns desses militares cometeram ao longo dos anos. O tema é tão sensível que na segunda-feira a polícia queniana impediu a realização de uma conferência de imprensa destinada a transmitir informações a respeito dessas acusações.

Joseph Macharia Mwangi, um dos últimos veteranos sobreviventes da sangrenta rebelião Mau Mau contra as forças coloniais britânicas na década de 1950, em sua casa nos arredores de Nyeri, Quênia Foto: Patrick Meinhardt/NYT

O rei encara uma geração mais jovem de quenianos, alguns apáticos, outros acolhedores, mas muitos críticos em relação à monarquia depois de aprender a respeito de seu legado sombrio e cruel. Muitos quenianos viram com bons olhos outras ex-colônias britânicas, como Barbados, cortar os laços com a monarquia ou considerar fazê-lo, como a Jamaica.

O Quênia é uma república, e Charles não possui nenhuma função oficial de governo, mas o país pertence à Commonwealth, que é liderada pelo rei. A Commonwealth, que abrange 56 países em 5 continentes, nasceu das cinzas do Império Britânico.

O Palácio de Buckingham afirmou que o rei “reconhecerá os aspectos mais dolorosos” da história de ambos os países e “aprofundará seu entendimento sobre violações sofridas” durante a intensa contrainsurgência, de 1952 a 1960.

O Reino Unido nunca se desculpou diretamente pelos abusos que cometeu no Quênia, mas já expressou arrependimento. Após um processo judicial, Londres pagou cerca de 20 milhões de libras (US$ 24,3 milhões) uma década atrás para mais de 5 mil indivíduos que sofreram abusos durante a insurreição Mau Mau. Mwangi não era um deles.

“Há muitas dores e danos que não foram reconhecidos e que eles se recusam a reconhecer”, afirmou a escritora queniana Aleya Kassam, cofundadora do estúdio de conteúdo feminista LAM Sisterhood, que produz peças de teatro, podcasts e musicais sobre mulheres, incluindo as que se envolveram nos movimentos de libertação do Quênia.

“Eu senti raiva simplesmente quando aprendi a respeito dessa história sombria e percebi o quanto ela ainda está presente”, afirmou ela, acrescentando, “Eu não acho que ele (o rei) deveria se sentir à vontade aqui de nenhuma maneira”.

Jovens num contêiner de carga representando diferentes líderes africanos, em Githurai, Quênia, em 29 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Mas para Charles a visita é uma chance de melhorar a relação do Reino Unido com o Quênia, um parceiro econômico e aliado militar crítico numa região turbulenta.

O rei comparecerá a um jantar de Estado oferecido pelo presidente queniano, William Ruto, e visitará uma base naval na cidade costeira de Mombasa. Defensor da natureza há longa data, Charles visitará o Parque Nacional de Nairóbi e comparecerá a um evento em celebração à vida da ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Wangari Maathai na Floresta Karura, que ela ajudou a proteger de empreendedores imobiliários antes de morrer, em 2011.

“Eu admiro a maneira que ele usou sua influência em apoio a temas relacionados a sustentabilidade e defesa do meio ambiente por décadas. E isso tem de ser reconhecido”, afirmou Wanjira Mathai, filha de Wangari Maathai e também ativista ambiental.

Wanjira Maathai afirmou que Charles e sua mãe eram bons amigos e passavam horas conversando nos corredores de conferências ou tomando chá no escritório dele, falando sobre sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas. “Então, para ele, é muito pessoal vir aqui e honrar o legado dela”, afirmou Wanjira Maathai, que se encontrará com o rei durante sua visita.

O rei Carlos III e a rainha Camilla iniciam uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia em 31 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/AFP

Nesta terça-feira, Charles e Camilla visitaram um novo museu dedicado à história do Quênia erguido no local em que o país foi declarado independente, em 1963. Ele assentiu com a cabeça algumas vezes, caminhando com as mãos para trás, conforme passou diante de artefatos que documentam o legado colonial britânico, incluindo o período de estado de emergência em que o governo britânico prendia qualquer indivíduo suspeito de pertencer ao movimento Mau Mau ou auxiliá-lo.

Milhões de pessoas, principalmente da etnia Kikuyu, que possui a maior presença no Quênia, foram submetidas a opressão nesse período, confinadas, forçadas a deixar suas casas ou colocadas em campos de detenção ou vilarejos cercados por arame farpado e trincheiras com lanças afiadas. Muitas pessoas foram torturadas, estupradas, obrigadas a realizar trabalhos forçados e abandonadas para morrer de doença e fome.

A repressão dividiu os Kikuyu. Quem colaborava com as autoridades coloniais ganhava grandes faixas de terra, e seus herdeiros continuam a se beneficiar até hoje.

“Houve muita agonia nesses vilarejos”, afirmou Jane Wangechi, de 96 anos, que trabalhou como espiã e cozinheira para o movimento Mau Mau. Wangechi afirmou que sua família passou três anos em vilarejos de detenção e que nesse período ela perdeu dois tios e um primo.

O rei também encara pedidos de reconhecimento por outros abusos e injustiças, velhos e novos.

Jane Wangechi, era espiã e cozinheira dos rebeldes Mau Mau antes de as forças coloniais britânicas transferirem a sua família para aldeias de detenção durante três anos Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Por todo o Vale do Rift, anciões de etnia Nandi pedem ao governo britânico que devolva a cabeça do líder espiritual e combatente anticolonialista Koitalel Arap Samoei. Os anciões Nandi afirmam que Samoei foi decapitado por um oficial militar britânico no fim do século 19 e enviada para a Inglaterra como um troféu. Os Nandi são parte da tribo Kalenjin, de Ruto.

Os líderes do grupo étnico Kipsigis também querem compensação por terem sido removidos à força de suas terras férteis, o que abriu caminho para os colonos brancos e o estabelecimento de lucrativas fazendas de abacaxi. Este ano, uma reportagem da BBC sobre abusos sexuais ocorridos em fazendas de chá de empresas britânicas causaram indignação e tensões sobre as terras quenianas.

A visita de Charles também faz ressurgir ressentimentos sobre a conduta dos soldados britânicos presentes atualmente no Quênia.

A unidade de treinamento foi acusada de abusar sexualmente de mulheres, causar um incêndio devastador e usar produtos químicos nocivos.

Além disso, um soldado britânico é suspeito do assassinato da trabalhadora sexual Agnes Wanjiru, em 2012, mas nunca foi preso nem indiciado. Um acordo entre os países isenta soldados britânicos de ações penais. Alguns legisladores querem mudar isso. Em agosto, o Parlamento queniano lançou uma investigação sobre atividades de soldados britânicos.

“Agnes nunca descansou em paz”, afirmou em entrevista uma sobrinha, Esther Muchiri. “Nós não estamos pedindo nenhum tratamento especial do rei. Nós só queremos Justiça.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um visitante inspeciona capacetes usados pelas forças coloniais britânicas em um novo museu dedicado à história do Quênia, no local onde o país foi declarado independente em 1963 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

THE NEW YORK TIMES - Aos 86 anos, com as mãos enrugadas apoiadas numa bengala enquanto caminhava lentamente por seu pequeno terreno diante do Monte Quênia, Joseph Mwangi recordou-se com amargor dos anos que passou lutando contra o governo colonial britânico no Quênia.

Sete décadas atrás, Mwangi acampava com rebeldes Mau Mau naquela montanha e nas florestas, enfrentando frio, chuva, leões e elefantes. Ele contou que foi baleado duas vezes pelas tropas britânicas e quase morreu. E quando as forças coloniais eventualmente o capturaram, afirmou ele, os britânicos o torturaram e o sentenciaram a dois anos de trabalhos forçados.

“As forças britânicas foram realmente duras conosco. Foram terríveis”, afirmou Mwangi, que serviu diretamente sob ordens do lendário líder da insurreição, Dedan Kimathi. “Agora nós queremos um pedido de desculpas e dinheiro pelo que eles fizeram.”

O rei Carlos III chega à Biblioteca Eastland em Nairóbi em 31 de outubro de 2023 em uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia Foto: Patrick Meinhardt/AFP

O nefasto passado colonial do Quênia fez-se presente conforme o rei Charles III iniciou oficialmente uma visita de quatro dias à nação da África Oriental nesta terça-feira, em sua primeira visita de Estado a um país da Commonwealth desde que foi coroado, no ano passado, e primeira visita como rei a um país africano.

Charles e a rainha Camilla aterrissaram num Quênia em que muitas comunidades ainda choram mortes e lidam com a dor da perda de parentes submetidos às décadas de controle colonial britânico, de 1895 a 1963. O rei é pressionado por grupos de defesa de direitos humanos, anciões e ativistas para retratar-se em nome de seu país por injustiças históricas, desculpar-se e pagar reparações para indivíduos que sofreram tortura e foram removidos de suas terras ancestrais.

Sua família tem uma relação próxima com o Quênia. Sua mãe, a rainha Elizabeth II, visitava a reserva de vida selvagem de Treetops, em 1952, quando soube que seu pai tinha morrido e que ela iria suceder-lhe como monarca. Naquele ano, os britânicos lançaram uma campanha sangrenta, que duraria oito anos, para esmagar o movimento de independência do Quênia, liderado pelos rebeldes Mau Mau.

Ainda há cerca de 400 soldados britânicos estacionados no Quênia para treinamento. Também tem sido pedido ao rei Charles que aborde os abusos que alguns desses militares cometeram ao longo dos anos. O tema é tão sensível que na segunda-feira a polícia queniana impediu a realização de uma conferência de imprensa destinada a transmitir informações a respeito dessas acusações.

Joseph Macharia Mwangi, um dos últimos veteranos sobreviventes da sangrenta rebelião Mau Mau contra as forças coloniais britânicas na década de 1950, em sua casa nos arredores de Nyeri, Quênia Foto: Patrick Meinhardt/NYT

O rei encara uma geração mais jovem de quenianos, alguns apáticos, outros acolhedores, mas muitos críticos em relação à monarquia depois de aprender a respeito de seu legado sombrio e cruel. Muitos quenianos viram com bons olhos outras ex-colônias britânicas, como Barbados, cortar os laços com a monarquia ou considerar fazê-lo, como a Jamaica.

O Quênia é uma república, e Charles não possui nenhuma função oficial de governo, mas o país pertence à Commonwealth, que é liderada pelo rei. A Commonwealth, que abrange 56 países em 5 continentes, nasceu das cinzas do Império Britânico.

O Palácio de Buckingham afirmou que o rei “reconhecerá os aspectos mais dolorosos” da história de ambos os países e “aprofundará seu entendimento sobre violações sofridas” durante a intensa contrainsurgência, de 1952 a 1960.

O Reino Unido nunca se desculpou diretamente pelos abusos que cometeu no Quênia, mas já expressou arrependimento. Após um processo judicial, Londres pagou cerca de 20 milhões de libras (US$ 24,3 milhões) uma década atrás para mais de 5 mil indivíduos que sofreram abusos durante a insurreição Mau Mau. Mwangi não era um deles.

“Há muitas dores e danos que não foram reconhecidos e que eles se recusam a reconhecer”, afirmou a escritora queniana Aleya Kassam, cofundadora do estúdio de conteúdo feminista LAM Sisterhood, que produz peças de teatro, podcasts e musicais sobre mulheres, incluindo as que se envolveram nos movimentos de libertação do Quênia.

“Eu senti raiva simplesmente quando aprendi a respeito dessa história sombria e percebi o quanto ela ainda está presente”, afirmou ela, acrescentando, “Eu não acho que ele (o rei) deveria se sentir à vontade aqui de nenhuma maneira”.

Jovens num contêiner de carga representando diferentes líderes africanos, em Githurai, Quênia, em 29 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Mas para Charles a visita é uma chance de melhorar a relação do Reino Unido com o Quênia, um parceiro econômico e aliado militar crítico numa região turbulenta.

O rei comparecerá a um jantar de Estado oferecido pelo presidente queniano, William Ruto, e visitará uma base naval na cidade costeira de Mombasa. Defensor da natureza há longa data, Charles visitará o Parque Nacional de Nairóbi e comparecerá a um evento em celebração à vida da ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Wangari Maathai na Floresta Karura, que ela ajudou a proteger de empreendedores imobiliários antes de morrer, em 2011.

“Eu admiro a maneira que ele usou sua influência em apoio a temas relacionados a sustentabilidade e defesa do meio ambiente por décadas. E isso tem de ser reconhecido”, afirmou Wanjira Mathai, filha de Wangari Maathai e também ativista ambiental.

Wanjira Maathai afirmou que Charles e sua mãe eram bons amigos e passavam horas conversando nos corredores de conferências ou tomando chá no escritório dele, falando sobre sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas. “Então, para ele, é muito pessoal vir aqui e honrar o legado dela”, afirmou Wanjira Maathai, que se encontrará com o rei durante sua visita.

O rei Carlos III e a rainha Camilla iniciam uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia em 31 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/AFP

Nesta terça-feira, Charles e Camilla visitaram um novo museu dedicado à história do Quênia erguido no local em que o país foi declarado independente, em 1963. Ele assentiu com a cabeça algumas vezes, caminhando com as mãos para trás, conforme passou diante de artefatos que documentam o legado colonial britânico, incluindo o período de estado de emergência em que o governo britânico prendia qualquer indivíduo suspeito de pertencer ao movimento Mau Mau ou auxiliá-lo.

Milhões de pessoas, principalmente da etnia Kikuyu, que possui a maior presença no Quênia, foram submetidas a opressão nesse período, confinadas, forçadas a deixar suas casas ou colocadas em campos de detenção ou vilarejos cercados por arame farpado e trincheiras com lanças afiadas. Muitas pessoas foram torturadas, estupradas, obrigadas a realizar trabalhos forçados e abandonadas para morrer de doença e fome.

A repressão dividiu os Kikuyu. Quem colaborava com as autoridades coloniais ganhava grandes faixas de terra, e seus herdeiros continuam a se beneficiar até hoje.

“Houve muita agonia nesses vilarejos”, afirmou Jane Wangechi, de 96 anos, que trabalhou como espiã e cozinheira para o movimento Mau Mau. Wangechi afirmou que sua família passou três anos em vilarejos de detenção e que nesse período ela perdeu dois tios e um primo.

O rei também encara pedidos de reconhecimento por outros abusos e injustiças, velhos e novos.

Jane Wangechi, era espiã e cozinheira dos rebeldes Mau Mau antes de as forças coloniais britânicas transferirem a sua família para aldeias de detenção durante três anos Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Por todo o Vale do Rift, anciões de etnia Nandi pedem ao governo britânico que devolva a cabeça do líder espiritual e combatente anticolonialista Koitalel Arap Samoei. Os anciões Nandi afirmam que Samoei foi decapitado por um oficial militar britânico no fim do século 19 e enviada para a Inglaterra como um troféu. Os Nandi são parte da tribo Kalenjin, de Ruto.

Os líderes do grupo étnico Kipsigis também querem compensação por terem sido removidos à força de suas terras férteis, o que abriu caminho para os colonos brancos e o estabelecimento de lucrativas fazendas de abacaxi. Este ano, uma reportagem da BBC sobre abusos sexuais ocorridos em fazendas de chá de empresas britânicas causaram indignação e tensões sobre as terras quenianas.

A visita de Charles também faz ressurgir ressentimentos sobre a conduta dos soldados britânicos presentes atualmente no Quênia.

A unidade de treinamento foi acusada de abusar sexualmente de mulheres, causar um incêndio devastador e usar produtos químicos nocivos.

Além disso, um soldado britânico é suspeito do assassinato da trabalhadora sexual Agnes Wanjiru, em 2012, mas nunca foi preso nem indiciado. Um acordo entre os países isenta soldados britânicos de ações penais. Alguns legisladores querem mudar isso. Em agosto, o Parlamento queniano lançou uma investigação sobre atividades de soldados britânicos.

“Agnes nunca descansou em paz”, afirmou em entrevista uma sobrinha, Esther Muchiri. “Nós não estamos pedindo nenhum tratamento especial do rei. Nós só queremos Justiça.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um visitante inspeciona capacetes usados pelas forças coloniais britânicas em um novo museu dedicado à história do Quênia, no local onde o país foi declarado independente em 1963 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

THE NEW YORK TIMES - Aos 86 anos, com as mãos enrugadas apoiadas numa bengala enquanto caminhava lentamente por seu pequeno terreno diante do Monte Quênia, Joseph Mwangi recordou-se com amargor dos anos que passou lutando contra o governo colonial britânico no Quênia.

Sete décadas atrás, Mwangi acampava com rebeldes Mau Mau naquela montanha e nas florestas, enfrentando frio, chuva, leões e elefantes. Ele contou que foi baleado duas vezes pelas tropas britânicas e quase morreu. E quando as forças coloniais eventualmente o capturaram, afirmou ele, os britânicos o torturaram e o sentenciaram a dois anos de trabalhos forçados.

“As forças britânicas foram realmente duras conosco. Foram terríveis”, afirmou Mwangi, que serviu diretamente sob ordens do lendário líder da insurreição, Dedan Kimathi. “Agora nós queremos um pedido de desculpas e dinheiro pelo que eles fizeram.”

O rei Carlos III chega à Biblioteca Eastland em Nairóbi em 31 de outubro de 2023 em uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia Foto: Patrick Meinhardt/AFP

O nefasto passado colonial do Quênia fez-se presente conforme o rei Charles III iniciou oficialmente uma visita de quatro dias à nação da África Oriental nesta terça-feira, em sua primeira visita de Estado a um país da Commonwealth desde que foi coroado, no ano passado, e primeira visita como rei a um país africano.

Charles e a rainha Camilla aterrissaram num Quênia em que muitas comunidades ainda choram mortes e lidam com a dor da perda de parentes submetidos às décadas de controle colonial britânico, de 1895 a 1963. O rei é pressionado por grupos de defesa de direitos humanos, anciões e ativistas para retratar-se em nome de seu país por injustiças históricas, desculpar-se e pagar reparações para indivíduos que sofreram tortura e foram removidos de suas terras ancestrais.

Sua família tem uma relação próxima com o Quênia. Sua mãe, a rainha Elizabeth II, visitava a reserva de vida selvagem de Treetops, em 1952, quando soube que seu pai tinha morrido e que ela iria suceder-lhe como monarca. Naquele ano, os britânicos lançaram uma campanha sangrenta, que duraria oito anos, para esmagar o movimento de independência do Quênia, liderado pelos rebeldes Mau Mau.

Ainda há cerca de 400 soldados britânicos estacionados no Quênia para treinamento. Também tem sido pedido ao rei Charles que aborde os abusos que alguns desses militares cometeram ao longo dos anos. O tema é tão sensível que na segunda-feira a polícia queniana impediu a realização de uma conferência de imprensa destinada a transmitir informações a respeito dessas acusações.

Joseph Macharia Mwangi, um dos últimos veteranos sobreviventes da sangrenta rebelião Mau Mau contra as forças coloniais britânicas na década de 1950, em sua casa nos arredores de Nyeri, Quênia Foto: Patrick Meinhardt/NYT

O rei encara uma geração mais jovem de quenianos, alguns apáticos, outros acolhedores, mas muitos críticos em relação à monarquia depois de aprender a respeito de seu legado sombrio e cruel. Muitos quenianos viram com bons olhos outras ex-colônias britânicas, como Barbados, cortar os laços com a monarquia ou considerar fazê-lo, como a Jamaica.

O Quênia é uma república, e Charles não possui nenhuma função oficial de governo, mas o país pertence à Commonwealth, que é liderada pelo rei. A Commonwealth, que abrange 56 países em 5 continentes, nasceu das cinzas do Império Britânico.

O Palácio de Buckingham afirmou que o rei “reconhecerá os aspectos mais dolorosos” da história de ambos os países e “aprofundará seu entendimento sobre violações sofridas” durante a intensa contrainsurgência, de 1952 a 1960.

O Reino Unido nunca se desculpou diretamente pelos abusos que cometeu no Quênia, mas já expressou arrependimento. Após um processo judicial, Londres pagou cerca de 20 milhões de libras (US$ 24,3 milhões) uma década atrás para mais de 5 mil indivíduos que sofreram abusos durante a insurreição Mau Mau. Mwangi não era um deles.

“Há muitas dores e danos que não foram reconhecidos e que eles se recusam a reconhecer”, afirmou a escritora queniana Aleya Kassam, cofundadora do estúdio de conteúdo feminista LAM Sisterhood, que produz peças de teatro, podcasts e musicais sobre mulheres, incluindo as que se envolveram nos movimentos de libertação do Quênia.

“Eu senti raiva simplesmente quando aprendi a respeito dessa história sombria e percebi o quanto ela ainda está presente”, afirmou ela, acrescentando, “Eu não acho que ele (o rei) deveria se sentir à vontade aqui de nenhuma maneira”.

Jovens num contêiner de carga representando diferentes líderes africanos, em Githurai, Quênia, em 29 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Mas para Charles a visita é uma chance de melhorar a relação do Reino Unido com o Quênia, um parceiro econômico e aliado militar crítico numa região turbulenta.

O rei comparecerá a um jantar de Estado oferecido pelo presidente queniano, William Ruto, e visitará uma base naval na cidade costeira de Mombasa. Defensor da natureza há longa data, Charles visitará o Parque Nacional de Nairóbi e comparecerá a um evento em celebração à vida da ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Wangari Maathai na Floresta Karura, que ela ajudou a proteger de empreendedores imobiliários antes de morrer, em 2011.

“Eu admiro a maneira que ele usou sua influência em apoio a temas relacionados a sustentabilidade e defesa do meio ambiente por décadas. E isso tem de ser reconhecido”, afirmou Wanjira Mathai, filha de Wangari Maathai e também ativista ambiental.

Wanjira Maathai afirmou que Charles e sua mãe eram bons amigos e passavam horas conversando nos corredores de conferências ou tomando chá no escritório dele, falando sobre sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas. “Então, para ele, é muito pessoal vir aqui e honrar o legado dela”, afirmou Wanjira Maathai, que se encontrará com o rei durante sua visita.

O rei Carlos III e a rainha Camilla iniciam uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia em 31 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/AFP

Nesta terça-feira, Charles e Camilla visitaram um novo museu dedicado à história do Quênia erguido no local em que o país foi declarado independente, em 1963. Ele assentiu com a cabeça algumas vezes, caminhando com as mãos para trás, conforme passou diante de artefatos que documentam o legado colonial britânico, incluindo o período de estado de emergência em que o governo britânico prendia qualquer indivíduo suspeito de pertencer ao movimento Mau Mau ou auxiliá-lo.

Milhões de pessoas, principalmente da etnia Kikuyu, que possui a maior presença no Quênia, foram submetidas a opressão nesse período, confinadas, forçadas a deixar suas casas ou colocadas em campos de detenção ou vilarejos cercados por arame farpado e trincheiras com lanças afiadas. Muitas pessoas foram torturadas, estupradas, obrigadas a realizar trabalhos forçados e abandonadas para morrer de doença e fome.

A repressão dividiu os Kikuyu. Quem colaborava com as autoridades coloniais ganhava grandes faixas de terra, e seus herdeiros continuam a se beneficiar até hoje.

“Houve muita agonia nesses vilarejos”, afirmou Jane Wangechi, de 96 anos, que trabalhou como espiã e cozinheira para o movimento Mau Mau. Wangechi afirmou que sua família passou três anos em vilarejos de detenção e que nesse período ela perdeu dois tios e um primo.

O rei também encara pedidos de reconhecimento por outros abusos e injustiças, velhos e novos.

Jane Wangechi, era espiã e cozinheira dos rebeldes Mau Mau antes de as forças coloniais britânicas transferirem a sua família para aldeias de detenção durante três anos Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Por todo o Vale do Rift, anciões de etnia Nandi pedem ao governo britânico que devolva a cabeça do líder espiritual e combatente anticolonialista Koitalel Arap Samoei. Os anciões Nandi afirmam que Samoei foi decapitado por um oficial militar britânico no fim do século 19 e enviada para a Inglaterra como um troféu. Os Nandi são parte da tribo Kalenjin, de Ruto.

Os líderes do grupo étnico Kipsigis também querem compensação por terem sido removidos à força de suas terras férteis, o que abriu caminho para os colonos brancos e o estabelecimento de lucrativas fazendas de abacaxi. Este ano, uma reportagem da BBC sobre abusos sexuais ocorridos em fazendas de chá de empresas britânicas causaram indignação e tensões sobre as terras quenianas.

A visita de Charles também faz ressurgir ressentimentos sobre a conduta dos soldados britânicos presentes atualmente no Quênia.

A unidade de treinamento foi acusada de abusar sexualmente de mulheres, causar um incêndio devastador e usar produtos químicos nocivos.

Além disso, um soldado britânico é suspeito do assassinato da trabalhadora sexual Agnes Wanjiru, em 2012, mas nunca foi preso nem indiciado. Um acordo entre os países isenta soldados britânicos de ações penais. Alguns legisladores querem mudar isso. Em agosto, o Parlamento queniano lançou uma investigação sobre atividades de soldados britânicos.

“Agnes nunca descansou em paz”, afirmou em entrevista uma sobrinha, Esther Muchiri. “Nós não estamos pedindo nenhum tratamento especial do rei. Nós só queremos Justiça.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um visitante inspeciona capacetes usados pelas forças coloniais britânicas em um novo museu dedicado à história do Quênia, no local onde o país foi declarado independente em 1963 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

THE NEW YORK TIMES - Aos 86 anos, com as mãos enrugadas apoiadas numa bengala enquanto caminhava lentamente por seu pequeno terreno diante do Monte Quênia, Joseph Mwangi recordou-se com amargor dos anos que passou lutando contra o governo colonial britânico no Quênia.

Sete décadas atrás, Mwangi acampava com rebeldes Mau Mau naquela montanha e nas florestas, enfrentando frio, chuva, leões e elefantes. Ele contou que foi baleado duas vezes pelas tropas britânicas e quase morreu. E quando as forças coloniais eventualmente o capturaram, afirmou ele, os britânicos o torturaram e o sentenciaram a dois anos de trabalhos forçados.

“As forças britânicas foram realmente duras conosco. Foram terríveis”, afirmou Mwangi, que serviu diretamente sob ordens do lendário líder da insurreição, Dedan Kimathi. “Agora nós queremos um pedido de desculpas e dinheiro pelo que eles fizeram.”

O rei Carlos III chega à Biblioteca Eastland em Nairóbi em 31 de outubro de 2023 em uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia Foto: Patrick Meinhardt/AFP

O nefasto passado colonial do Quênia fez-se presente conforme o rei Charles III iniciou oficialmente uma visita de quatro dias à nação da África Oriental nesta terça-feira, em sua primeira visita de Estado a um país da Commonwealth desde que foi coroado, no ano passado, e primeira visita como rei a um país africano.

Charles e a rainha Camilla aterrissaram num Quênia em que muitas comunidades ainda choram mortes e lidam com a dor da perda de parentes submetidos às décadas de controle colonial britânico, de 1895 a 1963. O rei é pressionado por grupos de defesa de direitos humanos, anciões e ativistas para retratar-se em nome de seu país por injustiças históricas, desculpar-se e pagar reparações para indivíduos que sofreram tortura e foram removidos de suas terras ancestrais.

Sua família tem uma relação próxima com o Quênia. Sua mãe, a rainha Elizabeth II, visitava a reserva de vida selvagem de Treetops, em 1952, quando soube que seu pai tinha morrido e que ela iria suceder-lhe como monarca. Naquele ano, os britânicos lançaram uma campanha sangrenta, que duraria oito anos, para esmagar o movimento de independência do Quênia, liderado pelos rebeldes Mau Mau.

Ainda há cerca de 400 soldados britânicos estacionados no Quênia para treinamento. Também tem sido pedido ao rei Charles que aborde os abusos que alguns desses militares cometeram ao longo dos anos. O tema é tão sensível que na segunda-feira a polícia queniana impediu a realização de uma conferência de imprensa destinada a transmitir informações a respeito dessas acusações.

Joseph Macharia Mwangi, um dos últimos veteranos sobreviventes da sangrenta rebelião Mau Mau contra as forças coloniais britânicas na década de 1950, em sua casa nos arredores de Nyeri, Quênia Foto: Patrick Meinhardt/NYT

O rei encara uma geração mais jovem de quenianos, alguns apáticos, outros acolhedores, mas muitos críticos em relação à monarquia depois de aprender a respeito de seu legado sombrio e cruel. Muitos quenianos viram com bons olhos outras ex-colônias britânicas, como Barbados, cortar os laços com a monarquia ou considerar fazê-lo, como a Jamaica.

O Quênia é uma república, e Charles não possui nenhuma função oficial de governo, mas o país pertence à Commonwealth, que é liderada pelo rei. A Commonwealth, que abrange 56 países em 5 continentes, nasceu das cinzas do Império Britânico.

O Palácio de Buckingham afirmou que o rei “reconhecerá os aspectos mais dolorosos” da história de ambos os países e “aprofundará seu entendimento sobre violações sofridas” durante a intensa contrainsurgência, de 1952 a 1960.

O Reino Unido nunca se desculpou diretamente pelos abusos que cometeu no Quênia, mas já expressou arrependimento. Após um processo judicial, Londres pagou cerca de 20 milhões de libras (US$ 24,3 milhões) uma década atrás para mais de 5 mil indivíduos que sofreram abusos durante a insurreição Mau Mau. Mwangi não era um deles.

“Há muitas dores e danos que não foram reconhecidos e que eles se recusam a reconhecer”, afirmou a escritora queniana Aleya Kassam, cofundadora do estúdio de conteúdo feminista LAM Sisterhood, que produz peças de teatro, podcasts e musicais sobre mulheres, incluindo as que se envolveram nos movimentos de libertação do Quênia.

“Eu senti raiva simplesmente quando aprendi a respeito dessa história sombria e percebi o quanto ela ainda está presente”, afirmou ela, acrescentando, “Eu não acho que ele (o rei) deveria se sentir à vontade aqui de nenhuma maneira”.

Jovens num contêiner de carga representando diferentes líderes africanos, em Githurai, Quênia, em 29 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Mas para Charles a visita é uma chance de melhorar a relação do Reino Unido com o Quênia, um parceiro econômico e aliado militar crítico numa região turbulenta.

O rei comparecerá a um jantar de Estado oferecido pelo presidente queniano, William Ruto, e visitará uma base naval na cidade costeira de Mombasa. Defensor da natureza há longa data, Charles visitará o Parque Nacional de Nairóbi e comparecerá a um evento em celebração à vida da ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Wangari Maathai na Floresta Karura, que ela ajudou a proteger de empreendedores imobiliários antes de morrer, em 2011.

“Eu admiro a maneira que ele usou sua influência em apoio a temas relacionados a sustentabilidade e defesa do meio ambiente por décadas. E isso tem de ser reconhecido”, afirmou Wanjira Mathai, filha de Wangari Maathai e também ativista ambiental.

Wanjira Maathai afirmou que Charles e sua mãe eram bons amigos e passavam horas conversando nos corredores de conferências ou tomando chá no escritório dele, falando sobre sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas. “Então, para ele, é muito pessoal vir aqui e honrar o legado dela”, afirmou Wanjira Maathai, que se encontrará com o rei durante sua visita.

O rei Carlos III e a rainha Camilla iniciam uma visita de Estado de quatro dias ao Quênia em 31 de outubro de 2023 Foto: Patrick Meinhardt/AFP

Nesta terça-feira, Charles e Camilla visitaram um novo museu dedicado à história do Quênia erguido no local em que o país foi declarado independente, em 1963. Ele assentiu com a cabeça algumas vezes, caminhando com as mãos para trás, conforme passou diante de artefatos que documentam o legado colonial britânico, incluindo o período de estado de emergência em que o governo britânico prendia qualquer indivíduo suspeito de pertencer ao movimento Mau Mau ou auxiliá-lo.

Milhões de pessoas, principalmente da etnia Kikuyu, que possui a maior presença no Quênia, foram submetidas a opressão nesse período, confinadas, forçadas a deixar suas casas ou colocadas em campos de detenção ou vilarejos cercados por arame farpado e trincheiras com lanças afiadas. Muitas pessoas foram torturadas, estupradas, obrigadas a realizar trabalhos forçados e abandonadas para morrer de doença e fome.

A repressão dividiu os Kikuyu. Quem colaborava com as autoridades coloniais ganhava grandes faixas de terra, e seus herdeiros continuam a se beneficiar até hoje.

“Houve muita agonia nesses vilarejos”, afirmou Jane Wangechi, de 96 anos, que trabalhou como espiã e cozinheira para o movimento Mau Mau. Wangechi afirmou que sua família passou três anos em vilarejos de detenção e que nesse período ela perdeu dois tios e um primo.

O rei também encara pedidos de reconhecimento por outros abusos e injustiças, velhos e novos.

Jane Wangechi, era espiã e cozinheira dos rebeldes Mau Mau antes de as forças coloniais britânicas transferirem a sua família para aldeias de detenção durante três anos Foto: Patrick Meinhardt/NYT

Por todo o Vale do Rift, anciões de etnia Nandi pedem ao governo britânico que devolva a cabeça do líder espiritual e combatente anticolonialista Koitalel Arap Samoei. Os anciões Nandi afirmam que Samoei foi decapitado por um oficial militar britânico no fim do século 19 e enviada para a Inglaterra como um troféu. Os Nandi são parte da tribo Kalenjin, de Ruto.

Os líderes do grupo étnico Kipsigis também querem compensação por terem sido removidos à força de suas terras férteis, o que abriu caminho para os colonos brancos e o estabelecimento de lucrativas fazendas de abacaxi. Este ano, uma reportagem da BBC sobre abusos sexuais ocorridos em fazendas de chá de empresas britânicas causaram indignação e tensões sobre as terras quenianas.

A visita de Charles também faz ressurgir ressentimentos sobre a conduta dos soldados britânicos presentes atualmente no Quênia.

A unidade de treinamento foi acusada de abusar sexualmente de mulheres, causar um incêndio devastador e usar produtos químicos nocivos.

Além disso, um soldado britânico é suspeito do assassinato da trabalhadora sexual Agnes Wanjiru, em 2012, mas nunca foi preso nem indiciado. Um acordo entre os países isenta soldados britânicos de ações penais. Alguns legisladores querem mudar isso. Em agosto, o Parlamento queniano lançou uma investigação sobre atividades de soldados britânicos.

“Agnes nunca descansou em paz”, afirmou em entrevista uma sobrinha, Esther Muchiri. “Nós não estamos pedindo nenhum tratamento especial do rei. Nós só queremos Justiça.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Um visitante inspeciona capacetes usados pelas forças coloniais britânicas em um novo museu dedicado à história do Quênia, no local onde o país foi declarado independente em 1963 Foto: Patrick Meinhardt/NYT

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