As festividades da posse do novo presidente do Uruguai, o advogado Luís Lacalle Pou, de 46 anos, trouxeram cavaleiros de todas as partes do país que mudaram o fluxo das ruas da capital Montevidéu: além dos carros, ônibus e motos, os cavalos estavam por toda a parte. Desde o início da semana, os apoiadores de Pou foram chegando para transformar uma tradição na posse - o desfile acompanhado por alguns poucos cavalos - em um evento inédito e de grandes proporções. A estimativa é de que mais de mil cavaleiros tenham chegado à capital uruguaia nos últimos dias.
Eles ficaram em um recinto que recebe a maior feira agropecuária do país e prepararam um churrasco com o presidente na noite de sábado, 29. Também deram de presente uma faca de prata e ouro para a coleção de Lacalle Pou, que tirou fotos e foi ovacionado.
O novo presidente venceu em 17 dos Departamentos (Estados) considerados o "interior" do Uruguai, onde a criação de bovinos, ovinos e a produção agrícola são os motores de uma economia que por vezes se vê esquecida pela capital. Já a Frente Ampla, que ficou 15 anos no poder, ganhou em Montevidéu, o Departamento mais populoso, com cerca de 1,4 milhão de habitantes, e em Canelones, também próximo da maior cidade do país.
Nos últimos anos, com o peso desvalorizado, os exportadores viram cair seus ganhos. Com a criação do movimento "Um Só Uruguai" em distintas cidades do país, a voz do campo passou a ser ouvida de maneira diferente. “Eles pediam as baixas dos custos de produção, se manifestavam contra o roubo de gado, são setores pouco privilegiados que se veem como abandonados. Houve muita visibilidade. O país vive muito do campo mas não o tem muito respeitado em seu imaginário”, explica o sociólogo Sebastián Aguiar, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República do Uruguai.
Fim de um ciclo
A eleição do presidente rompe um ciclo de 15 anos de governos da Frente Ampla, grupo de esquerda liderado por nomes como José “Pepe” Mujica e o ex-presidente Tabaré Vázquez. Foi a eleição nacional mais disputada em 25 anos - decidida por menos de 29 mil votos. Apesar de perder a presidência, a Frente Ampla terá maioria na Câmara dos Representantes - 41 de 99 parlamentares - e no Senado, com 13 de 31 cadeiras.
Lacalle Pou, que disputou a presidência pela segunda vez, assume o país num momento de aumento da criminalidade na cidade e no campo e vê a economia desacelerar após bons anos de crescimento - fator que contribuiu para a derrota do partido Frente Ampla. Ele tem como promessas reduzir o déficit público, facilitar a imigração e combater a insegurança.
“Na política, a ênfase mais importante está dada para a segurança pública. Haverá maior peso para a polícia e elevação de pena para alguns crimes”, afirma Sebastián Aguiar. “Esse assunto é polêmico porque não há um acordo forte na coalizão de governo em como tratá-lo”.
A mudança do governo não deve afetar as relações com o Brasil, um dos principais parceiros comerciais. “A relação Brasil-Uruguai é muito rica, intensa e está bem integrada. Nos entendemos muito bem e vai continuar assim”, afirmou ao Estado o embaixador do Uruguai no Brasil, Gustavo Vanerio. “Não vejo nenhuma mudança na política comercial com o Brasil”, disse, citando o interesse dos uruguaios em atrair mais turistas brasileiros e de estabelecer mais rotas de voo do Brasil para o país - como partidas de Brasília, de Belo Horizonte e de Florianópolis.
Para a posse, não foram convidados os presidentes de Venezuela, Cuba e Nicarágua. O presidente Jair Bolsonaro participou, assim como os líderes de Colômbia, Chile, Paraguai e o rei da Espanha, Felipe VI. Em seu primeiro discurso, Pou defendeu o fortalecimento do Mercosul, independente das ideologias pessoais de seus líderes e afirmou que o novo governo, de centro-direita, não será a troca de "uma metade da sociedade pela outra".
Coalizão complexa
Para governar, Lacalle Pou, do Partido Nacional, organizou uma coalizão chamada de "multicolor", com o Partido Colorado, Partido Independiente, Partido da Gente e o Cabildo Abierto, legenda conservadora criada em 2019 com apelo militar, defensora de políticas “linha dura” e saudosista da ditadura uruguaia. Seu líder é Guido Manini Rios, ex-comandante das Forças Armadas, marcado por declarações controversas.
“É um partido complexo de explicar. Tem uma base forte militar e policial e apoio de setores mais desfavorecidos da população, principalmente nos Departamentos (Estados) do norte, mais conservadores”, explica Aguiar. “Ainda é uma incógnita. Todo mundo conhece a liderança, mas não as segundas filas”. O partido tem três senadores, 11 deputados e dois ministros.
"O Cabildo Abierto se declara contra a agenda de direitos das mulheres, sobretudo em relação ao aborto, e contra a população LGBT", afirma Lilian Celiberti, coordenadora do Cotidiano Mujer, grupo feminista criado em 1985. "Não havia acontecido isso nos últimos anos, uma direita expressamente antidireitos. É algo novo". Segundo ela, o partido elegeu o feminismo e o movimento LGBT como inimigos dos "valores da família".
De toda forma, Celiberti diz que a coalizão é complexa e que as tradições democráticas uruguaias estão enraizadas na sociedade e não nos partidos. "A força das mudanças progressistas está nos uruguaios". Ela também destacou o papel da vice-presidente Beatriz Argimón, ex-deputada e eleita vice-presidente. "É uma mulher que acompanhou de forma muito ativa a votação do matrimônio igualitário e sempre defendeu o avanço dos direitos das mulheres, a luta contra a violência de gênero", afirmou.
Durante os governos da Frente Ampla, avançaram pautas como a legalização do aborto, do consumo de maconha e a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. "O Uruguai nunca entrou em recessão e teve 16 anos de crescimento ininterrupto com a melhor distribuição de riqueza da América Latina", afirmou emocionado o ex-presidente Tabaré Vázquez, em sua cerimônia de despedida na sexta, 28.
Um dos primeiros desafios de Pou será aprovar o projeto de lei de urgente consideração, que tem 457 artigos tratando temas tão amplos como economia, segurança pública e educação. Ele tem 90 dias para ser aprovado no Congresso.