ENVIADA ESPECIAL A EL PASO E CIUDAD JUAREZ - Na fronteira entre Estados Unidos e México, os sinais de debacle na ditadura Nicolás Maduro são evidentes: homens, mulheres e crianças que enfrentaram meses de caminhada, atravessando a selva e o deserto, na esperança de uma vida melhor. As saudades que contam são muitas, dos familiares que ficaram para trás às arepas, o pão de milho emblemático na culinária da Venezuela, mas as perspectivas de voltar para casa parecem distantes, sem esperança de mudança com as eleições deste domingo.
“Na verdade, eu não queria estar aqui, mas a situação na Venezuela ficou insustentável. Esperamos que o presidente saia para poder voltar”, disse Luis*, na porta de um abrigo para imigrantes, expressando o sentimento comum entre os venezuelanos ouvidos pelo Estadão na cidade fronteiriça de El Paso, Texas.
Ele conta que trabalhava na construção, mas que o salário de US$ 20 semanais era insuficiente no país onde a cesta básica para uma família custa, em média, US$ 550. “O dinheiro não dá para viver”.
Ao seu lado, Jorge*, amigo que fez na jornada migratória, diz que trabalhava como mecânico, mas o ofício se tornou acessório no país que tem a maior reserva de petróleo do mundo, mas não consegue abastecer sozinho o próprio mercado. “Com a escassez de combustíveis, as pessoas não consertam carros que não tem como usar”, afirma.
A crise que se intensificou na última década espalhou 7,7 milhões de imigrantes e refugiados da Venezuela. A maior parte, se estabeleceu em países da América do Sul, como o Brasil, mais recentemente, eles têm seguido aos milhares rumo aos Estado Unidos, que registrou 837 mil entradas de venezuelanos nos últimos anos.
A mudança é motivada por razões econômicas — mercado de trabalho resistente e moeda forte — mas também pelas políticas de asilo e pelo estigma que os venezuelanos passaram a sofrer em países vizinhos, escolha mais frequente no começo da derrocada venezuelana.
Além de pressionar a fronteira sul dos Estados Unidos, a imigração massiva tem impactos dentro da Venezuela. “É um problema perder uma população tão jovem, especialmente se falamos de pessoas com formação universitária, médicos, professores. O país está perdendo um talento humano que fará falta”, afirma a analista política venezuelana María Isabel Puerta Riera, ela mesma uma imigrante que vive no Estado americano da Flórida.
Desconfiança com o regime
Leiran Contreras, de 20 anos, estava em direção aos Estados Unidos com o sonho de estudar. Ele quer fazer faculdade de engenharia de software e conta que as poucas graduações em tecnologia disponíveis na Universidade Central da Venezuela custam US$ 4,5 mil dólares por semestre, preço proibitivo para o jovem, que vivia de comprar produtos em sites chineses para revender na Venezuela.
Em Cidade Juarez, no México, ele esperava pelo processamento do seu pedido no aplicativo do governo americano, o CBP One, canal criado pelo governo Joe Biden para agendar as consultas das pessoas que querem viver nos Estados Unidos. Contreras conta que decidiu recorrer ao caminho legal depois que tentou atravessar ilegalmente e ficou ferido quando a patrulha texana afastou violentamente ele e outros imigrantes que tentavam se entregar como requerentes de asilo. Tinha um corte profundo na perna, causa pelo concertina que o Texas instalou na fronteira.
Quando falou com o Estadão, em junho, a esperava durava duas semanas e meia — o processo pode levar meses. A expectativa dele era conseguir um trabalho nos Estados Unidos, aprender a falar inglês e então fazer a tão sonhada faculdade. Com a profissão, acredita que poderá dar uma vida melhor para a mãe e irmã mais nova, que ficaram na Venezuela, mas não tem esperança de mudança.
Como muitos venezuelanos na fronteira, perdeu a fé no sistema eleitoral e acredita que o ditador Nicolás Maduro não aceitará a derrota. “Sinceramente, não acredito que as coisas vão mudar. São quase dez anos (de Maduro no poder) e as últimas eleições foram corrompidas”, diz ele referindo-se à contestada reeleição do herdeiro do chavismo em 2018.
“O mais provável é que aconteça o mesmo agora porque está impedindo as candidaturas. María Corina Machado, a candidata em que todos queriam votar está inabilitada”, conclui apontando o cerco da ditadura à líder opositora, que venceu as primárias da Plataforma Unitária com mais de 90% dos votos, mas está impedida de disputar as eleições.
Com o fluxo contínuo de imigrantes, o México, última e mais difícil barreira para rumo aos Estados Unidos, identificou 377 mil entradas irregulares de venezuelanos nos primeiros cinco meses de 2024 (dado mais recente), enquanto o país se prepara para eleição que é vista por muitos como a última oportunidade para Venezuela.
Edmundo González, que desafia Nicolás Maduro com apoio de Corina Machado, lidera em todas as pesquisas chegando a 60% das intenções de voto. A saída do chavismo no poder há 25 anos poderia levar ao relaxamento das sanções que sufocam a economia venezuelana e aliviar a crise, permitindo o retorno de imigrantes. Essa é a promessa da oposição.
Maria* aponta com a cabeça para o filho de dois anos quando perguntada porque decidiu migrar para os Estados Unidos. Quer que ele cresça com mais oportunidades do que teria na Venezuela, ou na Colômbia, país do marido. Ela, por sua vez, tem esperanças que a oposição vai vencer as eleições mas que, ainda assim, “levaria uns dez anos para recuperar a Venezuela”.
E há quem esteja ainda mais cético. “Esperamos o melhora, mas com um regime como o de Nicolás Maduro, é muito difícil que eles saiam. É muito difícil, eles vão usar todas as armadilhas que têm. Eu já vivi muitas eleições na Venezuela e vou ser sincero, muitas vezes eles (o chavismo) perdem, mas sempre acabam ganhando. Eles vencem sim ou sim”, afirma Miguel Antonio, 40 anos.
Ele havia acabado de chegar aos Estados Unidos, cruzando o Rio Grande e se entregando como requerente de asilo, após quatro meses de caminhada, passando por Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e México. Miguel estava com irmãos, mulher e filhos no albergue para imigrantes em El Paso. Eram 12 pessoas da mesma família entre adultos, adolescentes e crianças.
“Viemos com gana de trabalhar. Ninguém quer sair do seu país, mas queremos dar uma vida melhor para os nossos filhos. Na Venezuela, você trabalha uma semana e recebe US$ 3 isso não dá nem para um almoço. É por isso que as pessoas migram. Porque ninguém gostaria de deixar o seu país”, reforça. “Pensamos em voltar algum dia.”
Oposição promete reunir famílias
Em vídeo que publicou nas redes socias, María Corina mostra um pai aos prantos enquanto fala dos filhos que estão fora da Venezuela e uma mãe que a vê como a “esperança” para que irmãos, primos, e a filha única voltem para casa.
“Dois venezuelanos como você e eu... Duas famílias separadas como a sua e a minha...Um país unido em um único propósito: ir até o fim, libertar a Venezuela e reunir nossas famílias para sempre!!!”, diz a legenda.
A própria María Corina Machado tem três filhos fora da Venezuela e apela à reunião das famílias para incentivar o voto numa eleição em que a participação elevada tende a favorecer a oposição ao regime.
“É parte de uma mudança estratégia. Ela usa sua própria história e faz referência ao fato de que, assim como ela, muitos venezuelanos estão sofrendo com a separação das famílias. Essa é uma das razões que levaram à unidade na oposição, enfrentar a crise, a catástrofe humanitária e a migração. Parte do incentivo para a participação dos venezuelanos no processo eleitoral tem a ver, entre outras coisas, com a necessidade de reunificar as famílias”, avalia María Isabel Puerta Riera.
Nicolás Maduro, que costumava negar o êxodo venezuelano, agora coloca a culpa nas sanções americanas e passou a prometer que criaria oportunidades de empregos para que as pessoas possam ficar no país, como gostaria Miguel Antonio.
Apesar das promessas, a continuidade do regime chavista pode provocar uma nova onda migratória. Muitos venezuelanos veem esta eleição como a última oportunidade e um terço da população considera a possibilidade de deixar o país se Nicolás Maduro permanecer no poder, indica pesquisa da consultora venezuelana ORC, feita em junho.
Atualmente, um quarto dos venezuelanos vive fora do país, sendo até 5,5 milhões de potenciais eleitores, que enfrentam dificuldades para votar com as regras impostas pelo regime — só 69 mil conseguiram se registrar.
“Se Maduro bloquear essa via (a eleitoral), isso vai significar que mais de 2 ou 3 milhões de venezuelanos podem abandonar o país nos próximos anos”, advertiu María Corina Machado à CNN no começo do ano.
Essa perspectiva acendeu o alerta nos países da América Central e nos Estados Unidos, que ensaiaram uma reaproximação com a Venezuela sob Joe Biden. Em ano de eleição também nos Estados Unidos, o governo democrata está pressionado pela crise migratória e é acusado por Donald Trump de permitir o que os republicanos chamam de “invasão na fronteira”.
A despeito da pressão internacional, o regime subiu o tom contra a oposição, ameaçando um “banho de sangue” em caso de derrota e tem bloqueado a presença de observadores internacionais. São sinais de que o regime não está comprometido de fato com a promessa de eleições justas.
“Não se trata apenas do desempenho nos últimos dez anos, estamos falando de uma deterioração na confiança da própria base chavista no governo. Em teoria, a oposição deveria derrotar o governo nas urnas, no entanto, o que estamos observando é que o governo continua fazendo uso do poder e do controle que tem para impedir eleições limpas e transparentes”, afirma María Isabel Puerta Riera. “Maduro sinaliza que não tem nenhum intenção de respeitar a vontade dos venezuelanos. A falta de observadores nos faz pensar que não haverá vontade política do regime de reconhecer o resultado.”
*Alguns nomes usados na reportagem são fictícios à pedido dos entrevistados, que preferiram não se identificar