JERUSALÉM – Quando um soldado israelense expressou aprovação no mês passado a um político de extrema direita que deve se tornar ministro em um possível governo de Binyamin Netanyahu, um furor nacional foi desencadeado.
O político, Itamar Ben-Gvir, foi considerado extremista demais para servir no exército. Até 2020, ele tinha em casa um retrato de um atirador judeu que, em 1994, matou 29 palestinos a tiros dentro de uma mesquita.
Após o soldado expressas o apoio a Ben-Gvir, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Israel, o tenente-general Aviv Kochavi, rapidamente divulgou uma carta pública alertando os soldados a não se envolver com a política, enquanto o soldado foi enviado para a prisão militar.
“Os soldados estão proibidos de expressar opiniões políticas”, escreveu o general Kochavi. “Eles estão proibidos de se comportar e agir por inclinação política”, acrescentou.
O episódio foi apenas um dos vários incidentes recentes que ameaçaram a harmonia das Forças de Defesa de Israel, que historicamente é vista pelos israelenses judeus como um símbolo de estabilidade e unidade. A maioria deles serve por três anos de recrutamento, apoiando o país contra um leque de ameaças à segurança de todo o Oriente Médio.
Para os palestinos, os militares representam os ataques aéreos de Israel em Gaza, os ataques a cidades da Cisjordânia e o sistema legal de dois níveis no território – comparado por alguns críticos ao apartheid, em uma alegação negada por Israel.
Independente da visão acerca das forças armadas, os principais membros do establishment de segurança israelense temem agora que a imagem e o papel da instituição estejam ameaçados. Uma proporção significativa de soldados votou na extrema direita nas eleições gerais do mês passado – o que reflete uma mudança mais ampla no país, mas aumenta a probabilidade de discordância entre soldados e comandantes.
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Dos eleitores que votaram fora de suas zonas eleitorais na eleição geral no mês passado, a maioria dos quais provavelmente eram soldados em serviço, mais de 15% votaram na extrema direita, de acordo com uma análise de Ofer Kenig, do Instituto de Democracia de Israel, um grupo de pesquisa com sede em Jerusalém. A taxa foi cerca de 50% maior do que entre a população geral.
Em uma carta pública a Netanyahu na semana passada, um grupo de mais de 400 ex-oficiais veteranos, Comandantes para a Segurança de Israel, alertou que os eventos recentes poderiam “terminar em divisões internas e conflitos entre oficiais e tropas, insubordinação, anarquia e, finalmente, a desintegração das Forças Armadas de Israel como uma força de combate eficaz”.
Netanyahu não respondeu diretamente à carta dos ex-generais e seu porta-voz recusou fazer comentários à reportagem. Em outras entrevistas, no entanto, ele afirmou que Israel permanecerá seguro sob a sua liderança.
Divergências internas na coalizão de Netanyahu
O grupo político de coalizão de Netanyahu venceu a eleição em 1º de novembro, mas ainda não assumiu o poder por causa de divergências internas e por obstáculos legais à nomeação de duas pessoas destinada a cargos ministeriais. Na terça-feira, a aliança de Netanyahu votou em um novo presidente do Parlamento, uma medida que permitirá que o bloco aprove uma nova legislação para permitir as nomeações.
Embora ele ainda não esteja de volta ao poder, os acordos preliminares de coalizão de Netanyahu, que correm o risco de diluir o comando militar, e as consequências do incidente envolvendo o soldado na Cisjordânia, atraíram preocupações sobre a capacidade dos militares de superar a crise política.
Historicamente, os líderes militares de Israel foram retratados como uma força moderadora, temperando as ideias mais radicais dos líderes civis – ao mesmo tempo em que cultivavam uma imagem de permanecer fora da disputa política. Essa imagem sempre foi testada, principalmente quando gerações de generais entraram na política logo após deixarem o serviço militar.
Extrema direita em Israel
Entretanto, os eventos recentes refletiram um mudança sociocultural mais ampla entre o establishment centrista de Israel, que busca amplamente manter o status quo no país e na Cisjordânia, e os aliados de extrema direita de Netanyahu, que buscam reformas judiciais abrangentes, uma postura ainda mais dura contra os palestinos na Cisjordânia e um senso ainda mais forte de identidade judaica dentro de Israel.
A manifestação do soldado em favor de Ben-Gvir aconteceu em um pequeno protesto em Hebron, uma cidade da Cisjordânia onde há violência frequente entre colonos e palestinos. “Ben-Gvir vai consertar as coisas aqui”, dizia enquanto reprimia ativistas anti-ocupação.
O incidente alarmou o centro e a esquerda de Israel, mas políticos da direita afirmaram que a manifestação não foi errada. Depois que o soldado foi punido, eles voltaram a dar declarações para afirmar que o episódio havia provado que Ben-Gvir está certo ao sugerir que os soldados precisam de mais apoio.
Pressionado a intervir, Netanyahu adotou um tom cauteloso. Ele evitou criticar Ben-Gvir e, em vez disso, pediu a “todos, da direita a esquerda” que deixem os militares fora do debate político. A resposta deixou alguns membros de segurança de Israel preocupados de que os soldados possam se sentir incentivados a participar da política no futuro.
“O fato de que há soldados que não se comportam de acordo com a tradição das Forças Armadas de Israel e da cadeia de comando militar não é novo”, disse Amos Yadlin, ex-chefe da inteligência militar. “A preocupação é se a magnitude do fenômeno será maior”, acrescentou.
Os temores foram agravados após o acordo que Netanyahu fez com Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, líder de outro grupo de extrema direita e que está na aliança eleita. Smotrich deve ter o controle total de um departamento do Ministério da Defesa, composto por soldados em serviço que supervisionam a burocracia.
Um outro acordo com Ben-Gvir deve dar a ele o controle sobre uma unidade especial da política paramilitar que, até agora, trabalhou sob o Exército israelense na Cisjordânia.
Alguns ex-generais minimizaram as consequências das decisões; outros defenderam que Smotrich e Ben-Gvir poderiam fornecer uma nova abordagem à estratégia de segurança israelense. “Tanto Smotrich quanto Ben-Gvir podem desafiar os padrões existentes dentro da defesa e provocar uma nova cultura, apesar de não terem servido em combate”, disse Amir Avivi, general de brigada da reserva e chefe do Fórum de Defesa e Segurança de Israel, um grupo de ex-oficiais.
Entretanto, muitos ex-generais discordam fortemente. Em entrevistas ao The New York Times, vários afirmaram que os movimentos poderiam minar a cadeia de comando do exército na Cisjordânia. Isso causaria uma estrutura com três autoridades separadas, em vez de apenas uma.