Para o Estado Islâmico a cidade de Dabiq, norte da Síria, nunca teve um real significado estratégico. Mas simbolicamente poucos lugares são considerados mais importantes pelos líderes do grupo. Dabiq seria a cidade em que, para o EI, ocorreria a batalha apocalíptica entre muçulmanos e “romanos”, cumprindo a profecia, que levaria à vitória do califado sobre o Ocidente.
Mas a batalha foi postergada. No domingo o EI, surpreendentemente, retirou-se da cidade, no momento em que seus adversários preparavam a ofensiva contra seu reduto, Mossul, bem mais a leste, no Iraque.
O abandono pelo EI da pequena cidade de 3 mil habitantes foi uma decisão espantosa que vale a pena analisar mais de perto. A profecia, que data do século 7.º, tem sido um dos argumentos mais usados pelo grupo para recrutar militantes. Foi em uma revista em língua inglesa publicada em Dabiq que o EI elogiou os ataques que organizou ou inspirou na Europa e no Norte da África.
O funcionário americano de uma organização de ajuda, Abdul-Rahman Kassig, foi executado nessa cidade. “Aqui estamos em Dabiq, enterrando o primeiro cruzado americano e esperando ansiosamente a chegada dos seus Exércitos”, disse o seu carrasco num vídeo divulgado na época.
A cidade era um símbolo da ameaça do EI. Agora pode significar o desaparecimento do grupo. Sem dúvida, Dabiq foi crucial para a propaganda do EI. Dados do Google mostram como os ataques no Ocidente alimentaram a retórica apocalíptica.
Buscas do termo “Dabiq” na internet começaram em dezembro de 2014, quando a revista que leva o mesmo título publicou uma forte crítica à Al-Qaeda, referindo-se à batalha apocalíptica que se supunha ocorreria mais à frente. Daí em diante, as buscas aumentaram bastante por ocasião dos atentados em países ocidentais: como o ataque contra a Charlie Hebdo ou os atentados devastadores em Paris, com mais de 130 vítimas.
“É fácil concluir que os líderes do EI citam a profecia cinicamente. Eles a utilizam quando em seu benefício e a descartam quando não”, escreveu William McCants, autor do livro The ISIS Apocalypse (O apocalipse do EI), publicado no ano passado. “O Estado Islâmico, como outros grupos, muda a interpretação sobre a profecia de acordo com as circunstâncias.”
Segundo Charlie Winter, membro do Centro de Estudos sobre Radicalização e Violência Política, o discurso do apocalipse está paralisado, mas “não esgotado”.
Em 2014, nos primeiros dias do EI, muitos afirmavam que o grupo representava menos perigo para o Ocidente porque estava concentrado em conquistar território na Síria e no Iraque e não tinha interesse em provocar a ira de países ocidentais, como França e EUA. Em outras palavras, mais inimigos significaria mais problemas, e isto tornava ataques em outras regiões menos prováveis. O EI era visto como uma força mais racional e agia tendo em mente seus interesses de longo prazo.
Após os ataques de Paris, Abbas Miliani da Universidade Yale disse que o objetivo do EI era atrair o Ocidente para um confronto similar ao contemplado na profecia.
Embora, até 2014, poucas pessoas tenham ouvido falar de Dabiq, a pequena cidade sempre foi posta em evidência pelo grupo. O que era benéfico e também arriscado: perdê-la seria interpretado como sinal de fraqueza, como é o caso hoje. Agora na defensiva, a perspectiva de uma batalha apocalíptica ficou menos atraente para o grupo, que provavelmente será derrotado.
A violenta estratégia de comunicação do Estado Islâmico
A revista do grupo, Dabiq, apareceu pela última vez em julho. Agora é publicada com um nome diferente, Rumiyah. Achar que essa visão do EI desapareceu é um erro. “A queda de Dabiq pode não significar um exemplo clássico de profecia não realizada, mas o fato de um abandono dela pelos seus adeptos por medo de fracassarem, afirma J.M. Berger, do Programa sobre Extremismo na Universidade George Washington.
Em seu jornal em língua árabe, Al-Naba, o EI recentemente se referiu a uma possível queda de Dabiq, alegando que não se tratava da batalha citada na profecia. Ao que parece, Dabiq ainda continua na mente dos combatentes e líderes do grupo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
*É JORNALISTA