O desafio impossível de falar a verdade para os fãs de Donald Trump; leia a análise


Acusação contra o ex-presidente e análise de antigos aliados não abalam popularidade de Trump entre os apoiadores mais ferrenhos

Por Philip Bump
Atualização:

Em tese, esta rejeição às afirmações do ex-presidente Donald Trump seria tão robusta quanto possível, com seu ex-procurador-geral, que ganhou bem merecida reputação por suas defesas obstinadas de Trump, aparecendo na Fox News para desmantelar os argumentos do ex-presidente em relação ao seu indiciamento federal — um a um.

Mas estamos nos Estados Unidos de 2023, então, que ninguém se iluda pensando que essa declaração fez muito para fazer os apoiadores de Trump mudarem de ideia.

continua após a publicidade

O apoio fervente a Trump nunca tratou de lógica, por maior que seja a frequência com que o ex-presidente e seus apoiadores tentem sustentar suas afirmações com retóricas construídas às pressas.

O trumpismo é um movimento emocional, e isso o blinda contra contra elementos como William Barr dizendo a Shannon Bream na Fox News que o indiciamento “decorreu do comportamento irresponsável do (ex-)presidente”.

Partidários de Donald Trump mostram apoio ao ex-presidente em frente ao tribunal federal de Miami, na Flórida, em imagem desta terça-feira, 13. Trumpismo é movimento emocional e teor das acusações não afeta apoiadores mais ferrenhos Foto: Giorgio Viera/AFP
continua após a publicidade

Barr foi convidado ao programa de Bream na manhã do domingo e expôs novos argumentos com objetivo de rebater as tentativas de Trump de se defender das ações que ocasionaram seu indiciamento.

Por exemplo: não é verdade que a situação deveria ter sido resolvida sob auspícios compatíveis com a Lei de Registros Presidenciais, afirmou Barr, porque “tudo começou segundo a Lei de Registros Presidenciais”, com Trump se recusando a agir de acordo com ela.

“Eu considero que o governo agiu responsavelmente”, disse Barr a Bream. “Deram a ele todas as oportunidades de devolver esses documentos. Agiram com comedimento. Foram muito respeitosos e pacientes com ele. Conversaram com ele por quase um ano para tentar obter esses documentos, e ele só enrolou. Então eles finalmente apelaram para uma intimação. E o que ele fez? De acordo com o governo, mentiu e obstruiu o processo. E então fizeram uma busca e encontraram muito mais documentos.”

continua após a publicidade

Por exemplo: a situação com Trump não foi comparável a ações de outros ex-presidentes, como Barack Obama, porque “eles acertaram (com a Agência Nacional de Arquivos e Registros) estabelecer um espaço especial sob administração, controle e segurança fornecidos pelo arquivista para guardar temporariamente documentos até que instalações públicas fossem disponibilizadas. Nenhum deles escondeu documentos no porão”.

Por exemplo: ainda que haja uma diferença jurídica viável entre documentos pessoais de Trump e registros presidenciais, documentos ultrassecretos criados pelo governo com propósito de informar o presidente na função não se qualificam na primeira categoria.

continua após a publicidade

“A agenda diária do (ex-)presidente fornecida pela comunidade de inteligência”, afirmou Barr, “não é um documento pessoal de Donald Trump. Ponto”.

Para reforçar o argumento de que considera esse comportamento excepcional, Barr também levantou questões a respeito de dois outros assuntos que Trump e seus aliados têm ligado ao debate a respeito do indiciamento: a investigação sobre a Rússia e os esforços dos congressistas republicanos em fazer emergir uma acusação de suborno contra o presidente Joe Biden.

No primeiro caso, Barr reiterou sua antiga (e dúbia) convicção de que se tratou de “um esforço de derrubá-lo com uma alegação falsa”. No segundo, ele discordou da sugestão do deputado Jamie Raskin (de Maryland), o democrata mais graduado na Comissão de Supervisão da Câmara, de que a alegação de suborno não foi adiante (em comunicado ao Washington Post, um porta-voz dos congressistas democratas na comissão reiterou que “o FBI informou a Comissão, em termos indubitáveis, que essa investigação foi encerrada em agosto de 2020 após fracassar em identificar prova suficiente para justificar mais diligências”).

continua após a publicidade

Mas a disposição de Barr em defender as afirmações de Trump sobre aqueles pontos deveria, possivelmente, dar mais peso à sua recusa em defendê-lo em relação ao indiciamento. Possivelmente.

O problema, evidentemente, é que Trump já retirou Barr do balde dos “leais” e colocou-o no dos “traidores”. Em dezembro de 2020, Barr admitiu que não havia nenhuma prova de que a eleição presidencial tinha sido roubada, o que ocasionou sua partida forçada do Departamento de Justiça. Barr deu depoimento à comissão especial da Câmara que investigou o ataque ao Capitólio, no qual resumiu a visão de Trump a respeito dos resultados da eleição: Trump, “nunca indicou nenhum interesse em saber a realidade dos fatos”.

continua após a publicidade

Essa tendência de Trump não se restringe de maneira nenhuma à alegada fraude eleitoral.

Mas como Barr assumiu essa posição na época, Trump já passou mais de um ano pichando o ex-aliado. Na versão de Trump, Barr negou a existência de fraude eleitoral somente porque morria de medo de ser demitido. Isso faz pouco sentido, pois ele deixaria o cargo em janeiro de qualquer maneira em razão da derrota de Trump, e dificilmente (como Trump bem sabe) os republicanos no Senado naquela época aprovariam sua demissão. Mas esta é a versão de Trump — que insiste nela.

Ex-presidente dos EUA, Donald Trump, embarca em avião particular no aeroporto de Newark, Nova Jersey, em imagem da segunda-feira, 12. Republicano é o primeiro ex-presidente americano a enfrentar um processo criminal Foto: Bryan Woolston/AP

“Virtualmente todos estão afirmando que o indiciamento trata de Interferência Eleitoral e nunca deveria ter sido aberto, exceto Bill Barr, um ‘ex-funcionário insatisfeito’ e procurador-geral preguiçoso que foi fraco e totalmente ineficiente”, escreveu Trump em sua rede social. “Ele não é sincero, tudo não passa de DESINFORMAÇÃO.

Barr está fazendo isso porque odeia ‘TRUMP’ por tê-lo despedido. Ele tinha medo mortal da Esquerda Radical quando achava que pediriam seu impeachment. Ele sabe que o indiciamento é bobagem. (…) Desliguem a FoxNews (sic) quando esse ‘Porco Sem Escrúpulos’ estiver no ar!”

Um argumento certamente abrangente, mas emocional — e é isso o que conta. Em meados de 2022, após o depoimento de Barr à comissão especial vir a público, tantos republicanos o consideravam desfavoravelmente quanto favoravelmente.

A insistência de Trump, porém, para que seus apoiadores desliguem a Fox News é interessante. O ex-presidente sem dúvida reconhece que o canal de TV a cabo tenta navegar esse intervalo em que o poder de Trump sobre a direita política — e sobre os principais telespectadores da Fox — está sendo decidido pelos eleitores das primárias republicanas. Ao responder à cobertura desfavorável culpando a Fox News, Trump em certa medida coloca pressão sobre a emissora.

Ele provavelmente não tem muito com que se preocupar. O programa de Bream atraiu cerca de 650 mil telespectadores em 4 de junho. No dia 8, o programa no horário nobre de Sean Hannity, no qual uma miríade de convidados vociferou contra a suposta injustiça disso tudo, foi assistido por 2,3 milhões de pessoas. Se a presença de Barr na Fox News no domingo foi parte de um plano dos executivos do canal de erodir a lealdade a Trump, eles o estão fazendo muito cautelosamente.

Imagem de 2019 mostra o então presidente Donald Trump (esq.) ao lado do antigo aliado William Barr (dir.), que ocupou o cargo de procurador-geral na gestão do republicano Foto: Jabin Botsford/Washington Post

Uma das dinâmicas bizarras que foram reveladas desde o anúncio do indiciamento é os apoiadores de Trump teorizando que sua própria interpretação da lei (adotada por Trump, Hannity e outros asseclas) é de alguma maneira mais robusta do que a interpretação do Departamento de Justiça ou de pessoas como Bill Barr. Porque Trump foi tão eficaz em convencer seus apoiadores de que o sistema Judiciário o está perseguindo — uma convicção que o próprio Barr ajudou a sustentar! — que as alegações do ex-presidente em benefício próprio a respeito do caso são aceitas com naturalidade.

Em uma pesquisa CBS News-YouGov publicada no fim de semana, três quartos de republicanos registrados para votar nas primárias afirmaram que o indiciamento é motivado politicamente. Três quartos também afirmaram que o indiciamento não altera nem melhora sua visão em relação a Trump (apesar dessa posição ser quase certamente apenas uma maneira de os entrevistados enfatizarem o quão pouco se importam).

Não há nenhuma voz capaz de convencer os apoiadores mais energéticos de Trump a respeito da ideia de que ele violou a lei deliberadamente. Nunca houve. Qualquer um que tente apresentar a real situação à sua base, por mais próximo que tenha sido de Trump no início, é exilado imediatamente.

A verdade não tem lugar no trumpismo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Em tese, esta rejeição às afirmações do ex-presidente Donald Trump seria tão robusta quanto possível, com seu ex-procurador-geral, que ganhou bem merecida reputação por suas defesas obstinadas de Trump, aparecendo na Fox News para desmantelar os argumentos do ex-presidente em relação ao seu indiciamento federal — um a um.

Mas estamos nos Estados Unidos de 2023, então, que ninguém se iluda pensando que essa declaração fez muito para fazer os apoiadores de Trump mudarem de ideia.

O apoio fervente a Trump nunca tratou de lógica, por maior que seja a frequência com que o ex-presidente e seus apoiadores tentem sustentar suas afirmações com retóricas construídas às pressas.

O trumpismo é um movimento emocional, e isso o blinda contra contra elementos como William Barr dizendo a Shannon Bream na Fox News que o indiciamento “decorreu do comportamento irresponsável do (ex-)presidente”.

Partidários de Donald Trump mostram apoio ao ex-presidente em frente ao tribunal federal de Miami, na Flórida, em imagem desta terça-feira, 13. Trumpismo é movimento emocional e teor das acusações não afeta apoiadores mais ferrenhos Foto: Giorgio Viera/AFP

Barr foi convidado ao programa de Bream na manhã do domingo e expôs novos argumentos com objetivo de rebater as tentativas de Trump de se defender das ações que ocasionaram seu indiciamento.

Por exemplo: não é verdade que a situação deveria ter sido resolvida sob auspícios compatíveis com a Lei de Registros Presidenciais, afirmou Barr, porque “tudo começou segundo a Lei de Registros Presidenciais”, com Trump se recusando a agir de acordo com ela.

“Eu considero que o governo agiu responsavelmente”, disse Barr a Bream. “Deram a ele todas as oportunidades de devolver esses documentos. Agiram com comedimento. Foram muito respeitosos e pacientes com ele. Conversaram com ele por quase um ano para tentar obter esses documentos, e ele só enrolou. Então eles finalmente apelaram para uma intimação. E o que ele fez? De acordo com o governo, mentiu e obstruiu o processo. E então fizeram uma busca e encontraram muito mais documentos.”

Por exemplo: a situação com Trump não foi comparável a ações de outros ex-presidentes, como Barack Obama, porque “eles acertaram (com a Agência Nacional de Arquivos e Registros) estabelecer um espaço especial sob administração, controle e segurança fornecidos pelo arquivista para guardar temporariamente documentos até que instalações públicas fossem disponibilizadas. Nenhum deles escondeu documentos no porão”.

Por exemplo: ainda que haja uma diferença jurídica viável entre documentos pessoais de Trump e registros presidenciais, documentos ultrassecretos criados pelo governo com propósito de informar o presidente na função não se qualificam na primeira categoria.

“A agenda diária do (ex-)presidente fornecida pela comunidade de inteligência”, afirmou Barr, “não é um documento pessoal de Donald Trump. Ponto”.

Para reforçar o argumento de que considera esse comportamento excepcional, Barr também levantou questões a respeito de dois outros assuntos que Trump e seus aliados têm ligado ao debate a respeito do indiciamento: a investigação sobre a Rússia e os esforços dos congressistas republicanos em fazer emergir uma acusação de suborno contra o presidente Joe Biden.

No primeiro caso, Barr reiterou sua antiga (e dúbia) convicção de que se tratou de “um esforço de derrubá-lo com uma alegação falsa”. No segundo, ele discordou da sugestão do deputado Jamie Raskin (de Maryland), o democrata mais graduado na Comissão de Supervisão da Câmara, de que a alegação de suborno não foi adiante (em comunicado ao Washington Post, um porta-voz dos congressistas democratas na comissão reiterou que “o FBI informou a Comissão, em termos indubitáveis, que essa investigação foi encerrada em agosto de 2020 após fracassar em identificar prova suficiente para justificar mais diligências”).

Mas a disposição de Barr em defender as afirmações de Trump sobre aqueles pontos deveria, possivelmente, dar mais peso à sua recusa em defendê-lo em relação ao indiciamento. Possivelmente.

O problema, evidentemente, é que Trump já retirou Barr do balde dos “leais” e colocou-o no dos “traidores”. Em dezembro de 2020, Barr admitiu que não havia nenhuma prova de que a eleição presidencial tinha sido roubada, o que ocasionou sua partida forçada do Departamento de Justiça. Barr deu depoimento à comissão especial da Câmara que investigou o ataque ao Capitólio, no qual resumiu a visão de Trump a respeito dos resultados da eleição: Trump, “nunca indicou nenhum interesse em saber a realidade dos fatos”.

Essa tendência de Trump não se restringe de maneira nenhuma à alegada fraude eleitoral.

Mas como Barr assumiu essa posição na época, Trump já passou mais de um ano pichando o ex-aliado. Na versão de Trump, Barr negou a existência de fraude eleitoral somente porque morria de medo de ser demitido. Isso faz pouco sentido, pois ele deixaria o cargo em janeiro de qualquer maneira em razão da derrota de Trump, e dificilmente (como Trump bem sabe) os republicanos no Senado naquela época aprovariam sua demissão. Mas esta é a versão de Trump — que insiste nela.

Ex-presidente dos EUA, Donald Trump, embarca em avião particular no aeroporto de Newark, Nova Jersey, em imagem da segunda-feira, 12. Republicano é o primeiro ex-presidente americano a enfrentar um processo criminal Foto: Bryan Woolston/AP

“Virtualmente todos estão afirmando que o indiciamento trata de Interferência Eleitoral e nunca deveria ter sido aberto, exceto Bill Barr, um ‘ex-funcionário insatisfeito’ e procurador-geral preguiçoso que foi fraco e totalmente ineficiente”, escreveu Trump em sua rede social. “Ele não é sincero, tudo não passa de DESINFORMAÇÃO.

Barr está fazendo isso porque odeia ‘TRUMP’ por tê-lo despedido. Ele tinha medo mortal da Esquerda Radical quando achava que pediriam seu impeachment. Ele sabe que o indiciamento é bobagem. (…) Desliguem a FoxNews (sic) quando esse ‘Porco Sem Escrúpulos’ estiver no ar!”

Um argumento certamente abrangente, mas emocional — e é isso o que conta. Em meados de 2022, após o depoimento de Barr à comissão especial vir a público, tantos republicanos o consideravam desfavoravelmente quanto favoravelmente.

A insistência de Trump, porém, para que seus apoiadores desliguem a Fox News é interessante. O ex-presidente sem dúvida reconhece que o canal de TV a cabo tenta navegar esse intervalo em que o poder de Trump sobre a direita política — e sobre os principais telespectadores da Fox — está sendo decidido pelos eleitores das primárias republicanas. Ao responder à cobertura desfavorável culpando a Fox News, Trump em certa medida coloca pressão sobre a emissora.

Ele provavelmente não tem muito com que se preocupar. O programa de Bream atraiu cerca de 650 mil telespectadores em 4 de junho. No dia 8, o programa no horário nobre de Sean Hannity, no qual uma miríade de convidados vociferou contra a suposta injustiça disso tudo, foi assistido por 2,3 milhões de pessoas. Se a presença de Barr na Fox News no domingo foi parte de um plano dos executivos do canal de erodir a lealdade a Trump, eles o estão fazendo muito cautelosamente.

Imagem de 2019 mostra o então presidente Donald Trump (esq.) ao lado do antigo aliado William Barr (dir.), que ocupou o cargo de procurador-geral na gestão do republicano Foto: Jabin Botsford/Washington Post

Uma das dinâmicas bizarras que foram reveladas desde o anúncio do indiciamento é os apoiadores de Trump teorizando que sua própria interpretação da lei (adotada por Trump, Hannity e outros asseclas) é de alguma maneira mais robusta do que a interpretação do Departamento de Justiça ou de pessoas como Bill Barr. Porque Trump foi tão eficaz em convencer seus apoiadores de que o sistema Judiciário o está perseguindo — uma convicção que o próprio Barr ajudou a sustentar! — que as alegações do ex-presidente em benefício próprio a respeito do caso são aceitas com naturalidade.

Em uma pesquisa CBS News-YouGov publicada no fim de semana, três quartos de republicanos registrados para votar nas primárias afirmaram que o indiciamento é motivado politicamente. Três quartos também afirmaram que o indiciamento não altera nem melhora sua visão em relação a Trump (apesar dessa posição ser quase certamente apenas uma maneira de os entrevistados enfatizarem o quão pouco se importam).

Não há nenhuma voz capaz de convencer os apoiadores mais energéticos de Trump a respeito da ideia de que ele violou a lei deliberadamente. Nunca houve. Qualquer um que tente apresentar a real situação à sua base, por mais próximo que tenha sido de Trump no início, é exilado imediatamente.

A verdade não tem lugar no trumpismo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Em tese, esta rejeição às afirmações do ex-presidente Donald Trump seria tão robusta quanto possível, com seu ex-procurador-geral, que ganhou bem merecida reputação por suas defesas obstinadas de Trump, aparecendo na Fox News para desmantelar os argumentos do ex-presidente em relação ao seu indiciamento federal — um a um.

Mas estamos nos Estados Unidos de 2023, então, que ninguém se iluda pensando que essa declaração fez muito para fazer os apoiadores de Trump mudarem de ideia.

O apoio fervente a Trump nunca tratou de lógica, por maior que seja a frequência com que o ex-presidente e seus apoiadores tentem sustentar suas afirmações com retóricas construídas às pressas.

O trumpismo é um movimento emocional, e isso o blinda contra contra elementos como William Barr dizendo a Shannon Bream na Fox News que o indiciamento “decorreu do comportamento irresponsável do (ex-)presidente”.

Partidários de Donald Trump mostram apoio ao ex-presidente em frente ao tribunal federal de Miami, na Flórida, em imagem desta terça-feira, 13. Trumpismo é movimento emocional e teor das acusações não afeta apoiadores mais ferrenhos Foto: Giorgio Viera/AFP

Barr foi convidado ao programa de Bream na manhã do domingo e expôs novos argumentos com objetivo de rebater as tentativas de Trump de se defender das ações que ocasionaram seu indiciamento.

Por exemplo: não é verdade que a situação deveria ter sido resolvida sob auspícios compatíveis com a Lei de Registros Presidenciais, afirmou Barr, porque “tudo começou segundo a Lei de Registros Presidenciais”, com Trump se recusando a agir de acordo com ela.

“Eu considero que o governo agiu responsavelmente”, disse Barr a Bream. “Deram a ele todas as oportunidades de devolver esses documentos. Agiram com comedimento. Foram muito respeitosos e pacientes com ele. Conversaram com ele por quase um ano para tentar obter esses documentos, e ele só enrolou. Então eles finalmente apelaram para uma intimação. E o que ele fez? De acordo com o governo, mentiu e obstruiu o processo. E então fizeram uma busca e encontraram muito mais documentos.”

Por exemplo: a situação com Trump não foi comparável a ações de outros ex-presidentes, como Barack Obama, porque “eles acertaram (com a Agência Nacional de Arquivos e Registros) estabelecer um espaço especial sob administração, controle e segurança fornecidos pelo arquivista para guardar temporariamente documentos até que instalações públicas fossem disponibilizadas. Nenhum deles escondeu documentos no porão”.

Por exemplo: ainda que haja uma diferença jurídica viável entre documentos pessoais de Trump e registros presidenciais, documentos ultrassecretos criados pelo governo com propósito de informar o presidente na função não se qualificam na primeira categoria.

“A agenda diária do (ex-)presidente fornecida pela comunidade de inteligência”, afirmou Barr, “não é um documento pessoal de Donald Trump. Ponto”.

Para reforçar o argumento de que considera esse comportamento excepcional, Barr também levantou questões a respeito de dois outros assuntos que Trump e seus aliados têm ligado ao debate a respeito do indiciamento: a investigação sobre a Rússia e os esforços dos congressistas republicanos em fazer emergir uma acusação de suborno contra o presidente Joe Biden.

No primeiro caso, Barr reiterou sua antiga (e dúbia) convicção de que se tratou de “um esforço de derrubá-lo com uma alegação falsa”. No segundo, ele discordou da sugestão do deputado Jamie Raskin (de Maryland), o democrata mais graduado na Comissão de Supervisão da Câmara, de que a alegação de suborno não foi adiante (em comunicado ao Washington Post, um porta-voz dos congressistas democratas na comissão reiterou que “o FBI informou a Comissão, em termos indubitáveis, que essa investigação foi encerrada em agosto de 2020 após fracassar em identificar prova suficiente para justificar mais diligências”).

Mas a disposição de Barr em defender as afirmações de Trump sobre aqueles pontos deveria, possivelmente, dar mais peso à sua recusa em defendê-lo em relação ao indiciamento. Possivelmente.

O problema, evidentemente, é que Trump já retirou Barr do balde dos “leais” e colocou-o no dos “traidores”. Em dezembro de 2020, Barr admitiu que não havia nenhuma prova de que a eleição presidencial tinha sido roubada, o que ocasionou sua partida forçada do Departamento de Justiça. Barr deu depoimento à comissão especial da Câmara que investigou o ataque ao Capitólio, no qual resumiu a visão de Trump a respeito dos resultados da eleição: Trump, “nunca indicou nenhum interesse em saber a realidade dos fatos”.

Essa tendência de Trump não se restringe de maneira nenhuma à alegada fraude eleitoral.

Mas como Barr assumiu essa posição na época, Trump já passou mais de um ano pichando o ex-aliado. Na versão de Trump, Barr negou a existência de fraude eleitoral somente porque morria de medo de ser demitido. Isso faz pouco sentido, pois ele deixaria o cargo em janeiro de qualquer maneira em razão da derrota de Trump, e dificilmente (como Trump bem sabe) os republicanos no Senado naquela época aprovariam sua demissão. Mas esta é a versão de Trump — que insiste nela.

Ex-presidente dos EUA, Donald Trump, embarca em avião particular no aeroporto de Newark, Nova Jersey, em imagem da segunda-feira, 12. Republicano é o primeiro ex-presidente americano a enfrentar um processo criminal Foto: Bryan Woolston/AP

“Virtualmente todos estão afirmando que o indiciamento trata de Interferência Eleitoral e nunca deveria ter sido aberto, exceto Bill Barr, um ‘ex-funcionário insatisfeito’ e procurador-geral preguiçoso que foi fraco e totalmente ineficiente”, escreveu Trump em sua rede social. “Ele não é sincero, tudo não passa de DESINFORMAÇÃO.

Barr está fazendo isso porque odeia ‘TRUMP’ por tê-lo despedido. Ele tinha medo mortal da Esquerda Radical quando achava que pediriam seu impeachment. Ele sabe que o indiciamento é bobagem. (…) Desliguem a FoxNews (sic) quando esse ‘Porco Sem Escrúpulos’ estiver no ar!”

Um argumento certamente abrangente, mas emocional — e é isso o que conta. Em meados de 2022, após o depoimento de Barr à comissão especial vir a público, tantos republicanos o consideravam desfavoravelmente quanto favoravelmente.

A insistência de Trump, porém, para que seus apoiadores desliguem a Fox News é interessante. O ex-presidente sem dúvida reconhece que o canal de TV a cabo tenta navegar esse intervalo em que o poder de Trump sobre a direita política — e sobre os principais telespectadores da Fox — está sendo decidido pelos eleitores das primárias republicanas. Ao responder à cobertura desfavorável culpando a Fox News, Trump em certa medida coloca pressão sobre a emissora.

Ele provavelmente não tem muito com que se preocupar. O programa de Bream atraiu cerca de 650 mil telespectadores em 4 de junho. No dia 8, o programa no horário nobre de Sean Hannity, no qual uma miríade de convidados vociferou contra a suposta injustiça disso tudo, foi assistido por 2,3 milhões de pessoas. Se a presença de Barr na Fox News no domingo foi parte de um plano dos executivos do canal de erodir a lealdade a Trump, eles o estão fazendo muito cautelosamente.

Imagem de 2019 mostra o então presidente Donald Trump (esq.) ao lado do antigo aliado William Barr (dir.), que ocupou o cargo de procurador-geral na gestão do republicano Foto: Jabin Botsford/Washington Post

Uma das dinâmicas bizarras que foram reveladas desde o anúncio do indiciamento é os apoiadores de Trump teorizando que sua própria interpretação da lei (adotada por Trump, Hannity e outros asseclas) é de alguma maneira mais robusta do que a interpretação do Departamento de Justiça ou de pessoas como Bill Barr. Porque Trump foi tão eficaz em convencer seus apoiadores de que o sistema Judiciário o está perseguindo — uma convicção que o próprio Barr ajudou a sustentar! — que as alegações do ex-presidente em benefício próprio a respeito do caso são aceitas com naturalidade.

Em uma pesquisa CBS News-YouGov publicada no fim de semana, três quartos de republicanos registrados para votar nas primárias afirmaram que o indiciamento é motivado politicamente. Três quartos também afirmaram que o indiciamento não altera nem melhora sua visão em relação a Trump (apesar dessa posição ser quase certamente apenas uma maneira de os entrevistados enfatizarem o quão pouco se importam).

Não há nenhuma voz capaz de convencer os apoiadores mais energéticos de Trump a respeito da ideia de que ele violou a lei deliberadamente. Nunca houve. Qualquer um que tente apresentar a real situação à sua base, por mais próximo que tenha sido de Trump no início, é exilado imediatamente.

A verdade não tem lugar no trumpismo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.