“Existe um lado que sofre porque somos seres humanos e um lado que desfruta do nosso sofrimento”, avalia o peruano-israelense Maurice Schneider, que perdeu a irmã e o cunhado no dia 7 de outubro, data do pior ataque da história de Israel, quando terroristas do grupo Hamas invadiram o território israelense, mataram 1.200 pessoas e levaram mais de 240 sequestrados para a Faixa de Gaza.
Os familiares de Schneider estavam no Kibutz Nir Oz, próximo da fronteira com o enclave palestino. O peruano-israelense também é tio de Shiri Bibas, que foi sequestrada pelo grupo terrorista Hamas junto com o seu marido Yarden e os filhos Ariel, de 4 anos, e Kfir, que tinha apenas dez meses quando foi sequestrado. O Hamas alega que Shiri e seus filhos morreram após um bombardeio israelense na Faixa de Gaza. Tel-Aviv nega e a família dos reféns também não acredita na informação.
Schneider faz parte de uma comitiva de parentes dos reféns que estão na Faixa de Gaza que viajou para o Brasil após passar por Uruguai e Argentina. Os familiares dos reféns se encontraram com o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, em Montevidéu, e com o presidente da Argentina, Javier Milei, em Buenos Aires. A comitiva desembarcou no Brasil na segunda-feira, 11, quando Mary Shohat, irmã de Michel Nisenbaum, o único brasileiro considerado refém do grupo terrorista Hamas, e Hen Mahluf, filha de Nisenbaum, conversaram com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.
Na terça-feira, 12, a comitiva esteve em São Paulo e participou de um café da tarde com a imprensa no clube Hebraica para compartilhar as histórias de seus familiares. O evento foi organizado pelo Fórum de Famílias Sequestradas e Desaparecidas, em parceria com a Conib (Confederação Israelita do Brasil), Fisesp (Federação Israelita de São Paulo) e o consulado de Israel em São Paulo.
“Escutamos histórias de que Ariel e Kfir estão dentro dos túneis do Hamas há dois meses. Imaginem isso para crianças, dois meses sem ver a luz do sul. Eles foram sequestrados pelo Hamas como se fossem inimigos deles, mas eles nunca fizeram nada para ninguém. Nenhum dos nossos parentes que está sequestrado era militar, todos eram civis”, aponta Schneider.
Pressão
Shohat ressaltou a dificuldade de seguir a vida enquanto o irmão está na Faixa de Gaza. “É muito difícil viver neste tipo de pressão e tentar fazer com que tudo seja mais fácil. Eu tento ser forte porque se eu não for forte, não tenho como dar forças para a minha mãe”, apontou à brasileira.
A mãe de Mary e Michel, Sulmira, tem 86 anos e vive sozinha em Israel. De acordo com Shohat, a mãe voltou a ter três anos e se recusa a ficar sozinha. “A minha mãe tem medo, diz que levaram o filho dela embora e ela não pode me perder também, então tem muito medo quando eu saio de casa”.
A irmã do brasileiro sequestrado pelo grupo terrorista Hamas afirmou que a conversa com o presidente Lula foi “muito boa” e que o presidente brasileiro já havia falado com autoridades do Catar sobre a questão. O pequeno país do Oriente Médio tem contribuído para as negociações de trégua entre Israel e o grupo terrorista Hamas.
Nisenbaum estava indo em direção a uma base militar no sul de Israel para buscar a neta de 4 anos quando ocorreu o ataque. Hen Mahluf, de 33 anos, filha do brasileiro, foi quem pediu para que buscasse a filha. Ela tentou ligar várias vezes para o brasileiro e uma chamada foi atendida por terroristas do Hamas, que falaram em árabe e gritaram a palavra Hamas. O carro de Nisenbaum foi encontrado incinerado e o computador do brasileiro está na Faixa de Gaza.
“Meu pai foi buscar a sua neta, mas nunca chegou na base militar. Não gosto de imaginar o que ele está pensando, se a neta dele está bem, se está viva”, apontou Mahluf. “Nós não sabemos de nada, não sabemos se ele está vivo, se está bem. Apenas sabemos que na manhã do ataque ele ajudou outras pessoas e elas estão vivas em casa”.
A filha do brasileiro afirmou que chegou a ficar brava com o pai por ajudar os outros naquele dia e não ter conseguido se salvar. “Mas isso mostra quem ele era, toda a família ama ele e ele precisa voltar para casa, tem muitas coisas que eu não disse para ele e quero falar”.
Novas informações
A israelense Maia Chmiel interrompeu várias vezes a sua fala para chorar. Segundo ela, é muito difícil falar sobre os primos Yair e Eitan Horn, os irmãos argentinos-israelenses que foram sequestrados pelo grupo terrorista Hamas. Chmiel aponta que é muito próxima dos primos e que tem pouca família em Israel, já que grande parte de seus parentes vivem na Argentina.
Apesar da angústia, Chmiel apontou que com a libertação de reféns que estavam na Faixa de Gaza, eles receberam novas informações de que Yair e Eitan estão vivos. “Há duas semanas nos avisaram que eles estão vivos e é muito difícil saber que eles estão lá e que eu não posso fazer nada para que eles saiam. Eles nunca fizeram nada para ninguém e queremos que eles voltem logo”.
Já Guefen Sigal, que foi a última a falar entre os familiares dos reféns, teve cinco parentes desaparecidos desde os ataques terroristas. Sua mãe, Clara Marman, a irmã Gabriela Leimberg e a sobrinha Mia Leimberg foram libertadas pelo grupo terrorista Hamas no dia 19 de outubro, por meio do acordo intermediado por Catar, Estados Unidos e Egito. Contudo, o tio Fernando Marman e o marido da mãe, Luis Har, seguem em Gaza.
“Meu padrasto Luis Har tem 70 anos e precisa de medicamentos, nós não sabemos se ele está tendo acesso aos medicamentos que necessita. O Hamas não permite que a Cruz Vermelha visite os reféns”.
Perguntas
Os familiares dos reféns se mostraram muito reticentes a perguntas. Ao serem questionados sobre a resposta da comunidade internacional à guerra, Guefen Sigal pegou o microfone e apontou que as famílias querem que o mundo “faça mais do que tem feito até agora”.
A organização do evento também pediu que os familiares não respondessem uma pergunta sobre a comunicação das famílias dos reféns com o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu para não criar incômodo. Os parentes dos sequestrados apontaram que não gostariam de entrar em política e queriam focar na libertação de seus entes queridos.
Saiba mais
Os familiares também questionaram a atuação da Cruz Vermelha na guerra entre o grupo terrorista Hamas e Israel. Maurice Schneider. " A Cruz Vermelha tem falado com apenas um dos lados do conflito, tem falhado com o seu dever como organização internacional”.
Schneider finalizou segurando os cartazes de sua sobrinha Shiri e de seus filhos Ariel, de 4 anos, e Kfir, de apenas dez meses. “Nesta foto Shiri está sorrindo, eu quero ver ela sorrindo de novo, quero que esta seja a cara que as pessoas vejam dela e não os vídeos em que ela aparece aterrorizada enquanto segura seus dois filhos após o sequestro”.