O homem que moldou o regime autoritário da China tem um novo emprego: conquistar Taiwan


O principal conselheiro de Xi Jinping, Wang Huning, é creditado por moldar o autoritarismo que conduziu à ascensão da China. Mas será que ele consegue influenciar Taiwan?

Por Chris Buckley

Quando Xi Jinping realizou as primeiras conversas em Pequim com um ex-presidente de Taiwan, buscando pressionar a ilha a se aproximar de uma unificação, um funcionário de aparência estudiosa se destacou por se mostrar à vontade na presença do líder da China.

Enquanto outros tratavam Xi com formalidade rígida, o funcionário, Wang Huning, falou com confiança em sua presença e sentou-se ao lado dele durante a reunião, disse Chiu Kun-hsuan, um membro da delegação que acompanhou Ma Ying-jeou, o ex-presidente taiwanês.

A cena deu um vislumbre de um dos relacionamentos mais importantes, mas pouco compreendidos, na China: aquele entre Xi, o líder mais poderoso do país nas décadas mais recentes, e Wang, o mais influente conselheiro ideológico do Partido Comunista governante nas décadas mais recentes.

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Imagem de 2015 mostra Wang Huning (terceiro da direita para a esquerda), conselheiro do presidente da China, Xi Jinping. Wang é um dos principais teóricos do Partido Comunista da China Foto: Ruth Fremson/NYT

“Ele tem a total confiança do líder máximo”, disse o professor Chiu, um acadêmico emérito da Universidade Nacional Chengchi em Taipei, capital de Taiwan, a respeito de Wang. “A influência de Wang Huning tem sido na ideologia, mas agora, na China sob Xi Jinping, a ideologia conecta tudo.”

Dada a natureza opaca da política chinesa, o mundo frequentemente se fixa em Xi, que centralizou o controle desde que assumiu o poder em 2012 e se cercou de legalistas, tornando difícil saber quais opiniões ele mais valoriza. Em seu círculo, Wang se destaca por ter subido ao topo apesar de nunca ter liderado uma província ou cidade, e por aconselhar três líderes chineses sucessivos ao longo de três décadas — um raro feito de adaptabilidade e sobrevivência.

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O New York Times falou com mais de uma dúzia de pessoas que conheceram Wang ou se reuniram com ele, inclusive durante uma visita aos Estados Unidos no final dos anos 1980, e leu dezenas de seus artigos e livros. As entrevistas e escritos iluminam como ele subiu ao ápice do poder ao desenvolver ideias que ele colocou a serviço dos líderes da China, com uma influência duradoura em relação a como o país é governado.

Wang é creditado por aprimorar as doutrinas do Partido Comunista que guiaram a ascensão da China, fundadas na convicção de que somente o domínio inflexível do partido pode garantir o sucesso do país diante de rápidas mudanças econômicas e competição cada vez mais intensa com potências ocidentais.

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Mais recentemente, Xi confiou a Wang o tratamento das tensas relações políticas com Taiwan, a democracia insular que Pequim quer absorver. Autoridades taiwanesas dizem que Wang tem supervisionado esforços para aprofundar a influência chinesa na ilha, por meio de demonstrações seletivas de boa vontade e atividades de influência secreta.

No entanto, Wang, 69 anos, é pouco conhecido por pessoas de fora. Um professor que virou teórico do partido, ele parou de dar entrevistas depois que começou a trabalhar na sede do Partido Comunista em 1995, cortando contato com a maioria dos antigos colegas e se mantendo distante de visitantes estrangeiros.

Desde 2012, ele tem sido fundamental para destilar a visão de Xi para a China em um programa ideológico para uma superpotência que é tecnologicamente avançada, descaradamente autoritária e cada vez mais fortalecida contra a contenção liderada pelos americanos.

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Wang “forneceu o espírito ideológico para o autoritarismo nos 30 anos mais recentes”, disse Rush Doshi, ex-diretor sênior adjunto para a China no Conselho de Segurança Nacional do presidente Biden, que agora está no Conselho de Relações Exteriores e na Universidade Georgetown. “Ele ajudou a elaborar a narrativa nacional.”

Imagem mostra o presidente chinês Xi Jinping sendo recepcionado em Brasília para uma visita de Estado ao presidente Lula. Pensamento de Xi é influenciado por ideias de Wang  Foto: Evaristo Sá/AFP

Conquistando Taiwan

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Agora Wang está voltando para Taiwan suas ideias, perspicácia política e influência junto a Xi. Ele parece estar aprimorando estratégias para atingir mais profundamente a sociedade taiwanesa e reverter a crescente rejeição de sua população à China, incluindo os laços culturais de Taiwan com o continente.

“Ele também é alguém que sabe usar tanto um toque suave quanto um punho fechado”, disse Chao Chun-shan, professor emérito da Universidade Tamkang em Taiwan, que esteve em reuniões com Wang no início dos anos 1990 e duas vezes desde o ano passado.

Wang cortejou assiduamente dezenas de membros do Partido Nacionalista de oposição de Taiwan, que favorece laços mais fortes com a China, tratando-os quase como um governo taiwanês em espera — um com o qual Pequim preferiria lidar. Ele educadamente questionou os legisladores nacionalistas: Quem tem raízes antigas em Taiwan? Quem veio de famílias que fugiram da China continental em 1949? Ele pediu que descrevessem suas preocupações, ressaltando que estava prestando bastante atenção, disseram vários membros das delegações.

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Suas propostas à oposição se encaixam na estratégia de Pequim de isolar o presidente de Taiwan, Lai Ching-te, e seu Partido Democrático Progressista, que rejeita a reivindicação de soberania da China em relação à ilha.

Ao mesmo tempo, a China endureceu sua abordagem militar a Taiwan; recentemente o país realizou exercícios cercando a ilha. Também está usando medidas legais para intimidar o povo taiwanês, como as regras recentemente emitidas pedindo execução, em casos extremos, para apoiadores da independência

Nos bastidores, Wang supervisionou os esforços chineses para influenciar a opinião pública taiwanesa com campanhas online, que amplificam mensagens céticas em relação ao poder americano, que são mordazes em relação a Lai e admiram a China, de acordo com dois oficiais de segurança taiwaneses que falaram sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do assunto.

Ao mesmo tempo, a China endureceu sua abordagem militar a Taiwan; recentemente o país realizou exercícios cercando a ilha. Também está usando medidas legais para intimidar o povo taiwanês, como as regras recentemente emitidas pedindo execução, em casos extremos, para apoiadores da independência.

Tais esforços podem parecer grosseiros e provavelmente alienar muitos taiwaneses, mas, com o tempo, seu efeito inibidor pode fazer a diferença politicamente, disse John Dotson, vice-diretor do Global Taiwan Institute em Washington. “Mesmo se mover a opinião pública apenas em alguns pontos, isso pode ser decisivo”, disse ele.

Wang também pode ter influência considerável no plano de unificação da China. Xi disse que Taiwan deve aceitar a fórmula “um país, dois sistemas” que Pequim usou para Hong Kong, mas esse arranjo é amplamente rejeitado em Taiwan. Em vez disso, autoridades chinesas como Wang agora falam de um “plano abrangente” para Taiwan, uma frase que permite ajustes na fórmula.

“Se os papéis anteriores dele servirem de guia”, disse Doshi, referindo-se a Wang, “ele provavelmente foi encarregado de descobrir uma abordagem para Taiwan que envolva elaborar uma estratégia de longo prazo, bem como a estrutura ideológica para a unificação”.

Das esperanças democráticas ao “neo-autoritarismo”

Wang, como Xi, é filho de autoridades comunistas e foi um dos poucos jovens chineses escolhidos para ir à universidade durante a Revolução Cultural de 1966-76, uma década de violência e fanatismo quando os alunos foram treinados nos ensinamentos de Marx, Lênin e Mao.

Mas, em 1978, quando Wang começou a pós-graduação na Universidade Fudan, em Xangai, muitos na China estavam começando a olhar para os países ocidentais em busca de inspiração. Os comentários a respeito da democracia, reprimidos sob Mao, se infiltraram nas salas de aula, e Wang, que se especializou em ciência política, tornou-se um estudante ávido das tradições políticas ocidentais.

“Ele era bastante aberto e animado”, disse Chen Kuide, que dividia um dormitório com Wang na Fudan, em uma entrevista. “Ele também escrevia poesia contemporânea.”

Wang ficou fascinado com a “cultura política” das democracias: a fé pública compartilhada no governo que mantinha os países estáveis conforme os líderes iam e vinham. Uma forte rede de valores públicos era um pilar fundamental da ordem política sólida, ele escreveu, frequentemente citando acadêmicos americanos como Samuel P. Huntington e Sidney Verba.

Wang permaneceu na Fudan como palestrante e se juntou ao Partido Comunista em 1984. Ele nunca foi um rebelde, mas compartilhava das esperanças, disseminadas na China na década de 1980, de que o partido pudesse absorver alguma dose de democracia.

“No mundo de hoje, a democracia se tornou o objetivo do desenvolvimento político”, escreveu Wang em um jornal de Xangai em 1986. “Sem um sistema político altamente democrático, não se pode falar em se manter firme como um país modernizado e poderoso entre as nações avançadas do mundo.”

Mas, conforme a década avançava, a China enfrentou uma crescente raiva pública em relação à inflação e à corrupção. Protestos estudantis pela democracia eclodiram em 1986. Mesmo enquanto Wang continuava a elogiar a democracia como uma aspiração de longo prazo, ele alertou contra a rápida liberalização política.

Uma abertura política abrupta poderia trazer revolta e atrapalhar a decolagem econômica da China, escreveu Wang, argumentando que seus líderes poderiam aprender com a Coreia do Sul, Taiwan e outros “dragões” asiáticos que cresceram rapidamente sob governantes autoritários.

“Ele se tornou mais realista”, disse Chen, o antigo colega de quarto, que mais tarde trabalhou ao lado de Wang. “Ele tinha o comportamento de um político ou operador político.”

Wang escreveu um relatório dizendo que a China precisava de um modelo “centralizado” de modernização, não democrático, para afrouxar o controle do estado sobre a economia — o que causaria um aumento doloroso nos preços de alimentos e outras necessidades — enquanto mantinha a instabilidade sob controle.

O relatório circulou entre os formuladores de políticas em Pequim, de acordo com um livro de memórias de Wei Chengsi, um funcionário de Xangai que o havia encomendado, e se tornou uma semente para o “neo-autoritarismo”, uma escola de pensamento que argumentava que a China precisava de um líder forte.

“Seu apoio a um governo central forte e a um líder central era óbvio”, disse Ming Xia, um ex-aluno e colega de Wang na Universidade Fudan.

Lições americanas

Em 1988, Wang começou uma visita de seis meses aos Estados Unidos, sua primeira imersão na superpotência que a China estava começando a admirar e temer.

“Ele ficou profundamente impressionado com o quão desenvolvidos os Estados Unidos eram”, disse Hsu Chang-mao, um jornalista de Taiwan que conheceu Wang naquela época, em uma entrevista. “Depois que retornou, ele se vestiu de forma mais atraente e estilosa; dava para ver que tinha sido influenciado pelo senso de moda americano.”

Mas as viagens de Wang pelos EUA, como um acadêmico visitante na Universidade de Iowa e outros campi, também pareciam aprofundar sua visão de que a democracia de estilo ocidental tinha falhas e não poderia ser facilmente copiada na China.

Os EUA não tinham a disciplina social e a coesão do Japão, Wang escreveu em “America Against America”, um livro de 1991 a respeito de sua visita. Ele sentiu repulsa diante de um acampamento para moradores de rua em Berkeley, que ele descreveu como sujo. Acompanhou a corrida presidencial de 1988 e concluiu que os eleitores, em última análise, tinham voz limitada no governo.

Sua estada nos EUA pareceu reforçar sua crença de que um país tinha que incutir as atitudes corretas em seus cidadãos, incluindo respeito pela autoridade e tradição, ou a desordem o enfraqueceria por dentro. Wang citou com aprovação Allan Bloom, um teórico político cujo livro denunciando tendências culturais liberais, “The Closing of the American Mind”, foi um best-seller na época.

Depois que Wang retornou à China em 1989, seu ceticismo em relação à democratização se aprofundou. Naquela primavera, manifestantes pró-democracia liderados por estudantes ocuparam a Praça da Paz Celestial em Pequim. Os militares chineses esmagaram o movimento em 4 de junho com tanques e tropas, matando centenas, se não milhares, na capital e em todo o país.

Na sequência, Wang alertou que o partido ainda enfrentava ameaças mais profundas. Os líderes da China, ele escreveu, precisavam de uma “revisão abrangente de todo o sistema de controle social” para domar os efeitos do crescimento econômico, especialmente a corrupção, bem como um influxo de investimento ocidental e influência cultural.

Wang pediu aos líderes em Pequim que reafirmassem seu controle sobre as receitas e empresas estatais. Seu controle sobre os recursos econômicos havia enfraquecido na década anterior, e autoridades locais ricas em receita às vezes se irritavam com ordens de Pequim, ele alertou.

Ele argumentou que, conforme a China se abria para o mundo exterior e o partido recuava de dirigir a vida das pessoas, os líderes precisavam de novas maneiras de manter a lealdade a si. Os novos desafios, ele escreveu em 1992, “exigem que o sistema de controle social da China responda de forma mais firme, flexível e vigorosa”. Ele aconselhou Pequim a desenvolver novas maneiras de monitorar e moldar os valores das pessoas.

“Ele estava realmente escrevendo a respeito do que eles estavam tentando descobrir: como manter a ordem política em meio a mudanças sociais e econômicas muito fundamentais?”, disse Timothy Cheek, historiador do Partido Comunista Chinês na Universidade da Colúmbia Britânica.

Em 1995, Wang foi arrancado da academia por Jiang Zemin, o ex-secretário do partido de Xangai que se tornou líder da China em 1989. Ele se juntou ao Escritório Central de Pesquisa de Políticas do partido e, mais tarde, foi creditado por ajudar a moldar o conceito de “Três Representações” de Jiang, uma política para trazer empreendedores privados para o abraço do partido.

Após a saída de Jiang, Wang continuou sendo um dos principais conselheiros do líder chinês seguinte, Hu Jintao. Quando Xi chegou ao poder, em 2012, ele manteve Wang.

O homem por trás do “Pensamento de Xi Jinping”

O acesso próximo e contínuo de Wang a Xi sugere que ele continuou sendo uma fonte influente de conselhos enquanto o líder chinês lutava contra uma pandemia, problemas econômicos e o crescente antagonismo com governos ocidentais.

Especialistas atribuem a Wang um grande papel na transformação das ideias de Xi em um credo oficial — o Pensamento de Xi Jinping — focado no ressurgimento da China como uma grande potência. Para combater os perigos que ele vê para o governo do partido, Xi exigiu conformidade ideológica, restringiu influências culturais ocidentais, expandiu a censura e procurou silenciar até mesmo a dissidência leve.

Wang se tornou diretor de escritório de uma comissão de reforma política, que impulsionou as ideias de Xi a respeito do crescimento orientado pelo Estado, e ele continua a moldar os principais documentos políticos. Ele defendeu o controle rígido da China sobre a internet diante de uma audiência de executivos multinacionais. Ele acompanhou Xi em viagens ao exterior, incluindo cúpulas com presidentes americanos.

Wang ganhou “um papel real de definição de políticas, não apenas como ideólogo”, disse Matthew D. Johnson, diretor de pesquisa da Garnaut Global, uma consultoria que estudou Wang. “Não acho que ele seja um cavalo de um truque só.”

Em 2017, Xi recompensou Wang promovendo-o ao Comitê Permanente do Politburo — o nível mais alto do poder do partido. E Xi o manteve no comitê para um segundo mandato em 2022, enquanto outros se afastaram.

Durante um congresso do partido em 2022, as boas relações de Wang com Xi foram exibidas diante das câmeras de televisão. Os procedimentos rigorosamente coreografados foram brevemente interrompidos quando Hu, o líder aposentado, aparentemente agitado e confuso, pareceu resistir a ser conduzido para fora por um porteiro.

Quando Li Zhanshu, um alto funcionário, tentou ajudar Hu, Wang puxou o terno de Li e sussurrou para ele, aparentemente pedindo que ele se sentasse. Em teoria, Li era seu superior na hierarquia, mas isso não fez Wang hesitar. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Quando Xi Jinping realizou as primeiras conversas em Pequim com um ex-presidente de Taiwan, buscando pressionar a ilha a se aproximar de uma unificação, um funcionário de aparência estudiosa se destacou por se mostrar à vontade na presença do líder da China.

Enquanto outros tratavam Xi com formalidade rígida, o funcionário, Wang Huning, falou com confiança em sua presença e sentou-se ao lado dele durante a reunião, disse Chiu Kun-hsuan, um membro da delegação que acompanhou Ma Ying-jeou, o ex-presidente taiwanês.

A cena deu um vislumbre de um dos relacionamentos mais importantes, mas pouco compreendidos, na China: aquele entre Xi, o líder mais poderoso do país nas décadas mais recentes, e Wang, o mais influente conselheiro ideológico do Partido Comunista governante nas décadas mais recentes.

Imagem de 2015 mostra Wang Huning (terceiro da direita para a esquerda), conselheiro do presidente da China, Xi Jinping. Wang é um dos principais teóricos do Partido Comunista da China Foto: Ruth Fremson/NYT

“Ele tem a total confiança do líder máximo”, disse o professor Chiu, um acadêmico emérito da Universidade Nacional Chengchi em Taipei, capital de Taiwan, a respeito de Wang. “A influência de Wang Huning tem sido na ideologia, mas agora, na China sob Xi Jinping, a ideologia conecta tudo.”

Dada a natureza opaca da política chinesa, o mundo frequentemente se fixa em Xi, que centralizou o controle desde que assumiu o poder em 2012 e se cercou de legalistas, tornando difícil saber quais opiniões ele mais valoriza. Em seu círculo, Wang se destaca por ter subido ao topo apesar de nunca ter liderado uma província ou cidade, e por aconselhar três líderes chineses sucessivos ao longo de três décadas — um raro feito de adaptabilidade e sobrevivência.

O New York Times falou com mais de uma dúzia de pessoas que conheceram Wang ou se reuniram com ele, inclusive durante uma visita aos Estados Unidos no final dos anos 1980, e leu dezenas de seus artigos e livros. As entrevistas e escritos iluminam como ele subiu ao ápice do poder ao desenvolver ideias que ele colocou a serviço dos líderes da China, com uma influência duradoura em relação a como o país é governado.

Wang é creditado por aprimorar as doutrinas do Partido Comunista que guiaram a ascensão da China, fundadas na convicção de que somente o domínio inflexível do partido pode garantir o sucesso do país diante de rápidas mudanças econômicas e competição cada vez mais intensa com potências ocidentais.

Mais recentemente, Xi confiou a Wang o tratamento das tensas relações políticas com Taiwan, a democracia insular que Pequim quer absorver. Autoridades taiwanesas dizem que Wang tem supervisionado esforços para aprofundar a influência chinesa na ilha, por meio de demonstrações seletivas de boa vontade e atividades de influência secreta.

No entanto, Wang, 69 anos, é pouco conhecido por pessoas de fora. Um professor que virou teórico do partido, ele parou de dar entrevistas depois que começou a trabalhar na sede do Partido Comunista em 1995, cortando contato com a maioria dos antigos colegas e se mantendo distante de visitantes estrangeiros.

Desde 2012, ele tem sido fundamental para destilar a visão de Xi para a China em um programa ideológico para uma superpotência que é tecnologicamente avançada, descaradamente autoritária e cada vez mais fortalecida contra a contenção liderada pelos americanos.

Wang “forneceu o espírito ideológico para o autoritarismo nos 30 anos mais recentes”, disse Rush Doshi, ex-diretor sênior adjunto para a China no Conselho de Segurança Nacional do presidente Biden, que agora está no Conselho de Relações Exteriores e na Universidade Georgetown. “Ele ajudou a elaborar a narrativa nacional.”

Imagem mostra o presidente chinês Xi Jinping sendo recepcionado em Brasília para uma visita de Estado ao presidente Lula. Pensamento de Xi é influenciado por ideias de Wang  Foto: Evaristo Sá/AFP

Conquistando Taiwan

Agora Wang está voltando para Taiwan suas ideias, perspicácia política e influência junto a Xi. Ele parece estar aprimorando estratégias para atingir mais profundamente a sociedade taiwanesa e reverter a crescente rejeição de sua população à China, incluindo os laços culturais de Taiwan com o continente.

“Ele também é alguém que sabe usar tanto um toque suave quanto um punho fechado”, disse Chao Chun-shan, professor emérito da Universidade Tamkang em Taiwan, que esteve em reuniões com Wang no início dos anos 1990 e duas vezes desde o ano passado.

Wang cortejou assiduamente dezenas de membros do Partido Nacionalista de oposição de Taiwan, que favorece laços mais fortes com a China, tratando-os quase como um governo taiwanês em espera — um com o qual Pequim preferiria lidar. Ele educadamente questionou os legisladores nacionalistas: Quem tem raízes antigas em Taiwan? Quem veio de famílias que fugiram da China continental em 1949? Ele pediu que descrevessem suas preocupações, ressaltando que estava prestando bastante atenção, disseram vários membros das delegações.

Suas propostas à oposição se encaixam na estratégia de Pequim de isolar o presidente de Taiwan, Lai Ching-te, e seu Partido Democrático Progressista, que rejeita a reivindicação de soberania da China em relação à ilha.

Ao mesmo tempo, a China endureceu sua abordagem militar a Taiwan; recentemente o país realizou exercícios cercando a ilha. Também está usando medidas legais para intimidar o povo taiwanês, como as regras recentemente emitidas pedindo execução, em casos extremos, para apoiadores da independência

Nos bastidores, Wang supervisionou os esforços chineses para influenciar a opinião pública taiwanesa com campanhas online, que amplificam mensagens céticas em relação ao poder americano, que são mordazes em relação a Lai e admiram a China, de acordo com dois oficiais de segurança taiwaneses que falaram sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do assunto.

Ao mesmo tempo, a China endureceu sua abordagem militar a Taiwan; recentemente o país realizou exercícios cercando a ilha. Também está usando medidas legais para intimidar o povo taiwanês, como as regras recentemente emitidas pedindo execução, em casos extremos, para apoiadores da independência.

Tais esforços podem parecer grosseiros e provavelmente alienar muitos taiwaneses, mas, com o tempo, seu efeito inibidor pode fazer a diferença politicamente, disse John Dotson, vice-diretor do Global Taiwan Institute em Washington. “Mesmo se mover a opinião pública apenas em alguns pontos, isso pode ser decisivo”, disse ele.

Wang também pode ter influência considerável no plano de unificação da China. Xi disse que Taiwan deve aceitar a fórmula “um país, dois sistemas” que Pequim usou para Hong Kong, mas esse arranjo é amplamente rejeitado em Taiwan. Em vez disso, autoridades chinesas como Wang agora falam de um “plano abrangente” para Taiwan, uma frase que permite ajustes na fórmula.

“Se os papéis anteriores dele servirem de guia”, disse Doshi, referindo-se a Wang, “ele provavelmente foi encarregado de descobrir uma abordagem para Taiwan que envolva elaborar uma estratégia de longo prazo, bem como a estrutura ideológica para a unificação”.

Das esperanças democráticas ao “neo-autoritarismo”

Wang, como Xi, é filho de autoridades comunistas e foi um dos poucos jovens chineses escolhidos para ir à universidade durante a Revolução Cultural de 1966-76, uma década de violência e fanatismo quando os alunos foram treinados nos ensinamentos de Marx, Lênin e Mao.

Mas, em 1978, quando Wang começou a pós-graduação na Universidade Fudan, em Xangai, muitos na China estavam começando a olhar para os países ocidentais em busca de inspiração. Os comentários a respeito da democracia, reprimidos sob Mao, se infiltraram nas salas de aula, e Wang, que se especializou em ciência política, tornou-se um estudante ávido das tradições políticas ocidentais.

“Ele era bastante aberto e animado”, disse Chen Kuide, que dividia um dormitório com Wang na Fudan, em uma entrevista. “Ele também escrevia poesia contemporânea.”

Wang ficou fascinado com a “cultura política” das democracias: a fé pública compartilhada no governo que mantinha os países estáveis conforme os líderes iam e vinham. Uma forte rede de valores públicos era um pilar fundamental da ordem política sólida, ele escreveu, frequentemente citando acadêmicos americanos como Samuel P. Huntington e Sidney Verba.

Wang permaneceu na Fudan como palestrante e se juntou ao Partido Comunista em 1984. Ele nunca foi um rebelde, mas compartilhava das esperanças, disseminadas na China na década de 1980, de que o partido pudesse absorver alguma dose de democracia.

“No mundo de hoje, a democracia se tornou o objetivo do desenvolvimento político”, escreveu Wang em um jornal de Xangai em 1986. “Sem um sistema político altamente democrático, não se pode falar em se manter firme como um país modernizado e poderoso entre as nações avançadas do mundo.”

Mas, conforme a década avançava, a China enfrentou uma crescente raiva pública em relação à inflação e à corrupção. Protestos estudantis pela democracia eclodiram em 1986. Mesmo enquanto Wang continuava a elogiar a democracia como uma aspiração de longo prazo, ele alertou contra a rápida liberalização política.

Uma abertura política abrupta poderia trazer revolta e atrapalhar a decolagem econômica da China, escreveu Wang, argumentando que seus líderes poderiam aprender com a Coreia do Sul, Taiwan e outros “dragões” asiáticos que cresceram rapidamente sob governantes autoritários.

“Ele se tornou mais realista”, disse Chen, o antigo colega de quarto, que mais tarde trabalhou ao lado de Wang. “Ele tinha o comportamento de um político ou operador político.”

Wang escreveu um relatório dizendo que a China precisava de um modelo “centralizado” de modernização, não democrático, para afrouxar o controle do estado sobre a economia — o que causaria um aumento doloroso nos preços de alimentos e outras necessidades — enquanto mantinha a instabilidade sob controle.

O relatório circulou entre os formuladores de políticas em Pequim, de acordo com um livro de memórias de Wei Chengsi, um funcionário de Xangai que o havia encomendado, e se tornou uma semente para o “neo-autoritarismo”, uma escola de pensamento que argumentava que a China precisava de um líder forte.

“Seu apoio a um governo central forte e a um líder central era óbvio”, disse Ming Xia, um ex-aluno e colega de Wang na Universidade Fudan.

Lições americanas

Em 1988, Wang começou uma visita de seis meses aos Estados Unidos, sua primeira imersão na superpotência que a China estava começando a admirar e temer.

“Ele ficou profundamente impressionado com o quão desenvolvidos os Estados Unidos eram”, disse Hsu Chang-mao, um jornalista de Taiwan que conheceu Wang naquela época, em uma entrevista. “Depois que retornou, ele se vestiu de forma mais atraente e estilosa; dava para ver que tinha sido influenciado pelo senso de moda americano.”

Mas as viagens de Wang pelos EUA, como um acadêmico visitante na Universidade de Iowa e outros campi, também pareciam aprofundar sua visão de que a democracia de estilo ocidental tinha falhas e não poderia ser facilmente copiada na China.

Os EUA não tinham a disciplina social e a coesão do Japão, Wang escreveu em “America Against America”, um livro de 1991 a respeito de sua visita. Ele sentiu repulsa diante de um acampamento para moradores de rua em Berkeley, que ele descreveu como sujo. Acompanhou a corrida presidencial de 1988 e concluiu que os eleitores, em última análise, tinham voz limitada no governo.

Sua estada nos EUA pareceu reforçar sua crença de que um país tinha que incutir as atitudes corretas em seus cidadãos, incluindo respeito pela autoridade e tradição, ou a desordem o enfraqueceria por dentro. Wang citou com aprovação Allan Bloom, um teórico político cujo livro denunciando tendências culturais liberais, “The Closing of the American Mind”, foi um best-seller na época.

Depois que Wang retornou à China em 1989, seu ceticismo em relação à democratização se aprofundou. Naquela primavera, manifestantes pró-democracia liderados por estudantes ocuparam a Praça da Paz Celestial em Pequim. Os militares chineses esmagaram o movimento em 4 de junho com tanques e tropas, matando centenas, se não milhares, na capital e em todo o país.

Na sequência, Wang alertou que o partido ainda enfrentava ameaças mais profundas. Os líderes da China, ele escreveu, precisavam de uma “revisão abrangente de todo o sistema de controle social” para domar os efeitos do crescimento econômico, especialmente a corrupção, bem como um influxo de investimento ocidental e influência cultural.

Wang pediu aos líderes em Pequim que reafirmassem seu controle sobre as receitas e empresas estatais. Seu controle sobre os recursos econômicos havia enfraquecido na década anterior, e autoridades locais ricas em receita às vezes se irritavam com ordens de Pequim, ele alertou.

Ele argumentou que, conforme a China se abria para o mundo exterior e o partido recuava de dirigir a vida das pessoas, os líderes precisavam de novas maneiras de manter a lealdade a si. Os novos desafios, ele escreveu em 1992, “exigem que o sistema de controle social da China responda de forma mais firme, flexível e vigorosa”. Ele aconselhou Pequim a desenvolver novas maneiras de monitorar e moldar os valores das pessoas.

“Ele estava realmente escrevendo a respeito do que eles estavam tentando descobrir: como manter a ordem política em meio a mudanças sociais e econômicas muito fundamentais?”, disse Timothy Cheek, historiador do Partido Comunista Chinês na Universidade da Colúmbia Britânica.

Em 1995, Wang foi arrancado da academia por Jiang Zemin, o ex-secretário do partido de Xangai que se tornou líder da China em 1989. Ele se juntou ao Escritório Central de Pesquisa de Políticas do partido e, mais tarde, foi creditado por ajudar a moldar o conceito de “Três Representações” de Jiang, uma política para trazer empreendedores privados para o abraço do partido.

Após a saída de Jiang, Wang continuou sendo um dos principais conselheiros do líder chinês seguinte, Hu Jintao. Quando Xi chegou ao poder, em 2012, ele manteve Wang.

O homem por trás do “Pensamento de Xi Jinping”

O acesso próximo e contínuo de Wang a Xi sugere que ele continuou sendo uma fonte influente de conselhos enquanto o líder chinês lutava contra uma pandemia, problemas econômicos e o crescente antagonismo com governos ocidentais.

Especialistas atribuem a Wang um grande papel na transformação das ideias de Xi em um credo oficial — o Pensamento de Xi Jinping — focado no ressurgimento da China como uma grande potência. Para combater os perigos que ele vê para o governo do partido, Xi exigiu conformidade ideológica, restringiu influências culturais ocidentais, expandiu a censura e procurou silenciar até mesmo a dissidência leve.

Wang se tornou diretor de escritório de uma comissão de reforma política, que impulsionou as ideias de Xi a respeito do crescimento orientado pelo Estado, e ele continua a moldar os principais documentos políticos. Ele defendeu o controle rígido da China sobre a internet diante de uma audiência de executivos multinacionais. Ele acompanhou Xi em viagens ao exterior, incluindo cúpulas com presidentes americanos.

Wang ganhou “um papel real de definição de políticas, não apenas como ideólogo”, disse Matthew D. Johnson, diretor de pesquisa da Garnaut Global, uma consultoria que estudou Wang. “Não acho que ele seja um cavalo de um truque só.”

Em 2017, Xi recompensou Wang promovendo-o ao Comitê Permanente do Politburo — o nível mais alto do poder do partido. E Xi o manteve no comitê para um segundo mandato em 2022, enquanto outros se afastaram.

Durante um congresso do partido em 2022, as boas relações de Wang com Xi foram exibidas diante das câmeras de televisão. Os procedimentos rigorosamente coreografados foram brevemente interrompidos quando Hu, o líder aposentado, aparentemente agitado e confuso, pareceu resistir a ser conduzido para fora por um porteiro.

Quando Li Zhanshu, um alto funcionário, tentou ajudar Hu, Wang puxou o terno de Li e sussurrou para ele, aparentemente pedindo que ele se sentasse. Em teoria, Li era seu superior na hierarquia, mas isso não fez Wang hesitar. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Quando Xi Jinping realizou as primeiras conversas em Pequim com um ex-presidente de Taiwan, buscando pressionar a ilha a se aproximar de uma unificação, um funcionário de aparência estudiosa se destacou por se mostrar à vontade na presença do líder da China.

Enquanto outros tratavam Xi com formalidade rígida, o funcionário, Wang Huning, falou com confiança em sua presença e sentou-se ao lado dele durante a reunião, disse Chiu Kun-hsuan, um membro da delegação que acompanhou Ma Ying-jeou, o ex-presidente taiwanês.

A cena deu um vislumbre de um dos relacionamentos mais importantes, mas pouco compreendidos, na China: aquele entre Xi, o líder mais poderoso do país nas décadas mais recentes, e Wang, o mais influente conselheiro ideológico do Partido Comunista governante nas décadas mais recentes.

Imagem de 2015 mostra Wang Huning (terceiro da direita para a esquerda), conselheiro do presidente da China, Xi Jinping. Wang é um dos principais teóricos do Partido Comunista da China Foto: Ruth Fremson/NYT

“Ele tem a total confiança do líder máximo”, disse o professor Chiu, um acadêmico emérito da Universidade Nacional Chengchi em Taipei, capital de Taiwan, a respeito de Wang. “A influência de Wang Huning tem sido na ideologia, mas agora, na China sob Xi Jinping, a ideologia conecta tudo.”

Dada a natureza opaca da política chinesa, o mundo frequentemente se fixa em Xi, que centralizou o controle desde que assumiu o poder em 2012 e se cercou de legalistas, tornando difícil saber quais opiniões ele mais valoriza. Em seu círculo, Wang se destaca por ter subido ao topo apesar de nunca ter liderado uma província ou cidade, e por aconselhar três líderes chineses sucessivos ao longo de três décadas — um raro feito de adaptabilidade e sobrevivência.

O New York Times falou com mais de uma dúzia de pessoas que conheceram Wang ou se reuniram com ele, inclusive durante uma visita aos Estados Unidos no final dos anos 1980, e leu dezenas de seus artigos e livros. As entrevistas e escritos iluminam como ele subiu ao ápice do poder ao desenvolver ideias que ele colocou a serviço dos líderes da China, com uma influência duradoura em relação a como o país é governado.

Wang é creditado por aprimorar as doutrinas do Partido Comunista que guiaram a ascensão da China, fundadas na convicção de que somente o domínio inflexível do partido pode garantir o sucesso do país diante de rápidas mudanças econômicas e competição cada vez mais intensa com potências ocidentais.

Mais recentemente, Xi confiou a Wang o tratamento das tensas relações políticas com Taiwan, a democracia insular que Pequim quer absorver. Autoridades taiwanesas dizem que Wang tem supervisionado esforços para aprofundar a influência chinesa na ilha, por meio de demonstrações seletivas de boa vontade e atividades de influência secreta.

No entanto, Wang, 69 anos, é pouco conhecido por pessoas de fora. Um professor que virou teórico do partido, ele parou de dar entrevistas depois que começou a trabalhar na sede do Partido Comunista em 1995, cortando contato com a maioria dos antigos colegas e se mantendo distante de visitantes estrangeiros.

Desde 2012, ele tem sido fundamental para destilar a visão de Xi para a China em um programa ideológico para uma superpotência que é tecnologicamente avançada, descaradamente autoritária e cada vez mais fortalecida contra a contenção liderada pelos americanos.

Wang “forneceu o espírito ideológico para o autoritarismo nos 30 anos mais recentes”, disse Rush Doshi, ex-diretor sênior adjunto para a China no Conselho de Segurança Nacional do presidente Biden, que agora está no Conselho de Relações Exteriores e na Universidade Georgetown. “Ele ajudou a elaborar a narrativa nacional.”

Imagem mostra o presidente chinês Xi Jinping sendo recepcionado em Brasília para uma visita de Estado ao presidente Lula. Pensamento de Xi é influenciado por ideias de Wang  Foto: Evaristo Sá/AFP

Conquistando Taiwan

Agora Wang está voltando para Taiwan suas ideias, perspicácia política e influência junto a Xi. Ele parece estar aprimorando estratégias para atingir mais profundamente a sociedade taiwanesa e reverter a crescente rejeição de sua população à China, incluindo os laços culturais de Taiwan com o continente.

“Ele também é alguém que sabe usar tanto um toque suave quanto um punho fechado”, disse Chao Chun-shan, professor emérito da Universidade Tamkang em Taiwan, que esteve em reuniões com Wang no início dos anos 1990 e duas vezes desde o ano passado.

Wang cortejou assiduamente dezenas de membros do Partido Nacionalista de oposição de Taiwan, que favorece laços mais fortes com a China, tratando-os quase como um governo taiwanês em espera — um com o qual Pequim preferiria lidar. Ele educadamente questionou os legisladores nacionalistas: Quem tem raízes antigas em Taiwan? Quem veio de famílias que fugiram da China continental em 1949? Ele pediu que descrevessem suas preocupações, ressaltando que estava prestando bastante atenção, disseram vários membros das delegações.

Suas propostas à oposição se encaixam na estratégia de Pequim de isolar o presidente de Taiwan, Lai Ching-te, e seu Partido Democrático Progressista, que rejeita a reivindicação de soberania da China em relação à ilha.

Ao mesmo tempo, a China endureceu sua abordagem militar a Taiwan; recentemente o país realizou exercícios cercando a ilha. Também está usando medidas legais para intimidar o povo taiwanês, como as regras recentemente emitidas pedindo execução, em casos extremos, para apoiadores da independência

Nos bastidores, Wang supervisionou os esforços chineses para influenciar a opinião pública taiwanesa com campanhas online, que amplificam mensagens céticas em relação ao poder americano, que são mordazes em relação a Lai e admiram a China, de acordo com dois oficiais de segurança taiwaneses que falaram sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do assunto.

Ao mesmo tempo, a China endureceu sua abordagem militar a Taiwan; recentemente o país realizou exercícios cercando a ilha. Também está usando medidas legais para intimidar o povo taiwanês, como as regras recentemente emitidas pedindo execução, em casos extremos, para apoiadores da independência.

Tais esforços podem parecer grosseiros e provavelmente alienar muitos taiwaneses, mas, com o tempo, seu efeito inibidor pode fazer a diferença politicamente, disse John Dotson, vice-diretor do Global Taiwan Institute em Washington. “Mesmo se mover a opinião pública apenas em alguns pontos, isso pode ser decisivo”, disse ele.

Wang também pode ter influência considerável no plano de unificação da China. Xi disse que Taiwan deve aceitar a fórmula “um país, dois sistemas” que Pequim usou para Hong Kong, mas esse arranjo é amplamente rejeitado em Taiwan. Em vez disso, autoridades chinesas como Wang agora falam de um “plano abrangente” para Taiwan, uma frase que permite ajustes na fórmula.

“Se os papéis anteriores dele servirem de guia”, disse Doshi, referindo-se a Wang, “ele provavelmente foi encarregado de descobrir uma abordagem para Taiwan que envolva elaborar uma estratégia de longo prazo, bem como a estrutura ideológica para a unificação”.

Das esperanças democráticas ao “neo-autoritarismo”

Wang, como Xi, é filho de autoridades comunistas e foi um dos poucos jovens chineses escolhidos para ir à universidade durante a Revolução Cultural de 1966-76, uma década de violência e fanatismo quando os alunos foram treinados nos ensinamentos de Marx, Lênin e Mao.

Mas, em 1978, quando Wang começou a pós-graduação na Universidade Fudan, em Xangai, muitos na China estavam começando a olhar para os países ocidentais em busca de inspiração. Os comentários a respeito da democracia, reprimidos sob Mao, se infiltraram nas salas de aula, e Wang, que se especializou em ciência política, tornou-se um estudante ávido das tradições políticas ocidentais.

“Ele era bastante aberto e animado”, disse Chen Kuide, que dividia um dormitório com Wang na Fudan, em uma entrevista. “Ele também escrevia poesia contemporânea.”

Wang ficou fascinado com a “cultura política” das democracias: a fé pública compartilhada no governo que mantinha os países estáveis conforme os líderes iam e vinham. Uma forte rede de valores públicos era um pilar fundamental da ordem política sólida, ele escreveu, frequentemente citando acadêmicos americanos como Samuel P. Huntington e Sidney Verba.

Wang permaneceu na Fudan como palestrante e se juntou ao Partido Comunista em 1984. Ele nunca foi um rebelde, mas compartilhava das esperanças, disseminadas na China na década de 1980, de que o partido pudesse absorver alguma dose de democracia.

“No mundo de hoje, a democracia se tornou o objetivo do desenvolvimento político”, escreveu Wang em um jornal de Xangai em 1986. “Sem um sistema político altamente democrático, não se pode falar em se manter firme como um país modernizado e poderoso entre as nações avançadas do mundo.”

Mas, conforme a década avançava, a China enfrentou uma crescente raiva pública em relação à inflação e à corrupção. Protestos estudantis pela democracia eclodiram em 1986. Mesmo enquanto Wang continuava a elogiar a democracia como uma aspiração de longo prazo, ele alertou contra a rápida liberalização política.

Uma abertura política abrupta poderia trazer revolta e atrapalhar a decolagem econômica da China, escreveu Wang, argumentando que seus líderes poderiam aprender com a Coreia do Sul, Taiwan e outros “dragões” asiáticos que cresceram rapidamente sob governantes autoritários.

“Ele se tornou mais realista”, disse Chen, o antigo colega de quarto, que mais tarde trabalhou ao lado de Wang. “Ele tinha o comportamento de um político ou operador político.”

Wang escreveu um relatório dizendo que a China precisava de um modelo “centralizado” de modernização, não democrático, para afrouxar o controle do estado sobre a economia — o que causaria um aumento doloroso nos preços de alimentos e outras necessidades — enquanto mantinha a instabilidade sob controle.

O relatório circulou entre os formuladores de políticas em Pequim, de acordo com um livro de memórias de Wei Chengsi, um funcionário de Xangai que o havia encomendado, e se tornou uma semente para o “neo-autoritarismo”, uma escola de pensamento que argumentava que a China precisava de um líder forte.

“Seu apoio a um governo central forte e a um líder central era óbvio”, disse Ming Xia, um ex-aluno e colega de Wang na Universidade Fudan.

Lições americanas

Em 1988, Wang começou uma visita de seis meses aos Estados Unidos, sua primeira imersão na superpotência que a China estava começando a admirar e temer.

“Ele ficou profundamente impressionado com o quão desenvolvidos os Estados Unidos eram”, disse Hsu Chang-mao, um jornalista de Taiwan que conheceu Wang naquela época, em uma entrevista. “Depois que retornou, ele se vestiu de forma mais atraente e estilosa; dava para ver que tinha sido influenciado pelo senso de moda americano.”

Mas as viagens de Wang pelos EUA, como um acadêmico visitante na Universidade de Iowa e outros campi, também pareciam aprofundar sua visão de que a democracia de estilo ocidental tinha falhas e não poderia ser facilmente copiada na China.

Os EUA não tinham a disciplina social e a coesão do Japão, Wang escreveu em “America Against America”, um livro de 1991 a respeito de sua visita. Ele sentiu repulsa diante de um acampamento para moradores de rua em Berkeley, que ele descreveu como sujo. Acompanhou a corrida presidencial de 1988 e concluiu que os eleitores, em última análise, tinham voz limitada no governo.

Sua estada nos EUA pareceu reforçar sua crença de que um país tinha que incutir as atitudes corretas em seus cidadãos, incluindo respeito pela autoridade e tradição, ou a desordem o enfraqueceria por dentro. Wang citou com aprovação Allan Bloom, um teórico político cujo livro denunciando tendências culturais liberais, “The Closing of the American Mind”, foi um best-seller na época.

Depois que Wang retornou à China em 1989, seu ceticismo em relação à democratização se aprofundou. Naquela primavera, manifestantes pró-democracia liderados por estudantes ocuparam a Praça da Paz Celestial em Pequim. Os militares chineses esmagaram o movimento em 4 de junho com tanques e tropas, matando centenas, se não milhares, na capital e em todo o país.

Na sequência, Wang alertou que o partido ainda enfrentava ameaças mais profundas. Os líderes da China, ele escreveu, precisavam de uma “revisão abrangente de todo o sistema de controle social” para domar os efeitos do crescimento econômico, especialmente a corrupção, bem como um influxo de investimento ocidental e influência cultural.

Wang pediu aos líderes em Pequim que reafirmassem seu controle sobre as receitas e empresas estatais. Seu controle sobre os recursos econômicos havia enfraquecido na década anterior, e autoridades locais ricas em receita às vezes se irritavam com ordens de Pequim, ele alertou.

Ele argumentou que, conforme a China se abria para o mundo exterior e o partido recuava de dirigir a vida das pessoas, os líderes precisavam de novas maneiras de manter a lealdade a si. Os novos desafios, ele escreveu em 1992, “exigem que o sistema de controle social da China responda de forma mais firme, flexível e vigorosa”. Ele aconselhou Pequim a desenvolver novas maneiras de monitorar e moldar os valores das pessoas.

“Ele estava realmente escrevendo a respeito do que eles estavam tentando descobrir: como manter a ordem política em meio a mudanças sociais e econômicas muito fundamentais?”, disse Timothy Cheek, historiador do Partido Comunista Chinês na Universidade da Colúmbia Britânica.

Em 1995, Wang foi arrancado da academia por Jiang Zemin, o ex-secretário do partido de Xangai que se tornou líder da China em 1989. Ele se juntou ao Escritório Central de Pesquisa de Políticas do partido e, mais tarde, foi creditado por ajudar a moldar o conceito de “Três Representações” de Jiang, uma política para trazer empreendedores privados para o abraço do partido.

Após a saída de Jiang, Wang continuou sendo um dos principais conselheiros do líder chinês seguinte, Hu Jintao. Quando Xi chegou ao poder, em 2012, ele manteve Wang.

O homem por trás do “Pensamento de Xi Jinping”

O acesso próximo e contínuo de Wang a Xi sugere que ele continuou sendo uma fonte influente de conselhos enquanto o líder chinês lutava contra uma pandemia, problemas econômicos e o crescente antagonismo com governos ocidentais.

Especialistas atribuem a Wang um grande papel na transformação das ideias de Xi em um credo oficial — o Pensamento de Xi Jinping — focado no ressurgimento da China como uma grande potência. Para combater os perigos que ele vê para o governo do partido, Xi exigiu conformidade ideológica, restringiu influências culturais ocidentais, expandiu a censura e procurou silenciar até mesmo a dissidência leve.

Wang se tornou diretor de escritório de uma comissão de reforma política, que impulsionou as ideias de Xi a respeito do crescimento orientado pelo Estado, e ele continua a moldar os principais documentos políticos. Ele defendeu o controle rígido da China sobre a internet diante de uma audiência de executivos multinacionais. Ele acompanhou Xi em viagens ao exterior, incluindo cúpulas com presidentes americanos.

Wang ganhou “um papel real de definição de políticas, não apenas como ideólogo”, disse Matthew D. Johnson, diretor de pesquisa da Garnaut Global, uma consultoria que estudou Wang. “Não acho que ele seja um cavalo de um truque só.”

Em 2017, Xi recompensou Wang promovendo-o ao Comitê Permanente do Politburo — o nível mais alto do poder do partido. E Xi o manteve no comitê para um segundo mandato em 2022, enquanto outros se afastaram.

Durante um congresso do partido em 2022, as boas relações de Wang com Xi foram exibidas diante das câmeras de televisão. Os procedimentos rigorosamente coreografados foram brevemente interrompidos quando Hu, o líder aposentado, aparentemente agitado e confuso, pareceu resistir a ser conduzido para fora por um porteiro.

Quando Li Zhanshu, um alto funcionário, tentou ajudar Hu, Wang puxou o terno de Li e sussurrou para ele, aparentemente pedindo que ele se sentasse. Em teoria, Li era seu superior na hierarquia, mas isso não fez Wang hesitar. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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