‘O inimigo é a esquerda globalista’, diz Giorgia Meloni, favorita da direita na eleição da Itália


Em rara entrevista ao jornal The Washington Post, líder da extrema direita italiana disse não temer oposição europeia caso seja eleita e atacou o que classificou como ideologia esquerdista

Por Chico Harlan e Stefano Pitrelli
Atualização:

THE WASHINGTON POST - Giorgia Meloni é a favorita para se tornar primeira-ministra após as eleições de domingo, 25. A líder do partido Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália), uma legenda conservadora abertamente antieuropeia e nacionalista, deve conquistar 26% dos votos, segundo as projeções baseadas nos primeiros resultados das urnas.

Em rara entrevista ao jornal The Washington Post, Meloni disse não temer uma oposição europeia caso seja eleita, e atacou a ideologia “globalista que visa considerar como inimigo tudo o que nos define, tudo o que moldou nossa identidade e civilização”. Para ela, “a esquerda italiana esqueceu o mundo do trabalho para seguir uma agenda ideológica alheia ao cotidiano do homem comum”.

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Giorgia Meloni durante comício eleitoral em Genova, em 14 de setembro; líder conservadora lidera pesquisas de intenção de votos. Foto: Luca Zennaro/ EFE

Leia os principais trechos da entrevista de Giorgia Meloni:

Há muitos termos para escolher ao descrever seu partido: Direita nacionalista, extrema direita, conservadora. Qual termo você acha que melhor se adapta ao seu partido?

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Conservador. Sou a presidente dos conservadores europeus e há muito tempo chamo o Fratelli d’Italia de partido conservador. Acho que não há dúvida de que nossos valores são conservadores. A questão da liberdade individual, a iniciativa privada na economia, a liberdade educacional, a centralidade da família e seu papel em nossa sociedade, a proteção das fronteiras contra a imigração descontrolada, a defesa da identidade nacional italiana – esses são os assuntos com os quais nos preocupamos, então não há dúvida sobre isso.

A ascensão do seu partido é bem conhecida. Se estivéssemos conversando em 2019 após as eleições europeias, você teria 6% dos votos. Agora, você está com 25%. O que você, como líder, fez para ajudar na ascensão do seu partido?

Somos um partido nascido em 2013, mas até 2019 sempre nos detivemos em torno de um limite de aprovação de 3% a 4%. Mas muitos eleitores que se sentem representados por você acabam preferindo não votar em você, pois temem que tal voto não seja importante. Eu sempre dizia ao meu partido que seria muito mais difícil chegar a 5% do que passar de 5% para 15% para 20%. Porque uma vez que você se torna um verdadeiro ator político, as pessoas se sentem mais seguras em dar seu voto.

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Então pegamos o caminho mais longo, sem atalhos. Sempre disse que, primeiro, chegaria ao governo apenas com a aprovação dos italianos e, segundo, quando tivesse certeza de que poderia fazer as coisas que queria fazer. Isso claramente exigiu muito trabalho, mas os italianos hoje entendem que somos um partido muito confiável, e seus líderes sérios.

Em seus discursos na campanha, você expõe as razões pelas quais a Itália está em uma situação difícil. Mas vimos muitos primeiros-ministros conseguirem o emprego e não se segurarem no cargo. Você quer ser primeira-ministra?

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Não (ela ri). O que quero dizer com isso é: nunca encarei a política como um assunto pessoal. Quando me envolvi na política, nunca pensei que me tornaria um político. Na verdade, eu queria ser intérprete e tradutora. E eu sou jornalista. Dito isto, uma vez que acredito em uma obrigação para com os cidadãos, se os cidadãos italianos decidirem dar ao Fratelli d’Italia um resultado que indique isso - ou seja, “Queremos que Giorgia Meloni seja a premiê” - eu serei a primeira-ministra, levando em conta aqui também a escolha do presidente da república. Não posso dizer que diante de tamanha responsabilidade minhas mãos não tremam. Porque nos veríamos governando a Itália durante o que talvez seja uma das situações mais complexas de todos os tempos. No contexto europeu estamos na parte inferior do ranking em todos os fatores macroeconômicos; nossa dívida pública está fora de controle. Estamos lidando com a pobreza crescente. Mas também acredito que esta nação pode reverter seu curso com algum bom senso e uma classe política que saiba explicar escolhas impopulares aos cidadãos.

Você reconhece em sua autobiografia que sempre buscou aceitação. Agora você tem isso dos eleitores da direita na Itália, mas pode não ter do “establishment” na Europa, e isso pode dificultar sua vida. Você quer essa aceitação? Como acha que pode obtê-la?

Eu me importo que a Itália tenha o papel que merece no contexto europeu, e não entendo por que o primeiro-ministro, nomeado com base em um claro consenso popular, deve representar um problema para alguém. Não acho normal alguém pensar que os italianos não são tão livres para eleger seus representantes quanto qualquer outra pessoa na Europa.

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Se ganharmos as eleições, quando apresentarmos nossa primeira lei orçamentária, talvez as pessoas no exterior percebam como existem partidos mais sérios do que aqueles que aumentaram nossa dívida para comprar carteiras escolares com rodas. Então eu não preciso me sentir aceita. Não me considero uma ameaça, uma pessoa monstruosa ou perigosa. Eu me considero uma pessoa muito séria, e é com seriedade que precisamos responder aos ataques que estão fazendo contra nós. Não nego que critiquei a UE e, muitas vezes, suas prioridades, mas talvez em alguns casos não estivéssemos errados. O que está acontecendo nos últimos anos, com a pandemia e a guerra, mostra quantas prioridades europeias foram mal colocadas.

Você disse em discursos que “tudo o que defendemos está sob ataque” – uma referência aos valores cristãos, às normas de gênero, até mesmo à capacidade de falar livremente sem ser atacado. A questão é: quem são os inimigos? Quem está fazendo o ataque?

Entre os inimigos, em primeiro lugar, a esquerda. Existe uma ideologia esquerdista, chamada globalista, que visa considerar como inimigo tudo o que nos define, tudo o que moldou nossa identidade e civilização. O Ocidente está pagando por essa fraqueza, como também vimos nos últimos tempos. Em vez disso, o que nos identifica, ou seja, os valores cristãos que fundaram nossa civilização, independentemente de se acreditar em Deus ou não. Sou totalmente a favor do crucifixo pendurado nas paredes de nossas escolas públicas, não porque queira impor a religião em que acredito a alguém.

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Mas gostemos ou não, os valores cristãos moldaram nossa civilização. Eu acredito no valor do respeito por causa do cristianismo. Acredito no valor do secularismo estatal porque o cristianismo me ensinou isso. Acredito no valor da solidariedade porque o cristianismo me ensinou isso. É só dizer quem você é. A meu ver, dizer quem você é não significa desrespeitar o outro; é exatamente o contrário. São apenas identidades fracas que têm medo de discussão. Identidades fortes e conscientes não a temem.

Meloni definiu o globalismo como uma ideologia esquerdista 'que visa considerar como inimigo tudo o que nos define'. Foto: Flavio Lo Scalzo/ REUTERS - 11/09/2022

Acredito na defesa da identidade de gênero também. Neste tópico, se você observar, o objetivo real de algumas teorias de gênero não é combater as discriminações, da qual todos discordamos plenamente. Quem paga mais caro por essas teorias são as mulheres. Portanto, não entendo o curto circuito que leva aqueles que lutaram pelos direitos das mulheres agora a querer que uma pessoa que nasceu biologicamente homem compita com mulheres no mesmo esporte, sabendo muito bem que isso penalizará as mulheres. Estou autorizada a dizer isso? Fica monstruoso? Eu não acho. É uma avaliação que precisa ser feita.

Quando conversamos com seus eleitores, eles estão gravitando mais para as mensagens que você tem sobre como consertar o país economicamente, lidar com a burocracia, reduzir o preço do gás. Mas raramente os ouvimos trazer à tona questões que eu colocaria na categoria guerra cultural. Você acha que essas questões atraem eleitores para você?

Não, não acho que atraem votos. Mas também acredito que as pessoas deveriam saber como me sinto sobre isso. Sou uma pessoa que nunca teve medo de tomar posições não vantajosas. Acho que os italianos confiam em nós, que confiam em mim, porque sabem que se eu pensar alguma coisa, direi. Dito isto, eu sei que essas são todas questões que causam muitas divisões. Mas só são divisivas porque não podemos falar sobre elas a sério, certo?

Não sou a favor da adoção por casais do mesmo sexo. Porque eu acho que uma criança que tem azar precisa receber o que é melhor, certo? E o melhor é ter pai e mãe. Fui criada sem pai. Fui bem criada? Pelo amor de Deus, sim. Eu queria ter um pai? Sim.

Você fala em seu livro, citando os garotos que a intimidavam sobre seu peso, sobre a utilidade de ter inimigos. E agora, como política, você menciona regularmente inimigos: a esquerda obcecada em destruí-la, por exemplo. Mas se você se tornar a líder do país, como pretende lidar com seus adversários?

Nunca odiei ninguém e vou falar com todo mundo, porque não tenho pretensões de superioridade nem complexos de inferioridade. Basicamente, tenho uma atitude madura em relação aos meus adversários políticos. Eu não acho que o mesmo poderia ser dito deles em relação a mim. Enquanto isso, percorrendo a Itália de norte a sul ao longo da campanha, continuo encontrando ex-eleitores de esquerda que me dizem: “Eu era esquerdista, mas desta vez votarei em você”. E sabe por quê? Porque a esquerda italiana esqueceu o mundo do trabalho para seguir uma agenda ideológica alheia ao cotidiano do homem comum. É a eles que queremos oferecer respostas reais.

É nítida sua fraternidade com o Partido Republicano dos EUA. Mas o Partido Republicano mudou dramaticamente nos últimos 10 anos. A que parte do Partido Republicano você vê semelhanças com o Fratelli d’Italia e a qual polo você está mais alinhado?

Não vou entrar nas brigas de outra parte do mundo. Eu estava na Coalizão de Ação Política Conservadora, sempre viajo aos EUA com muito prazer. Os EUA são, obviamente, um ponto de referência para nossas alianças, e tenho um bom relacionamento com o Partido Republicano. Os republicanos também estão entre os partidos aliados dos conservadores europeus. Temos redes nos conectando, nossos think tanks trabalham com o International Republican Institute, com a Heritage Foundation, fazemos intercâmbios culturais e muitas de suas lutas são sobre coisas que defendemos. Dito isso, não estou interessado em entrar no debate dentro do Partido Republicano, porque seria um assunto muito complexo para mim. Estou acompanhando cuidadosamente a evolução deles e analisando o que acontecerá com as eleições de meio de mandato.

THE WASHINGTON POST - Giorgia Meloni é a favorita para se tornar primeira-ministra após as eleições de domingo, 25. A líder do partido Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália), uma legenda conservadora abertamente antieuropeia e nacionalista, deve conquistar 26% dos votos, segundo as projeções baseadas nos primeiros resultados das urnas.

Em rara entrevista ao jornal The Washington Post, Meloni disse não temer uma oposição europeia caso seja eleita, e atacou a ideologia “globalista que visa considerar como inimigo tudo o que nos define, tudo o que moldou nossa identidade e civilização”. Para ela, “a esquerda italiana esqueceu o mundo do trabalho para seguir uma agenda ideológica alheia ao cotidiano do homem comum”.

Giorgia Meloni durante comício eleitoral em Genova, em 14 de setembro; líder conservadora lidera pesquisas de intenção de votos. Foto: Luca Zennaro/ EFE

Leia os principais trechos da entrevista de Giorgia Meloni:

Há muitos termos para escolher ao descrever seu partido: Direita nacionalista, extrema direita, conservadora. Qual termo você acha que melhor se adapta ao seu partido?

Conservador. Sou a presidente dos conservadores europeus e há muito tempo chamo o Fratelli d’Italia de partido conservador. Acho que não há dúvida de que nossos valores são conservadores. A questão da liberdade individual, a iniciativa privada na economia, a liberdade educacional, a centralidade da família e seu papel em nossa sociedade, a proteção das fronteiras contra a imigração descontrolada, a defesa da identidade nacional italiana – esses são os assuntos com os quais nos preocupamos, então não há dúvida sobre isso.

A ascensão do seu partido é bem conhecida. Se estivéssemos conversando em 2019 após as eleições europeias, você teria 6% dos votos. Agora, você está com 25%. O que você, como líder, fez para ajudar na ascensão do seu partido?

Somos um partido nascido em 2013, mas até 2019 sempre nos detivemos em torno de um limite de aprovação de 3% a 4%. Mas muitos eleitores que se sentem representados por você acabam preferindo não votar em você, pois temem que tal voto não seja importante. Eu sempre dizia ao meu partido que seria muito mais difícil chegar a 5% do que passar de 5% para 15% para 20%. Porque uma vez que você se torna um verdadeiro ator político, as pessoas se sentem mais seguras em dar seu voto.

Então pegamos o caminho mais longo, sem atalhos. Sempre disse que, primeiro, chegaria ao governo apenas com a aprovação dos italianos e, segundo, quando tivesse certeza de que poderia fazer as coisas que queria fazer. Isso claramente exigiu muito trabalho, mas os italianos hoje entendem que somos um partido muito confiável, e seus líderes sérios.

Em seus discursos na campanha, você expõe as razões pelas quais a Itália está em uma situação difícil. Mas vimos muitos primeiros-ministros conseguirem o emprego e não se segurarem no cargo. Você quer ser primeira-ministra?

Não (ela ri). O que quero dizer com isso é: nunca encarei a política como um assunto pessoal. Quando me envolvi na política, nunca pensei que me tornaria um político. Na verdade, eu queria ser intérprete e tradutora. E eu sou jornalista. Dito isto, uma vez que acredito em uma obrigação para com os cidadãos, se os cidadãos italianos decidirem dar ao Fratelli d’Italia um resultado que indique isso - ou seja, “Queremos que Giorgia Meloni seja a premiê” - eu serei a primeira-ministra, levando em conta aqui também a escolha do presidente da república. Não posso dizer que diante de tamanha responsabilidade minhas mãos não tremam. Porque nos veríamos governando a Itália durante o que talvez seja uma das situações mais complexas de todos os tempos. No contexto europeu estamos na parte inferior do ranking em todos os fatores macroeconômicos; nossa dívida pública está fora de controle. Estamos lidando com a pobreza crescente. Mas também acredito que esta nação pode reverter seu curso com algum bom senso e uma classe política que saiba explicar escolhas impopulares aos cidadãos.

Você reconhece em sua autobiografia que sempre buscou aceitação. Agora você tem isso dos eleitores da direita na Itália, mas pode não ter do “establishment” na Europa, e isso pode dificultar sua vida. Você quer essa aceitação? Como acha que pode obtê-la?

Eu me importo que a Itália tenha o papel que merece no contexto europeu, e não entendo por que o primeiro-ministro, nomeado com base em um claro consenso popular, deve representar um problema para alguém. Não acho normal alguém pensar que os italianos não são tão livres para eleger seus representantes quanto qualquer outra pessoa na Europa.

Se ganharmos as eleições, quando apresentarmos nossa primeira lei orçamentária, talvez as pessoas no exterior percebam como existem partidos mais sérios do que aqueles que aumentaram nossa dívida para comprar carteiras escolares com rodas. Então eu não preciso me sentir aceita. Não me considero uma ameaça, uma pessoa monstruosa ou perigosa. Eu me considero uma pessoa muito séria, e é com seriedade que precisamos responder aos ataques que estão fazendo contra nós. Não nego que critiquei a UE e, muitas vezes, suas prioridades, mas talvez em alguns casos não estivéssemos errados. O que está acontecendo nos últimos anos, com a pandemia e a guerra, mostra quantas prioridades europeias foram mal colocadas.

Você disse em discursos que “tudo o que defendemos está sob ataque” – uma referência aos valores cristãos, às normas de gênero, até mesmo à capacidade de falar livremente sem ser atacado. A questão é: quem são os inimigos? Quem está fazendo o ataque?

Entre os inimigos, em primeiro lugar, a esquerda. Existe uma ideologia esquerdista, chamada globalista, que visa considerar como inimigo tudo o que nos define, tudo o que moldou nossa identidade e civilização. O Ocidente está pagando por essa fraqueza, como também vimos nos últimos tempos. Em vez disso, o que nos identifica, ou seja, os valores cristãos que fundaram nossa civilização, independentemente de se acreditar em Deus ou não. Sou totalmente a favor do crucifixo pendurado nas paredes de nossas escolas públicas, não porque queira impor a religião em que acredito a alguém.

Mas gostemos ou não, os valores cristãos moldaram nossa civilização. Eu acredito no valor do respeito por causa do cristianismo. Acredito no valor do secularismo estatal porque o cristianismo me ensinou isso. Acredito no valor da solidariedade porque o cristianismo me ensinou isso. É só dizer quem você é. A meu ver, dizer quem você é não significa desrespeitar o outro; é exatamente o contrário. São apenas identidades fracas que têm medo de discussão. Identidades fortes e conscientes não a temem.

Meloni definiu o globalismo como uma ideologia esquerdista 'que visa considerar como inimigo tudo o que nos define'. Foto: Flavio Lo Scalzo/ REUTERS - 11/09/2022

Acredito na defesa da identidade de gênero também. Neste tópico, se você observar, o objetivo real de algumas teorias de gênero não é combater as discriminações, da qual todos discordamos plenamente. Quem paga mais caro por essas teorias são as mulheres. Portanto, não entendo o curto circuito que leva aqueles que lutaram pelos direitos das mulheres agora a querer que uma pessoa que nasceu biologicamente homem compita com mulheres no mesmo esporte, sabendo muito bem que isso penalizará as mulheres. Estou autorizada a dizer isso? Fica monstruoso? Eu não acho. É uma avaliação que precisa ser feita.

Quando conversamos com seus eleitores, eles estão gravitando mais para as mensagens que você tem sobre como consertar o país economicamente, lidar com a burocracia, reduzir o preço do gás. Mas raramente os ouvimos trazer à tona questões que eu colocaria na categoria guerra cultural. Você acha que essas questões atraem eleitores para você?

Não, não acho que atraem votos. Mas também acredito que as pessoas deveriam saber como me sinto sobre isso. Sou uma pessoa que nunca teve medo de tomar posições não vantajosas. Acho que os italianos confiam em nós, que confiam em mim, porque sabem que se eu pensar alguma coisa, direi. Dito isto, eu sei que essas são todas questões que causam muitas divisões. Mas só são divisivas porque não podemos falar sobre elas a sério, certo?

Não sou a favor da adoção por casais do mesmo sexo. Porque eu acho que uma criança que tem azar precisa receber o que é melhor, certo? E o melhor é ter pai e mãe. Fui criada sem pai. Fui bem criada? Pelo amor de Deus, sim. Eu queria ter um pai? Sim.

Você fala em seu livro, citando os garotos que a intimidavam sobre seu peso, sobre a utilidade de ter inimigos. E agora, como política, você menciona regularmente inimigos: a esquerda obcecada em destruí-la, por exemplo. Mas se você se tornar a líder do país, como pretende lidar com seus adversários?

Nunca odiei ninguém e vou falar com todo mundo, porque não tenho pretensões de superioridade nem complexos de inferioridade. Basicamente, tenho uma atitude madura em relação aos meus adversários políticos. Eu não acho que o mesmo poderia ser dito deles em relação a mim. Enquanto isso, percorrendo a Itália de norte a sul ao longo da campanha, continuo encontrando ex-eleitores de esquerda que me dizem: “Eu era esquerdista, mas desta vez votarei em você”. E sabe por quê? Porque a esquerda italiana esqueceu o mundo do trabalho para seguir uma agenda ideológica alheia ao cotidiano do homem comum. É a eles que queremos oferecer respostas reais.

É nítida sua fraternidade com o Partido Republicano dos EUA. Mas o Partido Republicano mudou dramaticamente nos últimos 10 anos. A que parte do Partido Republicano você vê semelhanças com o Fratelli d’Italia e a qual polo você está mais alinhado?

Não vou entrar nas brigas de outra parte do mundo. Eu estava na Coalizão de Ação Política Conservadora, sempre viajo aos EUA com muito prazer. Os EUA são, obviamente, um ponto de referência para nossas alianças, e tenho um bom relacionamento com o Partido Republicano. Os republicanos também estão entre os partidos aliados dos conservadores europeus. Temos redes nos conectando, nossos think tanks trabalham com o International Republican Institute, com a Heritage Foundation, fazemos intercâmbios culturais e muitas de suas lutas são sobre coisas que defendemos. Dito isso, não estou interessado em entrar no debate dentro do Partido Republicano, porque seria um assunto muito complexo para mim. Estou acompanhando cuidadosamente a evolução deles e analisando o que acontecerá com as eleições de meio de mandato.

THE WASHINGTON POST - Giorgia Meloni é a favorita para se tornar primeira-ministra após as eleições de domingo, 25. A líder do partido Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália), uma legenda conservadora abertamente antieuropeia e nacionalista, deve conquistar 26% dos votos, segundo as projeções baseadas nos primeiros resultados das urnas.

Em rara entrevista ao jornal The Washington Post, Meloni disse não temer uma oposição europeia caso seja eleita, e atacou a ideologia “globalista que visa considerar como inimigo tudo o que nos define, tudo o que moldou nossa identidade e civilização”. Para ela, “a esquerda italiana esqueceu o mundo do trabalho para seguir uma agenda ideológica alheia ao cotidiano do homem comum”.

Giorgia Meloni durante comício eleitoral em Genova, em 14 de setembro; líder conservadora lidera pesquisas de intenção de votos. Foto: Luca Zennaro/ EFE

Leia os principais trechos da entrevista de Giorgia Meloni:

Há muitos termos para escolher ao descrever seu partido: Direita nacionalista, extrema direita, conservadora. Qual termo você acha que melhor se adapta ao seu partido?

Conservador. Sou a presidente dos conservadores europeus e há muito tempo chamo o Fratelli d’Italia de partido conservador. Acho que não há dúvida de que nossos valores são conservadores. A questão da liberdade individual, a iniciativa privada na economia, a liberdade educacional, a centralidade da família e seu papel em nossa sociedade, a proteção das fronteiras contra a imigração descontrolada, a defesa da identidade nacional italiana – esses são os assuntos com os quais nos preocupamos, então não há dúvida sobre isso.

A ascensão do seu partido é bem conhecida. Se estivéssemos conversando em 2019 após as eleições europeias, você teria 6% dos votos. Agora, você está com 25%. O que você, como líder, fez para ajudar na ascensão do seu partido?

Somos um partido nascido em 2013, mas até 2019 sempre nos detivemos em torno de um limite de aprovação de 3% a 4%. Mas muitos eleitores que se sentem representados por você acabam preferindo não votar em você, pois temem que tal voto não seja importante. Eu sempre dizia ao meu partido que seria muito mais difícil chegar a 5% do que passar de 5% para 15% para 20%. Porque uma vez que você se torna um verdadeiro ator político, as pessoas se sentem mais seguras em dar seu voto.

Então pegamos o caminho mais longo, sem atalhos. Sempre disse que, primeiro, chegaria ao governo apenas com a aprovação dos italianos e, segundo, quando tivesse certeza de que poderia fazer as coisas que queria fazer. Isso claramente exigiu muito trabalho, mas os italianos hoje entendem que somos um partido muito confiável, e seus líderes sérios.

Em seus discursos na campanha, você expõe as razões pelas quais a Itália está em uma situação difícil. Mas vimos muitos primeiros-ministros conseguirem o emprego e não se segurarem no cargo. Você quer ser primeira-ministra?

Não (ela ri). O que quero dizer com isso é: nunca encarei a política como um assunto pessoal. Quando me envolvi na política, nunca pensei que me tornaria um político. Na verdade, eu queria ser intérprete e tradutora. E eu sou jornalista. Dito isto, uma vez que acredito em uma obrigação para com os cidadãos, se os cidadãos italianos decidirem dar ao Fratelli d’Italia um resultado que indique isso - ou seja, “Queremos que Giorgia Meloni seja a premiê” - eu serei a primeira-ministra, levando em conta aqui também a escolha do presidente da república. Não posso dizer que diante de tamanha responsabilidade minhas mãos não tremam. Porque nos veríamos governando a Itália durante o que talvez seja uma das situações mais complexas de todos os tempos. No contexto europeu estamos na parte inferior do ranking em todos os fatores macroeconômicos; nossa dívida pública está fora de controle. Estamos lidando com a pobreza crescente. Mas também acredito que esta nação pode reverter seu curso com algum bom senso e uma classe política que saiba explicar escolhas impopulares aos cidadãos.

Você reconhece em sua autobiografia que sempre buscou aceitação. Agora você tem isso dos eleitores da direita na Itália, mas pode não ter do “establishment” na Europa, e isso pode dificultar sua vida. Você quer essa aceitação? Como acha que pode obtê-la?

Eu me importo que a Itália tenha o papel que merece no contexto europeu, e não entendo por que o primeiro-ministro, nomeado com base em um claro consenso popular, deve representar um problema para alguém. Não acho normal alguém pensar que os italianos não são tão livres para eleger seus representantes quanto qualquer outra pessoa na Europa.

Se ganharmos as eleições, quando apresentarmos nossa primeira lei orçamentária, talvez as pessoas no exterior percebam como existem partidos mais sérios do que aqueles que aumentaram nossa dívida para comprar carteiras escolares com rodas. Então eu não preciso me sentir aceita. Não me considero uma ameaça, uma pessoa monstruosa ou perigosa. Eu me considero uma pessoa muito séria, e é com seriedade que precisamos responder aos ataques que estão fazendo contra nós. Não nego que critiquei a UE e, muitas vezes, suas prioridades, mas talvez em alguns casos não estivéssemos errados. O que está acontecendo nos últimos anos, com a pandemia e a guerra, mostra quantas prioridades europeias foram mal colocadas.

Você disse em discursos que “tudo o que defendemos está sob ataque” – uma referência aos valores cristãos, às normas de gênero, até mesmo à capacidade de falar livremente sem ser atacado. A questão é: quem são os inimigos? Quem está fazendo o ataque?

Entre os inimigos, em primeiro lugar, a esquerda. Existe uma ideologia esquerdista, chamada globalista, que visa considerar como inimigo tudo o que nos define, tudo o que moldou nossa identidade e civilização. O Ocidente está pagando por essa fraqueza, como também vimos nos últimos tempos. Em vez disso, o que nos identifica, ou seja, os valores cristãos que fundaram nossa civilização, independentemente de se acreditar em Deus ou não. Sou totalmente a favor do crucifixo pendurado nas paredes de nossas escolas públicas, não porque queira impor a religião em que acredito a alguém.

Mas gostemos ou não, os valores cristãos moldaram nossa civilização. Eu acredito no valor do respeito por causa do cristianismo. Acredito no valor do secularismo estatal porque o cristianismo me ensinou isso. Acredito no valor da solidariedade porque o cristianismo me ensinou isso. É só dizer quem você é. A meu ver, dizer quem você é não significa desrespeitar o outro; é exatamente o contrário. São apenas identidades fracas que têm medo de discussão. Identidades fortes e conscientes não a temem.

Meloni definiu o globalismo como uma ideologia esquerdista 'que visa considerar como inimigo tudo o que nos define'. Foto: Flavio Lo Scalzo/ REUTERS - 11/09/2022

Acredito na defesa da identidade de gênero também. Neste tópico, se você observar, o objetivo real de algumas teorias de gênero não é combater as discriminações, da qual todos discordamos plenamente. Quem paga mais caro por essas teorias são as mulheres. Portanto, não entendo o curto circuito que leva aqueles que lutaram pelos direitos das mulheres agora a querer que uma pessoa que nasceu biologicamente homem compita com mulheres no mesmo esporte, sabendo muito bem que isso penalizará as mulheres. Estou autorizada a dizer isso? Fica monstruoso? Eu não acho. É uma avaliação que precisa ser feita.

Quando conversamos com seus eleitores, eles estão gravitando mais para as mensagens que você tem sobre como consertar o país economicamente, lidar com a burocracia, reduzir o preço do gás. Mas raramente os ouvimos trazer à tona questões que eu colocaria na categoria guerra cultural. Você acha que essas questões atraem eleitores para você?

Não, não acho que atraem votos. Mas também acredito que as pessoas deveriam saber como me sinto sobre isso. Sou uma pessoa que nunca teve medo de tomar posições não vantajosas. Acho que os italianos confiam em nós, que confiam em mim, porque sabem que se eu pensar alguma coisa, direi. Dito isto, eu sei que essas são todas questões que causam muitas divisões. Mas só são divisivas porque não podemos falar sobre elas a sério, certo?

Não sou a favor da adoção por casais do mesmo sexo. Porque eu acho que uma criança que tem azar precisa receber o que é melhor, certo? E o melhor é ter pai e mãe. Fui criada sem pai. Fui bem criada? Pelo amor de Deus, sim. Eu queria ter um pai? Sim.

Você fala em seu livro, citando os garotos que a intimidavam sobre seu peso, sobre a utilidade de ter inimigos. E agora, como política, você menciona regularmente inimigos: a esquerda obcecada em destruí-la, por exemplo. Mas se você se tornar a líder do país, como pretende lidar com seus adversários?

Nunca odiei ninguém e vou falar com todo mundo, porque não tenho pretensões de superioridade nem complexos de inferioridade. Basicamente, tenho uma atitude madura em relação aos meus adversários políticos. Eu não acho que o mesmo poderia ser dito deles em relação a mim. Enquanto isso, percorrendo a Itália de norte a sul ao longo da campanha, continuo encontrando ex-eleitores de esquerda que me dizem: “Eu era esquerdista, mas desta vez votarei em você”. E sabe por quê? Porque a esquerda italiana esqueceu o mundo do trabalho para seguir uma agenda ideológica alheia ao cotidiano do homem comum. É a eles que queremos oferecer respostas reais.

É nítida sua fraternidade com o Partido Republicano dos EUA. Mas o Partido Republicano mudou dramaticamente nos últimos 10 anos. A que parte do Partido Republicano você vê semelhanças com o Fratelli d’Italia e a qual polo você está mais alinhado?

Não vou entrar nas brigas de outra parte do mundo. Eu estava na Coalizão de Ação Política Conservadora, sempre viajo aos EUA com muito prazer. Os EUA são, obviamente, um ponto de referência para nossas alianças, e tenho um bom relacionamento com o Partido Republicano. Os republicanos também estão entre os partidos aliados dos conservadores europeus. Temos redes nos conectando, nossos think tanks trabalham com o International Republican Institute, com a Heritage Foundation, fazemos intercâmbios culturais e muitas de suas lutas são sobre coisas que defendemos. Dito isso, não estou interessado em entrar no debate dentro do Partido Republicano, porque seria um assunto muito complexo para mim. Estou acompanhando cuidadosamente a evolução deles e analisando o que acontecerá com as eleições de meio de mandato.

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