‘O maior desejo de Netanyahu é se livrar da cadeia’, diz especialista em Israel


Para Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia (UCLA), avanço do novo governo tenta ameaça sistema democrático funcional

Por Renato Vasconcelos
Atualização:
Foto: Arquivo Pessoal/Dov Waxman
Entrevista comDov WaxmanDiretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia (UCLA)

Em um artigo de 2016, quando já apontava a escalada iliberal em Israel, Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia (UCLA), apontava que certos grupos começaram a trabalhar a narrativa de que o desenvolvimento de instituições democráticas estaria em oposição ao caráter judaico de Israel.

A partir desta divisão, começou-se a trabalhar em uma ideia de militância nacionalista, com base em critérios fechados, que exigiam sobretudo “lealdade” dos verdadeiros patriotas. Nos anos que se seguiram à análise, candidatos cada vez mais extremistas conseguiram representação política.

O resultado é a atual coalizão de direita radical que governa o país, liderada por um Binyamin Netanyahu cada vez mais interessado em arranjos para se manter no poder. O principal símbolo desta radicalização é o projeto de reforma do Judiciário apresentado em janeiro. Em linhas gerais, a reforma propõe enfraquecer a revisão legal feita pela Suprema Corte de Israel, similar ao controle de constitucionalidade no Brasil.

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Dezenas de milhares de israelenses se reuniram pela quinta semana seguida em Tel Aviv para protestar contra o projeto de reforma do Judiciário de Netanyahu  Foto: Oren Alon/Reuters

“O plano de reformar o Judiciário israelense é o [acontecimento] que deixa mais aparente o caráter de extrema direita do governo, o mais à direita da História de Israel. O objetivo é, essencialmente, enfraquecer a estrutura democrática de Israel para poder fortalecer o caráter judaico do Estado”, diz nesta entrevista ao Estadão Dov Waxman.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

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Qual a diferença do atual governo Netanyahu para o governo passado e de que maneira isso levou a essa tentativa de interferência no Judiciário?

Em primeiro lugar, no passado, Netanyahu era alguém que limitava alguns dos elementos mais extremados de seu partido ou de partidos políticos de extrema direita. Ele tinha um comprometimento com manter os poderes da Suprema Corte. Ele era alguém que geralmente reconhecia - ou pelo menos parecia reconhecer - a importância de manter as instituições e práticas democráticas de Israel. Ele era um moderado.

Desta vez ele não está fazendo isso, e a principal razão são os casos criminais contra ele. Essencialmente, Netanyahu está desesperado. Seu desejo mais urgente é ficar fora da cadeia, e ele tem que estar no gabinete do primeiro-ministro para tentar enfraquecer particularmente a Suprema Corte, que pode ser o fator que o impede de sair desses casos de corrupção. Acho que isso o deixa muito mais disposto a fazer certas coisas do que no passado.

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Outro fator que eu apontaria para essa diferença são seus parceiros de coalizão. No passado, Netanyahu geralmente tentava ter outros membros de sua coalizão de governo à esquerda ou à direita de seu partido. Então ele se posicionava no centro da coalizão. Desta vez, ele está liderando uma coalizão de extrema direita. Ele está realmente em dívida com esses pequenos partidos políticos de extrema direita que têm a capacidade de derrubar seu governo se quiserem. Portanto, sua capacidade de restringir a disposição da direita radical é limitada, porque ele está em uma posição muito fraca em seu próprio governo.

Então é certo dizer que, para a agenda do Netanyahu 3.0, os aliados de extrema direita era necessários, não apenas aliados de ocasião?

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Absolutamente. É importante reconhecer que Netanyahu é parcialmente responsável pelo empoderamento da extrema direita em Israel hoje. Foi ele quem planejou a fusão desses dois pequenos partidos em uma lista eleitoral conjunta na última eleição.

E essa lista acabou indo muito bem, a melhor lista eleitoral de extrema direita da história de Israel. Portanto, ele é, de muitas maneiras, responsável pelo sucesso eleitoral da extrema direita e os levou para o governo. Então, absolutamente, ele agora está realmente em dívida com essas forças que, ironicamente, ele ajudou a emponderar.

Quão preocupante é esse tipo de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos, especialmente em um país parlamentarista, onde pra controlar o Executivo é preciso também controlar o Legislativo?

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Ter uma Suprema Corte com poder de revisão judicial é uma restrição essencial para um Parlamento que aprova leis que podem violar direitos dos cidadãos e direitos de minorias. É essencialmente uma forma de garantir que qualquer governo não governe de uma forma que viole os valores e direitos democráticos básicos.

Enfraquecer o Judiciário e aumentar a influência na Suprema Corte facilitaria o caminho de Netanyahu e de alguns de seus principais aliados com pendências na Justiça, como Aryeh Deri. Foto: Ronen Zvulun via AP

Israel não tem uma Constituição escrita, mas tem uma série de leis básicas, que funcionam como uma espécie de status quase constitucional. Elas foram entendidos pela Suprema Corte como garantidoras de direitos humanos e civis, inclusive para a minoria árabe de Israel. Portanto, a Suprema Corte tem sido essencial para proteger os direitos dos cidadãos árabes palestinos e, em menor grau, também para proteger alguns dos direitos dos palestinos na Cisjordânia.

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É em parte por isso que a Suprema Corte está sob ataque da extrema direita, porque eles acreditam e descrevem a Suprema Corte como esse tipo de bastião do liberalismo, embora, na verdade, a Suprema Corte geralmente não seja tão de esquerda, e não tem limitado tanto o governo israelense.

Existe alguma maneira dos protestos vistos em Tel Aviv, Jerusalém e por toda Israel forçarem um governo tão fechado a rever seus planos? Algo para além da simples pressão?

Os protestos que ocorreram em Tel Aviv são importantes, mas a cidade sempre foi um bastião da esquerda secular e onde a maioria das pessoas não votou neste governo. O protesto em Jerusalém é mais significativo, mesmo sendo um protesto bem menor, porque envolve quem vota no Likud. Será isso que chamará a atenção de Netanyahu. Não é se os partidários dos partidos de oposição estão saindo às ruas para protestar, mas se alguns de seus próprios apoiadores estão expressando preocupações e se juntando a esses protestos.

Netanyahu e Itamar Ben-Gvir se cumprimentam e conversam durante a posse do novo governo de Israel. Foto: Amir Cohen via AP - 29/12/2022

Outra coisa é se esses protestos aumentarem e começarem a ter impacto na economia israelense. Se eles começarem a ter um impacto no dia-a-dia de Israel, isso pode se tornar um desafio. Netanyahu se orgulha de ser uma espécie de bom administrador da economia israelense e se promove com o crescimento econômico de Israel sob sua liderança. Se esses protestos crescerem e desestabilizarem a economia israelense, isso também pode influenciar Netanyahu.

Não acho que ele vá desistir do plano, mas acho que é possível que ele possa diluí-lo um pouco para tentar encontrar algum meio-termo.

O que esperar do governo daqui para frente?

Dada a composição deste governo (como eu disse, é um governo de extrema direita) e o fato de Netanyahu depender desses ministros e pequenos partidos de extrema direita, acho que vai continuar avançando com essa agenda. Não é apenas uma agenda [contra o] Judiciário, mas também religiosa e de oposição aos palestinos.

Milhares de manifestantes saíram às ruas de Tel Aviv para protestar contra a tentativa de Netanyahu de diminuir os poderes do Judiciário. Foto: Ilan Rosenberg/ Reuters - 21/01/2023

Não estou otimista de que este governo vá moderar tão cedo. Acho que este é um governo radical. Em apenas um mês no cargo, já está criando muita confusão lá dentro. Acho que as coisas provavelmente vão piorar.

Essas reformas terão algum impacto na relação entre Israel e seus aliados ocidentais?

O fato de Israel ser uma democracia sempre foi algo que fortaleceu sua relação com outras democracias ao redor do mundo, e particularmente com os EUA. Não tenho certeza se existem esses valores comuns, mas essa é a retórica, e essa narrativa tem sido importante para justificar o apoio a Israel para seus próprios públicos domésticos.

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Binyamin Netanyahu lançou negociações para formar um governo em Israel. Com 64 do total de 120 cadeiras no Knesset, o Parlamento, o bloco de direita de Netanyahu ganhou as eleições.

Mas não espero que os Estados Unidos ou a União Europeia tenham um grande confronto com o governo israelense. Eu não acho que haja um desejo por isso em nenhum dos lados. Eles têm maiores preocupações com a política externa na China e na Rússia e tudo isso. Nos bastidores, haverá alguma tentativa dos aliados ocidentais de Israel de advertir Netanyahu e prevenir e pressioná-los a não prosseguir com esses planos, mas publicamente, isso continuará a ser uma espécie de expressões de apoio e amizade .

Em um artigo de 2016, quando já apontava a escalada iliberal em Israel, Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia (UCLA), apontava que certos grupos começaram a trabalhar a narrativa de que o desenvolvimento de instituições democráticas estaria em oposição ao caráter judaico de Israel.

A partir desta divisão, começou-se a trabalhar em uma ideia de militância nacionalista, com base em critérios fechados, que exigiam sobretudo “lealdade” dos verdadeiros patriotas. Nos anos que se seguiram à análise, candidatos cada vez mais extremistas conseguiram representação política.

O resultado é a atual coalizão de direita radical que governa o país, liderada por um Binyamin Netanyahu cada vez mais interessado em arranjos para se manter no poder. O principal símbolo desta radicalização é o projeto de reforma do Judiciário apresentado em janeiro. Em linhas gerais, a reforma propõe enfraquecer a revisão legal feita pela Suprema Corte de Israel, similar ao controle de constitucionalidade no Brasil.

Dezenas de milhares de israelenses se reuniram pela quinta semana seguida em Tel Aviv para protestar contra o projeto de reforma do Judiciário de Netanyahu  Foto: Oren Alon/Reuters

“O plano de reformar o Judiciário israelense é o [acontecimento] que deixa mais aparente o caráter de extrema direita do governo, o mais à direita da História de Israel. O objetivo é, essencialmente, enfraquecer a estrutura democrática de Israel para poder fortalecer o caráter judaico do Estado”, diz nesta entrevista ao Estadão Dov Waxman.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Qual a diferença do atual governo Netanyahu para o governo passado e de que maneira isso levou a essa tentativa de interferência no Judiciário?

Em primeiro lugar, no passado, Netanyahu era alguém que limitava alguns dos elementos mais extremados de seu partido ou de partidos políticos de extrema direita. Ele tinha um comprometimento com manter os poderes da Suprema Corte. Ele era alguém que geralmente reconhecia - ou pelo menos parecia reconhecer - a importância de manter as instituições e práticas democráticas de Israel. Ele era um moderado.

Desta vez ele não está fazendo isso, e a principal razão são os casos criminais contra ele. Essencialmente, Netanyahu está desesperado. Seu desejo mais urgente é ficar fora da cadeia, e ele tem que estar no gabinete do primeiro-ministro para tentar enfraquecer particularmente a Suprema Corte, que pode ser o fator que o impede de sair desses casos de corrupção. Acho que isso o deixa muito mais disposto a fazer certas coisas do que no passado.

Outro fator que eu apontaria para essa diferença são seus parceiros de coalizão. No passado, Netanyahu geralmente tentava ter outros membros de sua coalizão de governo à esquerda ou à direita de seu partido. Então ele se posicionava no centro da coalizão. Desta vez, ele está liderando uma coalizão de extrema direita. Ele está realmente em dívida com esses pequenos partidos políticos de extrema direita que têm a capacidade de derrubar seu governo se quiserem. Portanto, sua capacidade de restringir a disposição da direita radical é limitada, porque ele está em uma posição muito fraca em seu próprio governo.

Então é certo dizer que, para a agenda do Netanyahu 3.0, os aliados de extrema direita era necessários, não apenas aliados de ocasião?

Absolutamente. É importante reconhecer que Netanyahu é parcialmente responsável pelo empoderamento da extrema direita em Israel hoje. Foi ele quem planejou a fusão desses dois pequenos partidos em uma lista eleitoral conjunta na última eleição.

E essa lista acabou indo muito bem, a melhor lista eleitoral de extrema direita da história de Israel. Portanto, ele é, de muitas maneiras, responsável pelo sucesso eleitoral da extrema direita e os levou para o governo. Então, absolutamente, ele agora está realmente em dívida com essas forças que, ironicamente, ele ajudou a emponderar.

Quão preocupante é esse tipo de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos, especialmente em um país parlamentarista, onde pra controlar o Executivo é preciso também controlar o Legislativo?

Ter uma Suprema Corte com poder de revisão judicial é uma restrição essencial para um Parlamento que aprova leis que podem violar direitos dos cidadãos e direitos de minorias. É essencialmente uma forma de garantir que qualquer governo não governe de uma forma que viole os valores e direitos democráticos básicos.

Enfraquecer o Judiciário e aumentar a influência na Suprema Corte facilitaria o caminho de Netanyahu e de alguns de seus principais aliados com pendências na Justiça, como Aryeh Deri. Foto: Ronen Zvulun via AP

Israel não tem uma Constituição escrita, mas tem uma série de leis básicas, que funcionam como uma espécie de status quase constitucional. Elas foram entendidos pela Suprema Corte como garantidoras de direitos humanos e civis, inclusive para a minoria árabe de Israel. Portanto, a Suprema Corte tem sido essencial para proteger os direitos dos cidadãos árabes palestinos e, em menor grau, também para proteger alguns dos direitos dos palestinos na Cisjordânia.

É em parte por isso que a Suprema Corte está sob ataque da extrema direita, porque eles acreditam e descrevem a Suprema Corte como esse tipo de bastião do liberalismo, embora, na verdade, a Suprema Corte geralmente não seja tão de esquerda, e não tem limitado tanto o governo israelense.

Existe alguma maneira dos protestos vistos em Tel Aviv, Jerusalém e por toda Israel forçarem um governo tão fechado a rever seus planos? Algo para além da simples pressão?

Os protestos que ocorreram em Tel Aviv são importantes, mas a cidade sempre foi um bastião da esquerda secular e onde a maioria das pessoas não votou neste governo. O protesto em Jerusalém é mais significativo, mesmo sendo um protesto bem menor, porque envolve quem vota no Likud. Será isso que chamará a atenção de Netanyahu. Não é se os partidários dos partidos de oposição estão saindo às ruas para protestar, mas se alguns de seus próprios apoiadores estão expressando preocupações e se juntando a esses protestos.

Netanyahu e Itamar Ben-Gvir se cumprimentam e conversam durante a posse do novo governo de Israel. Foto: Amir Cohen via AP - 29/12/2022

Outra coisa é se esses protestos aumentarem e começarem a ter impacto na economia israelense. Se eles começarem a ter um impacto no dia-a-dia de Israel, isso pode se tornar um desafio. Netanyahu se orgulha de ser uma espécie de bom administrador da economia israelense e se promove com o crescimento econômico de Israel sob sua liderança. Se esses protestos crescerem e desestabilizarem a economia israelense, isso também pode influenciar Netanyahu.

Não acho que ele vá desistir do plano, mas acho que é possível que ele possa diluí-lo um pouco para tentar encontrar algum meio-termo.

O que esperar do governo daqui para frente?

Dada a composição deste governo (como eu disse, é um governo de extrema direita) e o fato de Netanyahu depender desses ministros e pequenos partidos de extrema direita, acho que vai continuar avançando com essa agenda. Não é apenas uma agenda [contra o] Judiciário, mas também religiosa e de oposição aos palestinos.

Milhares de manifestantes saíram às ruas de Tel Aviv para protestar contra a tentativa de Netanyahu de diminuir os poderes do Judiciário. Foto: Ilan Rosenberg/ Reuters - 21/01/2023

Não estou otimista de que este governo vá moderar tão cedo. Acho que este é um governo radical. Em apenas um mês no cargo, já está criando muita confusão lá dentro. Acho que as coisas provavelmente vão piorar.

Essas reformas terão algum impacto na relação entre Israel e seus aliados ocidentais?

O fato de Israel ser uma democracia sempre foi algo que fortaleceu sua relação com outras democracias ao redor do mundo, e particularmente com os EUA. Não tenho certeza se existem esses valores comuns, mas essa é a retórica, e essa narrativa tem sido importante para justificar o apoio a Israel para seus próprios públicos domésticos.

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Binyamin Netanyahu lançou negociações para formar um governo em Israel. Com 64 do total de 120 cadeiras no Knesset, o Parlamento, o bloco de direita de Netanyahu ganhou as eleições.

Mas não espero que os Estados Unidos ou a União Europeia tenham um grande confronto com o governo israelense. Eu não acho que haja um desejo por isso em nenhum dos lados. Eles têm maiores preocupações com a política externa na China e na Rússia e tudo isso. Nos bastidores, haverá alguma tentativa dos aliados ocidentais de Israel de advertir Netanyahu e prevenir e pressioná-los a não prosseguir com esses planos, mas publicamente, isso continuará a ser uma espécie de expressões de apoio e amizade .

Em um artigo de 2016, quando já apontava a escalada iliberal em Israel, Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia (UCLA), apontava que certos grupos começaram a trabalhar a narrativa de que o desenvolvimento de instituições democráticas estaria em oposição ao caráter judaico de Israel.

A partir desta divisão, começou-se a trabalhar em uma ideia de militância nacionalista, com base em critérios fechados, que exigiam sobretudo “lealdade” dos verdadeiros patriotas. Nos anos que se seguiram à análise, candidatos cada vez mais extremistas conseguiram representação política.

O resultado é a atual coalizão de direita radical que governa o país, liderada por um Binyamin Netanyahu cada vez mais interessado em arranjos para se manter no poder. O principal símbolo desta radicalização é o projeto de reforma do Judiciário apresentado em janeiro. Em linhas gerais, a reforma propõe enfraquecer a revisão legal feita pela Suprema Corte de Israel, similar ao controle de constitucionalidade no Brasil.

Dezenas de milhares de israelenses se reuniram pela quinta semana seguida em Tel Aviv para protestar contra o projeto de reforma do Judiciário de Netanyahu  Foto: Oren Alon/Reuters

“O plano de reformar o Judiciário israelense é o [acontecimento] que deixa mais aparente o caráter de extrema direita do governo, o mais à direita da História de Israel. O objetivo é, essencialmente, enfraquecer a estrutura democrática de Israel para poder fortalecer o caráter judaico do Estado”, diz nesta entrevista ao Estadão Dov Waxman.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Qual a diferença do atual governo Netanyahu para o governo passado e de que maneira isso levou a essa tentativa de interferência no Judiciário?

Em primeiro lugar, no passado, Netanyahu era alguém que limitava alguns dos elementos mais extremados de seu partido ou de partidos políticos de extrema direita. Ele tinha um comprometimento com manter os poderes da Suprema Corte. Ele era alguém que geralmente reconhecia - ou pelo menos parecia reconhecer - a importância de manter as instituições e práticas democráticas de Israel. Ele era um moderado.

Desta vez ele não está fazendo isso, e a principal razão são os casos criminais contra ele. Essencialmente, Netanyahu está desesperado. Seu desejo mais urgente é ficar fora da cadeia, e ele tem que estar no gabinete do primeiro-ministro para tentar enfraquecer particularmente a Suprema Corte, que pode ser o fator que o impede de sair desses casos de corrupção. Acho que isso o deixa muito mais disposto a fazer certas coisas do que no passado.

Outro fator que eu apontaria para essa diferença são seus parceiros de coalizão. No passado, Netanyahu geralmente tentava ter outros membros de sua coalizão de governo à esquerda ou à direita de seu partido. Então ele se posicionava no centro da coalizão. Desta vez, ele está liderando uma coalizão de extrema direita. Ele está realmente em dívida com esses pequenos partidos políticos de extrema direita que têm a capacidade de derrubar seu governo se quiserem. Portanto, sua capacidade de restringir a disposição da direita radical é limitada, porque ele está em uma posição muito fraca em seu próprio governo.

Então é certo dizer que, para a agenda do Netanyahu 3.0, os aliados de extrema direita era necessários, não apenas aliados de ocasião?

Absolutamente. É importante reconhecer que Netanyahu é parcialmente responsável pelo empoderamento da extrema direita em Israel hoje. Foi ele quem planejou a fusão desses dois pequenos partidos em uma lista eleitoral conjunta na última eleição.

E essa lista acabou indo muito bem, a melhor lista eleitoral de extrema direita da história de Israel. Portanto, ele é, de muitas maneiras, responsável pelo sucesso eleitoral da extrema direita e os levou para o governo. Então, absolutamente, ele agora está realmente em dívida com essas forças que, ironicamente, ele ajudou a emponderar.

Quão preocupante é esse tipo de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos, especialmente em um país parlamentarista, onde pra controlar o Executivo é preciso também controlar o Legislativo?

Ter uma Suprema Corte com poder de revisão judicial é uma restrição essencial para um Parlamento que aprova leis que podem violar direitos dos cidadãos e direitos de minorias. É essencialmente uma forma de garantir que qualquer governo não governe de uma forma que viole os valores e direitos democráticos básicos.

Enfraquecer o Judiciário e aumentar a influência na Suprema Corte facilitaria o caminho de Netanyahu e de alguns de seus principais aliados com pendências na Justiça, como Aryeh Deri. Foto: Ronen Zvulun via AP

Israel não tem uma Constituição escrita, mas tem uma série de leis básicas, que funcionam como uma espécie de status quase constitucional. Elas foram entendidos pela Suprema Corte como garantidoras de direitos humanos e civis, inclusive para a minoria árabe de Israel. Portanto, a Suprema Corte tem sido essencial para proteger os direitos dos cidadãos árabes palestinos e, em menor grau, também para proteger alguns dos direitos dos palestinos na Cisjordânia.

É em parte por isso que a Suprema Corte está sob ataque da extrema direita, porque eles acreditam e descrevem a Suprema Corte como esse tipo de bastião do liberalismo, embora, na verdade, a Suprema Corte geralmente não seja tão de esquerda, e não tem limitado tanto o governo israelense.

Existe alguma maneira dos protestos vistos em Tel Aviv, Jerusalém e por toda Israel forçarem um governo tão fechado a rever seus planos? Algo para além da simples pressão?

Os protestos que ocorreram em Tel Aviv são importantes, mas a cidade sempre foi um bastião da esquerda secular e onde a maioria das pessoas não votou neste governo. O protesto em Jerusalém é mais significativo, mesmo sendo um protesto bem menor, porque envolve quem vota no Likud. Será isso que chamará a atenção de Netanyahu. Não é se os partidários dos partidos de oposição estão saindo às ruas para protestar, mas se alguns de seus próprios apoiadores estão expressando preocupações e se juntando a esses protestos.

Netanyahu e Itamar Ben-Gvir se cumprimentam e conversam durante a posse do novo governo de Israel. Foto: Amir Cohen via AP - 29/12/2022

Outra coisa é se esses protestos aumentarem e começarem a ter impacto na economia israelense. Se eles começarem a ter um impacto no dia-a-dia de Israel, isso pode se tornar um desafio. Netanyahu se orgulha de ser uma espécie de bom administrador da economia israelense e se promove com o crescimento econômico de Israel sob sua liderança. Se esses protestos crescerem e desestabilizarem a economia israelense, isso também pode influenciar Netanyahu.

Não acho que ele vá desistir do plano, mas acho que é possível que ele possa diluí-lo um pouco para tentar encontrar algum meio-termo.

O que esperar do governo daqui para frente?

Dada a composição deste governo (como eu disse, é um governo de extrema direita) e o fato de Netanyahu depender desses ministros e pequenos partidos de extrema direita, acho que vai continuar avançando com essa agenda. Não é apenas uma agenda [contra o] Judiciário, mas também religiosa e de oposição aos palestinos.

Milhares de manifestantes saíram às ruas de Tel Aviv para protestar contra a tentativa de Netanyahu de diminuir os poderes do Judiciário. Foto: Ilan Rosenberg/ Reuters - 21/01/2023

Não estou otimista de que este governo vá moderar tão cedo. Acho que este é um governo radical. Em apenas um mês no cargo, já está criando muita confusão lá dentro. Acho que as coisas provavelmente vão piorar.

Essas reformas terão algum impacto na relação entre Israel e seus aliados ocidentais?

O fato de Israel ser uma democracia sempre foi algo que fortaleceu sua relação com outras democracias ao redor do mundo, e particularmente com os EUA. Não tenho certeza se existem esses valores comuns, mas essa é a retórica, e essa narrativa tem sido importante para justificar o apoio a Israel para seus próprios públicos domésticos.

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Binyamin Netanyahu lançou negociações para formar um governo em Israel. Com 64 do total de 120 cadeiras no Knesset, o Parlamento, o bloco de direita de Netanyahu ganhou as eleições.

Mas não espero que os Estados Unidos ou a União Europeia tenham um grande confronto com o governo israelense. Eu não acho que haja um desejo por isso em nenhum dos lados. Eles têm maiores preocupações com a política externa na China e na Rússia e tudo isso. Nos bastidores, haverá alguma tentativa dos aliados ocidentais de Israel de advertir Netanyahu e prevenir e pressioná-los a não prosseguir com esses planos, mas publicamente, isso continuará a ser uma espécie de expressões de apoio e amizade .

Em um artigo de 2016, quando já apontava a escalada iliberal em Israel, Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia (UCLA), apontava que certos grupos começaram a trabalhar a narrativa de que o desenvolvimento de instituições democráticas estaria em oposição ao caráter judaico de Israel.

A partir desta divisão, começou-se a trabalhar em uma ideia de militância nacionalista, com base em critérios fechados, que exigiam sobretudo “lealdade” dos verdadeiros patriotas. Nos anos que se seguiram à análise, candidatos cada vez mais extremistas conseguiram representação política.

O resultado é a atual coalizão de direita radical que governa o país, liderada por um Binyamin Netanyahu cada vez mais interessado em arranjos para se manter no poder. O principal símbolo desta radicalização é o projeto de reforma do Judiciário apresentado em janeiro. Em linhas gerais, a reforma propõe enfraquecer a revisão legal feita pela Suprema Corte de Israel, similar ao controle de constitucionalidade no Brasil.

Dezenas de milhares de israelenses se reuniram pela quinta semana seguida em Tel Aviv para protestar contra o projeto de reforma do Judiciário de Netanyahu  Foto: Oren Alon/Reuters

“O plano de reformar o Judiciário israelense é o [acontecimento] que deixa mais aparente o caráter de extrema direita do governo, o mais à direita da História de Israel. O objetivo é, essencialmente, enfraquecer a estrutura democrática de Israel para poder fortalecer o caráter judaico do Estado”, diz nesta entrevista ao Estadão Dov Waxman.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Qual a diferença do atual governo Netanyahu para o governo passado e de que maneira isso levou a essa tentativa de interferência no Judiciário?

Em primeiro lugar, no passado, Netanyahu era alguém que limitava alguns dos elementos mais extremados de seu partido ou de partidos políticos de extrema direita. Ele tinha um comprometimento com manter os poderes da Suprema Corte. Ele era alguém que geralmente reconhecia - ou pelo menos parecia reconhecer - a importância de manter as instituições e práticas democráticas de Israel. Ele era um moderado.

Desta vez ele não está fazendo isso, e a principal razão são os casos criminais contra ele. Essencialmente, Netanyahu está desesperado. Seu desejo mais urgente é ficar fora da cadeia, e ele tem que estar no gabinete do primeiro-ministro para tentar enfraquecer particularmente a Suprema Corte, que pode ser o fator que o impede de sair desses casos de corrupção. Acho que isso o deixa muito mais disposto a fazer certas coisas do que no passado.

Outro fator que eu apontaria para essa diferença são seus parceiros de coalizão. No passado, Netanyahu geralmente tentava ter outros membros de sua coalizão de governo à esquerda ou à direita de seu partido. Então ele se posicionava no centro da coalizão. Desta vez, ele está liderando uma coalizão de extrema direita. Ele está realmente em dívida com esses pequenos partidos políticos de extrema direita que têm a capacidade de derrubar seu governo se quiserem. Portanto, sua capacidade de restringir a disposição da direita radical é limitada, porque ele está em uma posição muito fraca em seu próprio governo.

Então é certo dizer que, para a agenda do Netanyahu 3.0, os aliados de extrema direita era necessários, não apenas aliados de ocasião?

Absolutamente. É importante reconhecer que Netanyahu é parcialmente responsável pelo empoderamento da extrema direita em Israel hoje. Foi ele quem planejou a fusão desses dois pequenos partidos em uma lista eleitoral conjunta na última eleição.

E essa lista acabou indo muito bem, a melhor lista eleitoral de extrema direita da história de Israel. Portanto, ele é, de muitas maneiras, responsável pelo sucesso eleitoral da extrema direita e os levou para o governo. Então, absolutamente, ele agora está realmente em dívida com essas forças que, ironicamente, ele ajudou a emponderar.

Quão preocupante é esse tipo de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos, especialmente em um país parlamentarista, onde pra controlar o Executivo é preciso também controlar o Legislativo?

Ter uma Suprema Corte com poder de revisão judicial é uma restrição essencial para um Parlamento que aprova leis que podem violar direitos dos cidadãos e direitos de minorias. É essencialmente uma forma de garantir que qualquer governo não governe de uma forma que viole os valores e direitos democráticos básicos.

Enfraquecer o Judiciário e aumentar a influência na Suprema Corte facilitaria o caminho de Netanyahu e de alguns de seus principais aliados com pendências na Justiça, como Aryeh Deri. Foto: Ronen Zvulun via AP

Israel não tem uma Constituição escrita, mas tem uma série de leis básicas, que funcionam como uma espécie de status quase constitucional. Elas foram entendidos pela Suprema Corte como garantidoras de direitos humanos e civis, inclusive para a minoria árabe de Israel. Portanto, a Suprema Corte tem sido essencial para proteger os direitos dos cidadãos árabes palestinos e, em menor grau, também para proteger alguns dos direitos dos palestinos na Cisjordânia.

É em parte por isso que a Suprema Corte está sob ataque da extrema direita, porque eles acreditam e descrevem a Suprema Corte como esse tipo de bastião do liberalismo, embora, na verdade, a Suprema Corte geralmente não seja tão de esquerda, e não tem limitado tanto o governo israelense.

Existe alguma maneira dos protestos vistos em Tel Aviv, Jerusalém e por toda Israel forçarem um governo tão fechado a rever seus planos? Algo para além da simples pressão?

Os protestos que ocorreram em Tel Aviv são importantes, mas a cidade sempre foi um bastião da esquerda secular e onde a maioria das pessoas não votou neste governo. O protesto em Jerusalém é mais significativo, mesmo sendo um protesto bem menor, porque envolve quem vota no Likud. Será isso que chamará a atenção de Netanyahu. Não é se os partidários dos partidos de oposição estão saindo às ruas para protestar, mas se alguns de seus próprios apoiadores estão expressando preocupações e se juntando a esses protestos.

Netanyahu e Itamar Ben-Gvir se cumprimentam e conversam durante a posse do novo governo de Israel. Foto: Amir Cohen via AP - 29/12/2022

Outra coisa é se esses protestos aumentarem e começarem a ter impacto na economia israelense. Se eles começarem a ter um impacto no dia-a-dia de Israel, isso pode se tornar um desafio. Netanyahu se orgulha de ser uma espécie de bom administrador da economia israelense e se promove com o crescimento econômico de Israel sob sua liderança. Se esses protestos crescerem e desestabilizarem a economia israelense, isso também pode influenciar Netanyahu.

Não acho que ele vá desistir do plano, mas acho que é possível que ele possa diluí-lo um pouco para tentar encontrar algum meio-termo.

O que esperar do governo daqui para frente?

Dada a composição deste governo (como eu disse, é um governo de extrema direita) e o fato de Netanyahu depender desses ministros e pequenos partidos de extrema direita, acho que vai continuar avançando com essa agenda. Não é apenas uma agenda [contra o] Judiciário, mas também religiosa e de oposição aos palestinos.

Milhares de manifestantes saíram às ruas de Tel Aviv para protestar contra a tentativa de Netanyahu de diminuir os poderes do Judiciário. Foto: Ilan Rosenberg/ Reuters - 21/01/2023

Não estou otimista de que este governo vá moderar tão cedo. Acho que este é um governo radical. Em apenas um mês no cargo, já está criando muita confusão lá dentro. Acho que as coisas provavelmente vão piorar.

Essas reformas terão algum impacto na relação entre Israel e seus aliados ocidentais?

O fato de Israel ser uma democracia sempre foi algo que fortaleceu sua relação com outras democracias ao redor do mundo, e particularmente com os EUA. Não tenho certeza se existem esses valores comuns, mas essa é a retórica, e essa narrativa tem sido importante para justificar o apoio a Israel para seus próprios públicos domésticos.

Seu navegador não suporta esse video.

Binyamin Netanyahu lançou negociações para formar um governo em Israel. Com 64 do total de 120 cadeiras no Knesset, o Parlamento, o bloco de direita de Netanyahu ganhou as eleições.

Mas não espero que os Estados Unidos ou a União Europeia tenham um grande confronto com o governo israelense. Eu não acho que haja um desejo por isso em nenhum dos lados. Eles têm maiores preocupações com a política externa na China e na Rússia e tudo isso. Nos bastidores, haverá alguma tentativa dos aliados ocidentais de Israel de advertir Netanyahu e prevenir e pressioná-los a não prosseguir com esses planos, mas publicamente, isso continuará a ser uma espécie de expressões de apoio e amizade .

Em um artigo de 2016, quando já apontava a escalada iliberal em Israel, Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia (UCLA), apontava que certos grupos começaram a trabalhar a narrativa de que o desenvolvimento de instituições democráticas estaria em oposição ao caráter judaico de Israel.

A partir desta divisão, começou-se a trabalhar em uma ideia de militância nacionalista, com base em critérios fechados, que exigiam sobretudo “lealdade” dos verdadeiros patriotas. Nos anos que se seguiram à análise, candidatos cada vez mais extremistas conseguiram representação política.

O resultado é a atual coalizão de direita radical que governa o país, liderada por um Binyamin Netanyahu cada vez mais interessado em arranjos para se manter no poder. O principal símbolo desta radicalização é o projeto de reforma do Judiciário apresentado em janeiro. Em linhas gerais, a reforma propõe enfraquecer a revisão legal feita pela Suprema Corte de Israel, similar ao controle de constitucionalidade no Brasil.

Dezenas de milhares de israelenses se reuniram pela quinta semana seguida em Tel Aviv para protestar contra o projeto de reforma do Judiciário de Netanyahu  Foto: Oren Alon/Reuters

“O plano de reformar o Judiciário israelense é o [acontecimento] que deixa mais aparente o caráter de extrema direita do governo, o mais à direita da História de Israel. O objetivo é, essencialmente, enfraquecer a estrutura democrática de Israel para poder fortalecer o caráter judaico do Estado”, diz nesta entrevista ao Estadão Dov Waxman.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Qual a diferença do atual governo Netanyahu para o governo passado e de que maneira isso levou a essa tentativa de interferência no Judiciário?

Em primeiro lugar, no passado, Netanyahu era alguém que limitava alguns dos elementos mais extremados de seu partido ou de partidos políticos de extrema direita. Ele tinha um comprometimento com manter os poderes da Suprema Corte. Ele era alguém que geralmente reconhecia - ou pelo menos parecia reconhecer - a importância de manter as instituições e práticas democráticas de Israel. Ele era um moderado.

Desta vez ele não está fazendo isso, e a principal razão são os casos criminais contra ele. Essencialmente, Netanyahu está desesperado. Seu desejo mais urgente é ficar fora da cadeia, e ele tem que estar no gabinete do primeiro-ministro para tentar enfraquecer particularmente a Suprema Corte, que pode ser o fator que o impede de sair desses casos de corrupção. Acho que isso o deixa muito mais disposto a fazer certas coisas do que no passado.

Outro fator que eu apontaria para essa diferença são seus parceiros de coalizão. No passado, Netanyahu geralmente tentava ter outros membros de sua coalizão de governo à esquerda ou à direita de seu partido. Então ele se posicionava no centro da coalizão. Desta vez, ele está liderando uma coalizão de extrema direita. Ele está realmente em dívida com esses pequenos partidos políticos de extrema direita que têm a capacidade de derrubar seu governo se quiserem. Portanto, sua capacidade de restringir a disposição da direita radical é limitada, porque ele está em uma posição muito fraca em seu próprio governo.

Então é certo dizer que, para a agenda do Netanyahu 3.0, os aliados de extrema direita era necessários, não apenas aliados de ocasião?

Absolutamente. É importante reconhecer que Netanyahu é parcialmente responsável pelo empoderamento da extrema direita em Israel hoje. Foi ele quem planejou a fusão desses dois pequenos partidos em uma lista eleitoral conjunta na última eleição.

E essa lista acabou indo muito bem, a melhor lista eleitoral de extrema direita da história de Israel. Portanto, ele é, de muitas maneiras, responsável pelo sucesso eleitoral da extrema direita e os levou para o governo. Então, absolutamente, ele agora está realmente em dívida com essas forças que, ironicamente, ele ajudou a emponderar.

Quão preocupante é esse tipo de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos, especialmente em um país parlamentarista, onde pra controlar o Executivo é preciso também controlar o Legislativo?

Ter uma Suprema Corte com poder de revisão judicial é uma restrição essencial para um Parlamento que aprova leis que podem violar direitos dos cidadãos e direitos de minorias. É essencialmente uma forma de garantir que qualquer governo não governe de uma forma que viole os valores e direitos democráticos básicos.

Enfraquecer o Judiciário e aumentar a influência na Suprema Corte facilitaria o caminho de Netanyahu e de alguns de seus principais aliados com pendências na Justiça, como Aryeh Deri. Foto: Ronen Zvulun via AP

Israel não tem uma Constituição escrita, mas tem uma série de leis básicas, que funcionam como uma espécie de status quase constitucional. Elas foram entendidos pela Suprema Corte como garantidoras de direitos humanos e civis, inclusive para a minoria árabe de Israel. Portanto, a Suprema Corte tem sido essencial para proteger os direitos dos cidadãos árabes palestinos e, em menor grau, também para proteger alguns dos direitos dos palestinos na Cisjordânia.

É em parte por isso que a Suprema Corte está sob ataque da extrema direita, porque eles acreditam e descrevem a Suprema Corte como esse tipo de bastião do liberalismo, embora, na verdade, a Suprema Corte geralmente não seja tão de esquerda, e não tem limitado tanto o governo israelense.

Existe alguma maneira dos protestos vistos em Tel Aviv, Jerusalém e por toda Israel forçarem um governo tão fechado a rever seus planos? Algo para além da simples pressão?

Os protestos que ocorreram em Tel Aviv são importantes, mas a cidade sempre foi um bastião da esquerda secular e onde a maioria das pessoas não votou neste governo. O protesto em Jerusalém é mais significativo, mesmo sendo um protesto bem menor, porque envolve quem vota no Likud. Será isso que chamará a atenção de Netanyahu. Não é se os partidários dos partidos de oposição estão saindo às ruas para protestar, mas se alguns de seus próprios apoiadores estão expressando preocupações e se juntando a esses protestos.

Netanyahu e Itamar Ben-Gvir se cumprimentam e conversam durante a posse do novo governo de Israel. Foto: Amir Cohen via AP - 29/12/2022

Outra coisa é se esses protestos aumentarem e começarem a ter impacto na economia israelense. Se eles começarem a ter um impacto no dia-a-dia de Israel, isso pode se tornar um desafio. Netanyahu se orgulha de ser uma espécie de bom administrador da economia israelense e se promove com o crescimento econômico de Israel sob sua liderança. Se esses protestos crescerem e desestabilizarem a economia israelense, isso também pode influenciar Netanyahu.

Não acho que ele vá desistir do plano, mas acho que é possível que ele possa diluí-lo um pouco para tentar encontrar algum meio-termo.

O que esperar do governo daqui para frente?

Dada a composição deste governo (como eu disse, é um governo de extrema direita) e o fato de Netanyahu depender desses ministros e pequenos partidos de extrema direita, acho que vai continuar avançando com essa agenda. Não é apenas uma agenda [contra o] Judiciário, mas também religiosa e de oposição aos palestinos.

Milhares de manifestantes saíram às ruas de Tel Aviv para protestar contra a tentativa de Netanyahu de diminuir os poderes do Judiciário. Foto: Ilan Rosenberg/ Reuters - 21/01/2023

Não estou otimista de que este governo vá moderar tão cedo. Acho que este é um governo radical. Em apenas um mês no cargo, já está criando muita confusão lá dentro. Acho que as coisas provavelmente vão piorar.

Essas reformas terão algum impacto na relação entre Israel e seus aliados ocidentais?

O fato de Israel ser uma democracia sempre foi algo que fortaleceu sua relação com outras democracias ao redor do mundo, e particularmente com os EUA. Não tenho certeza se existem esses valores comuns, mas essa é a retórica, e essa narrativa tem sido importante para justificar o apoio a Israel para seus próprios públicos domésticos.

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Binyamin Netanyahu lançou negociações para formar um governo em Israel. Com 64 do total de 120 cadeiras no Knesset, o Parlamento, o bloco de direita de Netanyahu ganhou as eleições.

Mas não espero que os Estados Unidos ou a União Europeia tenham um grande confronto com o governo israelense. Eu não acho que haja um desejo por isso em nenhum dos lados. Eles têm maiores preocupações com a política externa na China e na Rússia e tudo isso. Nos bastidores, haverá alguma tentativa dos aliados ocidentais de Israel de advertir Netanyahu e prevenir e pressioná-los a não prosseguir com esses planos, mas publicamente, isso continuará a ser uma espécie de expressões de apoio e amizade .

Entrevista por Renato Vasconcelos

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