Opinião|O míope populismo econômico de Kamala Harris e Donald Trump


Ideias como controle de preços e imposição de tarifas são exemplos de guinada das campanhas em eleição marcada por preocupação dos americanos com a inflação

Por Roger Lowenstein

Em seu discurso sobre política econômica em Raleigh, na Carolina do Norte, neste mês, Kamala Harris disparou um lindo refrão que esculachou uma certa proposta de política definindo-a como nada além de um “imposto nacional sobre as vendas” ao povo americano, que aumentaria os preços de “produtos cotidianos e necessidades básicas” e custaria a uma família típica US$ 3,9 mil.

Finalmente um dos candidatos presidenciais falava como economista — ou ao menos como um formulador de políticas prático, com um entendimento realista da lei da oferta e da demanda.

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A proposta que ela criticou era de seu oponente, Donald Trump — especificamente uma tarifa de até 20% (e consideravelmente superior sobre importações da China). A vice-presidente Harris disse a verdade: tarifas são impostos pagos pelos consumidores americanos. Tarifas empobrecem o país. Quando as aplicou, Trump não gerou nenhum novo emprego, e os consumidores americanos, incluindo empregadores que dependem de aço importado, empacaram diante dos preços mais altos, o que prejudicou a indústria nacional.

Vice-presidente Kamala Harris e governador da Carolina do Norte, Roy Cooper, visitam mercado em Raleigh. Foto: Erin Schaff/The New York Times via AP

Além disso, outras nações retaliaram contra as exportações americanas. Em retrospecto, os Estados Unidos produziram ligeiramente mais em áreas em que são menos competitivos, como máquinas de lavar, e venderam menos do que produzem melhor, como grãos de soja. Esse resultado disparatado explica por que a expansão nas tarifas proposta por Trump continua uma das piores ideias a emergir na campanha.

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Desafortunadamente, a outra má ideia foi apresentada no mesmo discurso de Harris, com violência similar contra os princípios do livre-mercado. A candidata prometeu buscar autoridade federal para controlar os preços dos alimentos. Ainda que tenha criticado com força e especificamente a fracassada política de tarifas de Trump ao descrevê-la, Harris foi repreensiva e vaga ao definir controles de preços. Ela não imporia a todas as empresas — somente aos “atores malignos”, que “exploram crises” com “aumentos abusivos”.

Devemos nos esquecer, então, que sua proposta aborda um problema que deixou de existir (no ano recente, os preços dos alimentos aumentaram mero 1%) e que os supermercados operam com margens notoriamente tênues. Mais desalentadora foi sua aparente ignorância a respeito de controles de preços ocasionarem, quase sem exceção, escassez de produtos, perturbações em cadeias de abastecimento e, eventualmente, preços mais altos. Quando prometeu combater abusadores “oportunistas” e restringir “lucros corporativos excessivos”, Harris pareceu desconhecer que a exploração de oportunidades em busca de lucro é exatamente o que a empresa privada é destinada a fomentar (Henry Ford, Steve Jobs, Warren Buffett — todos oportunistas).

Tarifas e controles de preços são exemplos da guinada decidida da campanha de 2024 para o populismo econômico, como se a produção derivasse de comandos centrais e não de milhares de empresas e milhões de indivíduos trabalhando para ganhar a vida e maximizar lucros.

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Na convenção democrata, semana passada, Harris tocou um acorde confiante sobre política externa, prometendo manter a liderança global dos EUA — e mal mencionou tópicos econômicos. A plataforma republicana promete “a Maior Economia na História”, apesar de ser ainda mais escassa em detalhes. Mas o tema deveria estar — e provavelmente estará — no cardápio do debate entre os candidatos.

Harris teve a ideia correta de oferecer incentivos para construtores de imóveis residenciais — quando os mercados não satisfizerem necessidades básicas, uma resposta federal é apropriada. Mas associou o projeto a um plano para agradar as massas, de impedir o investimento “predatório” de Wall Street. Menos investimento não resultaria em menos habitações? Ela também propaga uma imprudente sugestão sobre um subsídio de US$ 25 mil para compradores de sua primeira residência com intenção de tornar a moradia mais “acessível”. O problema subjacente na habitação é falta de oferta; injetar dinheiro na oferta já existente só fará os preços aumentarem. Além disso, 15 anos após a Grande Recessão, o governo deveria se preocupar em melhorar o acesso a hipotecas para as pessoas que não conseguem pagar por elas. Da última vez, isso não funcionou bem.

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Dado que as campanhas reconhecem que a recente inflação foi um trauma econômico, é impressionante como ambas parecem indiferentes a respeito da possibilidade de ressuscitá-la.

Certamente, um Federal Reserve que esperou tempo demais para aumentar as taxas de juros foi uma das causas. A solução de Trump é transformar o Fed em um organismo político (especificamente, ele quer a política econômica controlada dentro do Salão Oval). Isso poderia agradar à indústria imobiliária, mas não aos consumidores nem à maioria das pessoas.

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Os enormes déficits do governo foram outra causa, tanto sob Trump quanto com o presidente Joe Biden. Com a dívida soberana aproximando-se de um recorde enquanto fatia da economia, a bipartidária Comissão por um Orçamento Federal Responsável nota: “Estamos ouvindo, impressionantemente, muito pouco a respeito de planos para mudar as coisas”.

Durante a inflação dos anos 70, o autor Robert Samuelson notou: “Todos os programas de contenção de salários e preços na realidade pioraram as coisas, por obscurecer a natureza essencial da inflação”. Na atual campanha, os candidatos parecem disputar quem conseguirá ser mais esbanjador.

A “Agenda para baixar os custos das famílias americanas”, de Harris, de fato um programa para realocar custos por meio de mais benefícios e créditos tributários, elevaria os déficits em estimados US$1,7 trilhão a US$ 2 trilhões ao longo da próxima década. Trump rebateu com uma sugestão de acabar com os impostos sobre pagamentos de seguridade social, o que elevaria os déficits em aproximadamente US$ 1,7 trilhão. E piorou as coisas prometendo isentar impostos sobre renda oriunda de gorjetas — talvez numa tentativa duvidosa de política industrial encorajando os restaurantes, em detrimento, digamos, da construção de residências; ou numa tentativa descarada de comprar votos. Adequado para Trump, adequado para Harris — que também comprou a ideia.

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Alguns planos de gastos de Harris são louváveis, notavelmente sobre assistência infantil, que estimulará o emprego, e créditos tributários para indivíduos de baixa renda para combater a pobreza. Mas até mesmo programas bons precisam de financiamento. E deveriam ser avaliados em função da necessidade de estabilizar programas já existentes, como a seguridade social e o Medicare. Nenhuma das campanhas está propondo cortes de gastos significativos (nem específicos). Que tal eliminar créditos para filhos de indivíduos de alta renda ou acabar com o abatimento da hipoteca?

No lado da receita, Harris propôs uma elevação significativa nos impostos das empresas — um passo no sentido do comedimento fiscal — mas prometeu não aumentar impostos sobre rendas individuais abaixo de US$ 400 mil, o que isentaria 80% das rendas tributáveis. Trump quer simplesmente ampliar seus cortes de impostos — de longe a mais dispendiosa destruição de orçamento apresentada pelos candidatos. Finalmente, a proposta de Trump de retirar imigrantes do país poderia criar uma súbita escassez de trabalhadores e produzir um tipo de choque econômico que ressuscitaria a inflação de imediato.

Ex-presidente Donald Trump em visita à fronteira com o México.  Foto: Rebecca Noble/Getty Images via AFP

Reconhecidamente, é arriscado prever o desempenho de um futuro presidente na economia. Em 1929, o recém-eleito Herbert Hoover, um investidor milionário e ex-secretário do comércio altamente conceituado, era tido como o indivíduo mais bem preparado para cuidar da economia desde Alexander Hamilton. Como presidente, foi um fracasso singular.

Richard Nixon, no passado um famoso anticomunista, expandiu o Estado e propôs um programa de renda básica. Ele também impôs um desastroso congelamento de salários e preços. E Jimmy Carter, com frequência percebido erroneamente como um ultraprogressista, iniciou uma mudança geracional no sentido da desregulação. Portanto, é possível que as propostas da atual campanha sejam mais performáticas que premonitórias.

Ainda assim, é preocupante ver candidatos condescendentes com os eleitores. Harris e JD Vance, o colega de chapa de Trump, desvelam um anticorporativismo em voga e uma confiança exultante em política industrial. Mas a empresa privada — regulada e suplementada por governos responsáveis, com amplos mecanismos de segurança — foi o que fez dos EUA um sucesso econômico sem paralelo.

Ao contrário do que frequentemente se supõe, os salários medianos reais têm aumentado há mais de três décadas — ainda que não durante todo o período, incluindo após a Grande Recessão e durante a pior fase da recente inflação. Mas no longo prazo, de acordo com o economista Michael Strain, do American Enterprise Institute, os salários não ficaram estagnados, apesar de os períodos de dificuldade poderem dar a parecer que estiveram. O Arkansas, um dos Estados mais pobres, tem hoje lares com renda média mais alta do que a Alemanha. Os candidatos poderiam mostrar um pouco mais de confiança na maneira que chegamos aqui. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Em seu discurso sobre política econômica em Raleigh, na Carolina do Norte, neste mês, Kamala Harris disparou um lindo refrão que esculachou uma certa proposta de política definindo-a como nada além de um “imposto nacional sobre as vendas” ao povo americano, que aumentaria os preços de “produtos cotidianos e necessidades básicas” e custaria a uma família típica US$ 3,9 mil.

Finalmente um dos candidatos presidenciais falava como economista — ou ao menos como um formulador de políticas prático, com um entendimento realista da lei da oferta e da demanda.

A proposta que ela criticou era de seu oponente, Donald Trump — especificamente uma tarifa de até 20% (e consideravelmente superior sobre importações da China). A vice-presidente Harris disse a verdade: tarifas são impostos pagos pelos consumidores americanos. Tarifas empobrecem o país. Quando as aplicou, Trump não gerou nenhum novo emprego, e os consumidores americanos, incluindo empregadores que dependem de aço importado, empacaram diante dos preços mais altos, o que prejudicou a indústria nacional.

Vice-presidente Kamala Harris e governador da Carolina do Norte, Roy Cooper, visitam mercado em Raleigh. Foto: Erin Schaff/The New York Times via AP

Além disso, outras nações retaliaram contra as exportações americanas. Em retrospecto, os Estados Unidos produziram ligeiramente mais em áreas em que são menos competitivos, como máquinas de lavar, e venderam menos do que produzem melhor, como grãos de soja. Esse resultado disparatado explica por que a expansão nas tarifas proposta por Trump continua uma das piores ideias a emergir na campanha.

Desafortunadamente, a outra má ideia foi apresentada no mesmo discurso de Harris, com violência similar contra os princípios do livre-mercado. A candidata prometeu buscar autoridade federal para controlar os preços dos alimentos. Ainda que tenha criticado com força e especificamente a fracassada política de tarifas de Trump ao descrevê-la, Harris foi repreensiva e vaga ao definir controles de preços. Ela não imporia a todas as empresas — somente aos “atores malignos”, que “exploram crises” com “aumentos abusivos”.

Devemos nos esquecer, então, que sua proposta aborda um problema que deixou de existir (no ano recente, os preços dos alimentos aumentaram mero 1%) e que os supermercados operam com margens notoriamente tênues. Mais desalentadora foi sua aparente ignorância a respeito de controles de preços ocasionarem, quase sem exceção, escassez de produtos, perturbações em cadeias de abastecimento e, eventualmente, preços mais altos. Quando prometeu combater abusadores “oportunistas” e restringir “lucros corporativos excessivos”, Harris pareceu desconhecer que a exploração de oportunidades em busca de lucro é exatamente o que a empresa privada é destinada a fomentar (Henry Ford, Steve Jobs, Warren Buffett — todos oportunistas).

Tarifas e controles de preços são exemplos da guinada decidida da campanha de 2024 para o populismo econômico, como se a produção derivasse de comandos centrais e não de milhares de empresas e milhões de indivíduos trabalhando para ganhar a vida e maximizar lucros.

Na convenção democrata, semana passada, Harris tocou um acorde confiante sobre política externa, prometendo manter a liderança global dos EUA — e mal mencionou tópicos econômicos. A plataforma republicana promete “a Maior Economia na História”, apesar de ser ainda mais escassa em detalhes. Mas o tema deveria estar — e provavelmente estará — no cardápio do debate entre os candidatos.

Harris teve a ideia correta de oferecer incentivos para construtores de imóveis residenciais — quando os mercados não satisfizerem necessidades básicas, uma resposta federal é apropriada. Mas associou o projeto a um plano para agradar as massas, de impedir o investimento “predatório” de Wall Street. Menos investimento não resultaria em menos habitações? Ela também propaga uma imprudente sugestão sobre um subsídio de US$ 25 mil para compradores de sua primeira residência com intenção de tornar a moradia mais “acessível”. O problema subjacente na habitação é falta de oferta; injetar dinheiro na oferta já existente só fará os preços aumentarem. Além disso, 15 anos após a Grande Recessão, o governo deveria se preocupar em melhorar o acesso a hipotecas para as pessoas que não conseguem pagar por elas. Da última vez, isso não funcionou bem.

Dado que as campanhas reconhecem que a recente inflação foi um trauma econômico, é impressionante como ambas parecem indiferentes a respeito da possibilidade de ressuscitá-la.

Certamente, um Federal Reserve que esperou tempo demais para aumentar as taxas de juros foi uma das causas. A solução de Trump é transformar o Fed em um organismo político (especificamente, ele quer a política econômica controlada dentro do Salão Oval). Isso poderia agradar à indústria imobiliária, mas não aos consumidores nem à maioria das pessoas.

Os enormes déficits do governo foram outra causa, tanto sob Trump quanto com o presidente Joe Biden. Com a dívida soberana aproximando-se de um recorde enquanto fatia da economia, a bipartidária Comissão por um Orçamento Federal Responsável nota: “Estamos ouvindo, impressionantemente, muito pouco a respeito de planos para mudar as coisas”.

Durante a inflação dos anos 70, o autor Robert Samuelson notou: “Todos os programas de contenção de salários e preços na realidade pioraram as coisas, por obscurecer a natureza essencial da inflação”. Na atual campanha, os candidatos parecem disputar quem conseguirá ser mais esbanjador.

A “Agenda para baixar os custos das famílias americanas”, de Harris, de fato um programa para realocar custos por meio de mais benefícios e créditos tributários, elevaria os déficits em estimados US$1,7 trilhão a US$ 2 trilhões ao longo da próxima década. Trump rebateu com uma sugestão de acabar com os impostos sobre pagamentos de seguridade social, o que elevaria os déficits em aproximadamente US$ 1,7 trilhão. E piorou as coisas prometendo isentar impostos sobre renda oriunda de gorjetas — talvez numa tentativa duvidosa de política industrial encorajando os restaurantes, em detrimento, digamos, da construção de residências; ou numa tentativa descarada de comprar votos. Adequado para Trump, adequado para Harris — que também comprou a ideia.

Alguns planos de gastos de Harris são louváveis, notavelmente sobre assistência infantil, que estimulará o emprego, e créditos tributários para indivíduos de baixa renda para combater a pobreza. Mas até mesmo programas bons precisam de financiamento. E deveriam ser avaliados em função da necessidade de estabilizar programas já existentes, como a seguridade social e o Medicare. Nenhuma das campanhas está propondo cortes de gastos significativos (nem específicos). Que tal eliminar créditos para filhos de indivíduos de alta renda ou acabar com o abatimento da hipoteca?

No lado da receita, Harris propôs uma elevação significativa nos impostos das empresas — um passo no sentido do comedimento fiscal — mas prometeu não aumentar impostos sobre rendas individuais abaixo de US$ 400 mil, o que isentaria 80% das rendas tributáveis. Trump quer simplesmente ampliar seus cortes de impostos — de longe a mais dispendiosa destruição de orçamento apresentada pelos candidatos. Finalmente, a proposta de Trump de retirar imigrantes do país poderia criar uma súbita escassez de trabalhadores e produzir um tipo de choque econômico que ressuscitaria a inflação de imediato.

Ex-presidente Donald Trump em visita à fronteira com o México.  Foto: Rebecca Noble/Getty Images via AFP

Reconhecidamente, é arriscado prever o desempenho de um futuro presidente na economia. Em 1929, o recém-eleito Herbert Hoover, um investidor milionário e ex-secretário do comércio altamente conceituado, era tido como o indivíduo mais bem preparado para cuidar da economia desde Alexander Hamilton. Como presidente, foi um fracasso singular.

Richard Nixon, no passado um famoso anticomunista, expandiu o Estado e propôs um programa de renda básica. Ele também impôs um desastroso congelamento de salários e preços. E Jimmy Carter, com frequência percebido erroneamente como um ultraprogressista, iniciou uma mudança geracional no sentido da desregulação. Portanto, é possível que as propostas da atual campanha sejam mais performáticas que premonitórias.

Ainda assim, é preocupante ver candidatos condescendentes com os eleitores. Harris e JD Vance, o colega de chapa de Trump, desvelam um anticorporativismo em voga e uma confiança exultante em política industrial. Mas a empresa privada — regulada e suplementada por governos responsáveis, com amplos mecanismos de segurança — foi o que fez dos EUA um sucesso econômico sem paralelo.

Ao contrário do que frequentemente se supõe, os salários medianos reais têm aumentado há mais de três décadas — ainda que não durante todo o período, incluindo após a Grande Recessão e durante a pior fase da recente inflação. Mas no longo prazo, de acordo com o economista Michael Strain, do American Enterprise Institute, os salários não ficaram estagnados, apesar de os períodos de dificuldade poderem dar a parecer que estiveram. O Arkansas, um dos Estados mais pobres, tem hoje lares com renda média mais alta do que a Alemanha. Os candidatos poderiam mostrar um pouco mais de confiança na maneira que chegamos aqui. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Em seu discurso sobre política econômica em Raleigh, na Carolina do Norte, neste mês, Kamala Harris disparou um lindo refrão que esculachou uma certa proposta de política definindo-a como nada além de um “imposto nacional sobre as vendas” ao povo americano, que aumentaria os preços de “produtos cotidianos e necessidades básicas” e custaria a uma família típica US$ 3,9 mil.

Finalmente um dos candidatos presidenciais falava como economista — ou ao menos como um formulador de políticas prático, com um entendimento realista da lei da oferta e da demanda.

A proposta que ela criticou era de seu oponente, Donald Trump — especificamente uma tarifa de até 20% (e consideravelmente superior sobre importações da China). A vice-presidente Harris disse a verdade: tarifas são impostos pagos pelos consumidores americanos. Tarifas empobrecem o país. Quando as aplicou, Trump não gerou nenhum novo emprego, e os consumidores americanos, incluindo empregadores que dependem de aço importado, empacaram diante dos preços mais altos, o que prejudicou a indústria nacional.

Vice-presidente Kamala Harris e governador da Carolina do Norte, Roy Cooper, visitam mercado em Raleigh. Foto: Erin Schaff/The New York Times via AP

Além disso, outras nações retaliaram contra as exportações americanas. Em retrospecto, os Estados Unidos produziram ligeiramente mais em áreas em que são menos competitivos, como máquinas de lavar, e venderam menos do que produzem melhor, como grãos de soja. Esse resultado disparatado explica por que a expansão nas tarifas proposta por Trump continua uma das piores ideias a emergir na campanha.

Desafortunadamente, a outra má ideia foi apresentada no mesmo discurso de Harris, com violência similar contra os princípios do livre-mercado. A candidata prometeu buscar autoridade federal para controlar os preços dos alimentos. Ainda que tenha criticado com força e especificamente a fracassada política de tarifas de Trump ao descrevê-la, Harris foi repreensiva e vaga ao definir controles de preços. Ela não imporia a todas as empresas — somente aos “atores malignos”, que “exploram crises” com “aumentos abusivos”.

Devemos nos esquecer, então, que sua proposta aborda um problema que deixou de existir (no ano recente, os preços dos alimentos aumentaram mero 1%) e que os supermercados operam com margens notoriamente tênues. Mais desalentadora foi sua aparente ignorância a respeito de controles de preços ocasionarem, quase sem exceção, escassez de produtos, perturbações em cadeias de abastecimento e, eventualmente, preços mais altos. Quando prometeu combater abusadores “oportunistas” e restringir “lucros corporativos excessivos”, Harris pareceu desconhecer que a exploração de oportunidades em busca de lucro é exatamente o que a empresa privada é destinada a fomentar (Henry Ford, Steve Jobs, Warren Buffett — todos oportunistas).

Tarifas e controles de preços são exemplos da guinada decidida da campanha de 2024 para o populismo econômico, como se a produção derivasse de comandos centrais e não de milhares de empresas e milhões de indivíduos trabalhando para ganhar a vida e maximizar lucros.

Na convenção democrata, semana passada, Harris tocou um acorde confiante sobre política externa, prometendo manter a liderança global dos EUA — e mal mencionou tópicos econômicos. A plataforma republicana promete “a Maior Economia na História”, apesar de ser ainda mais escassa em detalhes. Mas o tema deveria estar — e provavelmente estará — no cardápio do debate entre os candidatos.

Harris teve a ideia correta de oferecer incentivos para construtores de imóveis residenciais — quando os mercados não satisfizerem necessidades básicas, uma resposta federal é apropriada. Mas associou o projeto a um plano para agradar as massas, de impedir o investimento “predatório” de Wall Street. Menos investimento não resultaria em menos habitações? Ela também propaga uma imprudente sugestão sobre um subsídio de US$ 25 mil para compradores de sua primeira residência com intenção de tornar a moradia mais “acessível”. O problema subjacente na habitação é falta de oferta; injetar dinheiro na oferta já existente só fará os preços aumentarem. Além disso, 15 anos após a Grande Recessão, o governo deveria se preocupar em melhorar o acesso a hipotecas para as pessoas que não conseguem pagar por elas. Da última vez, isso não funcionou bem.

Dado que as campanhas reconhecem que a recente inflação foi um trauma econômico, é impressionante como ambas parecem indiferentes a respeito da possibilidade de ressuscitá-la.

Certamente, um Federal Reserve que esperou tempo demais para aumentar as taxas de juros foi uma das causas. A solução de Trump é transformar o Fed em um organismo político (especificamente, ele quer a política econômica controlada dentro do Salão Oval). Isso poderia agradar à indústria imobiliária, mas não aos consumidores nem à maioria das pessoas.

Os enormes déficits do governo foram outra causa, tanto sob Trump quanto com o presidente Joe Biden. Com a dívida soberana aproximando-se de um recorde enquanto fatia da economia, a bipartidária Comissão por um Orçamento Federal Responsável nota: “Estamos ouvindo, impressionantemente, muito pouco a respeito de planos para mudar as coisas”.

Durante a inflação dos anos 70, o autor Robert Samuelson notou: “Todos os programas de contenção de salários e preços na realidade pioraram as coisas, por obscurecer a natureza essencial da inflação”. Na atual campanha, os candidatos parecem disputar quem conseguirá ser mais esbanjador.

A “Agenda para baixar os custos das famílias americanas”, de Harris, de fato um programa para realocar custos por meio de mais benefícios e créditos tributários, elevaria os déficits em estimados US$1,7 trilhão a US$ 2 trilhões ao longo da próxima década. Trump rebateu com uma sugestão de acabar com os impostos sobre pagamentos de seguridade social, o que elevaria os déficits em aproximadamente US$ 1,7 trilhão. E piorou as coisas prometendo isentar impostos sobre renda oriunda de gorjetas — talvez numa tentativa duvidosa de política industrial encorajando os restaurantes, em detrimento, digamos, da construção de residências; ou numa tentativa descarada de comprar votos. Adequado para Trump, adequado para Harris — que também comprou a ideia.

Alguns planos de gastos de Harris são louváveis, notavelmente sobre assistência infantil, que estimulará o emprego, e créditos tributários para indivíduos de baixa renda para combater a pobreza. Mas até mesmo programas bons precisam de financiamento. E deveriam ser avaliados em função da necessidade de estabilizar programas já existentes, como a seguridade social e o Medicare. Nenhuma das campanhas está propondo cortes de gastos significativos (nem específicos). Que tal eliminar créditos para filhos de indivíduos de alta renda ou acabar com o abatimento da hipoteca?

No lado da receita, Harris propôs uma elevação significativa nos impostos das empresas — um passo no sentido do comedimento fiscal — mas prometeu não aumentar impostos sobre rendas individuais abaixo de US$ 400 mil, o que isentaria 80% das rendas tributáveis. Trump quer simplesmente ampliar seus cortes de impostos — de longe a mais dispendiosa destruição de orçamento apresentada pelos candidatos. Finalmente, a proposta de Trump de retirar imigrantes do país poderia criar uma súbita escassez de trabalhadores e produzir um tipo de choque econômico que ressuscitaria a inflação de imediato.

Ex-presidente Donald Trump em visita à fronteira com o México.  Foto: Rebecca Noble/Getty Images via AFP

Reconhecidamente, é arriscado prever o desempenho de um futuro presidente na economia. Em 1929, o recém-eleito Herbert Hoover, um investidor milionário e ex-secretário do comércio altamente conceituado, era tido como o indivíduo mais bem preparado para cuidar da economia desde Alexander Hamilton. Como presidente, foi um fracasso singular.

Richard Nixon, no passado um famoso anticomunista, expandiu o Estado e propôs um programa de renda básica. Ele também impôs um desastroso congelamento de salários e preços. E Jimmy Carter, com frequência percebido erroneamente como um ultraprogressista, iniciou uma mudança geracional no sentido da desregulação. Portanto, é possível que as propostas da atual campanha sejam mais performáticas que premonitórias.

Ainda assim, é preocupante ver candidatos condescendentes com os eleitores. Harris e JD Vance, o colega de chapa de Trump, desvelam um anticorporativismo em voga e uma confiança exultante em política industrial. Mas a empresa privada — regulada e suplementada por governos responsáveis, com amplos mecanismos de segurança — foi o que fez dos EUA um sucesso econômico sem paralelo.

Ao contrário do que frequentemente se supõe, os salários medianos reais têm aumentado há mais de três décadas — ainda que não durante todo o período, incluindo após a Grande Recessão e durante a pior fase da recente inflação. Mas no longo prazo, de acordo com o economista Michael Strain, do American Enterprise Institute, os salários não ficaram estagnados, apesar de os períodos de dificuldade poderem dar a parecer que estiveram. O Arkansas, um dos Estados mais pobres, tem hoje lares com renda média mais alta do que a Alemanha. Os candidatos poderiam mostrar um pouco mais de confiança na maneira que chegamos aqui. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Em seu discurso sobre política econômica em Raleigh, na Carolina do Norte, neste mês, Kamala Harris disparou um lindo refrão que esculachou uma certa proposta de política definindo-a como nada além de um “imposto nacional sobre as vendas” ao povo americano, que aumentaria os preços de “produtos cotidianos e necessidades básicas” e custaria a uma família típica US$ 3,9 mil.

Finalmente um dos candidatos presidenciais falava como economista — ou ao menos como um formulador de políticas prático, com um entendimento realista da lei da oferta e da demanda.

A proposta que ela criticou era de seu oponente, Donald Trump — especificamente uma tarifa de até 20% (e consideravelmente superior sobre importações da China). A vice-presidente Harris disse a verdade: tarifas são impostos pagos pelos consumidores americanos. Tarifas empobrecem o país. Quando as aplicou, Trump não gerou nenhum novo emprego, e os consumidores americanos, incluindo empregadores que dependem de aço importado, empacaram diante dos preços mais altos, o que prejudicou a indústria nacional.

Vice-presidente Kamala Harris e governador da Carolina do Norte, Roy Cooper, visitam mercado em Raleigh. Foto: Erin Schaff/The New York Times via AP

Além disso, outras nações retaliaram contra as exportações americanas. Em retrospecto, os Estados Unidos produziram ligeiramente mais em áreas em que são menos competitivos, como máquinas de lavar, e venderam menos do que produzem melhor, como grãos de soja. Esse resultado disparatado explica por que a expansão nas tarifas proposta por Trump continua uma das piores ideias a emergir na campanha.

Desafortunadamente, a outra má ideia foi apresentada no mesmo discurso de Harris, com violência similar contra os princípios do livre-mercado. A candidata prometeu buscar autoridade federal para controlar os preços dos alimentos. Ainda que tenha criticado com força e especificamente a fracassada política de tarifas de Trump ao descrevê-la, Harris foi repreensiva e vaga ao definir controles de preços. Ela não imporia a todas as empresas — somente aos “atores malignos”, que “exploram crises” com “aumentos abusivos”.

Devemos nos esquecer, então, que sua proposta aborda um problema que deixou de existir (no ano recente, os preços dos alimentos aumentaram mero 1%) e que os supermercados operam com margens notoriamente tênues. Mais desalentadora foi sua aparente ignorância a respeito de controles de preços ocasionarem, quase sem exceção, escassez de produtos, perturbações em cadeias de abastecimento e, eventualmente, preços mais altos. Quando prometeu combater abusadores “oportunistas” e restringir “lucros corporativos excessivos”, Harris pareceu desconhecer que a exploração de oportunidades em busca de lucro é exatamente o que a empresa privada é destinada a fomentar (Henry Ford, Steve Jobs, Warren Buffett — todos oportunistas).

Tarifas e controles de preços são exemplos da guinada decidida da campanha de 2024 para o populismo econômico, como se a produção derivasse de comandos centrais e não de milhares de empresas e milhões de indivíduos trabalhando para ganhar a vida e maximizar lucros.

Na convenção democrata, semana passada, Harris tocou um acorde confiante sobre política externa, prometendo manter a liderança global dos EUA — e mal mencionou tópicos econômicos. A plataforma republicana promete “a Maior Economia na História”, apesar de ser ainda mais escassa em detalhes. Mas o tema deveria estar — e provavelmente estará — no cardápio do debate entre os candidatos.

Harris teve a ideia correta de oferecer incentivos para construtores de imóveis residenciais — quando os mercados não satisfizerem necessidades básicas, uma resposta federal é apropriada. Mas associou o projeto a um plano para agradar as massas, de impedir o investimento “predatório” de Wall Street. Menos investimento não resultaria em menos habitações? Ela também propaga uma imprudente sugestão sobre um subsídio de US$ 25 mil para compradores de sua primeira residência com intenção de tornar a moradia mais “acessível”. O problema subjacente na habitação é falta de oferta; injetar dinheiro na oferta já existente só fará os preços aumentarem. Além disso, 15 anos após a Grande Recessão, o governo deveria se preocupar em melhorar o acesso a hipotecas para as pessoas que não conseguem pagar por elas. Da última vez, isso não funcionou bem.

Dado que as campanhas reconhecem que a recente inflação foi um trauma econômico, é impressionante como ambas parecem indiferentes a respeito da possibilidade de ressuscitá-la.

Certamente, um Federal Reserve que esperou tempo demais para aumentar as taxas de juros foi uma das causas. A solução de Trump é transformar o Fed em um organismo político (especificamente, ele quer a política econômica controlada dentro do Salão Oval). Isso poderia agradar à indústria imobiliária, mas não aos consumidores nem à maioria das pessoas.

Os enormes déficits do governo foram outra causa, tanto sob Trump quanto com o presidente Joe Biden. Com a dívida soberana aproximando-se de um recorde enquanto fatia da economia, a bipartidária Comissão por um Orçamento Federal Responsável nota: “Estamos ouvindo, impressionantemente, muito pouco a respeito de planos para mudar as coisas”.

Durante a inflação dos anos 70, o autor Robert Samuelson notou: “Todos os programas de contenção de salários e preços na realidade pioraram as coisas, por obscurecer a natureza essencial da inflação”. Na atual campanha, os candidatos parecem disputar quem conseguirá ser mais esbanjador.

A “Agenda para baixar os custos das famílias americanas”, de Harris, de fato um programa para realocar custos por meio de mais benefícios e créditos tributários, elevaria os déficits em estimados US$1,7 trilhão a US$ 2 trilhões ao longo da próxima década. Trump rebateu com uma sugestão de acabar com os impostos sobre pagamentos de seguridade social, o que elevaria os déficits em aproximadamente US$ 1,7 trilhão. E piorou as coisas prometendo isentar impostos sobre renda oriunda de gorjetas — talvez numa tentativa duvidosa de política industrial encorajando os restaurantes, em detrimento, digamos, da construção de residências; ou numa tentativa descarada de comprar votos. Adequado para Trump, adequado para Harris — que também comprou a ideia.

Alguns planos de gastos de Harris são louváveis, notavelmente sobre assistência infantil, que estimulará o emprego, e créditos tributários para indivíduos de baixa renda para combater a pobreza. Mas até mesmo programas bons precisam de financiamento. E deveriam ser avaliados em função da necessidade de estabilizar programas já existentes, como a seguridade social e o Medicare. Nenhuma das campanhas está propondo cortes de gastos significativos (nem específicos). Que tal eliminar créditos para filhos de indivíduos de alta renda ou acabar com o abatimento da hipoteca?

No lado da receita, Harris propôs uma elevação significativa nos impostos das empresas — um passo no sentido do comedimento fiscal — mas prometeu não aumentar impostos sobre rendas individuais abaixo de US$ 400 mil, o que isentaria 80% das rendas tributáveis. Trump quer simplesmente ampliar seus cortes de impostos — de longe a mais dispendiosa destruição de orçamento apresentada pelos candidatos. Finalmente, a proposta de Trump de retirar imigrantes do país poderia criar uma súbita escassez de trabalhadores e produzir um tipo de choque econômico que ressuscitaria a inflação de imediato.

Ex-presidente Donald Trump em visita à fronteira com o México.  Foto: Rebecca Noble/Getty Images via AFP

Reconhecidamente, é arriscado prever o desempenho de um futuro presidente na economia. Em 1929, o recém-eleito Herbert Hoover, um investidor milionário e ex-secretário do comércio altamente conceituado, era tido como o indivíduo mais bem preparado para cuidar da economia desde Alexander Hamilton. Como presidente, foi um fracasso singular.

Richard Nixon, no passado um famoso anticomunista, expandiu o Estado e propôs um programa de renda básica. Ele também impôs um desastroso congelamento de salários e preços. E Jimmy Carter, com frequência percebido erroneamente como um ultraprogressista, iniciou uma mudança geracional no sentido da desregulação. Portanto, é possível que as propostas da atual campanha sejam mais performáticas que premonitórias.

Ainda assim, é preocupante ver candidatos condescendentes com os eleitores. Harris e JD Vance, o colega de chapa de Trump, desvelam um anticorporativismo em voga e uma confiança exultante em política industrial. Mas a empresa privada — regulada e suplementada por governos responsáveis, com amplos mecanismos de segurança — foi o que fez dos EUA um sucesso econômico sem paralelo.

Ao contrário do que frequentemente se supõe, os salários medianos reais têm aumentado há mais de três décadas — ainda que não durante todo o período, incluindo após a Grande Recessão e durante a pior fase da recente inflação. Mas no longo prazo, de acordo com o economista Michael Strain, do American Enterprise Institute, os salários não ficaram estagnados, apesar de os períodos de dificuldade poderem dar a parecer que estiveram. O Arkansas, um dos Estados mais pobres, tem hoje lares com renda média mais alta do que a Alemanha. Os candidatos poderiam mostrar um pouco mais de confiança na maneira que chegamos aqui. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Roger Lowenstein

Lowenstein é autor de “Ways and Means: Lincoln and His Cabinet and the Financing of the Civil War”.

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