THE NEW YORK TIMES — Com seus velhos motores a diesel roncando, os tanques da época da Guerra Fria atravessavam a verdejante paisagem rural da Alemanha quando um comandante ucraniano transmitiu por rádio a ordem para sua unidade disparar. A tarefa dos canhoneiros era mirar e atirar projéteis de calibre 105 milímetros contra alvos pop-up verdes a até 1,3 mil metros de distância.
“Quinze em 17 é um resultado muito bom”, afirmou o tenente-coronel do Exército alemão Marco Maulbecker, que chefia o treinamento de operadores de tanques ucranianos, referindo-se ao número de alvos atingidos pelas equipes na primeira tentativa. “Agora precisamos trabalhar para atingir esses alvos mais rapidamente.”
O exercício — um ataque coordenado — foi a conclusão de um curso de seis semanas aos militares ucranianos sobre como usar uma das mais recentes adições ao arsenal de guerra de seu país, os tanques Leopard 1A5, blindados de batalha desativados que a Alemanha e seus aliados da Otan prometeram a Kiev anteriormente este ano após semanas de hesitação.
Na época, a Alemanha foi criticada por sua relutância em relação ao envio de tanques de fabricação alemã para a Ucrânia. A vacilação refletiu não apenas a ambivalência alemã em assumir um papel de liderança militar na Europa após a 2.ª Guerra, mas também as dificuldades das Forças Armadas alemãs cronicamente subfinanciadas.
Após os Estados Unidos e outros aliados afirmarem que também enviariam tanques, a Alemanha concordou em fornecer até 18 modernos Leopard 2A6 para os campos de batalha ucranianos. Mas no fim, a maior parte de sua ajuda — mais de 100 tanques adicionais — se concretizou com um modelo obsoleto, o Leopard 1A5, cujas 10 primeiras unidades chegaram à Ucrânia no mês passado.
E de fato os Leopard 1A5 são tão velhos que os treinadores do Exército da Alemanha tiveram que acionar militares dos Países Baixos e da Dinamarca — onde o modelo foi usado por mais tempo — e ex-pilotos de tanque alemães treinados nos anos 80 e 90. A última vez que o Exército alemão treinou recrutas nesse sistema foi em 2000.
Alguns dos treinadores recrutados eram civis na casa dos 50 ou 60 anos, que tiraram folga de seus empregos para ajudar. “Eles foram muito importantes para dar a ignição do processo”, afirmou o coronel Maulbecker, que normalmente comanda um batalhão de tanques modernos.
Utilidade
Apesar de sua idade, especialistas e autoridades alemãs afirmam que os Leopard 1A5 podem ser úteis temporariamente. Seu descendente moderno, o Leopard 2A6, é muito mais caro, e mesmo o pequeno número doado à Ucrânia teve de sair diretamente dos arsenais do Exército da Alemanha, onde os blindados são absolutamente necessários.
E o fato de o Leopard 1A5 ser velho não significa que ele não possa ser eficaz após o estoque desativado ter sido restaurado. O modelo é comparável, mas superior, aos tanques soviéticos T-72 que a força ucraniana também utiliza.
Os Leopard 1A5 têm visão noturna, sistema de estabilização de armas e marcha à ré, componentes que não estão presentes nos tanques de batalha mais velhos atualmente em ação na Ucrânia, de acordo com o brigadeiro-general alemão Andreas Marlow, que comanda o treinamento que a Alemanha dá aos ucranianos.
Um tanque pode ser muito eficiente em combate quando usado no contexto correto e no terreno adequado, afirmou o general Marlow, que treinou nos Leopard 1A5 quando jovem.
Apesar de pertencerem a gerações bem anteriores às dos modernos tanques que Kiev pediu, os Leopard 1A5 têm vantagens: são fáceis de pilotar, manter e consertar, afirmou o general Marlow. “Quantidade também tem sua função.”
Dado seu planejamento moroso e o subfinanciamento, o Exército alemão realmente não tinha nenhuma outra opção para conseguir doar um número significativo de tanques, notou Christian Mölling, especialista militar do Conselho Alemão de Relações Exteriores. “Esses tanques Leopard 1 são de fato uma boa opção”, afirmou ele.
Muitos dos tanques estavam estacionados em galpões espalhados pela Europa, até que o governo alemão deu sua aprovação, anteriormente este ano, para que eles fossem doados à Ucrânia. Os blindados foram comprados por fabricantes de armamentos, que estão reformando os veículos à custa da Alemanha e seus aliados.
Grandes números pintados em tinta spray identificam os tanques, cujos anos de uso e as décadas guardados evidenciam-se na blindagem riscada e avariada. O isolamento do canhão de um dos tanques exibidos em uma visita recente da reportagem à área de treinamento era amarrado com abraçadeiras acrílicas.
O modelo Leopard 1A5 foi uma atualização dos tanques Leopard mais antigos, alguns dos quais construídos nos anos 60, cujo projeto foi desenhado por um consórcio que incluiu a Porsche. Eles foram substituídos entre o fim da década de 80 e o início dos anos 90, à medida que o Exército alemão encolheu em seguida ao fim da Guerra Fria.
O treinamento recente, realizado numa base do Exército da ex-Alemanha Oriental, em Klietz, a apenas 48 quilômetros da linha que constituía a fronteira da Otan durante a Guerra Fria, é uma parte crucial da assistência militar da União Europeia à Ucrânia.
Saiba mais
A Alemanha, segunda maior doadora direta de assistência militar à Ucrânia, treinou 6,3 mil dos 10 mil soldados ucranianos que planeja treinar este ano. Os cursos incluem infantaria, tiro de precisão, artilharia e operação de vários sistemas de armas fornecidos pela Alemanha. O comprometimento alemão é parte de um programa da UE que tem como objetivo treinar 30 mil soldados ucranianos até o fim do próximo ano.
Um comandante ucraniano que participa do atual ciclo de treinamento de operação de tanques — e se identificou apenas por seu nome de guerra, Bassist, atendo-se aos protocolos militares de Kiev — afirmou que não se surpreendeu ao encontrar treinadores mais velhos. “No fim, se alguém é profissional, sua idade não é importante”, afirmou ele.
Os tanques reformados em que ele e seus colegas treinaram — cada turma é composta por cerca de 50 soldados e seus comandantes — foram levados a Klietz pelos dinamarqueses, que também cofinanciaram a doação dos Leopard 1A5. Outros 132 tanques, incluindo Leopard 1A5 especializados, usados para salvamentos e instrução serão mandados para a Ucrânia no próximo ano.
“A Ucrânia não pode nos ceder os soldados para o treinamento por mais de seis semanas por razões compreensíveis, e nós estamos fazendo o nosso melhor com o tempo de que dispomos”, afirmou o general Marlow.
Isso significa que as equipes de operação de tanques ucranianas treinam seis dias por semana, mas parecem não se importar. “Aqui nós estamos seguros e tudo está calmo”, afirmou Bassist ao sair do tanque, “é disso que as pessoas precisam quando estão aprendendo”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO