O ocaso de Alberto Fernández, o ‘pato manco’ dos pampas, a poucos dias da eleição na Argentina


Atual presidente argentino tem uma agenda limitada a inaugurações e viagens internacionais, longe da campanha de Sergio Massa nas eleições presidenciais

Por Carolina Marins
Atualização:

Quando, em 24 de agosto, a Argentina foi convidada a integrar o bloco do Brics, Alberto Fernández virou piada na internet ao ir a público comemorar para logo desaparecer novamente. A despeito do auge das eleições presidenciais, sua agenda se limita a inaugurações de obras públicas, reuniões com entidades e, às vezes, uma viagem internacional.

No apagar das luzes de seu governo, nem declarações públicas de apoio ao seu candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, pode fazer, por temores de que sua impopularidade acabe com as chances já pequenas de vitória da chapa peronista.

Com 18% de aprovação, Fernández anunciou em 21 de abril que não concorreria à reeleição. Na época, as chances de vitória de sua coalizão, a União pela Pátria (na época Frente de Todos), eram consideradas muito baixas.

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Fernández teve um mandato recheado de insucessos. A reação à pandemia, elogiada no começo do lockdown, foi ganhando críticas conforme o presidente insistia num fechamento quase total do país, que teve uma das quarentenas mais longas do mundo. No ano passado, essa gestão da pandemia sofreu um duro golpe depois de a imprensa local revelar que ele violou as regras do lockdown para celebrar o aniversário da namorada.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante participação na Assembleia Geral da ONU, em 18 de setembro Foto: Caitlin Ochs/Reuters
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Conforme o coronavírus começou a ser controlado, um problema pior se colocou diante de Fernández. A inflação no país começou a crescer vertiginosamente, em meio ao aumento dos gastos públicos e emissão de moeda sem lastro para financiar o déficit. Em 2023, a inflação em 12 meses já supera os três dígitos e há quem fale em hiperinflação.

Fora do páreo político e contagioso para qualquer aliado, Fernández se tornou o que os americanos gostam de chamar de ‘lame duck’ (pato manco, em tradução livre).

Agenda discreta

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Sua atuação como residente da Casa Rosada foi minguando até não atrair mais atenção. Em meio à corrida eleitoral, em que seu candidato amargou um terceiro lugar nas primárias, atrás do libertário Javier Milei e da oposicionista Patricia Bullrich, Fernández passa seus últimos dias visitando reformas de rodovias em San Miguel del Monte, na grande Buenos Aires, e casas populares em construção em Ezeiza junto a seus ministros.

No mesmo dia em que seu ministro da Economia chegava ao Brasil para pedir dólares para seus cofres, o presidente participava de um congresso sobre água em Buenos Aires.

“Depois da pandemia, ele passou a ser um presidente fantasma. Cristina [Kirchner, sua vice-presidente] o cercou e o esvaziou, e essa presidência foi uma verdadeira catástrofe”, afirma Fabian Calle, professor de Ciência Política pela Universidade Católica Argentina (UCA).

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‘O presidente sou eu’

Antes de ser dada a largada para a corrida presidencial, as notícias nos jornais argentinos giravam em torno da relação entre Fernández e Cristina, apontada como distante e até causadora de episódios ansiosos do presidente. Fernández foi convidado pela própria Cristina para encabeçar a chapa ao seu lado, na intenção de vencer Mauricio Macri. Mas a relação logo esfriou. Os dois chegaram a passar dias sem se falar e notícias de bastidor falavam que Fernández chorava quando precisava se reunir com a vice.

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Após o atentado contra Cristina, em que um brasileiro apontou uma arma em sua cabeça e tentou atirar, Fernández decretou feriado nacional para que os argentinos pudessem se manifestar. O ato foi visto como uma tentativa de agradar Cristina. Depois, as atenções se voltaram para os telefonemas e visitas entre os dois mandatários do poder, algo tão raro que virou notícia por si só.

As desavenças com Cristina e seu filho Máximo Kirchner, líder do grupo La Cámpora, chegaram a tal ponto de Fernández demonstrar desconforto abertamente. No início do ano passado, frente a afirmações de que Cristina era quem comandava de fato o país e com o peronismo dividido sobre a renegociação da dívida com o FMI, Fernández subiu o tom e afirmou: “o presidente sou eu, quem decide sou eu”.

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Mas o que era uma presidência ditada por Cristina, se tornou ausente após a chegada de Massa em julho de 2022. “A Argentina vive uma experiência institucional muito heterodoxa e estranha, em que desde que [Massa] assumiu o ministério da Economia no ano passado, o poder de Alberto Fernández se diluiu por completo e hoje é quase uma figura decorativa”, aponta o analista político Pablo Touzon. “Não chega a parecer nem um rei europeu, porque não tem a estatura moral e nem cultural para isso”.

“Funcionalmente, a Argentina preferiu evitar a renúncia de Alberto ou evitar uma situação de acefalia em troca de uma dor de cabeça funcional. Alberto Fernández não renunciou de verdade e manteve o quadro institucional formal, mas a realidade é que já não é presidente”, completa Touzon.

O ministro da Economia Sergio Massa, o presidente Alberto Fernández, e a vice-presidente Cristina Kirchner durante abertura da sessão legislativa de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Acenos a Massa

Em alguns momentos, o presidente sai em defesa de seu candidato. Esta quarta-feira, 4, Fernández reapareceu para comentar sobre o recente escândalo dentro do peronismo que pode prejudicar Massa. Em entrevista à Radio 10, o presidente chamou de lástima o episódio envolvendo o ex-chefe de Governo de Buenos Aires, Martín Insalrraude, flagrado esbanjando luxo com uma modelo na Espanha enquanto os números de pobreza do país batiam os 40%.

Fernández tentou afastar o caso dos demais políticos peronistas: “A verdade é que muitos, inclusive eu, não merecem ser criticados por isso”, disse. Mas mesmo essas ações são tímidas, porque relatos de dentro das campanhas publicados nos jornais argentinos sugerem que o próprio Massa não quer o presidente ao seu lado.

Os indícios estão na própria propaganda eleitoral do candidato na televisão, em que critica Fernández sem citá-lo. A peça publicitária exalta seus próprios feitos enquanto ministro dentro do governo e fala dos potenciais da Argentina frente ao lítio, petróleo e gás, bem como ao esporte. E termina dizendo “Agora, temos alguém”, dando a entender que, antes, não havia ninguém.

“Agora temos alguém. Temos alguém que não tinha motivos para se juntar e tendo a maior dívida, pegou o ferro quente mesmo assim e está negociando com uma faca entre os dentes”, diz a peça de campanha de mais de dois minutos. Ainda que seja parte fundamental do governo, cola os problemas do país ao que está agora, sem citar o presidente ou Cristina Kirchner.

Embora pareça provocação, analistas brincam que não é falsa, afinal, desde que se tornou ministro, é Massa quem toma as decisões importantes, quem negocia com o FMI, pede ajuda financeira a Lula. Desde o ano passado, analistas repetem que “o presidente de fato é Massa”.

“O kirchnerismo e Massa pediram para ele desaparecer”, afirma Calle. “Para o peronismo, Alberto Fernández é um fardo que tem que passar o mais rápido possível, e tem de cuidar para não falar muito para não provocar danos”.

Massa, o último dos peronistas

Atualmente, nem Cristina Kirchner faz aparições muito contundentes e tão pouco faz campanha por Sergio Massa, que não era seu favorito para a corrida. “Massa é o único que restou, tanto para o exercício das funções do Executivo quanto para ser o candidato do peronismo”, aponta Pablo Touzon.

Fernández deixará para o próximo governo uma herança amarga, em que a inflação anual já bateu os 124%, a moeda se desvalorizou acima dos US$ 800, as reservas líquidas do Banco Central são estimadas em um recorde de US$ 10 bilhões negativos e mais de 42% da população se encontra abaixo da linha da pobreza, sendo 60% das crianças.

Foto concedida pela presidência Argentina mostra Sergio Massa e Alberto Fernández sorridentes após um ato público durante campanha em 26 de setembro Foto: Maria Eugenia Cerutti/Presidência da Argentina/EFE

Não à toa, seu governo registra a pior avaliação desde 2001 - ano da histórica crise econômica -, segundo o Índice de Confiança no Governo, promovido pela Escola de Governo da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires.

Em uma escala de 0 a 5, Fernández pontuou no mês de setembro 1,03, 18,5% menos que em agosto. Sua média é de 1,68, a pior das últimas duas décadas. Mas a baixa confiança não foi realidade durante seus quatro anos. No início de 2020, o recém presidente contava com um índice de confiança próximo de 3.

Seu antecessor, Mauricio Macri possui uma média de 2,27 em seus quatro anos, acima dos dois mandatos de Cristina Kirchner (1,71 e 1,83 respectivamente). O ranking, que avalia a confiança a partir dos anos 2000, é liderado por Nestor Kirchner, com 2,49.

Quando, em 24 de agosto, a Argentina foi convidada a integrar o bloco do Brics, Alberto Fernández virou piada na internet ao ir a público comemorar para logo desaparecer novamente. A despeito do auge das eleições presidenciais, sua agenda se limita a inaugurações de obras públicas, reuniões com entidades e, às vezes, uma viagem internacional.

No apagar das luzes de seu governo, nem declarações públicas de apoio ao seu candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, pode fazer, por temores de que sua impopularidade acabe com as chances já pequenas de vitória da chapa peronista.

Com 18% de aprovação, Fernández anunciou em 21 de abril que não concorreria à reeleição. Na época, as chances de vitória de sua coalizão, a União pela Pátria (na época Frente de Todos), eram consideradas muito baixas.

Fernández teve um mandato recheado de insucessos. A reação à pandemia, elogiada no começo do lockdown, foi ganhando críticas conforme o presidente insistia num fechamento quase total do país, que teve uma das quarentenas mais longas do mundo. No ano passado, essa gestão da pandemia sofreu um duro golpe depois de a imprensa local revelar que ele violou as regras do lockdown para celebrar o aniversário da namorada.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante participação na Assembleia Geral da ONU, em 18 de setembro Foto: Caitlin Ochs/Reuters

Conforme o coronavírus começou a ser controlado, um problema pior se colocou diante de Fernández. A inflação no país começou a crescer vertiginosamente, em meio ao aumento dos gastos públicos e emissão de moeda sem lastro para financiar o déficit. Em 2023, a inflação em 12 meses já supera os três dígitos e há quem fale em hiperinflação.

Fora do páreo político e contagioso para qualquer aliado, Fernández se tornou o que os americanos gostam de chamar de ‘lame duck’ (pato manco, em tradução livre).

Agenda discreta

Sua atuação como residente da Casa Rosada foi minguando até não atrair mais atenção. Em meio à corrida eleitoral, em que seu candidato amargou um terceiro lugar nas primárias, atrás do libertário Javier Milei e da oposicionista Patricia Bullrich, Fernández passa seus últimos dias visitando reformas de rodovias em San Miguel del Monte, na grande Buenos Aires, e casas populares em construção em Ezeiza junto a seus ministros.

No mesmo dia em que seu ministro da Economia chegava ao Brasil para pedir dólares para seus cofres, o presidente participava de um congresso sobre água em Buenos Aires.

“Depois da pandemia, ele passou a ser um presidente fantasma. Cristina [Kirchner, sua vice-presidente] o cercou e o esvaziou, e essa presidência foi uma verdadeira catástrofe”, afirma Fabian Calle, professor de Ciência Política pela Universidade Católica Argentina (UCA).

‘O presidente sou eu’

Antes de ser dada a largada para a corrida presidencial, as notícias nos jornais argentinos giravam em torno da relação entre Fernández e Cristina, apontada como distante e até causadora de episódios ansiosos do presidente. Fernández foi convidado pela própria Cristina para encabeçar a chapa ao seu lado, na intenção de vencer Mauricio Macri. Mas a relação logo esfriou. Os dois chegaram a passar dias sem se falar e notícias de bastidor falavam que Fernández chorava quando precisava se reunir com a vice.

Após o atentado contra Cristina, em que um brasileiro apontou uma arma em sua cabeça e tentou atirar, Fernández decretou feriado nacional para que os argentinos pudessem se manifestar. O ato foi visto como uma tentativa de agradar Cristina. Depois, as atenções se voltaram para os telefonemas e visitas entre os dois mandatários do poder, algo tão raro que virou notícia por si só.

As desavenças com Cristina e seu filho Máximo Kirchner, líder do grupo La Cámpora, chegaram a tal ponto de Fernández demonstrar desconforto abertamente. No início do ano passado, frente a afirmações de que Cristina era quem comandava de fato o país e com o peronismo dividido sobre a renegociação da dívida com o FMI, Fernández subiu o tom e afirmou: “o presidente sou eu, quem decide sou eu”.

Mas o que era uma presidência ditada por Cristina, se tornou ausente após a chegada de Massa em julho de 2022. “A Argentina vive uma experiência institucional muito heterodoxa e estranha, em que desde que [Massa] assumiu o ministério da Economia no ano passado, o poder de Alberto Fernández se diluiu por completo e hoje é quase uma figura decorativa”, aponta o analista político Pablo Touzon. “Não chega a parecer nem um rei europeu, porque não tem a estatura moral e nem cultural para isso”.

“Funcionalmente, a Argentina preferiu evitar a renúncia de Alberto ou evitar uma situação de acefalia em troca de uma dor de cabeça funcional. Alberto Fernández não renunciou de verdade e manteve o quadro institucional formal, mas a realidade é que já não é presidente”, completa Touzon.

O ministro da Economia Sergio Massa, o presidente Alberto Fernández, e a vice-presidente Cristina Kirchner durante abertura da sessão legislativa de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Acenos a Massa

Em alguns momentos, o presidente sai em defesa de seu candidato. Esta quarta-feira, 4, Fernández reapareceu para comentar sobre o recente escândalo dentro do peronismo que pode prejudicar Massa. Em entrevista à Radio 10, o presidente chamou de lástima o episódio envolvendo o ex-chefe de Governo de Buenos Aires, Martín Insalrraude, flagrado esbanjando luxo com uma modelo na Espanha enquanto os números de pobreza do país batiam os 40%.

Fernández tentou afastar o caso dos demais políticos peronistas: “A verdade é que muitos, inclusive eu, não merecem ser criticados por isso”, disse. Mas mesmo essas ações são tímidas, porque relatos de dentro das campanhas publicados nos jornais argentinos sugerem que o próprio Massa não quer o presidente ao seu lado.

Os indícios estão na própria propaganda eleitoral do candidato na televisão, em que critica Fernández sem citá-lo. A peça publicitária exalta seus próprios feitos enquanto ministro dentro do governo e fala dos potenciais da Argentina frente ao lítio, petróleo e gás, bem como ao esporte. E termina dizendo “Agora, temos alguém”, dando a entender que, antes, não havia ninguém.

“Agora temos alguém. Temos alguém que não tinha motivos para se juntar e tendo a maior dívida, pegou o ferro quente mesmo assim e está negociando com uma faca entre os dentes”, diz a peça de campanha de mais de dois minutos. Ainda que seja parte fundamental do governo, cola os problemas do país ao que está agora, sem citar o presidente ou Cristina Kirchner.

Embora pareça provocação, analistas brincam que não é falsa, afinal, desde que se tornou ministro, é Massa quem toma as decisões importantes, quem negocia com o FMI, pede ajuda financeira a Lula. Desde o ano passado, analistas repetem que “o presidente de fato é Massa”.

“O kirchnerismo e Massa pediram para ele desaparecer”, afirma Calle. “Para o peronismo, Alberto Fernández é um fardo que tem que passar o mais rápido possível, e tem de cuidar para não falar muito para não provocar danos”.

Massa, o último dos peronistas

Atualmente, nem Cristina Kirchner faz aparições muito contundentes e tão pouco faz campanha por Sergio Massa, que não era seu favorito para a corrida. “Massa é o único que restou, tanto para o exercício das funções do Executivo quanto para ser o candidato do peronismo”, aponta Pablo Touzon.

Fernández deixará para o próximo governo uma herança amarga, em que a inflação anual já bateu os 124%, a moeda se desvalorizou acima dos US$ 800, as reservas líquidas do Banco Central são estimadas em um recorde de US$ 10 bilhões negativos e mais de 42% da população se encontra abaixo da linha da pobreza, sendo 60% das crianças.

Foto concedida pela presidência Argentina mostra Sergio Massa e Alberto Fernández sorridentes após um ato público durante campanha em 26 de setembro Foto: Maria Eugenia Cerutti/Presidência da Argentina/EFE

Não à toa, seu governo registra a pior avaliação desde 2001 - ano da histórica crise econômica -, segundo o Índice de Confiança no Governo, promovido pela Escola de Governo da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires.

Em uma escala de 0 a 5, Fernández pontuou no mês de setembro 1,03, 18,5% menos que em agosto. Sua média é de 1,68, a pior das últimas duas décadas. Mas a baixa confiança não foi realidade durante seus quatro anos. No início de 2020, o recém presidente contava com um índice de confiança próximo de 3.

Seu antecessor, Mauricio Macri possui uma média de 2,27 em seus quatro anos, acima dos dois mandatos de Cristina Kirchner (1,71 e 1,83 respectivamente). O ranking, que avalia a confiança a partir dos anos 2000, é liderado por Nestor Kirchner, com 2,49.

Quando, em 24 de agosto, a Argentina foi convidada a integrar o bloco do Brics, Alberto Fernández virou piada na internet ao ir a público comemorar para logo desaparecer novamente. A despeito do auge das eleições presidenciais, sua agenda se limita a inaugurações de obras públicas, reuniões com entidades e, às vezes, uma viagem internacional.

No apagar das luzes de seu governo, nem declarações públicas de apoio ao seu candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, pode fazer, por temores de que sua impopularidade acabe com as chances já pequenas de vitória da chapa peronista.

Com 18% de aprovação, Fernández anunciou em 21 de abril que não concorreria à reeleição. Na época, as chances de vitória de sua coalizão, a União pela Pátria (na época Frente de Todos), eram consideradas muito baixas.

Fernández teve um mandato recheado de insucessos. A reação à pandemia, elogiada no começo do lockdown, foi ganhando críticas conforme o presidente insistia num fechamento quase total do país, que teve uma das quarentenas mais longas do mundo. No ano passado, essa gestão da pandemia sofreu um duro golpe depois de a imprensa local revelar que ele violou as regras do lockdown para celebrar o aniversário da namorada.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante participação na Assembleia Geral da ONU, em 18 de setembro Foto: Caitlin Ochs/Reuters

Conforme o coronavírus começou a ser controlado, um problema pior se colocou diante de Fernández. A inflação no país começou a crescer vertiginosamente, em meio ao aumento dos gastos públicos e emissão de moeda sem lastro para financiar o déficit. Em 2023, a inflação em 12 meses já supera os três dígitos e há quem fale em hiperinflação.

Fora do páreo político e contagioso para qualquer aliado, Fernández se tornou o que os americanos gostam de chamar de ‘lame duck’ (pato manco, em tradução livre).

Agenda discreta

Sua atuação como residente da Casa Rosada foi minguando até não atrair mais atenção. Em meio à corrida eleitoral, em que seu candidato amargou um terceiro lugar nas primárias, atrás do libertário Javier Milei e da oposicionista Patricia Bullrich, Fernández passa seus últimos dias visitando reformas de rodovias em San Miguel del Monte, na grande Buenos Aires, e casas populares em construção em Ezeiza junto a seus ministros.

No mesmo dia em que seu ministro da Economia chegava ao Brasil para pedir dólares para seus cofres, o presidente participava de um congresso sobre água em Buenos Aires.

“Depois da pandemia, ele passou a ser um presidente fantasma. Cristina [Kirchner, sua vice-presidente] o cercou e o esvaziou, e essa presidência foi uma verdadeira catástrofe”, afirma Fabian Calle, professor de Ciência Política pela Universidade Católica Argentina (UCA).

‘O presidente sou eu’

Antes de ser dada a largada para a corrida presidencial, as notícias nos jornais argentinos giravam em torno da relação entre Fernández e Cristina, apontada como distante e até causadora de episódios ansiosos do presidente. Fernández foi convidado pela própria Cristina para encabeçar a chapa ao seu lado, na intenção de vencer Mauricio Macri. Mas a relação logo esfriou. Os dois chegaram a passar dias sem se falar e notícias de bastidor falavam que Fernández chorava quando precisava se reunir com a vice.

Após o atentado contra Cristina, em que um brasileiro apontou uma arma em sua cabeça e tentou atirar, Fernández decretou feriado nacional para que os argentinos pudessem se manifestar. O ato foi visto como uma tentativa de agradar Cristina. Depois, as atenções se voltaram para os telefonemas e visitas entre os dois mandatários do poder, algo tão raro que virou notícia por si só.

As desavenças com Cristina e seu filho Máximo Kirchner, líder do grupo La Cámpora, chegaram a tal ponto de Fernández demonstrar desconforto abertamente. No início do ano passado, frente a afirmações de que Cristina era quem comandava de fato o país e com o peronismo dividido sobre a renegociação da dívida com o FMI, Fernández subiu o tom e afirmou: “o presidente sou eu, quem decide sou eu”.

Mas o que era uma presidência ditada por Cristina, se tornou ausente após a chegada de Massa em julho de 2022. “A Argentina vive uma experiência institucional muito heterodoxa e estranha, em que desde que [Massa] assumiu o ministério da Economia no ano passado, o poder de Alberto Fernández se diluiu por completo e hoje é quase uma figura decorativa”, aponta o analista político Pablo Touzon. “Não chega a parecer nem um rei europeu, porque não tem a estatura moral e nem cultural para isso”.

“Funcionalmente, a Argentina preferiu evitar a renúncia de Alberto ou evitar uma situação de acefalia em troca de uma dor de cabeça funcional. Alberto Fernández não renunciou de verdade e manteve o quadro institucional formal, mas a realidade é que já não é presidente”, completa Touzon.

O ministro da Economia Sergio Massa, o presidente Alberto Fernández, e a vice-presidente Cristina Kirchner durante abertura da sessão legislativa de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Acenos a Massa

Em alguns momentos, o presidente sai em defesa de seu candidato. Esta quarta-feira, 4, Fernández reapareceu para comentar sobre o recente escândalo dentro do peronismo que pode prejudicar Massa. Em entrevista à Radio 10, o presidente chamou de lástima o episódio envolvendo o ex-chefe de Governo de Buenos Aires, Martín Insalrraude, flagrado esbanjando luxo com uma modelo na Espanha enquanto os números de pobreza do país batiam os 40%.

Fernández tentou afastar o caso dos demais políticos peronistas: “A verdade é que muitos, inclusive eu, não merecem ser criticados por isso”, disse. Mas mesmo essas ações são tímidas, porque relatos de dentro das campanhas publicados nos jornais argentinos sugerem que o próprio Massa não quer o presidente ao seu lado.

Os indícios estão na própria propaganda eleitoral do candidato na televisão, em que critica Fernández sem citá-lo. A peça publicitária exalta seus próprios feitos enquanto ministro dentro do governo e fala dos potenciais da Argentina frente ao lítio, petróleo e gás, bem como ao esporte. E termina dizendo “Agora, temos alguém”, dando a entender que, antes, não havia ninguém.

“Agora temos alguém. Temos alguém que não tinha motivos para se juntar e tendo a maior dívida, pegou o ferro quente mesmo assim e está negociando com uma faca entre os dentes”, diz a peça de campanha de mais de dois minutos. Ainda que seja parte fundamental do governo, cola os problemas do país ao que está agora, sem citar o presidente ou Cristina Kirchner.

Embora pareça provocação, analistas brincam que não é falsa, afinal, desde que se tornou ministro, é Massa quem toma as decisões importantes, quem negocia com o FMI, pede ajuda financeira a Lula. Desde o ano passado, analistas repetem que “o presidente de fato é Massa”.

“O kirchnerismo e Massa pediram para ele desaparecer”, afirma Calle. “Para o peronismo, Alberto Fernández é um fardo que tem que passar o mais rápido possível, e tem de cuidar para não falar muito para não provocar danos”.

Massa, o último dos peronistas

Atualmente, nem Cristina Kirchner faz aparições muito contundentes e tão pouco faz campanha por Sergio Massa, que não era seu favorito para a corrida. “Massa é o único que restou, tanto para o exercício das funções do Executivo quanto para ser o candidato do peronismo”, aponta Pablo Touzon.

Fernández deixará para o próximo governo uma herança amarga, em que a inflação anual já bateu os 124%, a moeda se desvalorizou acima dos US$ 800, as reservas líquidas do Banco Central são estimadas em um recorde de US$ 10 bilhões negativos e mais de 42% da população se encontra abaixo da linha da pobreza, sendo 60% das crianças.

Foto concedida pela presidência Argentina mostra Sergio Massa e Alberto Fernández sorridentes após um ato público durante campanha em 26 de setembro Foto: Maria Eugenia Cerutti/Presidência da Argentina/EFE

Não à toa, seu governo registra a pior avaliação desde 2001 - ano da histórica crise econômica -, segundo o Índice de Confiança no Governo, promovido pela Escola de Governo da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires.

Em uma escala de 0 a 5, Fernández pontuou no mês de setembro 1,03, 18,5% menos que em agosto. Sua média é de 1,68, a pior das últimas duas décadas. Mas a baixa confiança não foi realidade durante seus quatro anos. No início de 2020, o recém presidente contava com um índice de confiança próximo de 3.

Seu antecessor, Mauricio Macri possui uma média de 2,27 em seus quatro anos, acima dos dois mandatos de Cristina Kirchner (1,71 e 1,83 respectivamente). O ranking, que avalia a confiança a partir dos anos 2000, é liderado por Nestor Kirchner, com 2,49.

Quando, em 24 de agosto, a Argentina foi convidada a integrar o bloco do Brics, Alberto Fernández virou piada na internet ao ir a público comemorar para logo desaparecer novamente. A despeito do auge das eleições presidenciais, sua agenda se limita a inaugurações de obras públicas, reuniões com entidades e, às vezes, uma viagem internacional.

No apagar das luzes de seu governo, nem declarações públicas de apoio ao seu candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, pode fazer, por temores de que sua impopularidade acabe com as chances já pequenas de vitória da chapa peronista.

Com 18% de aprovação, Fernández anunciou em 21 de abril que não concorreria à reeleição. Na época, as chances de vitória de sua coalizão, a União pela Pátria (na época Frente de Todos), eram consideradas muito baixas.

Fernández teve um mandato recheado de insucessos. A reação à pandemia, elogiada no começo do lockdown, foi ganhando críticas conforme o presidente insistia num fechamento quase total do país, que teve uma das quarentenas mais longas do mundo. No ano passado, essa gestão da pandemia sofreu um duro golpe depois de a imprensa local revelar que ele violou as regras do lockdown para celebrar o aniversário da namorada.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante participação na Assembleia Geral da ONU, em 18 de setembro Foto: Caitlin Ochs/Reuters

Conforme o coronavírus começou a ser controlado, um problema pior se colocou diante de Fernández. A inflação no país começou a crescer vertiginosamente, em meio ao aumento dos gastos públicos e emissão de moeda sem lastro para financiar o déficit. Em 2023, a inflação em 12 meses já supera os três dígitos e há quem fale em hiperinflação.

Fora do páreo político e contagioso para qualquer aliado, Fernández se tornou o que os americanos gostam de chamar de ‘lame duck’ (pato manco, em tradução livre).

Agenda discreta

Sua atuação como residente da Casa Rosada foi minguando até não atrair mais atenção. Em meio à corrida eleitoral, em que seu candidato amargou um terceiro lugar nas primárias, atrás do libertário Javier Milei e da oposicionista Patricia Bullrich, Fernández passa seus últimos dias visitando reformas de rodovias em San Miguel del Monte, na grande Buenos Aires, e casas populares em construção em Ezeiza junto a seus ministros.

No mesmo dia em que seu ministro da Economia chegava ao Brasil para pedir dólares para seus cofres, o presidente participava de um congresso sobre água em Buenos Aires.

“Depois da pandemia, ele passou a ser um presidente fantasma. Cristina [Kirchner, sua vice-presidente] o cercou e o esvaziou, e essa presidência foi uma verdadeira catástrofe”, afirma Fabian Calle, professor de Ciência Política pela Universidade Católica Argentina (UCA).

‘O presidente sou eu’

Antes de ser dada a largada para a corrida presidencial, as notícias nos jornais argentinos giravam em torno da relação entre Fernández e Cristina, apontada como distante e até causadora de episódios ansiosos do presidente. Fernández foi convidado pela própria Cristina para encabeçar a chapa ao seu lado, na intenção de vencer Mauricio Macri. Mas a relação logo esfriou. Os dois chegaram a passar dias sem se falar e notícias de bastidor falavam que Fernández chorava quando precisava se reunir com a vice.

Após o atentado contra Cristina, em que um brasileiro apontou uma arma em sua cabeça e tentou atirar, Fernández decretou feriado nacional para que os argentinos pudessem se manifestar. O ato foi visto como uma tentativa de agradar Cristina. Depois, as atenções se voltaram para os telefonemas e visitas entre os dois mandatários do poder, algo tão raro que virou notícia por si só.

As desavenças com Cristina e seu filho Máximo Kirchner, líder do grupo La Cámpora, chegaram a tal ponto de Fernández demonstrar desconforto abertamente. No início do ano passado, frente a afirmações de que Cristina era quem comandava de fato o país e com o peronismo dividido sobre a renegociação da dívida com o FMI, Fernández subiu o tom e afirmou: “o presidente sou eu, quem decide sou eu”.

Mas o que era uma presidência ditada por Cristina, se tornou ausente após a chegada de Massa em julho de 2022. “A Argentina vive uma experiência institucional muito heterodoxa e estranha, em que desde que [Massa] assumiu o ministério da Economia no ano passado, o poder de Alberto Fernández se diluiu por completo e hoje é quase uma figura decorativa”, aponta o analista político Pablo Touzon. “Não chega a parecer nem um rei europeu, porque não tem a estatura moral e nem cultural para isso”.

“Funcionalmente, a Argentina preferiu evitar a renúncia de Alberto ou evitar uma situação de acefalia em troca de uma dor de cabeça funcional. Alberto Fernández não renunciou de verdade e manteve o quadro institucional formal, mas a realidade é que já não é presidente”, completa Touzon.

O ministro da Economia Sergio Massa, o presidente Alberto Fernández, e a vice-presidente Cristina Kirchner durante abertura da sessão legislativa de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Acenos a Massa

Em alguns momentos, o presidente sai em defesa de seu candidato. Esta quarta-feira, 4, Fernández reapareceu para comentar sobre o recente escândalo dentro do peronismo que pode prejudicar Massa. Em entrevista à Radio 10, o presidente chamou de lástima o episódio envolvendo o ex-chefe de Governo de Buenos Aires, Martín Insalrraude, flagrado esbanjando luxo com uma modelo na Espanha enquanto os números de pobreza do país batiam os 40%.

Fernández tentou afastar o caso dos demais políticos peronistas: “A verdade é que muitos, inclusive eu, não merecem ser criticados por isso”, disse. Mas mesmo essas ações são tímidas, porque relatos de dentro das campanhas publicados nos jornais argentinos sugerem que o próprio Massa não quer o presidente ao seu lado.

Os indícios estão na própria propaganda eleitoral do candidato na televisão, em que critica Fernández sem citá-lo. A peça publicitária exalta seus próprios feitos enquanto ministro dentro do governo e fala dos potenciais da Argentina frente ao lítio, petróleo e gás, bem como ao esporte. E termina dizendo “Agora, temos alguém”, dando a entender que, antes, não havia ninguém.

“Agora temos alguém. Temos alguém que não tinha motivos para se juntar e tendo a maior dívida, pegou o ferro quente mesmo assim e está negociando com uma faca entre os dentes”, diz a peça de campanha de mais de dois minutos. Ainda que seja parte fundamental do governo, cola os problemas do país ao que está agora, sem citar o presidente ou Cristina Kirchner.

Embora pareça provocação, analistas brincam que não é falsa, afinal, desde que se tornou ministro, é Massa quem toma as decisões importantes, quem negocia com o FMI, pede ajuda financeira a Lula. Desde o ano passado, analistas repetem que “o presidente de fato é Massa”.

“O kirchnerismo e Massa pediram para ele desaparecer”, afirma Calle. “Para o peronismo, Alberto Fernández é um fardo que tem que passar o mais rápido possível, e tem de cuidar para não falar muito para não provocar danos”.

Massa, o último dos peronistas

Atualmente, nem Cristina Kirchner faz aparições muito contundentes e tão pouco faz campanha por Sergio Massa, que não era seu favorito para a corrida. “Massa é o único que restou, tanto para o exercício das funções do Executivo quanto para ser o candidato do peronismo”, aponta Pablo Touzon.

Fernández deixará para o próximo governo uma herança amarga, em que a inflação anual já bateu os 124%, a moeda se desvalorizou acima dos US$ 800, as reservas líquidas do Banco Central são estimadas em um recorde de US$ 10 bilhões negativos e mais de 42% da população se encontra abaixo da linha da pobreza, sendo 60% das crianças.

Foto concedida pela presidência Argentina mostra Sergio Massa e Alberto Fernández sorridentes após um ato público durante campanha em 26 de setembro Foto: Maria Eugenia Cerutti/Presidência da Argentina/EFE

Não à toa, seu governo registra a pior avaliação desde 2001 - ano da histórica crise econômica -, segundo o Índice de Confiança no Governo, promovido pela Escola de Governo da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires.

Em uma escala de 0 a 5, Fernández pontuou no mês de setembro 1,03, 18,5% menos que em agosto. Sua média é de 1,68, a pior das últimas duas décadas. Mas a baixa confiança não foi realidade durante seus quatro anos. No início de 2020, o recém presidente contava com um índice de confiança próximo de 3.

Seu antecessor, Mauricio Macri possui uma média de 2,27 em seus quatro anos, acima dos dois mandatos de Cristina Kirchner (1,71 e 1,83 respectivamente). O ranking, que avalia a confiança a partir dos anos 2000, é liderado por Nestor Kirchner, com 2,49.

Quando, em 24 de agosto, a Argentina foi convidada a integrar o bloco do Brics, Alberto Fernández virou piada na internet ao ir a público comemorar para logo desaparecer novamente. A despeito do auge das eleições presidenciais, sua agenda se limita a inaugurações de obras públicas, reuniões com entidades e, às vezes, uma viagem internacional.

No apagar das luzes de seu governo, nem declarações públicas de apoio ao seu candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, pode fazer, por temores de que sua impopularidade acabe com as chances já pequenas de vitória da chapa peronista.

Com 18% de aprovação, Fernández anunciou em 21 de abril que não concorreria à reeleição. Na época, as chances de vitória de sua coalizão, a União pela Pátria (na época Frente de Todos), eram consideradas muito baixas.

Fernández teve um mandato recheado de insucessos. A reação à pandemia, elogiada no começo do lockdown, foi ganhando críticas conforme o presidente insistia num fechamento quase total do país, que teve uma das quarentenas mais longas do mundo. No ano passado, essa gestão da pandemia sofreu um duro golpe depois de a imprensa local revelar que ele violou as regras do lockdown para celebrar o aniversário da namorada.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante participação na Assembleia Geral da ONU, em 18 de setembro Foto: Caitlin Ochs/Reuters

Conforme o coronavírus começou a ser controlado, um problema pior se colocou diante de Fernández. A inflação no país começou a crescer vertiginosamente, em meio ao aumento dos gastos públicos e emissão de moeda sem lastro para financiar o déficit. Em 2023, a inflação em 12 meses já supera os três dígitos e há quem fale em hiperinflação.

Fora do páreo político e contagioso para qualquer aliado, Fernández se tornou o que os americanos gostam de chamar de ‘lame duck’ (pato manco, em tradução livre).

Agenda discreta

Sua atuação como residente da Casa Rosada foi minguando até não atrair mais atenção. Em meio à corrida eleitoral, em que seu candidato amargou um terceiro lugar nas primárias, atrás do libertário Javier Milei e da oposicionista Patricia Bullrich, Fernández passa seus últimos dias visitando reformas de rodovias em San Miguel del Monte, na grande Buenos Aires, e casas populares em construção em Ezeiza junto a seus ministros.

No mesmo dia em que seu ministro da Economia chegava ao Brasil para pedir dólares para seus cofres, o presidente participava de um congresso sobre água em Buenos Aires.

“Depois da pandemia, ele passou a ser um presidente fantasma. Cristina [Kirchner, sua vice-presidente] o cercou e o esvaziou, e essa presidência foi uma verdadeira catástrofe”, afirma Fabian Calle, professor de Ciência Política pela Universidade Católica Argentina (UCA).

‘O presidente sou eu’

Antes de ser dada a largada para a corrida presidencial, as notícias nos jornais argentinos giravam em torno da relação entre Fernández e Cristina, apontada como distante e até causadora de episódios ansiosos do presidente. Fernández foi convidado pela própria Cristina para encabeçar a chapa ao seu lado, na intenção de vencer Mauricio Macri. Mas a relação logo esfriou. Os dois chegaram a passar dias sem se falar e notícias de bastidor falavam que Fernández chorava quando precisava se reunir com a vice.

Após o atentado contra Cristina, em que um brasileiro apontou uma arma em sua cabeça e tentou atirar, Fernández decretou feriado nacional para que os argentinos pudessem se manifestar. O ato foi visto como uma tentativa de agradar Cristina. Depois, as atenções se voltaram para os telefonemas e visitas entre os dois mandatários do poder, algo tão raro que virou notícia por si só.

As desavenças com Cristina e seu filho Máximo Kirchner, líder do grupo La Cámpora, chegaram a tal ponto de Fernández demonstrar desconforto abertamente. No início do ano passado, frente a afirmações de que Cristina era quem comandava de fato o país e com o peronismo dividido sobre a renegociação da dívida com o FMI, Fernández subiu o tom e afirmou: “o presidente sou eu, quem decide sou eu”.

Mas o que era uma presidência ditada por Cristina, se tornou ausente após a chegada de Massa em julho de 2022. “A Argentina vive uma experiência institucional muito heterodoxa e estranha, em que desde que [Massa] assumiu o ministério da Economia no ano passado, o poder de Alberto Fernández se diluiu por completo e hoje é quase uma figura decorativa”, aponta o analista político Pablo Touzon. “Não chega a parecer nem um rei europeu, porque não tem a estatura moral e nem cultural para isso”.

“Funcionalmente, a Argentina preferiu evitar a renúncia de Alberto ou evitar uma situação de acefalia em troca de uma dor de cabeça funcional. Alberto Fernández não renunciou de verdade e manteve o quadro institucional formal, mas a realidade é que já não é presidente”, completa Touzon.

O ministro da Economia Sergio Massa, o presidente Alberto Fernández, e a vice-presidente Cristina Kirchner durante abertura da sessão legislativa de 2022 Foto: Juan Ignacio Roncoroni/Reuters

Acenos a Massa

Em alguns momentos, o presidente sai em defesa de seu candidato. Esta quarta-feira, 4, Fernández reapareceu para comentar sobre o recente escândalo dentro do peronismo que pode prejudicar Massa. Em entrevista à Radio 10, o presidente chamou de lástima o episódio envolvendo o ex-chefe de Governo de Buenos Aires, Martín Insalrraude, flagrado esbanjando luxo com uma modelo na Espanha enquanto os números de pobreza do país batiam os 40%.

Fernández tentou afastar o caso dos demais políticos peronistas: “A verdade é que muitos, inclusive eu, não merecem ser criticados por isso”, disse. Mas mesmo essas ações são tímidas, porque relatos de dentro das campanhas publicados nos jornais argentinos sugerem que o próprio Massa não quer o presidente ao seu lado.

Os indícios estão na própria propaganda eleitoral do candidato na televisão, em que critica Fernández sem citá-lo. A peça publicitária exalta seus próprios feitos enquanto ministro dentro do governo e fala dos potenciais da Argentina frente ao lítio, petróleo e gás, bem como ao esporte. E termina dizendo “Agora, temos alguém”, dando a entender que, antes, não havia ninguém.

“Agora temos alguém. Temos alguém que não tinha motivos para se juntar e tendo a maior dívida, pegou o ferro quente mesmo assim e está negociando com uma faca entre os dentes”, diz a peça de campanha de mais de dois minutos. Ainda que seja parte fundamental do governo, cola os problemas do país ao que está agora, sem citar o presidente ou Cristina Kirchner.

Embora pareça provocação, analistas brincam que não é falsa, afinal, desde que se tornou ministro, é Massa quem toma as decisões importantes, quem negocia com o FMI, pede ajuda financeira a Lula. Desde o ano passado, analistas repetem que “o presidente de fato é Massa”.

“O kirchnerismo e Massa pediram para ele desaparecer”, afirma Calle. “Para o peronismo, Alberto Fernández é um fardo que tem que passar o mais rápido possível, e tem de cuidar para não falar muito para não provocar danos”.

Massa, o último dos peronistas

Atualmente, nem Cristina Kirchner faz aparições muito contundentes e tão pouco faz campanha por Sergio Massa, que não era seu favorito para a corrida. “Massa é o único que restou, tanto para o exercício das funções do Executivo quanto para ser o candidato do peronismo”, aponta Pablo Touzon.

Fernández deixará para o próximo governo uma herança amarga, em que a inflação anual já bateu os 124%, a moeda se desvalorizou acima dos US$ 800, as reservas líquidas do Banco Central são estimadas em um recorde de US$ 10 bilhões negativos e mais de 42% da população se encontra abaixo da linha da pobreza, sendo 60% das crianças.

Foto concedida pela presidência Argentina mostra Sergio Massa e Alberto Fernández sorridentes após um ato público durante campanha em 26 de setembro Foto: Maria Eugenia Cerutti/Presidência da Argentina/EFE

Não à toa, seu governo registra a pior avaliação desde 2001 - ano da histórica crise econômica -, segundo o Índice de Confiança no Governo, promovido pela Escola de Governo da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires.

Em uma escala de 0 a 5, Fernández pontuou no mês de setembro 1,03, 18,5% menos que em agosto. Sua média é de 1,68, a pior das últimas duas décadas. Mas a baixa confiança não foi realidade durante seus quatro anos. No início de 2020, o recém presidente contava com um índice de confiança próximo de 3.

Seu antecessor, Mauricio Macri possui uma média de 2,27 em seus quatro anos, acima dos dois mandatos de Cristina Kirchner (1,71 e 1,83 respectivamente). O ranking, que avalia a confiança a partir dos anos 2000, é liderado por Nestor Kirchner, com 2,49.

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