‘O problema da dissuasão nuclear é que basta ela falhar uma vez’; leia entrevista


Para diplomata especialista em desarmamento, período é o mais crítico desde crise dos mísseis

Por Renata Tranches

A ordem do presidente russo, Vladimir Putin, para que as forças nucleares fossem colocadas em alerta máximo expôs uma retórica assustadora no período mais grave de conflagração com o uso dessas armas desde a crise dos mísseis, segundo o diplomata brasileiro Sérgio de Queiroz Duarte, que foi alto-representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. "Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável."

Em entrevista ao Estadão, ele explica que as duas grandes potências nucleares -- EUA e Rússia -- parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais e não mostram disposição para propor novas medidas. Esse comportamento, diz o diplomata que é presidente da organização internacional de luta contra as armas nucleares Pugwash, ganhadora do Nobel da Paz de 1995, encoraja líderes e correntes políticas mais radicais de que a opção nuclear oferece vantagens.

Como o anúncio de Putin muda a dinâmica entre as superpotências nucleares?

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O recente anúncio de Putin suscita grave preocupação, sobretudo nos países europeus, mais diretamente ameaçados por um conflito nuclear. Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável. Na verdade, as duas principais potências, assim como outros países possuidores dessas armas, já mantinham suas forças nucleares em elevado nível de alerta, mas agora a retórica é mais direta e assustadora. O que parece ter mudado com a atitude do presidente Putin é o tom das ameaças, que agora são menos genéricas e dirigidas contra países específicos. A lógica da dissuasão obriga a estar sempre preparado para retaliar contra uma agressão de fato ou mesmo potencial, a fim de evitar que a agressão se concretize. Como já disseram inúmeros analistas na era nuclear, o problema da dissuasão nuclear é que ela somente pode falhar uma vez.

Refugiada ucraniana abraça criança em campo em Przemysl, na Polônia , em 28 de fevereiro Foto: Yara Nardi/Reuters

Como o sr. analisa este grave momento de tensão envolvendo ameaças de uma superpotência nuclear?

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Desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o mundo não se via em perigo tão grave de uma conflagração com o uso de armas nucleares como agora. Os líderes mundiais precisam ter bom senso e comedimento para reduzir as tensões. Infelizmente, o bom senso parece esgotar-se rapidamente. Em junho passado, os presidentes Biden e Putin concordaram sobre a necessidade de assegurar previsibilidade na esfera estratégica, reduzindo o risco de conflitos armados e a ameaça de uma guerra nuclear. Os dois presidentes declararam conjuntamente que “uma guerra nuclear não terá vencedores e jamais deve ser travada” e se comprometeram em iniciar um diálogo estratégico bilateral a fim de lançar as bases de medidas futuras de controle de armamentos e redução de risco. Esse propósito já deveria ter tido seguimento desde o ano passado, mas não houve qualquer progresso na direção anunciada; ao contrário, a situação se deteriorou em poucos meses. Somente a retomada do diálogo e negociação poderá operar uma mudança na situação atual. A opinião pública tem um papel fundamental a desempenhar, ajudando atrazer de volta a sanidade ao relacionamento entre os poderosos.

Na sua opinião, como isso afetará daqui para frente as negociações sobre desmantelamento de arsenais nucleares?

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O tratado Novo START, de 2009, estabeleceu limites a ogivas e vetores nucleares dos Estados Unidos e Rússia. Em consequência, certo número de armas foram desmanteladas, mas as que ainda existem, em posição de disparo ou armazenadas, são mais do que suficientes para extinguir a vida no planeta e a civilização como a conhecemos. Desde aquela época não houve continuação dos entendimentos para reduzir ainda mais os estoques e para incluir outros países nucleares nas negociações. Nas circunstâncias atuais parece muito difícil que essas negociações possam ser retomadas em um futuro próximo. Existem hoje no mundo aproximadamente 13 mil armas nucleares, das quais cerca de 95% estão nas mãos da Rússia e Estados Unidos.

Em 2019, o sr. alertou sobre o risco de uma nova Guerra Fria e que a relação entre Rússia e EUA estava se deteriorando. Aquele período, sob a administração Trump, poderia ter sido melhor gerenciado e ajudado a evitar o atual cenário internacional?

As duas grandes potências parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais que já não vigoram e não parecem dispostas a propor novas medidas. A maioria desses acordos foi abandonada durante o mais recente período presidencial nos Estados Unidos. É difícil raciocinar sobre hipóteses e não se pode dizer o que poderia ter acontecido em circunstâncias diferentes.

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O sr. acredita que a invasão da Ucrânia pode desencadear uma nova e poderosa corrida armamentista no mundo?

Uma nova faceta, altamente tecnológica, da corrida armamentista já está em curso há alguns anos, disfarçada em “modernização” dos arsenais existentes. A invasão da Ucrânia poderá estimular a aquisição de novas armas por diversos países que se consideram ameaçados pelos graves acontecimentos recentes. Poderá também estimular a participação de novos países em alianças militares existentes ou mesmo a formação de novas alianças. A esperança é que esses acontecimentos estimulem também debates voltados para a busca de soluções realistas, tanto nas Nações Unidas quanto nas instâncias regionais como a Otan e também, principalmente, entre as próprias grandes potências.

Como poderia ser o impacto dessa ameaça de Putin para as já tensas e complicadas negociações com a Coreia do Norte e com o Irã?

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Infelizmente, o comportamento das grandes potências acaba por convencer os líderes de países como a Coreia do Norte e correntes mais radicais em outros, como o Irã, de que a opção nuclear oferece vantagens em relação à decisão de manter-se livre desse armamento. O exemplo que até hoje nos dão as potências nucleares é altamente negativo e perigoso. A segurança de todos se vê prejudicada pela obstinação dessas últimas em manter indefinidamente e aperfeiçoar constantemente suas capacidades bélicas, principalmente as de destruição em massa. 

A ordem do presidente russo, Vladimir Putin, para que as forças nucleares fossem colocadas em alerta máximo expôs uma retórica assustadora no período mais grave de conflagração com o uso dessas armas desde a crise dos mísseis, segundo o diplomata brasileiro Sérgio de Queiroz Duarte, que foi alto-representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. "Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável."

Em entrevista ao Estadão, ele explica que as duas grandes potências nucleares -- EUA e Rússia -- parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais e não mostram disposição para propor novas medidas. Esse comportamento, diz o diplomata que é presidente da organização internacional de luta contra as armas nucleares Pugwash, ganhadora do Nobel da Paz de 1995, encoraja líderes e correntes políticas mais radicais de que a opção nuclear oferece vantagens.

Como o anúncio de Putin muda a dinâmica entre as superpotências nucleares?

O recente anúncio de Putin suscita grave preocupação, sobretudo nos países europeus, mais diretamente ameaçados por um conflito nuclear. Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável. Na verdade, as duas principais potências, assim como outros países possuidores dessas armas, já mantinham suas forças nucleares em elevado nível de alerta, mas agora a retórica é mais direta e assustadora. O que parece ter mudado com a atitude do presidente Putin é o tom das ameaças, que agora são menos genéricas e dirigidas contra países específicos. A lógica da dissuasão obriga a estar sempre preparado para retaliar contra uma agressão de fato ou mesmo potencial, a fim de evitar que a agressão se concretize. Como já disseram inúmeros analistas na era nuclear, o problema da dissuasão nuclear é que ela somente pode falhar uma vez.

Refugiada ucraniana abraça criança em campo em Przemysl, na Polônia , em 28 de fevereiro Foto: Yara Nardi/Reuters

Como o sr. analisa este grave momento de tensão envolvendo ameaças de uma superpotência nuclear?

Desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o mundo não se via em perigo tão grave de uma conflagração com o uso de armas nucleares como agora. Os líderes mundiais precisam ter bom senso e comedimento para reduzir as tensões. Infelizmente, o bom senso parece esgotar-se rapidamente. Em junho passado, os presidentes Biden e Putin concordaram sobre a necessidade de assegurar previsibilidade na esfera estratégica, reduzindo o risco de conflitos armados e a ameaça de uma guerra nuclear. Os dois presidentes declararam conjuntamente que “uma guerra nuclear não terá vencedores e jamais deve ser travada” e se comprometeram em iniciar um diálogo estratégico bilateral a fim de lançar as bases de medidas futuras de controle de armamentos e redução de risco. Esse propósito já deveria ter tido seguimento desde o ano passado, mas não houve qualquer progresso na direção anunciada; ao contrário, a situação se deteriorou em poucos meses. Somente a retomada do diálogo e negociação poderá operar uma mudança na situação atual. A opinião pública tem um papel fundamental a desempenhar, ajudando atrazer de volta a sanidade ao relacionamento entre os poderosos.

Na sua opinião, como isso afetará daqui para frente as negociações sobre desmantelamento de arsenais nucleares?

O tratado Novo START, de 2009, estabeleceu limites a ogivas e vetores nucleares dos Estados Unidos e Rússia. Em consequência, certo número de armas foram desmanteladas, mas as que ainda existem, em posição de disparo ou armazenadas, são mais do que suficientes para extinguir a vida no planeta e a civilização como a conhecemos. Desde aquela época não houve continuação dos entendimentos para reduzir ainda mais os estoques e para incluir outros países nucleares nas negociações. Nas circunstâncias atuais parece muito difícil que essas negociações possam ser retomadas em um futuro próximo. Existem hoje no mundo aproximadamente 13 mil armas nucleares, das quais cerca de 95% estão nas mãos da Rússia e Estados Unidos.

Em 2019, o sr. alertou sobre o risco de uma nova Guerra Fria e que a relação entre Rússia e EUA estava se deteriorando. Aquele período, sob a administração Trump, poderia ter sido melhor gerenciado e ajudado a evitar o atual cenário internacional?

As duas grandes potências parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais que já não vigoram e não parecem dispostas a propor novas medidas. A maioria desses acordos foi abandonada durante o mais recente período presidencial nos Estados Unidos. É difícil raciocinar sobre hipóteses e não se pode dizer o que poderia ter acontecido em circunstâncias diferentes.

O sr. acredita que a invasão da Ucrânia pode desencadear uma nova e poderosa corrida armamentista no mundo?

Uma nova faceta, altamente tecnológica, da corrida armamentista já está em curso há alguns anos, disfarçada em “modernização” dos arsenais existentes. A invasão da Ucrânia poderá estimular a aquisição de novas armas por diversos países que se consideram ameaçados pelos graves acontecimentos recentes. Poderá também estimular a participação de novos países em alianças militares existentes ou mesmo a formação de novas alianças. A esperança é que esses acontecimentos estimulem também debates voltados para a busca de soluções realistas, tanto nas Nações Unidas quanto nas instâncias regionais como a Otan e também, principalmente, entre as próprias grandes potências.

Como poderia ser o impacto dessa ameaça de Putin para as já tensas e complicadas negociações com a Coreia do Norte e com o Irã?

Infelizmente, o comportamento das grandes potências acaba por convencer os líderes de países como a Coreia do Norte e correntes mais radicais em outros, como o Irã, de que a opção nuclear oferece vantagens em relação à decisão de manter-se livre desse armamento. O exemplo que até hoje nos dão as potências nucleares é altamente negativo e perigoso. A segurança de todos se vê prejudicada pela obstinação dessas últimas em manter indefinidamente e aperfeiçoar constantemente suas capacidades bélicas, principalmente as de destruição em massa. 

A ordem do presidente russo, Vladimir Putin, para que as forças nucleares fossem colocadas em alerta máximo expôs uma retórica assustadora no período mais grave de conflagração com o uso dessas armas desde a crise dos mísseis, segundo o diplomata brasileiro Sérgio de Queiroz Duarte, que foi alto-representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. "Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável."

Em entrevista ao Estadão, ele explica que as duas grandes potências nucleares -- EUA e Rússia -- parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais e não mostram disposição para propor novas medidas. Esse comportamento, diz o diplomata que é presidente da organização internacional de luta contra as armas nucleares Pugwash, ganhadora do Nobel da Paz de 1995, encoraja líderes e correntes políticas mais radicais de que a opção nuclear oferece vantagens.

Como o anúncio de Putin muda a dinâmica entre as superpotências nucleares?

O recente anúncio de Putin suscita grave preocupação, sobretudo nos países europeus, mais diretamente ameaçados por um conflito nuclear. Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável. Na verdade, as duas principais potências, assim como outros países possuidores dessas armas, já mantinham suas forças nucleares em elevado nível de alerta, mas agora a retórica é mais direta e assustadora. O que parece ter mudado com a atitude do presidente Putin é o tom das ameaças, que agora são menos genéricas e dirigidas contra países específicos. A lógica da dissuasão obriga a estar sempre preparado para retaliar contra uma agressão de fato ou mesmo potencial, a fim de evitar que a agressão se concretize. Como já disseram inúmeros analistas na era nuclear, o problema da dissuasão nuclear é que ela somente pode falhar uma vez.

Refugiada ucraniana abraça criança em campo em Przemysl, na Polônia , em 28 de fevereiro Foto: Yara Nardi/Reuters

Como o sr. analisa este grave momento de tensão envolvendo ameaças de uma superpotência nuclear?

Desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o mundo não se via em perigo tão grave de uma conflagração com o uso de armas nucleares como agora. Os líderes mundiais precisam ter bom senso e comedimento para reduzir as tensões. Infelizmente, o bom senso parece esgotar-se rapidamente. Em junho passado, os presidentes Biden e Putin concordaram sobre a necessidade de assegurar previsibilidade na esfera estratégica, reduzindo o risco de conflitos armados e a ameaça de uma guerra nuclear. Os dois presidentes declararam conjuntamente que “uma guerra nuclear não terá vencedores e jamais deve ser travada” e se comprometeram em iniciar um diálogo estratégico bilateral a fim de lançar as bases de medidas futuras de controle de armamentos e redução de risco. Esse propósito já deveria ter tido seguimento desde o ano passado, mas não houve qualquer progresso na direção anunciada; ao contrário, a situação se deteriorou em poucos meses. Somente a retomada do diálogo e negociação poderá operar uma mudança na situação atual. A opinião pública tem um papel fundamental a desempenhar, ajudando atrazer de volta a sanidade ao relacionamento entre os poderosos.

Na sua opinião, como isso afetará daqui para frente as negociações sobre desmantelamento de arsenais nucleares?

O tratado Novo START, de 2009, estabeleceu limites a ogivas e vetores nucleares dos Estados Unidos e Rússia. Em consequência, certo número de armas foram desmanteladas, mas as que ainda existem, em posição de disparo ou armazenadas, são mais do que suficientes para extinguir a vida no planeta e a civilização como a conhecemos. Desde aquela época não houve continuação dos entendimentos para reduzir ainda mais os estoques e para incluir outros países nucleares nas negociações. Nas circunstâncias atuais parece muito difícil que essas negociações possam ser retomadas em um futuro próximo. Existem hoje no mundo aproximadamente 13 mil armas nucleares, das quais cerca de 95% estão nas mãos da Rússia e Estados Unidos.

Em 2019, o sr. alertou sobre o risco de uma nova Guerra Fria e que a relação entre Rússia e EUA estava se deteriorando. Aquele período, sob a administração Trump, poderia ter sido melhor gerenciado e ajudado a evitar o atual cenário internacional?

As duas grandes potências parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais que já não vigoram e não parecem dispostas a propor novas medidas. A maioria desses acordos foi abandonada durante o mais recente período presidencial nos Estados Unidos. É difícil raciocinar sobre hipóteses e não se pode dizer o que poderia ter acontecido em circunstâncias diferentes.

O sr. acredita que a invasão da Ucrânia pode desencadear uma nova e poderosa corrida armamentista no mundo?

Uma nova faceta, altamente tecnológica, da corrida armamentista já está em curso há alguns anos, disfarçada em “modernização” dos arsenais existentes. A invasão da Ucrânia poderá estimular a aquisição de novas armas por diversos países que se consideram ameaçados pelos graves acontecimentos recentes. Poderá também estimular a participação de novos países em alianças militares existentes ou mesmo a formação de novas alianças. A esperança é que esses acontecimentos estimulem também debates voltados para a busca de soluções realistas, tanto nas Nações Unidas quanto nas instâncias regionais como a Otan e também, principalmente, entre as próprias grandes potências.

Como poderia ser o impacto dessa ameaça de Putin para as já tensas e complicadas negociações com a Coreia do Norte e com o Irã?

Infelizmente, o comportamento das grandes potências acaba por convencer os líderes de países como a Coreia do Norte e correntes mais radicais em outros, como o Irã, de que a opção nuclear oferece vantagens em relação à decisão de manter-se livre desse armamento. O exemplo que até hoje nos dão as potências nucleares é altamente negativo e perigoso. A segurança de todos se vê prejudicada pela obstinação dessas últimas em manter indefinidamente e aperfeiçoar constantemente suas capacidades bélicas, principalmente as de destruição em massa. 

A ordem do presidente russo, Vladimir Putin, para que as forças nucleares fossem colocadas em alerta máximo expôs uma retórica assustadora no período mais grave de conflagração com o uso dessas armas desde a crise dos mísseis, segundo o diplomata brasileiro Sérgio de Queiroz Duarte, que foi alto-representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. "Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável."

Em entrevista ao Estadão, ele explica que as duas grandes potências nucleares -- EUA e Rússia -- parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais e não mostram disposição para propor novas medidas. Esse comportamento, diz o diplomata que é presidente da organização internacional de luta contra as armas nucleares Pugwash, ganhadora do Nobel da Paz de 1995, encoraja líderes e correntes políticas mais radicais de que a opção nuclear oferece vantagens.

Como o anúncio de Putin muda a dinâmica entre as superpotências nucleares?

O recente anúncio de Putin suscita grave preocupação, sobretudo nos países europeus, mais diretamente ameaçados por um conflito nuclear. Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável. Na verdade, as duas principais potências, assim como outros países possuidores dessas armas, já mantinham suas forças nucleares em elevado nível de alerta, mas agora a retórica é mais direta e assustadora. O que parece ter mudado com a atitude do presidente Putin é o tom das ameaças, que agora são menos genéricas e dirigidas contra países específicos. A lógica da dissuasão obriga a estar sempre preparado para retaliar contra uma agressão de fato ou mesmo potencial, a fim de evitar que a agressão se concretize. Como já disseram inúmeros analistas na era nuclear, o problema da dissuasão nuclear é que ela somente pode falhar uma vez.

Refugiada ucraniana abraça criança em campo em Przemysl, na Polônia , em 28 de fevereiro Foto: Yara Nardi/Reuters

Como o sr. analisa este grave momento de tensão envolvendo ameaças de uma superpotência nuclear?

Desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o mundo não se via em perigo tão grave de uma conflagração com o uso de armas nucleares como agora. Os líderes mundiais precisam ter bom senso e comedimento para reduzir as tensões. Infelizmente, o bom senso parece esgotar-se rapidamente. Em junho passado, os presidentes Biden e Putin concordaram sobre a necessidade de assegurar previsibilidade na esfera estratégica, reduzindo o risco de conflitos armados e a ameaça de uma guerra nuclear. Os dois presidentes declararam conjuntamente que “uma guerra nuclear não terá vencedores e jamais deve ser travada” e se comprometeram em iniciar um diálogo estratégico bilateral a fim de lançar as bases de medidas futuras de controle de armamentos e redução de risco. Esse propósito já deveria ter tido seguimento desde o ano passado, mas não houve qualquer progresso na direção anunciada; ao contrário, a situação se deteriorou em poucos meses. Somente a retomada do diálogo e negociação poderá operar uma mudança na situação atual. A opinião pública tem um papel fundamental a desempenhar, ajudando atrazer de volta a sanidade ao relacionamento entre os poderosos.

Na sua opinião, como isso afetará daqui para frente as negociações sobre desmantelamento de arsenais nucleares?

O tratado Novo START, de 2009, estabeleceu limites a ogivas e vetores nucleares dos Estados Unidos e Rússia. Em consequência, certo número de armas foram desmanteladas, mas as que ainda existem, em posição de disparo ou armazenadas, são mais do que suficientes para extinguir a vida no planeta e a civilização como a conhecemos. Desde aquela época não houve continuação dos entendimentos para reduzir ainda mais os estoques e para incluir outros países nucleares nas negociações. Nas circunstâncias atuais parece muito difícil que essas negociações possam ser retomadas em um futuro próximo. Existem hoje no mundo aproximadamente 13 mil armas nucleares, das quais cerca de 95% estão nas mãos da Rússia e Estados Unidos.

Em 2019, o sr. alertou sobre o risco de uma nova Guerra Fria e que a relação entre Rússia e EUA estava se deteriorando. Aquele período, sob a administração Trump, poderia ter sido melhor gerenciado e ajudado a evitar o atual cenário internacional?

As duas grandes potências parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais que já não vigoram e não parecem dispostas a propor novas medidas. A maioria desses acordos foi abandonada durante o mais recente período presidencial nos Estados Unidos. É difícil raciocinar sobre hipóteses e não se pode dizer o que poderia ter acontecido em circunstâncias diferentes.

O sr. acredita que a invasão da Ucrânia pode desencadear uma nova e poderosa corrida armamentista no mundo?

Uma nova faceta, altamente tecnológica, da corrida armamentista já está em curso há alguns anos, disfarçada em “modernização” dos arsenais existentes. A invasão da Ucrânia poderá estimular a aquisição de novas armas por diversos países que se consideram ameaçados pelos graves acontecimentos recentes. Poderá também estimular a participação de novos países em alianças militares existentes ou mesmo a formação de novas alianças. A esperança é que esses acontecimentos estimulem também debates voltados para a busca de soluções realistas, tanto nas Nações Unidas quanto nas instâncias regionais como a Otan e também, principalmente, entre as próprias grandes potências.

Como poderia ser o impacto dessa ameaça de Putin para as já tensas e complicadas negociações com a Coreia do Norte e com o Irã?

Infelizmente, o comportamento das grandes potências acaba por convencer os líderes de países como a Coreia do Norte e correntes mais radicais em outros, como o Irã, de que a opção nuclear oferece vantagens em relação à decisão de manter-se livre desse armamento. O exemplo que até hoje nos dão as potências nucleares é altamente negativo e perigoso. A segurança de todos se vê prejudicada pela obstinação dessas últimas em manter indefinidamente e aperfeiçoar constantemente suas capacidades bélicas, principalmente as de destruição em massa. 

A ordem do presidente russo, Vladimir Putin, para que as forças nucleares fossem colocadas em alerta máximo expôs uma retórica assustadora no período mais grave de conflagração com o uso dessas armas desde a crise dos mísseis, segundo o diplomata brasileiro Sérgio de Queiroz Duarte, que foi alto-representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. "Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável."

Em entrevista ao Estadão, ele explica que as duas grandes potências nucleares -- EUA e Rússia -- parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais e não mostram disposição para propor novas medidas. Esse comportamento, diz o diplomata que é presidente da organização internacional de luta contra as armas nucleares Pugwash, ganhadora do Nobel da Paz de 1995, encoraja líderes e correntes políticas mais radicais de que a opção nuclear oferece vantagens.

Como o anúncio de Putin muda a dinâmica entre as superpotências nucleares?

O recente anúncio de Putin suscita grave preocupação, sobretudo nos países europeus, mais diretamente ameaçados por um conflito nuclear. Uma vez iniciada uma conflagração, o risco de escalada até chegar ao uso de armamento nuclear é incalculável. Na verdade, as duas principais potências, assim como outros países possuidores dessas armas, já mantinham suas forças nucleares em elevado nível de alerta, mas agora a retórica é mais direta e assustadora. O que parece ter mudado com a atitude do presidente Putin é o tom das ameaças, que agora são menos genéricas e dirigidas contra países específicos. A lógica da dissuasão obriga a estar sempre preparado para retaliar contra uma agressão de fato ou mesmo potencial, a fim de evitar que a agressão se concretize. Como já disseram inúmeros analistas na era nuclear, o problema da dissuasão nuclear é que ela somente pode falhar uma vez.

Refugiada ucraniana abraça criança em campo em Przemysl, na Polônia , em 28 de fevereiro Foto: Yara Nardi/Reuters

Como o sr. analisa este grave momento de tensão envolvendo ameaças de uma superpotência nuclear?

Desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o mundo não se via em perigo tão grave de uma conflagração com o uso de armas nucleares como agora. Os líderes mundiais precisam ter bom senso e comedimento para reduzir as tensões. Infelizmente, o bom senso parece esgotar-se rapidamente. Em junho passado, os presidentes Biden e Putin concordaram sobre a necessidade de assegurar previsibilidade na esfera estratégica, reduzindo o risco de conflitos armados e a ameaça de uma guerra nuclear. Os dois presidentes declararam conjuntamente que “uma guerra nuclear não terá vencedores e jamais deve ser travada” e se comprometeram em iniciar um diálogo estratégico bilateral a fim de lançar as bases de medidas futuras de controle de armamentos e redução de risco. Esse propósito já deveria ter tido seguimento desde o ano passado, mas não houve qualquer progresso na direção anunciada; ao contrário, a situação se deteriorou em poucos meses. Somente a retomada do diálogo e negociação poderá operar uma mudança na situação atual. A opinião pública tem um papel fundamental a desempenhar, ajudando atrazer de volta a sanidade ao relacionamento entre os poderosos.

Na sua opinião, como isso afetará daqui para frente as negociações sobre desmantelamento de arsenais nucleares?

O tratado Novo START, de 2009, estabeleceu limites a ogivas e vetores nucleares dos Estados Unidos e Rússia. Em consequência, certo número de armas foram desmanteladas, mas as que ainda existem, em posição de disparo ou armazenadas, são mais do que suficientes para extinguir a vida no planeta e a civilização como a conhecemos. Desde aquela época não houve continuação dos entendimentos para reduzir ainda mais os estoques e para incluir outros países nucleares nas negociações. Nas circunstâncias atuais parece muito difícil que essas negociações possam ser retomadas em um futuro próximo. Existem hoje no mundo aproximadamente 13 mil armas nucleares, das quais cerca de 95% estão nas mãos da Rússia e Estados Unidos.

Em 2019, o sr. alertou sobre o risco de uma nova Guerra Fria e que a relação entre Rússia e EUA estava se deteriorando. Aquele período, sob a administração Trump, poderia ter sido melhor gerenciado e ajudado a evitar o atual cenário internacional?

As duas grandes potências parecem ter se desinteressado em revitalizar os vários acordos bilaterais que já não vigoram e não parecem dispostas a propor novas medidas. A maioria desses acordos foi abandonada durante o mais recente período presidencial nos Estados Unidos. É difícil raciocinar sobre hipóteses e não se pode dizer o que poderia ter acontecido em circunstâncias diferentes.

O sr. acredita que a invasão da Ucrânia pode desencadear uma nova e poderosa corrida armamentista no mundo?

Uma nova faceta, altamente tecnológica, da corrida armamentista já está em curso há alguns anos, disfarçada em “modernização” dos arsenais existentes. A invasão da Ucrânia poderá estimular a aquisição de novas armas por diversos países que se consideram ameaçados pelos graves acontecimentos recentes. Poderá também estimular a participação de novos países em alianças militares existentes ou mesmo a formação de novas alianças. A esperança é que esses acontecimentos estimulem também debates voltados para a busca de soluções realistas, tanto nas Nações Unidas quanto nas instâncias regionais como a Otan e também, principalmente, entre as próprias grandes potências.

Como poderia ser o impacto dessa ameaça de Putin para as já tensas e complicadas negociações com a Coreia do Norte e com o Irã?

Infelizmente, o comportamento das grandes potências acaba por convencer os líderes de países como a Coreia do Norte e correntes mais radicais em outros, como o Irã, de que a opção nuclear oferece vantagens em relação à decisão de manter-se livre desse armamento. O exemplo que até hoje nos dão as potências nucleares é altamente negativo e perigoso. A segurança de todos se vê prejudicada pela obstinação dessas últimas em manter indefinidamente e aperfeiçoar constantemente suas capacidades bélicas, principalmente as de destruição em massa. 

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