O que acontece com o Mercosul com Milei na Argentina? E como fica o acordo com a UE? Entenda


Brasil espera que novo governo argentino dê aval para negociação após a posse, em 10 de dezembro, mas ‘janela de oportunidade’ deve fechar no ano que vem

Por Jéssica Petrovna
Atualização:

ENNVIADA ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO - A vitória da Javier Milei deixa uma pergunta em aberto: quem governará a Argentina a partir de 10 de dezembro? O radical que vociferou contra parceiros estratégicos ou o presidente eleito que dá sinais de moderação e acomoda a direita tradicional nos ministérios? Essa será uma questão fundamental para o Mercosul, que se reúne esta semana no Rio de Janeiro, às vésperas da posse em Buenos Aires.

Hoje, a transição de Alberto Fernández para Javier Milei é tida como principal entrave para a conclusão do acordo comercial com a União Europeia, que era esperado para está quinta-feira, 7, quando o Brasil entregará a presidência rotativa do bloco ao Paraguai. E analistas ouvidos pelo Estadão apontam que a questão Argentina vai além do acordo.

“O bloco criado em 1991 sempre dependeu de um alinhamento entre Brasil e Argentina nos temas econômicos e, em menor grau, também geopolíticos, o que tem ficado mais difícil nos últimos anos tanto pela instabilidade políticas das nossas democracias quanto pela ascensão da extrema direita em momentos distintos da história recente dos nossos países”, argumenta o professor de Relações Internacionais da FGV Guilherme Casarões.

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Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Alberto Fernández, na Cúpula do Mercosul de Puerto Iguazu, 4 de julho de 2023. Foto: Maria Eugenia Cerutti/ PRESIDÊNCIA DA ARGENTINA / via REUTERS

O alinhamento que houve entre petistas e peronistas ou entre Mauricio Macri e Michel Temer e, posteriormente, Jair Bolsonaro, deu lugar ao afastamento quando Alberto Fernández assumiu o governo argentino em 2019. A retomada veio com a troca de guarda no Brasil - Lula é próximo de Fernández e escolheu Buenos Aires como primeiro destino do seu tour diplomático. A partir de domingo, mais uma vez, os vizinhos terão sinais trocados.

“É possível, portanto, que o Mercosul se enfraqueça diante dessa mudança de governo na Argentina”, afirma Casarões, lembrando que Milei já se posicionou contra o projeto de integração regional defendido por Lula. “Mesmo que a realidade econômica obrigue Milei a manter-se no bloco e a preservar boas relações com o Brasil, administrar o Mercosul será um grande desafio daqui em diante”, acrescenta.

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Para Casarões, evitar que “cada país siga o seu próprio caminho” vai exigir esforço do Brasil e o acordo com a União Europeia poderia dar sobrevida ao bloco. Lula disse que vai insistir na negociação, mas a conclusão durante a Cúpula é descartada nos bastidores já que, depois da Argentina afirmar que é preciso esperar o novo governo, os europeus cancelaram a reunião presencial considerada decisiva para aparar as arestas.

O mais provável é que os dois lados divulguem uma declaração conjunta, destacando os avanços conquistados nas últimas semanas. A percepção é de que eles foram significativos e que o acordo está muito perto - falta apenas o aval da Argentina, que é esperado dentro do governo.

Após questionar a própria existência do Mercosul, o governo do libertário já disse por meio da futura chanceler Diana Mondino que tem interesse no livre comércio com a UE. Analistas e fontes do governo apontam que o Mercosul é importante para economia dos seus países-membros e a Argentina não deve descartá-lo especialmente no momento de crise, com a inflação anual acima dos 140%.

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Presidente eleito da Argentina, Javier Milei, em cerimônia do Congresso certificou resultado da eleição. Foto: JUAN MABROMATA / AFP

“Há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios de moderar a linguagem e procurar uma acomodação”, aponta o diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em entrevista ao Estadão.

O ponto é que o grau de incerteza permanece alto na Argentina à espera do novo governo, eleito com a promessa de ruptura. E ainda que Buenos Aires siga o caminho sinalizado pela visita de Mondino a Brasília e, de fato, decida assinar o acordo, resta saber quando.

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Os grandes defensores do negócio, como Brasil e Espanha, expressam otimismo: “há janelas de oportunidade para chegar a uma conclusão bem-sucedida, inclusive antes de 31 de dezembro, e continuamos esperançosos”, disse uma fonte do governo espanhol a Agência Reuters. Mas fato é que essa “janela de oportunidade” tende a se fechar no ano que vem à medida em que as eleições do Parlamento Europeu se aproximam. Por isso, o tempo que o novo governo argentino vai levar para decidir importa.

Cobrança por abertura no Mercosul

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Além disso, mesmo que essa expectativa de uma Argentina amigável ao Mercosul se cumpra, a posse de Javier Milei pode alterar o balanço de forças entre os sul-americanos. O Uruguai tem cobrado mais abertura dentro do bloco e o governo libertário na Argentina pode se juntar ao coro, afirma o professor de Relações Internacionais da FAAP Vinícius Vieira.

“Milei quer imprimir essa ideia de liberalização ao governo. E o Mercosul hoje é um mercado comum mas que, na prática, funciona como união aduaneira. Então é impossível fazer acordos bilaterais que não sejam em bloco porque a tarifa externa tem que ser única”, lembra Vieira. “Milei junto com Lacalle Pou podem ser grandes forças nesse sentido (de cobrança por liberdade dentro do bloco)”, acrescenta.

Nesse contexto, o Mercosul busca destravar a pauta de negociações em resposta às pressões internas. Durante a Cúpula no Rio de Janeiro, deve ser anunciado o acordo de livre comércio com Singapura - o primeiro com um país fora do bloco em 12 anos. Para analistas, o acordo é parte do esforço brasileiro para mostrar que essa integração pode trazer resultados. Isso ainda que o acordo com a União Europeia permaneça no papel.

ENNVIADA ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO - A vitória da Javier Milei deixa uma pergunta em aberto: quem governará a Argentina a partir de 10 de dezembro? O radical que vociferou contra parceiros estratégicos ou o presidente eleito que dá sinais de moderação e acomoda a direita tradicional nos ministérios? Essa será uma questão fundamental para o Mercosul, que se reúne esta semana no Rio de Janeiro, às vésperas da posse em Buenos Aires.

Hoje, a transição de Alberto Fernández para Javier Milei é tida como principal entrave para a conclusão do acordo comercial com a União Europeia, que era esperado para está quinta-feira, 7, quando o Brasil entregará a presidência rotativa do bloco ao Paraguai. E analistas ouvidos pelo Estadão apontam que a questão Argentina vai além do acordo.

“O bloco criado em 1991 sempre dependeu de um alinhamento entre Brasil e Argentina nos temas econômicos e, em menor grau, também geopolíticos, o que tem ficado mais difícil nos últimos anos tanto pela instabilidade políticas das nossas democracias quanto pela ascensão da extrema direita em momentos distintos da história recente dos nossos países”, argumenta o professor de Relações Internacionais da FGV Guilherme Casarões.

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Alberto Fernández, na Cúpula do Mercosul de Puerto Iguazu, 4 de julho de 2023. Foto: Maria Eugenia Cerutti/ PRESIDÊNCIA DA ARGENTINA / via REUTERS

O alinhamento que houve entre petistas e peronistas ou entre Mauricio Macri e Michel Temer e, posteriormente, Jair Bolsonaro, deu lugar ao afastamento quando Alberto Fernández assumiu o governo argentino em 2019. A retomada veio com a troca de guarda no Brasil - Lula é próximo de Fernández e escolheu Buenos Aires como primeiro destino do seu tour diplomático. A partir de domingo, mais uma vez, os vizinhos terão sinais trocados.

“É possível, portanto, que o Mercosul se enfraqueça diante dessa mudança de governo na Argentina”, afirma Casarões, lembrando que Milei já se posicionou contra o projeto de integração regional defendido por Lula. “Mesmo que a realidade econômica obrigue Milei a manter-se no bloco e a preservar boas relações com o Brasil, administrar o Mercosul será um grande desafio daqui em diante”, acrescenta.

Para Casarões, evitar que “cada país siga o seu próprio caminho” vai exigir esforço do Brasil e o acordo com a União Europeia poderia dar sobrevida ao bloco. Lula disse que vai insistir na negociação, mas a conclusão durante a Cúpula é descartada nos bastidores já que, depois da Argentina afirmar que é preciso esperar o novo governo, os europeus cancelaram a reunião presencial considerada decisiva para aparar as arestas.

O mais provável é que os dois lados divulguem uma declaração conjunta, destacando os avanços conquistados nas últimas semanas. A percepção é de que eles foram significativos e que o acordo está muito perto - falta apenas o aval da Argentina, que é esperado dentro do governo.

Após questionar a própria existência do Mercosul, o governo do libertário já disse por meio da futura chanceler Diana Mondino que tem interesse no livre comércio com a UE. Analistas e fontes do governo apontam que o Mercosul é importante para economia dos seus países-membros e a Argentina não deve descartá-lo especialmente no momento de crise, com a inflação anual acima dos 140%.

Presidente eleito da Argentina, Javier Milei, em cerimônia do Congresso certificou resultado da eleição. Foto: JUAN MABROMATA / AFP

“Há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios de moderar a linguagem e procurar uma acomodação”, aponta o diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em entrevista ao Estadão.

O ponto é que o grau de incerteza permanece alto na Argentina à espera do novo governo, eleito com a promessa de ruptura. E ainda que Buenos Aires siga o caminho sinalizado pela visita de Mondino a Brasília e, de fato, decida assinar o acordo, resta saber quando.

Os grandes defensores do negócio, como Brasil e Espanha, expressam otimismo: “há janelas de oportunidade para chegar a uma conclusão bem-sucedida, inclusive antes de 31 de dezembro, e continuamos esperançosos”, disse uma fonte do governo espanhol a Agência Reuters. Mas fato é que essa “janela de oportunidade” tende a se fechar no ano que vem à medida em que as eleições do Parlamento Europeu se aproximam. Por isso, o tempo que o novo governo argentino vai levar para decidir importa.

Cobrança por abertura no Mercosul

Além disso, mesmo que essa expectativa de uma Argentina amigável ao Mercosul se cumpra, a posse de Javier Milei pode alterar o balanço de forças entre os sul-americanos. O Uruguai tem cobrado mais abertura dentro do bloco e o governo libertário na Argentina pode se juntar ao coro, afirma o professor de Relações Internacionais da FAAP Vinícius Vieira.

“Milei quer imprimir essa ideia de liberalização ao governo. E o Mercosul hoje é um mercado comum mas que, na prática, funciona como união aduaneira. Então é impossível fazer acordos bilaterais que não sejam em bloco porque a tarifa externa tem que ser única”, lembra Vieira. “Milei junto com Lacalle Pou podem ser grandes forças nesse sentido (de cobrança por liberdade dentro do bloco)”, acrescenta.

Nesse contexto, o Mercosul busca destravar a pauta de negociações em resposta às pressões internas. Durante a Cúpula no Rio de Janeiro, deve ser anunciado o acordo de livre comércio com Singapura - o primeiro com um país fora do bloco em 12 anos. Para analistas, o acordo é parte do esforço brasileiro para mostrar que essa integração pode trazer resultados. Isso ainda que o acordo com a União Europeia permaneça no papel.

ENNVIADA ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO - A vitória da Javier Milei deixa uma pergunta em aberto: quem governará a Argentina a partir de 10 de dezembro? O radical que vociferou contra parceiros estratégicos ou o presidente eleito que dá sinais de moderação e acomoda a direita tradicional nos ministérios? Essa será uma questão fundamental para o Mercosul, que se reúne esta semana no Rio de Janeiro, às vésperas da posse em Buenos Aires.

Hoje, a transição de Alberto Fernández para Javier Milei é tida como principal entrave para a conclusão do acordo comercial com a União Europeia, que era esperado para está quinta-feira, 7, quando o Brasil entregará a presidência rotativa do bloco ao Paraguai. E analistas ouvidos pelo Estadão apontam que a questão Argentina vai além do acordo.

“O bloco criado em 1991 sempre dependeu de um alinhamento entre Brasil e Argentina nos temas econômicos e, em menor grau, também geopolíticos, o que tem ficado mais difícil nos últimos anos tanto pela instabilidade políticas das nossas democracias quanto pela ascensão da extrema direita em momentos distintos da história recente dos nossos países”, argumenta o professor de Relações Internacionais da FGV Guilherme Casarões.

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Alberto Fernández, na Cúpula do Mercosul de Puerto Iguazu, 4 de julho de 2023. Foto: Maria Eugenia Cerutti/ PRESIDÊNCIA DA ARGENTINA / via REUTERS

O alinhamento que houve entre petistas e peronistas ou entre Mauricio Macri e Michel Temer e, posteriormente, Jair Bolsonaro, deu lugar ao afastamento quando Alberto Fernández assumiu o governo argentino em 2019. A retomada veio com a troca de guarda no Brasil - Lula é próximo de Fernández e escolheu Buenos Aires como primeiro destino do seu tour diplomático. A partir de domingo, mais uma vez, os vizinhos terão sinais trocados.

“É possível, portanto, que o Mercosul se enfraqueça diante dessa mudança de governo na Argentina”, afirma Casarões, lembrando que Milei já se posicionou contra o projeto de integração regional defendido por Lula. “Mesmo que a realidade econômica obrigue Milei a manter-se no bloco e a preservar boas relações com o Brasil, administrar o Mercosul será um grande desafio daqui em diante”, acrescenta.

Para Casarões, evitar que “cada país siga o seu próprio caminho” vai exigir esforço do Brasil e o acordo com a União Europeia poderia dar sobrevida ao bloco. Lula disse que vai insistir na negociação, mas a conclusão durante a Cúpula é descartada nos bastidores já que, depois da Argentina afirmar que é preciso esperar o novo governo, os europeus cancelaram a reunião presencial considerada decisiva para aparar as arestas.

O mais provável é que os dois lados divulguem uma declaração conjunta, destacando os avanços conquistados nas últimas semanas. A percepção é de que eles foram significativos e que o acordo está muito perto - falta apenas o aval da Argentina, que é esperado dentro do governo.

Após questionar a própria existência do Mercosul, o governo do libertário já disse por meio da futura chanceler Diana Mondino que tem interesse no livre comércio com a UE. Analistas e fontes do governo apontam que o Mercosul é importante para economia dos seus países-membros e a Argentina não deve descartá-lo especialmente no momento de crise, com a inflação anual acima dos 140%.

Presidente eleito da Argentina, Javier Milei, em cerimônia do Congresso certificou resultado da eleição. Foto: JUAN MABROMATA / AFP

“Há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios de moderar a linguagem e procurar uma acomodação”, aponta o diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em entrevista ao Estadão.

O ponto é que o grau de incerteza permanece alto na Argentina à espera do novo governo, eleito com a promessa de ruptura. E ainda que Buenos Aires siga o caminho sinalizado pela visita de Mondino a Brasília e, de fato, decida assinar o acordo, resta saber quando.

Os grandes defensores do negócio, como Brasil e Espanha, expressam otimismo: “há janelas de oportunidade para chegar a uma conclusão bem-sucedida, inclusive antes de 31 de dezembro, e continuamos esperançosos”, disse uma fonte do governo espanhol a Agência Reuters. Mas fato é que essa “janela de oportunidade” tende a se fechar no ano que vem à medida em que as eleições do Parlamento Europeu se aproximam. Por isso, o tempo que o novo governo argentino vai levar para decidir importa.

Cobrança por abertura no Mercosul

Além disso, mesmo que essa expectativa de uma Argentina amigável ao Mercosul se cumpra, a posse de Javier Milei pode alterar o balanço de forças entre os sul-americanos. O Uruguai tem cobrado mais abertura dentro do bloco e o governo libertário na Argentina pode se juntar ao coro, afirma o professor de Relações Internacionais da FAAP Vinícius Vieira.

“Milei quer imprimir essa ideia de liberalização ao governo. E o Mercosul hoje é um mercado comum mas que, na prática, funciona como união aduaneira. Então é impossível fazer acordos bilaterais que não sejam em bloco porque a tarifa externa tem que ser única”, lembra Vieira. “Milei junto com Lacalle Pou podem ser grandes forças nesse sentido (de cobrança por liberdade dentro do bloco)”, acrescenta.

Nesse contexto, o Mercosul busca destravar a pauta de negociações em resposta às pressões internas. Durante a Cúpula no Rio de Janeiro, deve ser anunciado o acordo de livre comércio com Singapura - o primeiro com um país fora do bloco em 12 anos. Para analistas, o acordo é parte do esforço brasileiro para mostrar que essa integração pode trazer resultados. Isso ainda que o acordo com a União Europeia permaneça no papel.

ENNVIADA ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO - A vitória da Javier Milei deixa uma pergunta em aberto: quem governará a Argentina a partir de 10 de dezembro? O radical que vociferou contra parceiros estratégicos ou o presidente eleito que dá sinais de moderação e acomoda a direita tradicional nos ministérios? Essa será uma questão fundamental para o Mercosul, que se reúne esta semana no Rio de Janeiro, às vésperas da posse em Buenos Aires.

Hoje, a transição de Alberto Fernández para Javier Milei é tida como principal entrave para a conclusão do acordo comercial com a União Europeia, que era esperado para está quinta-feira, 7, quando o Brasil entregará a presidência rotativa do bloco ao Paraguai. E analistas ouvidos pelo Estadão apontam que a questão Argentina vai além do acordo.

“O bloco criado em 1991 sempre dependeu de um alinhamento entre Brasil e Argentina nos temas econômicos e, em menor grau, também geopolíticos, o que tem ficado mais difícil nos últimos anos tanto pela instabilidade políticas das nossas democracias quanto pela ascensão da extrema direita em momentos distintos da história recente dos nossos países”, argumenta o professor de Relações Internacionais da FGV Guilherme Casarões.

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Alberto Fernández, na Cúpula do Mercosul de Puerto Iguazu, 4 de julho de 2023. Foto: Maria Eugenia Cerutti/ PRESIDÊNCIA DA ARGENTINA / via REUTERS

O alinhamento que houve entre petistas e peronistas ou entre Mauricio Macri e Michel Temer e, posteriormente, Jair Bolsonaro, deu lugar ao afastamento quando Alberto Fernández assumiu o governo argentino em 2019. A retomada veio com a troca de guarda no Brasil - Lula é próximo de Fernández e escolheu Buenos Aires como primeiro destino do seu tour diplomático. A partir de domingo, mais uma vez, os vizinhos terão sinais trocados.

“É possível, portanto, que o Mercosul se enfraqueça diante dessa mudança de governo na Argentina”, afirma Casarões, lembrando que Milei já se posicionou contra o projeto de integração regional defendido por Lula. “Mesmo que a realidade econômica obrigue Milei a manter-se no bloco e a preservar boas relações com o Brasil, administrar o Mercosul será um grande desafio daqui em diante”, acrescenta.

Para Casarões, evitar que “cada país siga o seu próprio caminho” vai exigir esforço do Brasil e o acordo com a União Europeia poderia dar sobrevida ao bloco. Lula disse que vai insistir na negociação, mas a conclusão durante a Cúpula é descartada nos bastidores já que, depois da Argentina afirmar que é preciso esperar o novo governo, os europeus cancelaram a reunião presencial considerada decisiva para aparar as arestas.

O mais provável é que os dois lados divulguem uma declaração conjunta, destacando os avanços conquistados nas últimas semanas. A percepção é de que eles foram significativos e que o acordo está muito perto - falta apenas o aval da Argentina, que é esperado dentro do governo.

Após questionar a própria existência do Mercosul, o governo do libertário já disse por meio da futura chanceler Diana Mondino que tem interesse no livre comércio com a UE. Analistas e fontes do governo apontam que o Mercosul é importante para economia dos seus países-membros e a Argentina não deve descartá-lo especialmente no momento de crise, com a inflação anual acima dos 140%.

Presidente eleito da Argentina, Javier Milei, em cerimônia do Congresso certificou resultado da eleição. Foto: JUAN MABROMATA / AFP

“Há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios de moderar a linguagem e procurar uma acomodação”, aponta o diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em entrevista ao Estadão.

O ponto é que o grau de incerteza permanece alto na Argentina à espera do novo governo, eleito com a promessa de ruptura. E ainda que Buenos Aires siga o caminho sinalizado pela visita de Mondino a Brasília e, de fato, decida assinar o acordo, resta saber quando.

Os grandes defensores do negócio, como Brasil e Espanha, expressam otimismo: “há janelas de oportunidade para chegar a uma conclusão bem-sucedida, inclusive antes de 31 de dezembro, e continuamos esperançosos”, disse uma fonte do governo espanhol a Agência Reuters. Mas fato é que essa “janela de oportunidade” tende a se fechar no ano que vem à medida em que as eleições do Parlamento Europeu se aproximam. Por isso, o tempo que o novo governo argentino vai levar para decidir importa.

Cobrança por abertura no Mercosul

Além disso, mesmo que essa expectativa de uma Argentina amigável ao Mercosul se cumpra, a posse de Javier Milei pode alterar o balanço de forças entre os sul-americanos. O Uruguai tem cobrado mais abertura dentro do bloco e o governo libertário na Argentina pode se juntar ao coro, afirma o professor de Relações Internacionais da FAAP Vinícius Vieira.

“Milei quer imprimir essa ideia de liberalização ao governo. E o Mercosul hoje é um mercado comum mas que, na prática, funciona como união aduaneira. Então é impossível fazer acordos bilaterais que não sejam em bloco porque a tarifa externa tem que ser única”, lembra Vieira. “Milei junto com Lacalle Pou podem ser grandes forças nesse sentido (de cobrança por liberdade dentro do bloco)”, acrescenta.

Nesse contexto, o Mercosul busca destravar a pauta de negociações em resposta às pressões internas. Durante a Cúpula no Rio de Janeiro, deve ser anunciado o acordo de livre comércio com Singapura - o primeiro com um país fora do bloco em 12 anos. Para analistas, o acordo é parte do esforço brasileiro para mostrar que essa integração pode trazer resultados. Isso ainda que o acordo com a União Europeia permaneça no papel.

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